Erê Bebê: experiência artística no começo da vida*
Erê Bebê: experiencia artística al comienzo de la vida
Erê Bebê: artistic experience at the beginning of life
Fernando M. Aleixo , Mariene H. Perobelli
Erê Bebê: experiência artística no começo da vida*
Cuadernos de Música, Artes Visuales y Artes Escénicas, vol. 19, núm. 2, 2024
Pontificia Universidad Javeriana
Fernando M. Aleixo ** aleixo@ufu.br
Universidade Federal de Uberlândia, Brasil
Mariene H. Perobelli *** mariene@ufu.br
Universidade Federal de Uberlândia, Brasil
Recepção: 02 Janeiro 2024
Aprovação: 01 março 2024
Publicação: 01 Julho 2024
Resumo: Este artigo tem como objetivo apresentar o processo de criação do espetáculo cênico Erê Bebê, produzido pelo Instituto Conexão Erê com sede no Brasil. Trata-se de um trabalho voltado para famílias com crianças de 0 a 3 anos. A criação é fruto de pesquisa artística e acadêmica sobre a primeiríssima infância amparada na fenomenologia, na antroposofia e na Abordagem Pikler, compreendendo o movimento livre, a autonomia e o vínculo adulto-criança como princípios para o seu bom desenvolvimento. O processo descreve as fases e os caminhos da composição, considerando o trabalho de campo realizado através do intercâmbio artístico entre o Brasil e a África do Sul. A descrição do processo disponibiliza conceitos e princípios que podem colaborar para estudos e pesquisas sobre o desenvolvimento infantil e as linguagens artísticas na primeiríssima infância.
Palavras-chave:Teatro, Infância, ambientação, estímulos, mediação.
Resumen: Este artículo tiene como objetivo presentar el proceso de creación de la obra teatral Erê Bebê, producido por el Instituto Conexão Erê con sede en Brasil. Se trata de un trabajo dirigido a familias con bebés de 0 a 3 años. La creación es fruto de la investigación creación artística e académica sobre la primerísima infancia apoyada en la fenomenología, la antroposofía y el Enfoque Pikler, que comprende el movimiento libre, la autonomía y el vínculo adulto-bebé como los pilares para su buen desarrollo. El proceso describe las fases y los caminos de la composición, considerando el trabajo de campo realizado a través del intercambio artístico entre Brasil y África del Sur. La descripción del proceso plantea conceptos y principios que pueden colaborar para estudios e investigaciones sobre el desarrollo infantil e los lenguajes artísticos en la primerísima infancia.
Palabras clave: Teatro, Infancia, ambientación, estímulos, mediaciones.
Abstract: This article has as its objective to present the process of creation of the play Erê Bebê, produced by the Institute Conexão Erê based in Brazil. This work is aimed at families with babies from 0 to 3 years of age. The creation is the result of creative research both academic and artistic about early childhood. It is supported on phenomenology, anthroposophy and the Pikler Approach. Pikler Approach comprehends free movement, autonomy and the bond between adults and babies as the pillars of its proper development. The process describes the phases and paths of the composition, considering the field work carried out through the artistic exchange between Brazil and South Africa. The description of the process poses concepts and principles which can collaborate towards studies and research on child development and artistic languages in early childhood.
Keywords: Theater, Infancy, setting, stimuli, mediations.
Primeiras inspirações
Este artigo analisa o espetáculo cênico Erê Bebê, criado para famílias com bebês de zero a três anos. A estreia ocorreu em 2018 como finalização de uma etapa processual de pesquisa artística sobre a ciência do começo da vida1. As inspirações que nos levaram a esta criação surgiram das experiências artísticas vivenciadas nos anos de 2015 e 2016, ocasião na qual foram realizadas as pesquisas de doutorado2 e pós-doutorado3 na University of Cape Town, na África do Sul. Éramos uma família com uma filha de 8 anos e um filho com 1 ano de vida. Foi em Cape Town que vivenciamos nossa primeira experiência de teatro para bebês, com “Scoop: kitchen play for moms and babes”, da companhia de teatro sul-africana Magnet Theatre. O espetáculo acontecia dentro de uma tenda de tecido, com sons, musicalidades, canções, texturas e objetos num ambiente harmonioso, com a presença de quatro atores, seis mães e seus bebês. Aquela experiência, pioneira para bebês na África do Sul, nos suscitou a vontade de realizar a criação de uma experiência artística com famílias e bebês no Brasil.
A experiência de viver na África do Sul como uma família com um bebê e uma criança nos abriu caminhos para vivenciarmos canções, histórias, elementos, relações e ambientes de acolhimento para crianças pequenas. O campo de estudo e pesquisa foi sendo naturalmente constituído, pois só fazíamos aquilo que pudesse ser vivido na presença delas, em ambientes que acolhessem, verdadeiramente, as crianças. Vivemos, sobretudo, um cotidiano de afetos, inspirações e criatividades: vizinhas de diferentes naturalidades africanas cantavam e brincavam com nossos filhos no quintal. Nessas experiências de convivência do cotidiano fomos tocados e nutridos por encontros, histórias, cantos e brincadeiras.
Era constante a presença de brinquedos feitos a partir de elementos naturais e artesanais, próprios da cultura sul-africana. Naquele contexto, realizamos pesquisas de campo em ateliês e feiras, conhecendo muitos e diversos artesãos. Todas essas experiências vividas em 2015 e 2016 nos inspiraram a criar.
