A neurobiologia da psicopatologia e psicoterapia e as implicações práticas de uma perspectiva materialista na definição de mente*

Neurobiology of Psychopathology and Psychotherapy and practical implications of materialistic view in mind definition

Rodrigo Teixeira Lopes, Marcele de Carvalho, Felipe Santos de Oliveira

A neurobiologia da psicopatologia e psicoterapia e as implicações práticas de uma perspectiva materialista na definição de mente*

Universitas Psychologica, vol. 15, no. 5, 2016

Pontificia Universidad Javeriana

Rodrigo Teixeira Lopes a

Universidade do Minho, Brasil


Marcele de Carvalho

Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil


Felipe Santos de Oliveira

Universidade Católica de Petrópolis, Brasil




Recepção: 20 Maio 2016

Aprovação: 13 Dezembro 2016

Resumo: A psicologia passa no momento atual por uma importante mudança de paradigma teórico e conceptual. Essa mudança ficou bastante marcada na década de 90, considerada a "década do cérebro", quando aumentaram significativamente o número de estudos em comportamento que partiam do funcionamento do cérebro. O mainstream das ciências do comportamento retornou à noção monista materialista de que cérebro e comportamento estão intrinsecamente interligados. Essa noção saiu dos laboratórios de pesquisa básica e chegou com força nas pesquisas aplicadas à psicopatologia e à psicoterapia. A presente revisão narrativa tem como principal objetivo traçar um panorama atual desse empreendimento científico, com ênfase nos esforços feitos dentro das áreas da psicopatologia e da clínica psicológica. Ao final, discute-se até que ponto essa mudança de paradigma pode chegar na prática profissional do psicólogo.

Palavras-chave psicologia clínica, psicopatologia, neurociências, psiquiatria, neurologia, marcadores biológicos.

Abstract: Psychology faces nowadays for a major change of theoretical and conceptual paradigm. This change was quite marked in the 90s, which was considered the "decade of the brain" when the number of behavioral studies based on brain functioning significantly increased. The mainstream of the behavioral sciences returned to the monistic materialistic notion that the brain and behavior are inextricably intertwined. This idea came out of basic research laboratories and influenced strongly in applied research in psychopathology and psychotherapy. This narrative review aims to draw up a current view of the scientific enterprise, with emphasis on efforts within the areas of clinical psychology and psychopathology. It is also discussed to what extent this paradigm shift can reach the professional practice of psychology.

Keywords: clinical psychology, psychopathology, neuroscience, psychiatry, neurology, biological markers.

Introdução

O problema filosófico da relação corpo-alma, atualmente referido como problema mente-cérebro, é uma das questões centrais dentro da filosofia da mente (McGinn, 1996). O dualismo cartesiano constituiu-se como uma proposta resolução do problema quando postula a existência de duas substâncias distintas: a res cogitans e a res extensa (Churchland, 1993). Para Descartes, o homem é formado por duas naturezas distintas que são capazes de se interinfluenciarem. A primeira substância seria não-física, não-divisível e subjetiva a qual ele chama de Espírito. A segunda seria o corpo tal como podemos percebê-lo no mundo físico, sujeito às leis da física. Descartes não se preocupou muito em explicar a interação entre essas duas substâncias e bastou-lhe dizer que ela se dava através de uma pequena glândula no cérebro, a glândula pineal (Churchland, 1993; McGinn, 1996)

No âmbito das ciências do comportamento, isso não foi assim tão diferente (Araújo, 2003). A psicologia, ao se constituir como uma disciplina científica independente da filosofia teve como objeto de estudo os "processos mentais", diferente da medicina e da biologia, que estudava o corpo. Por mais que mudassem os nomes desses "processos mentais", os psicólogos, durante muito tempo, se apoiaram na noção de que mente e corpo eram duas coisas distintas, tal como postulou o filósofo francês. Consequências desse dualismo foram a falta de rigor científico na psicoterapia e a emergência e declínio de inúmeros modelos terapêuticos ao longo da história (Gonçalves et al., 2006; Kandel, 1998).

