A gestão da informação em atenção básica de saúde e a qualidade dos registros de enfermagem*

The Management of Information on Basic Health Care and the Quality of Nursing Records

La gestión de la información en la atención primaria de salud y la calidad de los registros de enfermería

Investigación en Enfermería: Imagen y Desarrollo, vol. 20, núm. 2, 2018

Pontificia Universidad Javeriana

Dorquelina Augusta Maia a

Universidade Federal Fluminense, Brasil


Geilsa Soraia Cavalcanti Valente

Universidade Federal Fluminense, Brasil




Recepção: 27 Fevereiro 2016

Aprovação: 20 Março 2017

Resumo: Objetivos: Descrever o processo de trabalho dos profissionais da atenção básica, no que se refere à produção e utilização dos registros em saúde; discutir a importância da gestão da informação em saúde e sua relevância para a qualidade dos registros de enfermagem. Método: Estudo exploratório-descritivo, com abordagem qualitativa, pesquisa de campo com análise documental, que teve como cenário: três centros municipais de saúde localizados no município do Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Os participantes foram doze profissionais de enfermagem em atividade nestas unidades. O referencial teórico está baseado no conceito de uma prática reflexiva defendido por Donald Schön, que enfatiza a instrução e a aprendizagem, através do fazer, sendo os dados analisados a partir das dimensões para análise e atributos para gestão da qualidade da informação propostos por De Sordi. Resultados: Três categorias emergiram do estudo, as quais foram analiticamente denominadas de 1) a prática do registro no “fazer” da enfermagem; 2) a qualidade do registro no pensar da enfermagem; e 3) os registros de enfermagem no contexto da gestão da informação em saúde. Conclusão: Se faz necessário investir em estratégias de educação permanente, visando promover o desenvolvimento da responsabilidade intelectual e consequentemente o aprimoramento da prática de registrar em enfermagem.

Palavras-chave educação permanente, gestão da informação em saúde, registros de enfermagem.

Abstract: Aims: To describe the process of working with professionals of primary care, as regards the production and use of health records; discuss the importance of information management in health and its relevance to the quality of nursing records. Method: Exploratory-descriptive study with a qualitative approach, field research to document analysis that took place at three municipal centers, where live family health teams with other unit staff. The theoretical framework is based on the concept of reflective practice advocated by Donald Schön that emphasizes education and learning by doing. Twelve workers were active in the units setting of the research were interviewed and the data analyzed from the dimensions for analysis and attributes for quality management of information proposed by De Sordi. Results: Three categories emerged from the study, which were analytically named: 1) The practice of registration in the “doing” of nursing; 2) the quality of the record in the thinking of nursing; and 3) the nursing records in the context of health information management. Conclusion: That it is necessary to invest in lifelong learning strategies to promote the development of an intellectual responsibility and consequently the improvement of the practice of recording in nursing.

Keywords: continuing education, information management in health, nursing records.

Resumen: Objetivos: Describir el proceso de trabajo de los profesionales de atención primaria con relación a la producción y utilización de los registros en salud y discutir la importancia de la gestión de la información en salud y su pertinencia para la calidad de los registros de enfermería. Método: Estudio exploratorio-descriptivo, con planteamiento cualitativo; investigación de campo con análisis documental que tuvo como escenarios tres centros municipales de salud ubicados en la ciudad de Río de Janeiro, Brasil. Los participantes eran doce profesionales de enfermería que trabajaban en estas unidades. El marco teórico está basado en el concepto de una práctica reflexiva sostenido por Donald Schön, que hace hincapié en la enseñanza y el aprendizaje, a través del “hacer”, y los datos se analizaron a partir de las dimensiones para el análisis y las características para la gestión de la calidad de la información propuestos por De Sordi. Resultados: Emergieron tres categorías del estudio, que fueron analíticamente denominadas: 1) práctica del registro en el “hacer” de la enfermería, 2) calidad del registro en el “pensar” de la enfermería y 3) registros de enfermería en el contexto de la gestión de la información en salud. Conclusión: Es necesario invertir en estrategias de educación continua, con miras a fomentar el desarrollo de la responsabilidad intelectual y, por consiguiente, el perfeccionamiento de la práctica frente a los registros en enfermería.

