Efeito da estimulação transcraniana por corrente continua (ETCC) no córtex pré-frontal dorsolateral sobre a reprodução de intervalo de tempo*

Effect of Transcranial direct current stimulation (tDCS) on dorsolateral prefrontal cortex on reproduction of time

Felipe Santos de Oliveira, Cleanto R. Rego Fernandes, Mario André L. Miguel, John Fontenele Araujo

Efeito da estimulação transcraniana por corrente continua (ETCC) no córtex pré-frontal dorsolateral sobre a reprodução de intervalo de tempo*

Universitas Psychologica, vol. 15, no. 5, 2016

Pontificia Universidad Javeriana

Felipe Santos de Oliveira a

Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Brasil

Universidade Católica de Petrópolis, Brasil


Cleanto R. Rego Fernandes

Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Brasil


Mario André L. Miguel

Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Brasil


John Fontenele Araujo

Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Brasil




Recepção: 20 Maio 2016

Aprovação: 06 Novembro 2016

Resumo: Existem evidências que apontam para a importância do córtex pré-frontal dorsolateral (CPFDL) na percepção de intervalos de tempo. A ETCC (eletroestimulação transcraniana por corrente contínua) modula a excitabilidade cortical, podendo ser utilizada para influenciar o desempenho de diferentes funções cerebrais, como a estimativa de tempo. Nosso objetivo foi avaliar o efeito da estimulação do CPFDL direito e esquerdo sobre a reprodução de intervalos de tempo. 26 indivíduos foram submetidos a estimulação transcraniana de 2mA no CPFDL por 20 min (anódica, catódica ou sham). Em seguida, participaram de uma tarefa de reprodução de intervalos de tempo de 4 e 8 segundos. Através de ANOVA para medidas repetidas para os fatores estimulação (anódica, catódica, sham), Intervalos (4s e/ou 8s) e local (esquerdo e direito), pudemos observar que a estimulação anódica do CPFDL do hemisfério direito resultou em subestimativa maior no intervalo de 4 segundos, enquanto o uso de corrente catódica sobre o CPFDL esquerdo provocou uma superestimativa do tempo para o intervalo de 4 segundos. Nossos resultados corroboram a importância do CPFDL direito na percepção de tempo. Ainda, o efeito assimétrico observado é interessante, confirmando que o CPFDL esquerdo está associado às funções executivas, importantes na percepção de tempo.

Palavras-chave percepção de tempo, intervalo de tempo, pré-frontal dorsolateral, ETCC.

Abstract: There is evidence supporting the importance of the dorsolateral prefrontal cortex (DLPFC) in the perception of time. The tDCS (transcranial direct current stimulation) modulates cortical excitability and can be applied to influence the performance of different brain functions, such as timing. Our objective was to evaluate the effect of stimulation of right and left DLPFC on a task of production of time. 26 patients underwent transcranial stimulation of 2mA over the DLPFC for 20 min (anodic, cathodic or sham). Then they participated in a reproduction task of 4 and 8 seconds. Through ANOVA for repeated measures for stimulating factors (anode, cathode, sham), intervals (4S and / or 8s) and location (left and right), we observed that the anodic stimulation of the right DLPFC resulted in greater underestimation in 4-seconds interval, while the use of cathodic current on the left DLPFC caused an overestimation of 4-seconds interval. Our results confirm the importance of the right DLPFC in the perception of time. Furthermore, the observed asymmetric effect is interesting, confirming that the left DLPFC is associated with the executive, important roles in perception of time.

Keywords: time perception, interval timing, DLPFC, tDCS.

Introdução

Existem evidências que apontam para a importância do córtex pré-frontal dorsolateral (CPFDL) na percepção de intervalos de tempo. Inicialmente, mostrou-se através de evidências comportamentais que tanto a percepção de intervalos de tempo, quanto a memória de trabalho podem se basear nos mesmo recursos cognitivos, ou seja, existe uma relação entre essas duas funções mentais que apresentam processamentos neurais similares. Por exemplo, Pastor, Artieda, Jahanshahi e Obeso (1992) demonstraram que pacientes com Doença de Parkinson apresentavam um disfunção na tarefas de estimativa de tempo. Já, Fortin e Breton (1995) demonstraram que tanto tarefas viso-espaciais quanto fonológicas de memória de trabalho interferem na capacidade de estimativa de tempo, sugerindo que a memória de trabalho, definida pelos autores como uma área de trabalho para processamento imediato de informação, contribui para a estimativa de tempo. Já Marié e Defer (2003), demonstraram através de vários estudos clínicos que a o sistema de neurotransmissão dopaminérgica está envolvido com o processamento neural da memória de trabalho. Em conjunto, estes resultados sugerem que ambas as funções, estimativa de tempo e memória de trabalho, são modulados pelo mesmo neurotransmissor, a dopamina.