Concepção e Gestação
Regressamos da África do Sul em 2016 muito transformados, trazendo na bagagem da alma canções, brincadeiras, experiências, elementos de brincar e um novo filho no ventre. Pousamos no Brasil gestando Artur, nosso filho caçula. Ele foi recebido no ninho do nosso lar em Minas Gerais com os elementos e a atmosfera que mesclava as culturas brasileira e sul-africana, de resultado dos vividos que marcaram profundamente nossos corpos, almas e imaginários.
Foi neste contexto imagético-cultural do encontro de uma família com crianças com outras culturas, mergulhados no começo da vida, que foi concebido o espetáculo cênico Erê Bebê. Feita a introdução das experiências que nos levaram a criar, descrevemos neste artigo os princípios e elementos que constituem o espetáculo. Começamos por esclarecer a nossa noção de infância e de desenvolvimento infantil. Pois é a partir dos valores e de como compreendemos as crianças que realizamos nossos processos criativos.
Pelo imbricamento da vida e da arte ao longo deste processo criativo, optamos por uma escrita descritiva, entrelaçando conceitos e narrativas vividas nesta jornada. Deste modo, as referências que muito nos inspiram não aparecem como citações diretas no texto, mas, sim, integradas nas descrições e narrativas que seguem.
Como compreendemos as crianças? Princípios…
Acreditamos que o primeiro passo para compreendermos e nos vincularmos como artistas, às crianças, é o vínculo com a própria criança interior, ou a criança cósmica atemporal, como se refere o filósofo Gaston Bachelard (1990). Para ele, a nossa criança cósmica é o início e o fim. Ela sempre existiu e seguirá existindo. Neste sentido, a criança cósmica presente em nós ao longo de toda a nossa vida, nos convida a uma existência atemporal. Sonhar, criar, imaginar, devanear, brincar… são verbos vivos para a criança. Logo, como afirma o filósofo, a infância é o germe da poesia. Os artistas são aqueles que mantêm viva a sua criança cósmica atemporal. Por isso, sonham, criam, imaginam, devaneiam e brincam possíveis mundos. No entanto, às vezes, ao assumirem o papel de adultos na relação -o que, de fato, são- corre-se o risco de ultrapassar as fronteiras da responsabilidade que lhes cabe e perder a medida do vínculo com sua própria criança e com as crianças do mundo, tornando-se demasiadamente sério e se colocando como superior. Os adultos são, sim, maiores e mais experientes por terem nascido antes e vivido mais experiências no mundo. Por isso, são responsáveis pelo acolhimento e cuidado com os novos que chegam ao mundo. Parece-nos, esta, a equação mais desafiadora na relação adulto-criança: encontrar a medida justa entre acolher, cuidar e se responsabilizar ao mesmo tempo em que dá espaço para a criança se manifestar com toda a sua imprevisível potência no mundo. Este é o desafio do conceito de natalidade de Hannah Arendt (2016). A filósofa afirma que a criança é o novo e traz consigo o improvável, o impensável, o impossível. Ela é o que antes jamais foi. Segundo Arendt, o adulto é o velho, aquele que chegou antes e que, portanto, é responsável por lhe apresentar o mundo. Diante desta responsabilidade que cabe a nós, adultos, a questão que nos guia como artistas, pesquisadores e educadores é: como apresentar o mundo às crianças?
Percebemos o mundo de diversas formas, assim como o mundo é composto por múltiplas realidades. Um dos sentidos da jornada da vida é conhecermos o mundo e nos reconhecermos na relação com o mundo e com as pessoas. Logo, quando nos colocamos no papel de apresentar o mundo às crianças, podemos contribuir com o seu processo de reconhecimento de si mesmas. Imbuídos desta responsabilidade, surge outra questão: como a criança apreende o mundo?
Para compreendermos como a criança apreende o mundo, precisamos aprofundar os estudos sobre o desenvolvimento infantil numa visão expandida que contemple aspectos que nos tocam como artistas. Os referenciais que têm contribuído para a nossa compreensão sobre como a criança apreende o mundo e sobre como podemos apresenta-lo para ela, estão situados nos campos da fenomenologia e da antroposofia. Rudolf Steiner, o criador da Antroposofia, traz contribuições com seus estudos profundos sobre o ser humano compreendendo seus corpos físico, emocional, mental e espiritual. Dra. Gudrun Burkhard, pioneira na Medicina Antroposófica no Brasil, aprofunda os estudos sobre a biografia humana numa visão antroposófica. Os estudos biográficos antroposóficos relacionam a vida humana na Terra com a cosmogênese e organizam a biografia em setênios (períodos estruturados de 7 em 7 anos). O que a ciência denomina como primeira infância, de 0 a 6 anos, na biografia antroposófica compreende-se como primeiro setênio, de 0 a 7 anos. É para os marcos deste período que dedicamos os nossos estudos enquanto artistas, pesquisadores e professores, compreendendo seus impactos nas fases subsequentes da vida.
A teoria dos sentidos de Rudolf Steiner (2012) expande a compreensão dos sentidos de 5 para 12 sentidos (tato, movimento, equilíbrio, vital, olfato, paladar, visão, térmico, audição, palavra, pensamento, eu) que se desenvolvem e amadurecem ao longo dos três primeiros setênios, ou seja, dos 0 aos 21 anos. No primeiro setênio, são desenvolvidos os sentidos inferiores ou volitivos, que estão vinculados ao sistema metabólico-motor, e direcionados mais à percepção do próprio organismo por parte da criança.