A década de 90, conhecida como a "década do cérebro", marca uma mudança profunda nesse estado de coisas, já que a pesquisa sobre o cérebro cresce exponencialmente (Araújo, 2003; Baddeley et al., 2000). O crescente esforço em investigação dos neurofisiologistas, neurobiólogos, neuroanatomistas, psicofarmarcologistas, biólogos moleculares, geneticistas, neurocirurgiões, neurocientistas computacionais, psiconeuroimunologistas e, a partir da observação clínica, de psiquiatras, neurologistas e psicólogos, ajudaram a desvendar a "glândula pineal" de Descartes. A psicopatologia seguiu essa direção utilizando a grande variedade de novas técnicas científicas para estudar mais a fundo as relações entre cérebro, doença mental e tratamento. O princípio norteador dessa tendência, a qual os filósofos da mente denominam "materialismo" (Churchland, 1993) é de que os processos psicológicos (e.g., percepção, atenção, memória, linguagem, funcionamento executivo, emoções, aprendizagem), inclusive os processos psicológicos patológicos, ao mesmo tempo que derivam de mecanismos neurobiológicos, também desencadeiam alterações neurobiológicas (Eisch & Nestler, 2002; Gonçalves et al., 2006; Kandel, 1998).

A presente revisão narrativa pretende, primeiramente, traçar um panorama dos avanços feitos na psicopatologia e seu tratamento a partir dessa visão "materialista" e consequentemente cientificista do ser humano. Posteriormente, em nossa conclusão, discutiremos algumas consequências práticas que acreditamos possam derivar dessa perspectiva.

A psicopatologia e a psicoterapia com bases biológicas e científicas

Kandel (1998) constata que a psiquiatria (e o mesmo vale para a psicologia clínica), graças à forte influência da psicanálise, permaneceu por muito tempo como uma ciência empírica, com pobres bases científicas. O autor clama nessa altura por mais estudos que tentem compreender a psicopatologia utilizando bases neurobiológicas.

Uma primeira grande questão que se faz quando se opta por essa linha de estudo é, justamente, quais são as bases biológicas da psicopatologia? Uma forma de respondê-la tem sido na tentativa de encontrar marcadores biológicos que variem com a natureza e a gravidade da psicopatologia. Uma primeira classe de marcadores são os de natureza bioquímica, os quais apresentar-se-á logo em seguida. Posteriormente, serão descritos estudos que evidenciam características estruturais e funcionais do cérebro que estão na base de diferentes psicopatologias.

A base neuroquímica para a psicopatologia e psicoterapia

Não são poucas as evidências de mudanças significativas em níveis bioquímicos durante intervenções psicológicas. Um estudo com 40 adolescentes do sexo feminino voluntárias, com idade média de 16 anos, que preencheram os critérios diagnósticos para depressão leve, Jeong et al. (2005) encontraram no grupo experimental submetido à intervenção com Terapia de Dança e Movimento, um aumento significativo na concentração da serotonina plasmática e um declínio da dopamina, indicadores que estão relacionados com a depressão. Foi utilizado também o Symptoms CheckList-90 (Derrogatis, 1977) para medir o nível de perturbação psicológica, a qual variou na mesma proporção da medida biológica.

Ainda na seara das perturbações depressivas, (Koch, Kell, Hinze-Selch, & Aldenhoff, 2002), em um ensaio clínico exploratório não randomizado com 20 pacientes hospitalizados, diagnosticados com Perturbação Depressiva Major (escore mínimo de 18 na Hamilton Depression Scale, HAMD) e não medicados com antidepressivos, obtiveram resultados que confirmaram a hipóteses de que a fosforilação do CREB aumenta depois de duas semanas de tratamentos antidepressivos de quaisquer espécie. Os autores utilizaram pacientes que estavam recebendo tratamento exclusivamente psicológico e exclusivamente psicofarmacológico. Dos 15 respondentes, 5 foram tratados somente com psicoterapia (4 com terapia interpessoal e 1 não especificado). Foi feita uma coleta de sangue no primeiro, sétimo e décimo quarto dia de tratamento. A resposta do tratamento foi definida como pelo menos 30% de redução no escore inicial da HAMD na segunda coleta de sangue. O objetivo desse estudo foi verificar se a fosforilação do CREB nos linfócitos T do sangue periférico poderia servir como um marcador de estado da resposta do tratamento. Houveram diferenças significativas entre os 15 respondentes e os 5 não respondentes ao tratamento no que tange à fosforilação do CREB.