Posteriormente os estudos com lesões trouxeram novas evidências, confirmando que o processo neural de estimativa de tempo é dependente da integridade do CPFDL. Através da avaliação da estimativa de tempo em pacientes com danos frontais e doentes alcóolicos com doenças de Korsakoff, Mimura, Kinsbourne e O`Connor (2000), objetivaram determinar quais são as diferentes contribuições da memória de trabalho e memória episódica para a cognição temporal. Eles encontraram que para pacientes com lesões frontais, ocorria uma subestimativa de tempo e estas dificuldades implicavam um déficit da memória de trabalho, que contribuía com erro na estimativa subjetiva intervalos de muito curto. Para os pacientes Korsakoff, no entanto, eles encontraram déficits na estimativa para durações mais longas e que isto estaria relacionada ao déficit de memória episódica.

Em um estudo de caso, Koch, Oliveri, Carlesimo, e Caltagirone (2002) examinaram um paciente após uma lesão no CPFDL direito e que espontaneamente relatou ter dificuldades em estimar durações de eventos, julgando-os mais curtos do que eles realmente seriam. Além disso, o paciente mostrava dificuldades para estimar quanto tempo havia decorrido desde o início de alguns eventos.

Portanto, nestes estudos envolvendo lesões no CPFDL, alguns pacientes mostraram uma subestimativa para intervalos mais longos (90 s.) em comparação aos controles, sugerindo que o CPFDL direito desempenha um papel no monitoramento da acumulação de pulsos no relógio interno central durante a apresentação de um intervalo. De fato, se a função de acumular pulsos falha, alguns pulsos são perdidos, a quantidade de pulsos é inferior à normal e o intervalo é subestimado (Koch et al., 2002; Mimura et al., 2000).

Além do conjunto de evidências comportamentais e provenientes de estudos de lesões do CPFDL, os estudos com estimulação também corroboram com o papel do CPFDL direito no processo neural de estimativa de tempo. Em um estudo com sujeitos saudáveis, utilizando a EMTr (estimulação magnética transcraniana repetitiva) sobre o CPFDL direito, Koch, Oliveri, Torriero e Caltagirone (2003) foram capazes de induzir à subestimativa em tarefa de intervalos de tempo, suportando essa sugestão desta área como envolvida nesse comportamento. Estes autores sugeriram que o CPFDL direito desempenha um papel crucial em estimar intervalos de tempo e mantê-los na memória de trabalho durante a fase de codificação (apresentação do estimulo). Outros trabalhos utilizando EMTr confirmaram estes achados preliminares, por exemplo Jones, Rosenkranz, Rothwell e Jahanshahi (2003), que demonstraram que o efeito da EMTr na estimativa de tempo só ocorre quando a estimulação magnética é feita no CPFDL direito e Kock, Oliveri, Brusa, Stanzione, Torriero e Caltagirone (2004), reportando uma reversão do déficit na estimativa de tempo em paciente com Parkinson com o uso de EMTr de alta frequência. Porém, Gironell, Rami, Kulisevsky e Garcia-Sanchez (2005), através de EMTr utilizando pulsos de alta frequências, objetivaram ativar o CPFDL e acabaram por não encontrar efeitos da técnica sobre a estimativa de tempo. Uma discussão sobre estes resultados contraditórios seria que o uso da EMTr provoca um ruído bastante elevado e a frequência deste ruído poderia contribuir com a manutenção da atenção dos voluntários na estimativa de tempo. Por outro lado, o ruído produzido pela EMTr poderia provocar uma perturbação na atenção dos voluntários, desta forma prejudicando a sua capacidade de estimativa de tempo. Caso isto esteja acontecendo, o déficit na estimativa de tempo por estimulação no CPFDL encontrado em alguns estudos poderia ser um efeito secundário a perturbação da atenção. Porém, como foram encontrados resultados positivos apenas com a estimulação do CPFDL direito e não no esquerdo, a explicação de que o CPDFL direito participe do processo neural da estimativa de tempo fica mais robusta.