Os quatro sentidos do primeiro setênio são: Tato, Movimento, Equilíbrio e sentido Vital. O sentido do tato coloca a criança em contato com o mundo físico no seu entorno e possibilita a autopercepção nos limites do seu próprio corpo. O bom desenvolvimento do tato traz para a criança a sensação de segurança e confiança. O tato proporciona a percepção da fronteira corporal quando tocamos e somos tocados. Isso gera a noção de limite físico. Crianças que não vivenciaram e desenvolveram adequadamente o sentido do tato podem desenvolver fobias, se tornar inseguras, medrosas, com dificuldade de se expressar corporalmente e terem dificuldade em colocar e receber limites. Para que a criança pequena desenvolva adequadamente o sentido do tato, é importante atentar à forma como os adultos lhe tocam. O toque deve ser delicado e seguro. Para desenvolver as nuances do sentido do tato, ela deve ter contato com objetos de diferentes formas e texturas, que sejam seguros para a sua fase de desenvolvimento, podendo explorá-los em liberdade.
Uma reflexão necessária em relação ao tato está relacionada ao ambiente oferecido para as crianças, pois os materiais sintéticos, plásticos, frios, sem vida, não favorecem o desenvolvimento do sentido do tato.
O sentido do movimento gera percepção corporal, a relação do corpo com o espaço e das partes do corpo entre si. Ele começa a se desenvolver quando o bebê começa a ter controle sobre os movimentos dos braços e pernas, que inicialmente se movimentam involuntariamente, e segue se desenvolvendo ao longo de toda a infância. Uma criança que se movimenta tem a sensação de liberdade e alegria. Crianças que tem uma boa motricidade tem bom desenvolvimento da vontade. Para isso, é preciso criar ambientes seguros para as crianças se movimentarem, descobrirem a si mesmas e o espaço em liberdade. Crianças que não desenvolvem bem o sentido do movimento tendem à tristeza, melancolia, depressão e às dificuldades de aprendizado.
O sentido do equilíbrio se desenvolve na relação do corpo com a gravidade. O equilíbrio está intimamente relacionado ao movimento, pois ele se inicia quando o bebê consegue sustentar o peso da própria cabeça e segue se desenvolvendo no percurso do aprendizado do andar e de todas as habilidades motoras ao longo da infância. O bom desenvolvimento do equilíbrio traz a sensação de estar bem situado no mundo, gera estabilidade e confiança. Pelo equilíbrio, a criança se reconhece na relação do corpo com o ambiente. As dificuldades com relação ao sentido do equilíbrio podem gerar desequilíbrios emocionais no futuro. Brincadeiras que desafiam as relações do corpo com o espaço desenvolvem o equilíbrio, como saltar, subir, descer, balançar, escalar. A criança que está desenvolvendo bem os sentidos do tato, do movimento e do equilíbrio sabe até que ponto pode se arriscar, por exemplo, ao subir numa árvore.
O sentido vital está relacionado aos processos vitais do organismo, como as sensações de fome, sono, cansaço, sede, mal-estar. É o sentido que revela que algo não está bem, que está afetando o seu bem-estar. Por meio deste sentido, a criança começa a perceber que algo lhe reenche internamente. Para promover o bom desenvolvimento do sentido vital, devemos respeitar o ritmo da criança, suprir suas necessidades orgânicas e promover ambientes harmoniosos. O sentido vital bem desenvolvido traz a sensação de bem-estar, aconchego e harmonia.
O processo de criação de Erê Bebê levou em consideração a criação de ambiente, elementos e estímulos que possam favorecer o desenvolvimento do sentido do tato, do movimento, do equilíbrio e do sentido vital. Mais à frente descreveremos como foi realizada a criação e como as crianças se relacionam com esses quatro sentidos do começo da vida durante a experiência do espetáculo Erê Bebê.
Como Erê Bebê é um espetáculo elaborado para famílias com crianças de 0 a 3 anos, é importante considerarmos quais são os principais aprendizados neste período da vida. No primeiro ano de vida, todas as forças da criança estão direcionadas para o aprendizado do andar. Emmi Pikler foi uma médica pediatra que trabalhou num orfanato em Budapeste. No período pós-guerra estruturou, baseada em estudos e observações rigorosas dos bebês, uma abordagem que fez cair os números de mortalidade infantil e crescer o bom desenvolvimento integral daquelas crianças. Sua abordagem se baseia no vínculo profundo com o adulto de referência e na motricidade livre. Isso significa que um bebê não é colocado ou forçado a uma posição que ele ainda não conquistou por conta própria. Para isso, a qualidade de presença e observação dos adultos precisa ser bem trabalhada, assim como o ambiente precisa ser adequado à segurança e liberdade de movimentos dos bebês. Atualmente a Abordagem Pikler é referência e inspiração para muitas instituições - orfanatos, creches e berçários - no mundo todo. Quando criamos o Erê Bebê, a Abordagem Pikler ainda era pouco conhecida no Brasil. Como nós havíamos estudado profundamente sobre os princípios do vínculo e da motricidade livre, vivenciado com nossos dois filhos mais novos e visto os excelentes resultados, o vínculo e a motricidade livre foram pilares da criação do Erê Bebê.