Palabras clave: educación continua, gestión de la información en salud, registros de enfermería.

Introdução

A unidade básica de saúde é a porta de entrada para o sistema de saúde brasileiro e a estratégia organizadora do cuidado integral. Entende-se, portanto, que a precisão e o registro sistemático dos dados, assim como a transformação dos mesmos em informação, são fundamentais para nortear processos intrínsecos à área [1]. Neste sentido, evidencia-se a percepção de “informação” como uma estrutura complexa e elemento que em qualquer âmbito precede a comunicação, a tecnologia, o conhecimento e a ação, ou seja, é insumo para qualquer “fazer” [2].

Por conseguinte, busca-se destacar a necessidade da gestão, visando ampliar a compreensão e o comprometimento dos profissionais no que se refere a sua relevância e propósito. Nesta lógica, acrescenta-se que as organizações necessitam redimensionar o papel da informação e do conhecimento, ressignificando seu valor para os indivíduos que nela atuam e para a própria organização. O nível de complexidade requer atenção quanto à precisão, relevância e propósito da informação. Há necessidade de trabalhar a cultura e o comportamento das pessoas em relação à geração, compartilhamento e apropriação de informação e conhecimento [3].

Nesse contexto, os registros de enfermagem devem expressar o reflexo da avaliação do profissional quanto ao cliente e configuram o único meio de demonstrar a eficiência do cuidado oferecido, assim como a conformidade do trabalho executado [4]. Por outro lado, compreende-se dado como uma base para gerar informações [5]. Assim, dados são como uma matéria prima sobre a qual trabalhamos, juntando-os, correlacionando-os, contrapondo-os, para produzir informações que traduzam um conhecimento, uma interpretação e um juízo sobre determinada situação. Mas, eles não falam por si.

Sobre este aspecto, destaca-se que a tecnologia, por si só, não é capaz de transformar dados em informação, é preciso que se crie um significado. Portanto, a inexistência de intervenção humana faz com que a maior parte do que experimentamos seja apenas dado, e a maioria do que é chamado de tecnologia da informação seja, de fato, apenas tecnologia de dados, porque não trata da compreensão, construção ou comunicação da informação [6]. Neste sentido, discutir a importância dos instrumentos, buscar a relação entre as informações geradas e quais as influências que as ações podem ter nesse processo e a importância desses instrumentos para a continuidade do trabalho, são condições importantes para rompermos com a simples coleta de dados e o encaminhamento para os outros níveis [7].

É fato que os registros realizados por profissionais de saúde constituem um importante veículo de comunicação e conduzem ao conhecimento dos resultados obtidos com os cuidados prestados pela equipe de saúde envolvida com a atividade e facilita na tomada de decisões, além de propiciar melhor coordenação e continuidade das ações em saúde. Assim, tem-se como objetivos: descrever o processo de trabalho dos profissionais da atenção básica, no que se refere à produção e utilização dos registros em saúde, e discutir a importância da gestão da informação em saúde e sua relevância para a qualidade dos registros de enfermagem.

Percebe-se que profissionais de nível superior, quando em atividade na atenção básica em saúde, demonstram pouco comprometimento ao registrarem suas atividades ou procedimentos realizados. No entanto, desde os primórdios da enfermagem, anotar os problemas observados durante a assistência ao paciente, de forma precisa e correta, foi uma preocupação e orientação por parte de Florence Nightingale [8]. Porém, ainda hoje, constata-se que grande parcela das pesquisas sobre os registros de enfermagem tem como foco principal a assistência, e pouco se discute sobre a relevância dos registros, no contexto da gestão e utilização da informação em saúde.