Corroborando esses achados, Coull, Vidal. Nazarian e Macar (2004) utilizaram ressonância magnética funcional (RMF) enquanto submeteram participantes a uma tarefa de alocação da atenção no tempo ou a uma cor. Quando a atenção foi direcionada a cor, a atividade aumentou em áreas visuais no córtex occipital, mas quando a atenção foi direcionada ao tempo, a atividade aumentou nas áreas motora suplementar, temporal, parietal e pré-frontal dorsolateral (CPFDL). Ainda neste estudo de Coull et al. (2004), o CPFDL direito é associado ao estágio de memória no modelo da Teoria da Expectativa Escalar de Gibbon (Gibbon 1977, Church, 1984; Gibbon, Church, & Meck,1984). Em relação a essa especialização hemisférica do CPFDL na percepção de tempo, o trabalho de Vallesi, Shallice e Walsh (2007) mostrou que o envolvimento do CPFDL direito no processamento temporal em tarefas implícitas. Especificamente, ele encontra-se ativado em tarefas de tempo cognitivo ou intervalo de tempo, mais frequentemente do que outras áreas cerebrais (Lewis & Miall, 2003a,b; 2006a,b).

Já os estudos envolovendo o CPFDL esquerdo, não observaram nenhuma função direta desta área com o comportamento de estimativa de tempo. (Jeon et al., 2012). No entanto, diversos estudos incluem a região esquerda do pre-frontal dorsolateral em uma rede de regiões cerebrais que suportam o chamado controle atencional descendente ou top-down e é no CPFDL esquerdo que a focalização da atenção se dá em função de experiencias adquiridas ou a partir de informações contextuais (Silton, Miller, Towers, Engels, Edgar, Spielberg, 2010), e como isto é fundamental para a percepçao de tempo, logo, e pertinente a investigacao do CPFDL esquerdo.

Uma alternativa metodológica para contribuir com esta discussão é o uso da técnica de Estimulação Transcraniana por Corrente Contínua (ETCC). Atualmente, a modulação da função cerebral através de técnicas não-invasivas vem recebendo maior atenção por parte dos neurocientistas. Uma destas técnicas é a Estimulação Transcraniana por Corrente Contínua (ETCC).

A ETCC pode ser utilizada para gerar uma corrente ativa ou simulada (chamada "sham"). A excitabilidade cortical é modulada a partir de um campo elétrico gerado de modo contínuo, aplicado ao escalpo por um período de 3 a 20 minutos. Esse campo elétrico causa uma variação no limiar do potencial de repouso da membrana, sendo essa variação dependente da polaridade da corrente aplicada, facilitando (corrente anódica) ou dificultando (corrente catódica) o disparo neuronal. Diante disso, essa técnica tanto possui a relevante capacidade de modular a excitabilidade cortical, quanto pode ser utilizada para influenciar o desempenho de diferentes funções cerebrais (Nitsche & Paulus, 2000; Rosenkranz, Nitsche, Tergau & Paulus, 2000; Nitsche, Cohen, Wassermann, Priori, Lang, & Antal, 2002; Lang, Siebner, Ward, Lee, Nitsche, Paulus, Rothwell, Lemon & Frackowiak 2005).

Até o presente momento, no entanto, é de nosso conhecimento a existência de um estudo avaliando diretamente a percepção de tempo, utilizando a mesma categoria de neuroestimulação utilizada neste trabalho, a ETCC. Neste estudo, Vicário, Martino e Koch (2013) aplicaram a ETCC sobre o CPP (córtex parietal posterior) esquerdo e direito previamente à uma tarefa de reprodução de tempo simples, através de correntes do tipo excitatória (anódica), inibitória (catódica) e controle (sham). Como resultado, observaram que apenas a corrente catódica sobre o CPP foi capaz de afetar a acurácia na tarefa. Especificamente, quando o lado direito foi estimulado, resultou em uma superestimava do tempo, enquanto a estimulação do lado esquerdo resultou na redução da variabilidade dos intervalos reproduzido. Nenhum efeito da corrente anódica foi relatado.

Desde modo, com base no exposto, nossa pesquisa teve como objetivo avaliar o efeito da estimulação do CPFDL direito e esquerdo com a técnica de ETCC, sobre a percepção de tempo.