Se relacionarmos as contribuições do início do século XX de Emmi Pikler e de Rudolf Steiner sobre o desenvolvimento da criança no começo da vida, compreendemos que o vínculo e o bom aprendizado do andar no primeiro ano são as bases para o aprendizado da língua mãe no segundo ano e do pensamento no terceiro ano de vida. No período dos três primeiros anos de vida 80% da plasticidade cerebral da criança é formada. Logo, as experiências vividas no período de aquisição do andar, do falar e do pensar nesses primeiros anos são estruturantes para toda a vida do ser humano.
Conscientes do valor das experiências vividas no começo da vida, buscamos, com o Erê Bebê, criar uma oportunidade de aprofundamento dos vínculos da criança pequena com seus adultos de referência num ambiente que ela possa vivenciar a descoberta do mundo e de si própria, considerando o tato, o movimento livre, o equilíbrio, o sentido vital e o aprendizado do andar, do falar e do pensamento.
Surge então um novo desafio: como transformar todo esse conhecimento pesquisado em linguagem artística capaz de propiciar experiências poéticas para adultos e crianças, fortalecendo os vínculos e favorecendo o bom desenvolvimento infantil?
O ambiente
Compreendemos o ambiente criado para o Erê Bebê de forma complexa e integrada. Quando criamos um trabalho artístico para famílias com crianças pequenas é preciso, ao concebermos o espaço cênico, pensar nas necessidades específicas deste público. As famílias com bebês precisam de um ambiente seguro e acolhedor, onde possam trocar fraldas, amamentar e cuidar de suas necessidades. Quanto mais harmonioso for esse ambiente, mais tranquilos estarão os adultos e mais calmos ficarão os bebês.
Crianças pequenas são muito sensíveis aos ruídos, às cores e ao estado dos adultos que os cercam. Por isso, as mães e os pais precisam perceber que o espaço é especialmente preparado para eles. Assim, quando o bebê chorar tendem a não ficar angustiados. Se precisam amamentar ou alimentar o bebê, ficarão seguros e acolhidos.
Mas como criar um espaço que acolha famílias com crianças pequenas? Primeiro, as famílias precisam se sentir seguras e confortáveis. Logo, o espaço onde acontece o evento precisa contar com trocador para os bebês e um ambiente de acolhimento às famílias enquanto aguardam o começo do espetáculo. Preparamos, então, uma sala limpa, segura e confortável para que adultos e crianças possam conviver e brincar enquanto esperam. Tapetes e almofadas convidam adultos e bebês a buscarem o chão. Este é o melhor recurso para o desenvolvimento da motricidade das crianças pequenas. Elementos não estruturados e naturais estão organizados no espaço e disponíveis às famílias. Ali já começam as experiências sensoriais, o aprofundamento do vínculo, o movimento e a descoberta do mundo que nos interessam. Os adultos têm a oportunidade de observarem seus bebês brincando, as crianças interagindo entre si, além de conviverem também com outros adultos que estão vivenciando os mesmos desafios com seus filhos pequenos. Cria-se um espaço de encontro, convivência, trocas e partilhas. (Figura 1 y 2)
O espaço cênico
O espaço cênico é constituído e delimitado por 10 tapetes redondos de tecido pintados e costurados à mão. Cada tapete é uma mandala criada com inspiração na embriogênese. Os tecidos que emolduram as mandalas são originários do Brasil e da África do Sul. Esse material compõe um conjunto de elementos utilizados no espetáculo que tece vínculos entre essas diferentes culturas.
A disposição dos materiais no espaço cênico leva sempre em conta o ponto de vista da criança pequena. Sendo assim, a dinâmica da ação revela os novos elementos de cena no chão, ao alcance da criança.
Todos os elementos de brincar disponíveis na cena foram confeccionados artesanalmente com materiais adequados, levando em conta o contato com a criança: bolas de tricô, animais de tecido costurados manualmente, pedaços de tecido e tules. Os elementos cênicos são disponibilizados, ao longo de cada cena, para cada família. Solicitamos que, enquanto o espetáculo acontece, as famílias e crianças permaneçam no ambiente de sua mandala, para segurança, especialmente dos bebês, pois os atores circulam entre as mandalas. Ao término da cena, que dura em torno de 30 minutos, as crianças e adultos são convidados a interagir e brincar, movendo-se livremente no espaço. (Figura 3)
Ambiente sonoro musical
No contexto do espetáculo Erê Bebê, trabalhou-se com a perspectiva de criação de uma paisagem sonora. Este conceito foi entrelaçado com a dramaturgia constituída por canções cantadas ao vivo pelos atores. O repertório, resultado de pesquisa no Brasil e na África do Sul, promove, a cada cena, o acolhimento da criança no mundo inspirado em ciclos da vida: morte e vida; concepção, gestação e nascimento; a descoberta do mundo; imaginação e criatividade; movimento, gesto e linguagem.
O trabalho com as canções visava alcançar a harmonização das vozes da atriz e do ator de modo a perceber e equilibrar as frequências e vibrações sonoras. A imagem trabalhada foi de uma voz tátil produzida nos corpos dos atores e percebida nos corpos de todos os participantes das sessões do espetáculo, pela audição e de modo sinestésico.