Jockers-Scherübl et al. (2007) mediram as concentrações de serum de Nerve Growth Factor (NGF) em 22 pacientes com o diagnóstico de Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG) antes e depois do tratamento com Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) e compararam com um grupo controlo de sujeitos considerados saudáveis. Antes de iniciar a terapia os sujeitos de ambos os grupos não mostraram diferenças. No final da TCC bem sucedida os níveis de concentração de serum de NGF dos pacientes com TAG aumentou significativamente comparativamente com o grupo controlo. O aumento significativo dos níveis de NGF depois de 25 sessões de tratamento com TCC deverá refletir uma mudança neurobiológica significativa e positiva, indicando uma boa resposta terapêutica. Entre os 22 sujeitos da amostra, 3 não responderam ao tratamento e não apresentaram aumento significativo no serum de NGF, suportando, assim, a hipótese de que o aumento da concentração de serum de NGF pode ser um indicador de maior sucesso no tratamento de TAG com TCC.

O hormônio adrenocorticotrófica (ACTH) e corticosterona no plasma é uma das substâncias associadas ao estresse agudo. Na tentativa de encontrar os mecanismos biológicos subjacentes aos cuidados maternais, Meaney & Szyf (2005) mostram que a descendência das mães adultas que manifestam elevados cuidados maternais após a semana do parto apresentam um baixo nível de ACTH, quando comparada com a descendência de mães adultas com poucos cuidados maternos.

Até agora, vimos alguns estudos com uma metodologia "top down", estudo que nos permitem perceber "de cima para baixo" como intervenções comportamentais provocam alterações neuroquímicas significativas: uma melhora dos sintomas depressivos aumenta a concentração da serotonina plasmática e diminui a concentração da dopamina (Jeong et al., 2005), aumenta a fosforilação do CREB (Koch et al., 2002) e aumenta a concentração no serum de NGF (Jockers-Scherübl et al., 2007); um maior cuidado maternal diminui a concentração de ACTH.

Outro tipo de investigação evidencia as mudanças de baixo para cima ("bottom up"). Um exemplo disso é o estudo experimental duplo-cego que se segue. Apesar de não ter sido desenhado para nenhuma psicopatologia específica, mostra resultados que ajudarão muito no tratamento do autismo. Domes, Heinrichs, Michel, Berger, & Herpertz (2007) pediram a 31 voluntários masculinos saudáveis que inalassem uma certa quantidade de oxitocina. Para alguns deles foi dado placebo. Esse hormônio está muito envolvido em processos de vinculação e até por isso, presente em maiores concentrações em mulheres grávidas. Foi pedido que os participantes fizessem um teste que avalia a capacidade de inferir estados mentais em outras pessoas através da expressão de seus olhos, o "Reading the mind in the eyes test" (RMET). Os resultados mostram que houve uma alteração muito significativa nos escores do RMET entre os sujeitos que inalaram oxitocina e aqueles que inalaram placebo. Percebemos aqui uma alteração comportamental clara, em decorrência de uma manipulação biológica.

A neurogênese como base para compreender a psicopatologia e psicoterapia

Uma outra linha de investigação importante baseada na biologia para a compreensão da psicopatologia deriva dos estudos sobre a neurogênese. Até pouco tempo atrás, pensava-se que a neurogênese não existia nos adultos. Em uma completa revisão sobre o tema, Eisch & Nestler (2002) apontam a relação entre a neurogênese e alguns transtornos psiquiátricos. Os autores defendem que a neurogênese está relacionada com a psicopatologia, não somente por afetar a morfologia e o volume das estruturas, o que também acontece, mas também porque a neuro e a citogênese estão diretamente ligadas à plasticidade neuronal. Evidências disso, segundo os autores advém do fato de que a neurogênese no adulto ocorre em zonas com alto grau de plasticidade neuronal, tais como o hipocampo e o bulbo olfatório. Além disso, tem sido encontrada neurogênese no adulto em todos os mamíferos estudados. Uma outra evidência é que a neurogênese é regulada por estímulos ambientais e fisiológicos.