Métodos

Participantes

Participaram desse experimento 26 indivíduos, mulheres e homens, com idade entre 18 e 35 anos (Media ± 24.4, DP ± 3,9). Eles foram recrutados e selecionados dentre os alunos e servidores da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, através de anúncios divulgando a pesquisa no campus universitário. Como critério de inclusão os participantes teriam de ter acuidade visual normal ou corrigida com lentes e não fazerem uso regular de medicamentos. Todos os participantes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE). O projeto de pesquisa em questão, foi submetido e aprovado pela Comissão de Ética em Pesquisa com seres humanos da UFRN, sob parecer número 184.335.

Aparato

O experimento foi realizado no Laboratório de Neurobiologia e Ritmicidade Biológica (LNRB) do Departamento de Fisiologia da UFRN, em um ambiente com pouca luminosidade e os níveis de ruído e temperatura controlados. Um microcomputador contendo o Superlab 2.0 foi utilizado para apresentar os estímulos com um monitor de 20” (Samsung Sync Master 20 GLs) e registrar as reproduções de intervalo de tempo. Os voluntários responderam pressionando uma tecla do teclado para reproduzir o tempo.

Procedimentos

Após uma explicação breve dos experimentos e colocação dos eletrodos, os participantes permaneceram em repouso por 10 min, em seguida, foram submetidos a estimulação transcraniana de 2mA no CPFDL por 20 min.

Para a estimulação do CPFDL, o ânodo ou catodo foi posicionado na área F3 ou F4 de acordo com o sistema internacional para eletroencefalograma (EEG) 10-20. Este método de localização do CPFDL já foi utilizado anteriormente em estudos com EMT. O eletrodo de referência foi posicionado na região supra orbital contralateral.

O experimento foi realizado em duas etapas e em duas condições distintas com relação ao hemisfério estimulado, direito ou esquerdo. As etapas foram divididas em duas, conforme o intervalo da duração do estímulo, 4 ou 8 segundos. Em cada etapa foram realizadas três sessões, distintas, cada qual com o tipo de estimulação, a saber: Anódica (excitação), Sham (controle) e Catódica (inibição). A primeira e última sessão poderiam ser de estimulação Anódica ou Catódica, escolhida randomicamente e a segunda sessão sempre foi do tipo do Sham, respeitando um intervalo de aproximadamente 48 horas entre uma estimulação e outra.

Investigamos o efeito da Estimulação em CPFDL direito e esquerdo na reprodução de tempo de intervalo de tempo utilizando figuras neutras em 4 e 8s (n=26 no total). As figuras neutras do experimento, foram retiradas do International Affective Pictures System (IAPS) (Lang, Bradley, & Cuthbert,1997).

Na tarefa de reprodução de intervalo de tempo, os participantes foram instruídos a fixar os olhos em uma cruz no centro da tela e durante a tarefa, a não utilizarem nenhuma forma de contagem de tempo. Aos participantes foram apresentadas 6 figuras neutras em uma única vez e pelo intervalo de 4s ou 8s na mesma tarefa. Após a apresentação de cada imagem, aparecia na tela a palavra “Resposta”, indicando que os participantes deveriam pressionar um botão colorido pelo tempo que eles achassem que a figura havia ficado na tela.

O paradigma de reprodução de tempo
utilizado no experimento. Após a apresentação de um estimulo por 4 ou 8
segundos, o participante deveria pressionar uma tecla pelo tempo que ele
julgasse ser o tempo do estimulo.
Figura 1
O paradigma de reprodução de tempo utilizado no experimento. Após a apresentação de um estimulo por 4 ou 8 segundos, o participante deveria pressionar uma tecla pelo tempo que ele julgasse ser o tempo do estimulo.


Fonte: elaboração.

Análise

Para se determinar a habilidade na tarefa de estimativa de tempo, os dados foram transformados através de uma razão, tempo relativo, dividindo-se o desempenho do tempo de cada participante (Rd) pelo tempo de duração do intervalo apresentado (Td):

RATIO = Rd /Td

Isso forneceu um índice da direção de erros, sendo os coeficientes com valores acima e abaixo de 1,0 um indicativo de superestimava e subestimativa. O desempenho na tarefa de reprodução de tempo foi analisado utilizando ANOVA para medidas repetidas para os fatores estimulação (anódica, catódica, Sham) e Intervalos (4s e/ou 8s) e de modo independente para participantes estimulados no lado direito e no lado esquerdo.