Uma outra imagem trabalhada foi a de um banho sonoro. O ajuste da intensidade, da duração e do tom eram sempre realizados no local de realização do espetáculo, a cada dia de apresentação. Também foram utilizados alguns instrumentos: violão, tigela tibetana, sino, molho e guizo de sementes e chocalho. Aqui, o estudo foi sobre a ressonância e a frequência vibratória dos objetos e dos corpos. A percepção do som neste contexto com os bebês foi essencialmente sensorial. As reações de silêncio, escuta, atenção e olhar presentes nos movimentos dos bebês constituíram-se como regentes dos movimentos sonoros, como uma orquestra de sensibilidades sutis executada ao vivo no encontro e na vinculação de todos os presentes.
Oralidade
Na África do Sul tivemos a oportunidade de estudar e vivenciar uma cultura oral plural e diversa. Algumas relações nos aproximaram indiretamente da cultura dos Sangomas4, sobretudo, no que concerne à crença nos espíritos ancestrais e em práticas distintas de cura. Em alguns casos, os Sangomas são também guardiões das culturas, histórias e valores das comunidades. No exercício destes ofícios a oralidade era prática viva e ativa no cotidiano dos diferentes grupos.
Um outro aspecto da oralidade foi o fato de vivenciarmos diversas línguas ao mesmo tempo, com suas especificidades sonoras, linguísticas, gramaticais, morfológicas e musicais. Somente na África do Sul, entre as línguas oficiais e não oficiais, além das línguas indo-europeias, são quase 20 (vinte) línguas presentes. Ainda, convivemos com inúmeras pessoas vindas de outras regiões do continente africano e de outras partes do mundo. Este caldeirão de línguas nos proporcionou uma experiência de oralidade para muito além da materialidade da fala, alcançando uma pluralidade sociocultural manifestada em modos de integração e de comunicação. Isto nos possibilitou adentrar os sentidos mais sensíveis das falas e de expressões, para além dos significados primeiros das palavras. Esta experiência foi levada para o processo de criação e resultou em um repertório narrativo musical formado por canções em 3 línguas: inglês, português e chewa (língua oficial nativa do Malawi). Ao longo das temporadas, observamos como a musicalidade, o ritmo e as sensações e imagens despertadas pelas canções cantadas em cena envolveram a atenção tanto de adultos quanto de crianças.
Atuação
O processo de criação atoral compreendeu inúmeros desafios diante da necessidade de lidar com novos paradigmas de atuação. O primeiro é que não havia uma personagem a ser construída; não havia ainda um estilo de representação; tampouco se tratava de uma narrativa, nem de um musical. O aspecto predominante foi trabalhar o estado de presença: estar aqui e agora, por inteiro. O primeiro caminho foi de esvaziamento: da ansiedade, dos conceitos pré-estabelecidos, das expectativas, das vontades, dos julgamentos, etc. Nessa jornada criativa buscamos alcançar a presença sem a evidência, a atuação sem a expressão, a condução sem a determinação. Não havia ainda a lógica da ação física e vocal. Foi nesse ponto que compreendemos tratar-se de uma atuação que denominamos de Mediação. Ou seja, a atriz e o ator, presentes, se colocam a serviço para “dar passagem” a fluxos de intencionalidades, de movimentos, de sons, de vibrações que emergem do encontro entre todos ali presentes, tanto os bebês como os adultos.
Embora houvesse um roteiro dramatúrgico estabelecido pelas músicas do espetáculo, a qualidade e o modo de execução não eram determinadas por um trabalho anterior dentro de uma “linha contínua de ação”, do “impulso da ação”, ou ainda de um campo imaginário pré-estabelecido. O campo vibratório estabelecido pelo público de cada sessão, percebido pelos atores, é que determinava a atuação. Assim, em síntese, o processo de atuação compreendeu o silêncio, o esvaziamento, a escuta, a mediação e a passagem.
Como não há diferenciação entre o espaço da cena e o espaço do público, o ator e a atriz percorriam os espaços entre as mandalas que acolhiam cada família com seus bebês. Os olhos dos atores buscavam sempre o vínculo com os olhos dos bebês, assim como os bebês costumavam ficar conectados com os olhos, movimentos e voz dos atores, além das sonoridades dos instrumentos. A intenção relacionada à atuação, não era a de chamar a atenção para os atores, mas sim, criar meios de convivência e vínculo entre os bebês e suas famílias. Logo, podemos considerar que os protagonistas da cena eram os bebês para cada família que ali estava (Figura 4 e 5).
Acontecia como uma dança de atenção entre um estímulo sonoro, musical, movimento ou elemento que se apresentava aos bebês e os interesses, movimentos, sons e reações de cada bebê. Neste fluxo entre os atores e os bebês, abria-se espaço para que os adultos responsáveis, geralmente mãe e pai, observassem, brincassem e interagissem a seu modo.
Os elementos cênicos
Todos os elementos presentes em cena foram rigorosamente estudados e criados pensando nas crianças de 0 a 3 anos e na poética do trabalho. Quando as famílias entram em cena, encontram uma sala ampla, de piso de madeira, com dez tapetes redondos em tecido compostos por mandalas pintadas à mão pela artista plástica mineira Fran Monai5, inspiradas no começo da vida, desde a concepção até a amamentação.