Salienta-se que dentre os profissionais em atividade na área da atenção básica em saúde, a atuação da enfermagem ocorre de forma mais próxima ao cliente, mas apesar desta proximidade, analisando suas anotações, pouco se percebe do muito realizado durante a assistência prestada. Sobre este aspecto, afirma-se que um profissional competente está sempre preocupado com problemas instrumentais e busca os meios mais adequados para desenvolver ações que produzam os efeitos pretendidos, conscientes de seus objetivos. Assim, acredita-se que o compromentimento pessoal do profissional é o que leva ao desenvolvimento da competência referida. [7]

Esta afirmação reforça a necessidade de reflexão na ação, por parte do enfermeiro, no que se refere à prática de produção dos registros para a qualificação dos processos de trabalho em saúde. Neste contexto, a principal reflexão que procura-se trazer, vem na perspectiva de colaborar para a criação de ações educativas, que possibilitem a utilização destes instrumentos (registros), visando gerar maior valorização e comprometimento por parte dos profissionais, assim como auxiliar a compreensão do impacto na construção das informações em saúde.

Considerando o exposto, entende-se que as ações de enfermagem tornam-se evidentes a partir das anotações efetuadas pela equipe, portanto, esses apontamentos consistem no mais importante instrumento dentre suas atividades, pois possibilita avaliação do cuidado, intervenções estratégicas, suporte jurídico e ainda, servem de base para estudos diversos. De tal modo, este estudo pode ser uma proposta de integração entre ensino e serviço, com reflexão sobre possíveis implicações advindas da qualidade dos registros em saúde, propiciando autoquestionamento, crescimento intelectual, mudanças de práticas, maior autonomia profissional e ainda, validar e promover visibilidade as ações de atenção à saúde.

Vale ressaltar o caráter multidimensional inferido à informação em saúde, que como parte integrante de uma Política Nacional de Informação e Informática na Saúde [8] prima pelo controle social e pela utilização ética e fidedigna de dados produzidos com qualidade, seja em relação ao cidadão ou outras áreas da saúde. Neste sentido, dá a possibilidade de observar a informação em saúde como subsídio para o próprio setor saúde: na administração; na assistência; no controle e avaliação; no orçamento e finanças; no planejamento; nos recursos humanos; na regulação; na saúde suplementar; no geoprocessamento em saúde; e na vigilância epidemiológica, sanitária e ambiental [9]. Assim, a informação em saúde deve ser entendida como um instrumento de apoio decisório para o conhecimento da realidade sócio-econômica, demográfica e epidemiológica, para o planejamento, gestão, organização e avaliação nos vários níveis que constituem o Sistema Único de Saúde [10].

A informação é qualificada como um instrumento modificador da consciência do homem e de seu grupo, quando adequadamente assimilada, produz conhecimento, modifica o acervo intelectual de informações do indivíduo e traz benefícios ao seu desenvolvimento, ou seja, é um agente mediador da produção de conhecimentos. A gestão da informação em saúde tem por objetivo o gerenciamento da aquisição, organização, recuperação e disseminação da informação em saúde, conforme dados da Biblioteca Virtual em Saúde [1]. Estas variáveis nos permitem abordar, articular e contextualizar dimensões e implicações de temas como educação, legislação, recursos humanos, ética e normas no universo da prática de enfermagem, no intuito de responder a seguinte questão de pesquisa: como se dá o processo de trabalho de enfermagem na atenção básica de saúde, no que tange a gestão da informação em saúde?

Metodologia

Esta pesquisa é parte de uma dissertação do Mestrado Profissional em Ensino na Saúde, realizado na Escola de Enfermagem da Universidade Federal Fluminense, Niterói (RJ), Brasil. Trata-se de um estudo com aporte metodológico do tipo multicêntrico, que são estudos controlados e executados em diversas instituições cooperantes para avaliar a magnitude de certas variáveis e resultados numa população específica. Está baseado em abordagem qualitativa, a partir de transcrição de entrevistas e posterior análise de conteúdo, na modalidade temática [11,12].

Realizou-se pesquisa de campo em uma das coordenadorias de Área Programática (CAP) da cidade do Rio de Janeiro, Brasil. A coordenadoria em questão trata-se da CAP 5.1, a mesma abrange dez bairros e atualmente oferece 25 unidades de saúde. O cenário foi composto por três centros municipais de saúde [13].