No caso de a hipótese nula ser rejeitada pela ANOVA, foi realizado uma análise complementar com um teste post-hoc de Newman-Keuls para comparações múltiplas. Todas as análises estatísticas foram realizadas através do programa STATISTICA 8.0 e o nível de significância considerado foi p < 0,05 .

Resultados

Os nossos resultados mostraram, conforme podemos observar na coluna Sham da tabela 1, que os valores do índice tempo relativo em todas as etapas foi menor, independente da etapa, hemisfério direto e esquerdo ou sessão (sham, anódica e catódica).

Como os valores do índice tempo relativo são próximos à 0.5 para o intervalo de 8 segundos (Esq=0.561 ± 0.030; Dir=0,485±092) na sessão sem passagem de corrente elétrica (controle ou sham), podemos afirmar que a duração do estímulo com intervalo de 8 segundos foi subestimada, com relação à duração do estímulo com intervalo de 4 segundos (Esq= F (1, 12) =30.655, p< 0.001; Dir= F (1, 12) =15.415, p< 0.002).

TABELA 1
Efeito da Estimulação Elétrica por Corrente Contínua no Córtex Pré-Frontal Dorso Lateral sobre a reprodução de intervalo de tempo com a apresentação de figuras.

Efeito da Estimulação Elétrica por
Corrente Contínua no Córtex Pré-Frontal Dorso Lateral sobre a reprodução de
intervalo de tempo com a apresentação de figuras.


Fonte: elaboração.

Quando usamos a ETCC, encontramos um efeito da corrente elétrica sobre o intervalo de 4 segundos, tanto para o hemisfério esquerdo como para o direito (Esq= F (1, 12) =3.4866, p< 0.046; Dir= F (1,12) =5.240, p< 0.012) e independente do tipo de corrente, anódica ou catódica. Porém, não encontramos diferença quando o intervalo da apresentação do estimulo foi de 8 segundos (F (Esq=F(1,12) =0.082, p< 0.921; Dir= F (1,12) =0.342, p< 0.7140).

Quando analisamos os resultados do índice de tempo relativo ao estimularmos o CPFDL com corrente anódica, encontramos valores estatisticamente diferentes conforme o hemisfério estimulado. Para a etapa em que estimulamos o CPFDL do hemisfério direito (Figura 2), encontramos uma subestimativa maior no intervalo de 4 segundos em comparação ao controle (anódica = 0,56; controle = 0,80; p< 0,01). Não foi observado alteração com intervalo de 8 segundos (anódica = 0,47; controle = 0,50; p< 0,92). Porém, quando foi estimulado o CPFDL esquerdo (Figura 3) não observamos diferenças quando comparamos com o grupo controle, tanto para o intervalo de 4 (anódica = 0,91; controle = 0,90; p= 0,91) quanto para o de 8 segundos (anódica = 0,55; controle = 0,80; p= 0,60).

Efeito da
estimulação anódica (excitatória) no CPFDL direito,
com uma subestimativa no intervalo de 4s do tempo (,
p< 0.012). Podemos observar uma subestimativa geral do intervalo de
8s comparado ao de 4s (p< 0.002).
Figura 2
Efeito da estimulação anódica (excitatória) no CPFDL direito, com uma subestimativa no intervalo de 4s do tempo (, p< 0.012). Podemos observar uma subestimativa geral do intervalo de 8s comparado ao de 4s (p< 0.002).


Fonte: elaboração.

A
estimulação catódica (inibitória) no CPFDL esquerdo ocasiona uma superestimativa
do tempo (p< 0.046) e podemos observar uma
subestimativa geral do intervalo de 8s comparado de 4s (p< 0.00).
Figura 3
A estimulação catódica (inibitória) no CPFDL esquerdo ocasiona uma superestimativa do tempo (p< 0.046) e podemos observar uma subestimativa geral do intervalo de 8s comparado de 4s (p< 0.00).


Fonte: elaboração.

Já quando a etapa foi com uso de corrente catódica, encontramos que a inibição do CPFDL esquerdo provocou uma superestimativa do tempo para intervalo de 4 segundos (catódica = 1,21 e controle = 0,90; p=0.04) e sem alteração para intervalo de 8 segundos (catódica = 0,54 e controle = 0,55; p<0.80). Não foi encontrado nenhum efeito da inibição do CPFDL direito com a corrente catódica na ETCC para a etapa de duração da apresentação do estimulo de 4 s (catódica = 0,85 e controle = 0,80; p< 0.91) e 8 s (catódica = 0,50 e controle = 0,50;8 s = p< 0.92).