Uma importante conclusão desse estudo é a de que a neurogênese está muito relacionada à regulação do hipocampo e é aqui que está a sua grande associação com a psicopatologia. Em casos de estresse crônico e de estresse pós-traumático, o volume do hipocampo é bem mais reduzido, se comparado com controles. A resposta ao estresse, de maneira prolongada é apontada como um fator importante na etiologia da depressão (Scorza, Guerra, Cavalheiro, & Calil, 2005). Sheline, Wang, Gado, Csernansky, & Vannier (1996) realizou estudos de neuroimagiologia que mostraram uma diminuição do volume hipocampal de mulheres idosas com depressão quando comparadas com mulheres sem patologia associada e da mesma faixa etária. Os autores associaram essa perda neuronal a uma neurotoxicidade mediada pelo estresse. O estresse agudo ou crônico diminui a proliferação e sobrevivência dos neurónios recentemente nascidos nas zonas subgranulares adultas em várias espécies de mamíferos, muito provavelmente mediados por glicocorticóides, com a consequente diminuição total do volume do hipocampo e do funcionamento da memória (Fuchs, Uno, & Flügge, 1995).

Da mesma forma que a psicopatologia altera o processo de neurogênese, a introdução de mudanças ambientais e comportamentais tais como o exercício voluntário, a exposição à ambientes ricos em estímulos e, claro, a psicoterapia, também o faz. Entender melhor a neurogênese e conseguir manipulá-la é conseguir também aumentar a eficácia de tratamentos em saúde mental, inclusive a eficácia de técnicas psicológicas específicas (Scorza et al., 2005).

A sinaptogênese como base para a mudança em psicoterapia

Apesar da importância da neurogênese em processos psicológicos e psicopatológicos, tal como vimos acima, é na sinaptogênese que reside o maior número de evidências para a compreensão da relação entre cérebro e ambiente. Isso se dá porque a neurogênese é quantitativa e qualitativamente mais limitada do que a sinaptogênese. Quantitativamente, pois a primeira acontece em proporções muito pequenas no humano adulto, se comparada com sinaptogênese. Qualitativamente porque a sinaptogênese é claramente um processo funcional e mais diretamente dependente da adaptação do organismo às condições externas a ele, o que a torna também mais dinâmica. É a sinaptogênese que está mais diretamente envolvida com os processos de plasticidade, o que a torna o "calcanhar de Aquiles do cérebro" (Johnston, 2004). O autor lembra também que a mesma plasticidade que ajuda-nos a adaptar em nosso meio é também uma condição fundamental para o desenvolvimento da psicopatologia.

As técnicas de imagiologia, tais como Tomografia de Emissão de Positrões (PET) e Ressonância Magnética Funcional (fMRI) abriram as portas para uma exploração não invasiva do cérebro humano, muitas vezes em um nível de resolução que possibilita vermos as mudanças ao nível estrutural e funcional associadas com o sintomas das perturbações e com a evolução do tratamento (Kumari, 2006).

Do ponto de vista do desenvolvimento cognitivo temos uma linha de estudos que mostram como a plasticidade está envolvida nos processos de mudança. (Ochsner, Bunge, Gross, & Gabrieli, 2002) observaram a relação entre a reavaliação do estímulo negativo, ("reappraisal", um mecanismo importantíssimo para a psicoterapia), a melhoria do humor e os padrões de atividade cerebral. Os sujeitos foram avaliados antes e depois de lhes ser pedido para reavaliar (ou reinterpretar) cenas altamente negativas sob uma luz mais positiva. A reavaliação estava associada com a melhoria do humor e aumento da atividade do córtex pré-frontal dorsolateral e dorso-medial, mas diminui a atividade na amígdala e no córtex orbito-frontal.