Os participantes de pesquisa foram 2 auxiliares, 3 técnicos e 7 enfermeiros em atividade nas unidades cenário do estudo, num total de 12 entrevistas. Elegeu-se como critérios de inclusão o aceite em participar da pesquisa, mínimo de um ano em atividade profissional na instituição cenário e presença no período de aplicação dos instrumentos de pesquisa. Para definição da amostra, considerou-se a inclusão de todos os profissionais atuantes no cenário da pesquisa, que atendiam aos referidos critérios.

Foram abordadas sete enfermeiras entre 34 e 64 anos de idade. Quanto as características da amostra: A mais nova na instituição tinha três anos de trabalho e a mais antiga, trinta anos. Estratégia de Saúde da Família é a especialidade de três dessas enfermeiras e entre as demais, duas se habilitaram em saúde pública, sendo que uma delas também fez licenciatura plena. Outra enfermeira realizou uma capacitação para ensino de nível médio e uma não possui especialização. Entre os profissionais de nível médio entrevistados, três eram técnicos e dois auxiliares de enfermagem, do sexo masculino. A idade entre eles variou em 51 e 64 anos, o que se refere ao tempo de trabalho na instituição variou entre quatorze e vinte e oito anos de serviços prestados. Quatro informaram ter formação superior, sendo um em serviço social, dois em enfermagem e outro graduado em Licenciatura da Língua Portuguesa.

Para a coleta de dados utilizou-se a técnica de entrevista semi-estruturada, gravada em aparelho MP4 e como instrumento, um formulário para traçar o perfil de formação dos participantes, um questionário semiestruturado, abordando o cotidiano dos sujeitos acerca dos registros em saúde, com base nos atributos sobre administração da informação propostos por De Sordi [11] e nos conceitos de conhecer-na-ação e reflexão-na-ação de Schön [7]. As declarações dos depoentes foram compiladas a partir das semelhanças e contradições, pela técnica de análise de conteúdo, na modalidade temática [12].

Respeitando o instituído pela Resolução nº 466/2012, do Conselho Nacional de Saúde (CNS), as instituições e os participantes receberam códigos alfanuméricos garantindo o anonimato. A pesquisa foi aprovada pelo do Comitê de Ética e Pesquisa (CEP) da Faculdade de Medicina da Universidade Federal Fluminense, considerado o primeiro centro de pesquisa, sob nº 924.336/14.

Resultados e discussão

Os registros de enfermagem no contexto da gestão da informação em saúde

Sobre os nexos entre os registros de enfermagem e a complexidade do tratamento das informações no universo das ações em saúde, correlacionando à prática de registrar em enfermagem, entende-se contextualização como um dispositivo para motivação e comprometimento dos profissionais, considerando que ao dar significado a um determinado “evento” a contextualização propicia a problematização das práticas, provocando a aquisição de novos conhecimentos. Nesta lógica, foi aplicado o seguinte questionamento: como você correlaciona os registros produzidos pelos profissionais, com o processo de construção da informação em saúde?

O que eu tenho aqui, por exemplo, eu faço um tipo de informação que vai para produção que é esse boletim de produção ambulatorial individualizado, quantidade de curativos que eu produzo, toda ação é realizada aqui, tudo é preenchido por mim e levado nos dias em que estou aqui, que é segundas e quartas para o setor do SIAB (sistema de informação ambulatorial). (Ent. 1-Tec. de enf.)

Essa pergunta é assim meio complicada. Acho que tudo realmente é um processo de construção dessa informação. Se todos os profissionais da equipe fazem um bom registro, temos condições de construir um processo de resgatar esse paciente. Tem agente comunitário que registra de uma maneira e tem outro profissional que registra de outra maneira. (Ent. 7-Enfermeiro)

Os depoimentos sinalizam que, mesmo em serviços que dispõe de impressos padronizados para geração dos registros, como na estratégia de saúde da família, percebe-se que a dimensão confiabilidade da informação/dados fica comprometida, devido a posturas diferenciadas na forma de registrar, o que induz a questionamentos quanto a credibilidade ou autoridade cognitiva da fonte, assim como do conteúdo da informação.