Na fase da pesquisa realizada na África do Sul, investigamos sobre os tradicionais tecidos sul-africanos Shweshwe, feitos de algodão que combinam cores fortes e formas geométricas de padrão fino, identidade cultural do país. Trouxemos da África do Sul tecidos Shweshwe que compunham alguns elementos cênicos do Erê Bebê. As mandalas em tecido pintadas à mão inspiradas na embriogênese eram emolduradas por retalhos de Shweshwe intercalados com Chita, um tecido popular no Brasil, feito de algodão e estampas com cores fortes e desenhos de flores, plantas, folhas e elementos naturais. A chita é originária da Índia e foi trazida ao Brasil, pelos portugueses, no século XVI. Quando passou a ser produzida no Brasil, barateou os custos e se tornou popular. Hoje em dia é um tecido de referência popular brasileira. Ao costurar um pedaço de Shweshwe com outro de Chita, entrelaçamos as culturas sul-africana e brasileira, que deram origem ao Erê Bebê. Assim, cada família é acolhida em um tapete mandala, que se torna seu ninho durante o espetáculo. As forças presentes na mandala, referentes a alguma fase do começo da vida, nutrem o campo familiar (Figura 6).
Quando todas as famílias estão aconchegadas em suas mandalas, surge uma grande nuvem de tule lilás. O ator e a atriz, cada um presente em uma lateral do espaço, seguram as pontas do grande tule que atravessa o espaço por cima das cabeças e, como uma nuvem, vão chovendo pequenos panos vermelhos com bolinhas brancas. Os bebês maiorzinhos, que demonstram interesse, levantam e passam as mãos e/ou o rosto no tule. Os atores pegam delicadamente os paninhos e entregam para cada criança, em cada mandala. O pano vermelho de bolas brancas que mede 30x30cm é orientado por Emmi Pikler como o primeiro brinquedo do bebê. O contraste das cores e formas faz com que chame a atenção do bebê, gerando interesse em pegá-lo. Cada família recebe a quantidade de paninhos referente ao número de crianças. Este é o primeiro elemento material que é entregue aos bebês e, cada um brinca e interage livremente, de acordo com o seu interesse (Figura 7).
Depois de entregue todos os panos, o grande tule que abrigava os paninhos e passou por cima do público é enrolado coreograficamente pelos atores até se transformar no que sugere ser uma barriga de gestante. A atriz e o ator cantam, dançam e se vinculam com o bebê no ventre. A barriga se transforma em um bebê que a atriz entrega ao ator, que nina o bebê e depois o transforma em um ninho e o dispõe no espaço.
Os próximos elementos materiais que chegam aos bebês são inspirados em pesquisas que realizamos na África do Sul, quando investigamos elementos não estruturados, simples e naturais presentes na cultura do brincar das crianças. Lá, observamos crianças de diferentes contextos sociais brincando com brinquedos artesanais, feitos de madeira, crochê e tecidos. O apelo para brinquedos industrializados era muito menor que a cultura que vivemos, especialmente nas grandes cidades do Brasil. É importante citar que, naquela ocasião, moramos em Cape Town, uma das capitais do país e ponto turístico que atrai pessoas de todos os continentes. Então, nossa experiência e observação do brincar das crianças aconteceu neste contexto urbano de uma grande cidade de valor político, econômico e turístico daquele país.
Nas tradicionais feiras pelas praças e parques da cidade, mulheres teciam roupas e brinquedos para crianças com os tecidos Shweshwe. Nossas crianças brincavam com pequenos elefantes e girafas feitos do tradicional tecido sul-africano. Esses brinquedos de pano eram especiais, traziam consigo a história, a memória, a fauna e a cultura da África do Sul. Além disso, pelo tecido ser 100% de algodão e como eram bem preenchidos, as pernas, o pescoço da girafa e a tromba do elefante se mostraram excelentes recursos para as crianças pequenas morderem, especialmente no período do nascimento dos dentes. Além, é claro, das infinitas possibilidades de brincar e criar narrativas com os animais, na medida em que crescem e começam as brincadeiras do faz-de-conta. Isso nos levou a escolher o elefante e a girafa como elementos que desejávamos oferecer às crianças no Erê Bebê.
Os mesmos tecidos costurados nas molduras das mandalas dos tapetes também compunham os elefantes e girafas presentes no espetáculo, produzidos por uma artesã brasileira, inspirados nos animais sul-africanos. As girafas e elefantes maiores são feitos de tecido sul-africano. Já as girafas e elefantes menores são feitos de tecido brasileiro. Enquanto o ator toca um sino tibetano, acompanha a atriz, com duas sacolas de tecido de algodão cru onde carrega os elefantes e girafas. Cada família em cada mandala recebe um exemplar de cada animal, correspondente ao número de crianças. Como todas as crianças já têm os paninhos para brincarem, costumam esperar o seu animal com expectativa, mas sem ansiedade, pois já estão envolvidas pelo paninho. A sonoridade do sino tibetano também envolve o campo vibracional das pessoas, trazendo tranquilidade e atenção, assim como encanta as crianças (Figura 8).
O próximo elemento a entrar em cena é, também, o primeiro chamado ao movimento para fora da mandala do ninho familiar. Enquanto cantam, os atores vão dispondo ninhos feitos de tules lilás enrolados pelo espaço entre as mandalas. As crianças costumam olhar com curiosidade, mas seguem envolvidas brincando com os elementos que já receberam. Não temos a intenção de chamar a atenção das crianças. Mas a intenção é que a canção crie um ambiente acolhedor e tranquilo para a brincadeira entre adultos e crianças. Os ninhos vão surgindo de forma discreta no ambiente.