No nível psicopatológico, encontramos algumas evidências já bastante estabelecidas de processos e áreas cerebrais responsáveis por estados psicopatológicos. A depressão, por exemplo, está comumente associada com áreas dorsais, inclusive o córtex pré-frontal dorsolateral (Roffman, Marci, Glick, Dougherty, & Rauch, 2005). Goldapple et al. (2004) viram que depois de tratamento bem sucedido com a TCC que a ativação de múltiplas áreas frontais e parietais diminuiu e que houve um aumento no metabolismo do hipocampo. Na revisão feita por Kumari (2006) notou-se ainda que, depois de alguns tratamentos psicoterapêuticos bem sucedidos houve um aumento de fluxo sanguíneo nos gânglios basais direitos.

Nas fobias o aumento de fluxo sanguíneo no córtex visual associativo e diminuição do fluxo sanguíneo no hipocampo, cingulado posterior, córtex orbito-frontal, pré-frontal e temporal, encontram-se associados ao medo e ansiedade que emergem devido a estimulação fóbica. Kumari (2006) mostra estudos em que TCC de sucesso modifica a atividade neuronal no córtex pré-frontal dorsolateral (o que reflete o uso de estratégias meta-cognitivas proativas com o objetivo de autorregular o medo e ansiedade) e da circunvolução para-hipocampal (relacionada com a automática reativação da memória do medo). Já na esquizofrenia as regiões cerebrais afetadas são o córtex frontal, temporal e estriado, a amigdala, o hipocampo e o tálamo. A TCC tem demonstrado eficácia na diminuição dos sintomas positivos da esquizofrenia e grande influência nos sintomas negativos. Contudo, não existe nenhum artigo publicado no que respeita à correlação das bases neuronais e os efeitos da Terapia Cognitivo-Comportamental na esquizofrenia (Kumari, 2006).

No Transtorno Obsessivo-Compulsiva (TOC), Nakatani et al. (2003) encontraram disfunções no córtex orbito-frontal, no córtex do cingulado e no núcleo caudado em pacientes com esse transtorno. Depois de submetidos à terapia comportamental, baseada em exposição e prevenção de resposta, notou-se uma redução significativa da taxa de metabolismo no núcleo caudado direito nos respondentes. Esses resultados foram consistentes com aqueles encontrados em outras revisões sobre o tema (Kumari, 2006; Roffman et al., 2005).

É interessante notar que no caso do TOC, juntamente com a Perturbação do Pânico os resultados encontrados são bastante semelhantes, tanto para os tratamentos psicoterápicos, quanto para os farmacológicos (Kumari, 2006), o que serve como mais uma evidência para a hipótese de que toda intervenção psicológica é também uma intervenção cerebral, seja no nível bioquímico, celular ou cerebral.

Discussão: implicações práticas para o psicólogo clínico

Em 2007, o então atual presidente da American Psychological Association (APA), faz um chamado veemente aos investigadores dos processos de mudança em psicoterapia para que focalizem os seus próximos esforços em achar os mecanismos e mediadores responsáveis para a eficácia da terapia (Kazdin, 2007). Já se sabe que a psicoterapia ajuda, mas não se sabe direito como e nem porque, apesar das inúmeras tentativas de responder a essa questão (Gonçalves et al., 2006). Como vimos acima, os investigadores das neurociências cognitivas são responsáveis pela talvez mais importante linha de investigação dentro dessa proposta e apresentaram resultados promissores.

Tal como previa Kandel (1998), assistimos hoje no plano científico, quase dez anos depois, à uma cooperação cada vez maior entre a neurologia, psiquiatria e a psicologia clínica e um crescente entusiasmo com o modelo biológico na saúde mental. No plano profissional da psicologia, isso é sentido pela emergência da neuropsicologia, enquanto uma prática instituída e muito reconhecida dentre as profissões da saúde.