Um aspecto importante a ser levado em consideração é a visão limitada às questões assistenciais imediatas, sem demonstrar compreensão quanto a função que essas anotações assumem no contexto de formulação de outras intervenções em saúde que correspondam às demandas suscitadas pela clientela na qual a unidade e os profissionais de saúde se inserem. Este fato indica a necessidade de estratégias que gerem conhecimento e propiciem a compreensão dos registros produzidos, enquanto instrumento de intervenção na formulação de planejamentos, ações e políticas de saúde. Logo, percebe-se que interpretações sobre as etapas que envolvem o contexto da informação, exigem dos profissionais um envolvimento intelectual mais complexo do que o exigido para produção de dados, para que haja interpretações conceituais coerentes. Por conseguinte, mais importante do que produzir os dados, seria a compreensão gerencial destes.

A seguir, os depoentes assinalam, ainda que timidamente, a importância dos registros de enfermagem para investigações e ações de vigilância em saúde. Vale enfatizar que na atenção básica, a implementação de ações e/ou levantamentos epidemiológicos tem como base os registros produzidos pelos profissionais em atividade nas unidades de saúde. Considerando que em qualquer unidade de saúde a equipe de enfermagem configura o maior percentual de recursos humanos e que estes profissionais geralmente atuam mais próximos dos usuários, entende-se que os registros por eles produzidos têm grande impacto e permeiam todo o processo de vigilância epidemiológica.

Inicialmente aqui na bancada de atendimento ao cliente, é tudo registrado em livros e nós temos as fichas. Agora com a inovação, a prefeitura implantou o sistema de informatização e tem uma pessoa específica que registra no banco de dados. (Ent. 2-Téc. de Enf.)

Registro nas cadernetas as vacinas que foram aplicadas e faço o aprazamento das vacinas fica anotado na folha de estatística. Agora nós temos um livro para os adultos, temos outro livro que é para as crianças que não fazem as vacinas habitualmente aqui, que por algum motivo vem para fazer apenas uma vacina específica. Temos também o contra arquivo de todas as crianças, mesmo as fora de área. (Ent. 12-Auxiliar de Enf.)

Eu acho que é importante sim, porque a mãe vem aqui traz o cartão que avaliamos para aplicar a vacina e fazer o aprazamento. E sempre tem uma história por traz, vem com outro filho que está com catapora e isso tudo a gente vai observando. Acho que quando a gente vai enviando esses dados para Secretaria eles formam bancos de dados de informação. Servem como informação para eles atuarem em campanha de orientação e até de revacinação. (Ent. 2-Téc. De Enf.)

Este depoimento lembra que cada ação local contribui para um experimento global de reconstrução de um determinado problema [7]. Ou seja, os registros ou dados coletados pela enfermagem nas unidades básicas de saúde, além de expressarem e possibilitarem o acompanhamento da assistência significa um importante elemento constitutivo para o processo de trabalho em outras instâncias da saúde. A seguir, outro depoimento:

Na realidade quando a gente se respalda legalmente, fazendo todo tipo de registro, fica mais fácil para construir nosso trabalho, às vezes para fazer uma análise ou para fazer algum estudo, tudo fica mais fácil. (Ent. 3-Enfermeiro)

Nesta fala torna-se evidente a noção do profissional quanto à relevância jurídica de seus registros. A enfermagem, assim como outras profissões, está regulamentada por leis ou normas jurídicas, portanto entende-se que seus registros/anotações, juridicamente representam um importante dispositivo para respaldo legal do exercício profissional, possibilitando defesa ou punição do profissional. Outro enfoque percebido neste depoimento, sinaliza a possibilidade de se trabalhar com os acervos de informação. Neste campo, a documentação das práticas assistenciais e os resultados obtidos dessas práticas, documentados em registros escritos, constituem um importante instrumento de comunicação para avaliação e continuidade da assistência, podendo ainda fomentar pesquisas e ensino [14].