Na sequência vem a canção cuja estrutura musical convida para o movimento e a brincadeira. “Panchengá” é uma canção de uma brincadeira popular do Malawi que aprendemos com uma vizinha e brincávamos com ela e nossos filhos quando moramos em Cape Town. Enquanto cantamos e brincamos com movimentos corporais, disponibilizamos dezenas de bolinhas de crochê nos ninhos de tule. A qualidade vocal e o movimento dos atores são um convite à brincadeira livre pelo espaço. As bolinhas são recursos importantes na fase que o bebê começa a se deslocar pelo espaço, seja rastejando, engatinhando ou caminhando. O rolar das bolas chama os bebês para o deslocamento. As bolas são depositadas nos tules, e não entregues para a família na mandala, como acontece com os paninhos e os animais. O objetivo é que as crianças comecem a se deslocar pelo espaço a partir da sua vontade e interesse.
Ao final desta canção, os atores saem de cena e o espaço fica livre com todos os elementos materiais disponíveis para os bebês e crianças pequenas brincarem livremente. Neste momento, os elementos disponíveis no espaço ganham diversas funções, de acordo com a vontade e o imaginário de cada criança e família. Os adultos, que no início do espetáculo costumam chegar sérios e contidos, também se espalham e brincam pelo espaço, seguindo o movimento e encantamento das crianças (Figura 9 e 10).
O roteiro do espetáculo se inspira no movimento natural da vida: do útero ao mundo. E isso é expresso nos elementos materiais que vão surgindo. Os paninhos piklerianos remetem à relação do bebê com ele mesmo. Pegam com as mãos, passam no rosto, enrolam no braço, jogam e pegam… cada criança de acordo com sua fase de desenvolvimento motor e vontade. A relação do pano se dá com o próprio corpo e, assim, a descoberta de si. Os animais de tecido remetem ao núcleo familiar. As relações com os pais, irmãos, avós, primos… Geralmente as crianças pequenas estabelecem relações entre os animais, gerando pequenas narrativas imaginárias. É o movimento de relação eu-outro, mas ainda no contorno familiar. As bolas de crochê são o convite para romper as fronteiras familiares e se relacionarem com outras crianças e a comunidade, mas num ambiente seguro e acompanhado pelos adultos de referência.
Cada criança vivencia aquilo que deseja vivenciar. Não são estimuladas ou chamadas para realizarem qualquer ação. Os estímulos se limitam aos elementos que surgem no espaço, à oralidade, musicalidade e movimentos dos atores. Cada criança e família é livre para se relacionar com os elementos materiais, sonoros e musicais conforme a sua vontade. A forma e o tempo que cada elemento é entregue às famílias leva em conta o interesse e o tempo das crianças, para não atrapalhar seu processo de atenção, descoberta e interação.
Os estímulos
Consideramos importante atentar para a qualidade, a quantidade e a intensidade dos estímulos que oferecemos às crianças para o seu desenvolvimento saudável. Pois excesso de estímulos exercem influência sobre a qualidade da atenção, concentração, foco, escuta e equilíbrio emocional e mental da criança. Ambientes e brinquedos com excesso de sons e luzes agitam e até mesmo perturbam os sentidos da criança.
Por esses motivos, escolhemos elementos naturais e artesanais para comporem a cena de Erê Bebê. Como há cores e formas nos tapetes, animais de tecido e bolas de crochê, escolhemos os tules de tonalidade lilás suave para trazer tranquilidade e suavidade ao ambiente. Ainda assim, tomamos o cuidado para que as cores e formas dos materiais escolhidos criem uma composição agradável aos olhos. Como os elementos de brincar que surgem no decorrer da cena são coloridos, os figurinos dos atores são em tonalidades neutras mesclando o branco e o bege de forma discreta. Não há recursos de maquiagem ou caracterização. O foco dos bebês deve ser direcionado à descoberta de si mesmos, dos objetos e do vínculo com seus familiares. Os atores são os mediadores desse processo. Cada elemento surge em cena com delicadeza e cuidado, dando o tempo necessário para as crianças pequenas descobrirem e interagirem.
Os espaços físicos que recebem o espetáculo Erê Bebê precisam ser limpos, silenciosos, harmoniosos, sem materiais expostos que possam chamar a atenção e/ou machucar os bebês e com piso de madeira, para trazer segurança e aconchego.
As sonoridades, os instrumentos, os cantos e as vozes dos atores também criam uma ambiência sonora que gera estado de tranquilidade, harmonia e presença. Suavemente as vozes, o ritmo e a corporalidade dos atores ganham intensidade na medida do convite à descoberta do espaço, sem agitá-las e respeitando o tempo, a vontade e o movimento de cada criança.
Considerações finais
Um aspecto importante para refletirmos, é que no Erê Bebê as crianças são o centro da atenção, mas não estão expostas. O que isso significa? Quer dizer que todo o espaço, o ambiente, os elementos, as sonoridades e canções, as ações e a atenção dos atores estão voltadas para as crianças. Os atores não se colocam como protagonistas da cena. Mas sim, os atores acolhem, criam atmosferas, estabelecem vínculos, observam com atenção e cuidado, se colocam presentes e proporcionam possibilidades de descobertas, brincadeiras e vínculos entre as crianças e seus familiares.