Uma perspectiva para o futuro é que à medida que as técnicas de imagiologia cerebrais forem melhorando estas podem ser úteis não apenas para efetuar o diagnóstico de várias doenças mentais mas também para monitorizar o progresso da intervenção psicológica, o que nos tiraria do presente estado de "tentativa e erro" em que se encontra a psicoterapia (Roffman et al., 2005). Isso poderá ser um grande avanço para a área, no sentido de uma maior potencialidade em saber o que dá certo, o que é placebo e o que atrapalha, o que faria com que aumentássemos a eficácia dos nossos tratamentos. Uma consequência do maior rigor científico na psicoterapia, seria o maior reconhecimento por parte do grande público e das outras profissões de saúde, que nos colocam, muitas vezes em cheque com questionamentos como "porque a terapia funciona?". Além disso, é provável que essa nova abordagem da psicopatologia estimule os psicólogos a embasarem suas técnicas visando uma mudança cerebral específica em termos de neurogênese, sinaptogênese e plasticidade a partir dos achados das neurociências cognitivas.

A nova visão do psicólogo como um "profissional do corpo" (Gonçalves & Nogueira, 1999) gerou uma outra consequência para a prática em saúde mental. Em 1996 a APA publicou os modelos de treinamento e de legislação para a política "RxP" [1] , que tem como objetivo ampliar a atuação dos psicólogos clínicos em prescrever medicações psiquiátricas (Heiby, DeLeon, & Anderson, 2004). Essa é uma consequência mais indireta e distante dos achados científicos demonstrados nesse trabalho, mas considerada de relevância nessa discussão pois, em nossa concepção, esse movimento só foi possível nesse momento específico da história da ciência, e não em outro, justamente em consequência dos novos conhecimentos trazidos pelas investigações das neurociências cognitivas sobre a psicopatologia e a psicoterapia. O argumento científico utilizado pelos defensores dessa atividade é que a psicoterapia, assim como a psicofarmacologia intervêm no cérebro, algumas vezes por vias diferentes, algumas vezes pelas mesmas vias.

Os psicólogos estão igualmente divididos nas opiniões sobre adotar ou não essa política (Robiner et al., 2003; Walters, 2001). Os principais argumentos contra a prescrição dos psicólogos são de natureza de treinamento (Robiner et al., 2003). Os principais argumentos a favor da prescrição dos psicólogos são de natureza política e em prol da maior eficácia do sistema de saúde americano, uma vez que há uma necessidade muito grande de profissionais que administrem drogas psicoativas em muitas regiões do país. A discussão está a avançar e estudos piloto no Estado de Novo México poderão oferecer mais evidências para avaliar a eficácia dessa proposta (Heiby et al., 2004).

Essa proposta é coerente com um movimento muito maior dentro da ciência, dentro do qual a psicologia está em parte inserida. Entretanto, apesar dessas evidências e novas perspectivas, a impressão é de que estamos apenas começando e a psicologia ainda está longe de se render ao modelo médico" de saúde mental. Em um estudo de opinião (Levine & Schmelkin, 2006) psicólogos foram questionados qual a etiologia de alguns dos principais diagnósticos do DSM. Os resultados indicaram que a posição dos psicólogos ainda é bastante moderada entre as causas sociais e as biológicas. Isso não vale para aqueles que seguem uma orientação cognitivo-comportamental, que tendem a apreciar mais os avanços da perspectiva biológica. Os autores concluem que, de uma maneira geral, "os psicólogos ainda estão longe de abandonar suas raízes filosóficas e teóricas" (p. 208).

Agradecimentos

Os autores gostariam de agradecer o Professor Doutor Óscar Gonçalves, por ter proposto a presente discussão e também ao Professor Doutor Saulo Araújo pela leitura manuscrito e feedback.

Referências

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Notas

* Reflection Article.

[1] "Rx" é o símbolo usado na medicina para a prescrição de medicamentos. O "P" no final indica a autoridade de prescrição do psicólogo.

Autor notes

a A correspondência sobre esse artigo deve ser toda dirigida para o priemeiro autor. E-mail: rodrigo.lopes@ucp.br

Informação adicional

Para citar este artículo: Teixeira Lopez, R., Carvalho, M., & de Oliveira, F. S. (2016). A neurobiologia da psicopatologia e psicoterapia e as implicações práticas de uma perspectiva materialista na definição de mente. Universitas Psychologica, 15(5). http://dx.doi.org/10.11144/Javeriana.upsy15-5.nppi

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