Discussão

Nossos resultados podem ser sintetizados em três pontos: primeiro, encontramos uma subestimação quando a duração do estimulo foi de 8 segundos em comparação com a duração de 4 segundos; segundo, que uma estimulação por corrente elétrica continua anódica, que provoca uma ação excitatória, sobre o CPFDL direito, provocou uma subestimação quando a duração do estimulo foi de 4 segundos em comparação com o grupo controle e não teve efeito quando a duração foi de 8 segundos; e terceiro, que uma estimulação por corrente elétrica continua catódica, que provoca uma ação inibitória sobre o CPFDL esquerdo, provocou uma superestimação quando a duração do estimulo foi de 4 segundos, em comparação com o grupo controle, não surtindo efeito quando a duração foi de 8 segundos. Em resumo, os efeitos encontrados com o uso da técnica de ETCC ocorreram somente quando o estimulo foi apresentado em intervalo mais curto (de 4 segundos), não sendo observadas alterações de desempenho em função da estimulação no intervalo de 8 segundos.

Ao investigar da função do córtex pré-frontal dorsolateral (CPFDL) na capacidade de percepção temporal quando em estímulos neutros, padronizados e validados do IAPS (Ribeiro et al., 2004), conduzimos um experimento com ETCC, onde utilizamos uma tarefa de reprodução de tempo com intervalos de 4 e 8 segundos. Os principais resultados obtidos na tarefa de reprodução de tempo confirmam a importância do papel do CPFDL na percepção de tempo. A estimulação (seja inibitória ou excitatória) modulou o desempenho dos participantes e, de acordo com os resultados, essa modulação varia em função do hemisfério estimulado e da polaridade da corrente contínua, pois a corrente excitatória (anódica) no CPFDL direito ocasionou uma subestimação do tempo em relação ao controle, o que tem sido demonstrado na literatura com EMT (Jones et al.,2003; Koch et al.,2003). Mas se a corrente for do tipo inibitória (catódica) e o hemisfério estimulado for o esquerdo, então a duração do tempo é superestimada.

Subestimação de Intervalos mais longos

O intervalo de 8 segundos é subestimado em comparação a 4 segundos. Este resultado, que demonstra o índice de tempo relativo menor quando a duração da apresentação do estímulo foi de 8 segundos comparado ao de 4 segundos, evidenciando uma subestimação quando a duração do estímulo é mais longa, é consistente com o que é relatado na literatura como a lei de Vierordt (Gu & Meck, 2011). Esta é uma lei psicofísica que relaciona a duração do tempo percebido e a duração real de intervalos de diferentes magnitudes em um mesmo contexto, onde há uma tendência à superestimava de intervalos curtos e uma subestimativa de intervalos longos (Lejeune & Wearden, 2009).

Isso evidenciaria que entre o tempo objetivo (físico) e o tempo subjetivo (percebido) não há uma relação linear (Wearden & Leheune, 2008), o que violaria o principal modelo de relógio interno, a Teoria da Expectativa Escalar (Gibbon, Church & Meck, 1984), onde a percepção subjetiva de tempo obedece a uma outra lei psicofísica, a lei de Weber, em que a variação da duração de tempo percebida (subjetiva) é linearmente proporcional à variação do tempo real (físico). No entanto, em tarefas como a bissecção, a generalização e a estimativa verbal, pode-se observar uma relação linear entre o tempo objetivo e o subjetivo. Uma possível explicação seria a de uma apresentação de duração maior ou menor que a frequência do oscilador (Meck, 2012), pois teoricamente as duas durações são processadas pelo mesmo oscilador. Embora em nosso experimento tenhamos utilizado um paradigma temporal prospectivo, o qual privilegia a atenção (Block, Hancock & Zakay, 2010), esses erros podem ser explicados como um efeito de memória denominado memory-mixing, onde contagem similares dos pulsos do relógio são categorizados em um número limitado de distribuições de memória para o processo de decisão, que envolve a comparação da contagem atual dos pulsos com uma amostra feita a partir de cada uma dessas distribuições. Por exemplo, se estímulos auditivos acionam o relógio interno a ir mais rápido do que os estímulos visuais e distribuições de memória para uma determinada duração alvo são uma mistura de duração curta para estímulo visual e duração longa para auditivos, então o estímulo de maior probabilidade a ser julgado será o auditivo (Gu & Meck, 2011).