A visão puramente quantitativa demonstrada na fala a seguir, sugere que a inobservância da correlação das ações desenvolvidas pela enfermagem com outros contextos pode ser origem para geração de informações de má qualidade [11]:

É complicada essa pergunta, mas, por exemplo, nós temos no acolhimento pacientes que tem hepatite C e a gente faz esse controle com a epidemiologia, estatisticamente; é importante para epidemiologia. (Ent. 6-Enfermeiro)

Especialmente na área de atenção básica, a atuação da equipe de enfermagem configura um conjunto de ações que se articulam e complementam-se na consecução do trabalho em saúde, outrossim, que as anotações de enfermagem quando associadas à população assistida por determinado serviço e analisadas epidemiologicamente, permitem identificar ou esclarecer problemas de saúde diversos. Portanto, a qualidade desses registros valida ou não a quantidade dos mesmos.

Portanto, as não conformidades identificadas a partir das falas dos depoentes, assim como, a visão limitada dos mesmos sobre a temática, sinalizam questões que deveriam ser consideradas como oportunidades que podem e devem ser aproveitadas para que sejam inseridos processos educativos para desenvolver tanto o conhecimento dos profissionais quanto a qualidade dos serviços oferecidos à população.

Existe a necessidade de que ações educativas sejam uma realidade no cotidiano, com o objetivo de provocar uma reflexão crítica sobre a situação-problema, ou seja, o pouco conhecimento no que se refere ao valor dos registros. De modo geral o tratamento e transformação dos dados em informação, normalmente são realizados fora do nível local, portanto os profissionais que estão diretamente em contato com a assistência e produzindo os registros, não estão envolvidos com o uso efetivo ou com a análise dessas informações, talvez por este motivo demonstrem pouco conhecimento ao assunto de gestão da informação.

Nesse contexto, a educação permanente busca uma prática institucionalizada, tem por objetivo a transformação de práticas técnicas e sociais, a periodicidade é contínua, fundamenta-se na pedagogia centrada na resolução de problemas, onde o resultado é a mudança institucional, a apropriação ativa do saber científico, fortalecendo a equipe de trabalho. Seguindo este pensamento, pode-se inferir que atividades educativas com foco na gestão da informação desde sua etapa mais básica, se fazem necessárias, no intuito de apurar a compreensão dos profissionais no que se refere à relevância e propósito da coleta e registro dos dados [15,16].

Considerações finais

A realização deste estudo trouxe a clareza de que a produção de registros e dados que irão se constituir em informação, envolve processos de trabalho técnicos e organizacionais, dentre outros. A contribuição da enfermagem por meio do registro de suas ações e procedimentos é notória, principalmente em se tratando da área de atenção básica, que tem como característica a vigilância epidemiológica e é considerada porta de entrada para o Sistema Único de Saúde no Brasil. Percebeu-se que a coleta de dados, assim como os registros de enfermagem, concretiza-se na forma de prontuários impressos/eletrônicos, ou em formato de formulários padronizados e servem de base para gerar conhecimento. Entre outros aspectos, refletem a qualidade da assistência, garantem a continuidade das atividades, além de representar uma importante ferramenta para processos decisórios, fornecer dados para investigações científicas e, eventualmente, constituem subsídios para demandas ético-legais.

Para tanto, evidencia-se a importância da Gestão da Informação em Saúde que tem por objetivo o gerenciamento da aquisição, organização, recuperação e disseminação da informação em saúde. Dentro dessa perspectiva, visualiza-se possibilidades de atividades educativas para abordar, articular e contextualizar dimensões e implicações sobre a temática em questão.

Financiamento

A pesquisa foi custeada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal para o Ensino Superior e pelo Ministério da Educação do Brasil.

Referências

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Notas

* Artigo de pesquisa.

Autor notes

a Autor de correspondência. Correio eletrônico: dorquelinamaia@gmail.com

Declaração de interesses

As autoras não possuem nenhum conflito de interesse perante o material produzido na pesquisa realizada.

Informação adicional

Como citar: Maia DA, Valente GS. A gestão da informação em atenção básica de saúde e a qualidade dos registros de enfermagem. Investig Enferm Imagen Desarr. 2018;20(2). doi: https://doi.org/10.11144/Javeriana.ie20-2.gias

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