Em nossos resultados, a modulação cortical por corrente continua no CPFDL alterou a experiência subjetiva na reprodução de tempo apenas para intervalos curtos. Essa modulação ocorreu de modo assimétrico, ou seja, com uma diferença quando o estímulo foi aplicado no CPFDL direito ou esquerdo e direito. Também o efeito foi dependente da polaridade da corrente, se anódica ou catódica.

O resultado que encontramos com a estimulação anódica, excitatória, é semelhante ao encontrado na literatura, evidenciando a importância do CPFDL direito na percepção de tempo. Por outro lado, o efeito assimétrico observado é interessante, pois considerando todos os estudos sobre a percepção de tempo relacionados ao papel do CPFDL, em nenhum deles foi evidenciada a participação do hemisfério esquerdo, incluindo os estudos com EMTr (Jones et al, 2003; Koch et al, 2003, 2004; Gironell et al, 2005) e o único estudo da literatura com a ETCC (Vicario et al, 2013), que utilizou a área parietal como alvo. Embora diversos trabalhos tenham sugerido que o CPFDL esquerdo também esteja relacionado com as funções executivas, importantes na percepção de tempo, (Kane, Michael, Engle & Randall, 2002; Martin, Barbanoj, Schlaeper, Thompson, Pe´rez & Kulisevsky, 2003; Vanderhasselt, De Readt, Baeken, Leyman & D’haenen, 2008; Jeon et al, 2012) não sabemos se a ausência de relatos na literatura desse efeito se dá devido ao uso de estímulo não padronizados ou se a corrente-contínua facilita de alguma forma com que a diferença inter-hemisférica seja evidenciada.

Algumas limitações deste estudo devem ser consideradas. O presente estudo se limitou a apenas um tipo de tarefa, a reprodução de tempo, o que faz com que os resultados não possam ser considerados de modo geral para todo o processamento neural da percepção de tempo. Além disso, há contradição de resultados na literatura justamente devido a diversidade de tarefas, o que nos faz pensar que o não podemos generalizar nossos resultados para outras tarefas, o que sugere a necessidade de reproduzi-lo com outras tarefas.

Nossos resultados em conjunto com a literatura nos levam a concluir que o CPFDL tem um papel fundamental na percepção de tempo, podendo ser considerado, tendo como referencial a Teoria da Expectativa escalar, uma região que corresponde em grande parte aos estágios de memória e decisão no modelo de relógio interno e qualquer disfunção dessa região impede a percepção de intervalos de tempo. Podemos concluir também que o CPFDL participa na percepção de tempo como um todo, o que inclui o hemisfério esquerdo sendo este possivelmente implicado na percepção de intervalos de tempo em contextos emocionalmente ativos, além do papel na percepção de tempo em contexto neutro. Mais estudos com relação a essa área devem ser realizados para a compreensão exata de uma possível diferença papeis entre os hemisférios esquerdo e direito. Podemos concluir que a ETCC e um método eficaz para estudar as funções corticais na percepção de tempo em termos de causa e efeito.

Consideramos ainda que o nosso estudo tem um importante aspecto inovador, a escolha do método, a estimulação transcraniana por corrente-continua (ETCC). Tal método, além de apresentar resultados consistentes com a literatura pertinente (Nitsche et al, 2008), mesmo considerando os poucos estudos neuromodulatários na percepção de tempo, ainda apresenta uma franca vantagem sobre a aplicação de EMTr, em especial pela ausência na produção do ruído e pela virtual ausência de custo.

Referências

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Notas

* Research article.

Autor notes

a Corresponding author. Email: felipe.oliveira@ucp.br

Informação adicional

Para citar este artículo: Oliveira, F. S., Fernandes, C. R. R., Miguel, M. A., & Araujo, J. F. (2016). Efeito da estimulação transcraniana por corrente continua (ETCC) no córtex pré-frontal dorsolateral sobre a reprodução de intervalo de tempo. Universitas Psychologica, 15(5). http://dx.doi.org/10.11144/Javeriana.upsy15-5.eetc

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