Tudo é criado para que as crianças se sintam seguras e para que os familiares voltem sua atenção e presença para a relação com suas crianças. Conforme as pesquisas sobre desenvolvimento infantil revelam, tanto na linha da Antroposofia, como na Abordagem Pikler, a qualidade de presença e vínculo da criança com os adultos de referência gera impactos para o seu bom desenvolvimento, aprendizado e saúde integral.
Embora as crianças sejam o centro do trabalho, tomamos o cuidado para que elas não sejam expostas. A filósofa Hannah Arendt (2016) afirma que todo começo da vida necessita da escuridão: a semente na terra, o passarinho no ovo, o feto no ventre materno. Assim, ela deve ser trazida à luz de forma gradativa, pois a escuridão protege a vida neste período. Neste aspecto, Arendt se refere à socialização precoce das crianças, numa crítica ao sistema social e econômico que obriga as famílias a colocarem suas crianças em creches, convivendo com ritmos e acordos coletivos para os quais bebês e crianças pequenas ainda não estão maduros para seguir.
Pelos olhos estalados dos bebês, pela manifestação do livre brincar das crianças pequenas, pelo sorriso dos adultos observando seus bebês, nos olhares entre crianças e adultos e nos encontros brincantes, percebemos que Erê Bebê alcança seus objetivos de forma poética, sensível e lúdica. Famílias que já participaram das sessões de Erê Bebê indicam para outras famílias. Pais e mães contam que seguem cantando as canções do espetáculo com suas crianças. Ao observarem seus bebês brincando com elementos simples e artesanais, percebem que, talvez, não precisem de tantos brinquedos industrializados. Os vínculos vivenciados na experiência artística podem seguir sendo tecidos no brincar, no cantar, no contemplar e no ato de ir para o chão com sua criança. O estado poético de Erê Bebê toca a criança interior atemporal dos adultos e ela, a criança atemporal, pode talvez acompanhar a sua jornada materna e/ou paterna trazendo mais leveza, brincadeira e criação para a vida.
Algumas canções cantadas em Erê Bebê são de autoria dos atores. Após o pedido de pais e mães para terem acesso a essas canções, foi gravado e lançado, em 2020, um álbum musical chamado Erê Miniaturas que conta com 20 canções autorais para vincular e brincar em família e está disponível nas plataformas de streaming6.
Erê Bebê esteve em cartaz nos anos de 2018 e 2019. Por causa da Pandemia por Covid-19 não houve circulação do espetáculo entre 2020 e 2022, visto que o risco de contágio pelo formato do espetáculo era grande. No ano de 2023 foram realizados os estágios de pós-doutorado dos atores, período em que pesquisaram e vivenciaram práticas de Sound Healing7, que será integrado à nova edição do espetáculo com temporada prevista para o ano de 2024 em Minas Gerais, Brasil.
Assim como as crianças crescem e mudam de fases de desenvolvimento, Erê Bebê é um espetáculo vivo que cresce e amadurece com as experiências vividas pelos artistas envolvidos, sem perder seus princípios e estrutura originais.
REFERENCIAS
Arendt, Hannah. 2016. Entre o passado e o futuro. São Paulo: Perspectiva.
Bachelard, Gaston. 1990. «Devaneios sobre a infância». En: O reencontro da criança interior. Organização de Jeremiah Abrams. São Paulo: Cultrix.
Falk, Judit. 2016. Org. Abordagem Pikler, educação infantil. São Paulo: Omnisciência.
Falk, Judit. 2011. Org. Educar os três primeiros anos: a experiência de Lóczy. Araraquara, SP: Junqueira&Marin.
Soares, Suzana Macedo. 2017. Vínculo, movimento e autonomia: educação até 3 anos. São Paulo: Omnisciência.
Steiner, Rudolf. 2012. Os doze sentidos e os sete processos vitais. São Paulo: Antroposófica.
Notas
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Artigo de investigação. Este artigo foi escrito no ano de 2023 como atividade do pós-doutorado realizado pelos autores na UDESC - CEART. O texto é resultado de uma pesquisa artístico acadêmica realizada desde o ano de 2015 na Universidade Federal de Uberlândia e no Instituto Conexão Erê (apoios recebidos: CNPq, CAPES, FAPEMIG).
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1
Trazemos um olhar artístico, contribuindo com as demais áreas do conhecimento que investigam os fatores que determinam o bom desenvolvimento infantil desde a preparação para a concepção até o terceiro ano de vida.
2
Sanduíche da Pesquisa de doutorado realizada no PPGAC da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Projeto: A Árvore de todas as Histórias: Artes Cênicas, Infância e Ancestralidade. Pesquisadora: Mariene Perobelli. Supervisão: Prof. Gerard Samuel (University of Cape Town - UCT).
3
Estágio de Pós-Doutorado. Projeto: Práticas e poéticas vocais: voz e rituais. Pesquisador: Fernando Aleixo. Supervisão: Prof. Gerard Samuel (University of Cape Town - UCT).
4
Sangoma é um curador tradicional presente em diversas etnias da África do Sul, escolhido pelos espíritos ancestrais para seguir com os trabalhos de cura espiritual e física da sua comunidade. No contexto de nossos estudos tivemos contatos com as culturas zulus e xhosa.
5
Fran Monai é artista, mãe, doula, fotógrafa e professora formada em Artes Plásticas pela Universidade Federal de Uberlândia. Sua arte é especialmente inspirada na força da natureza e na feminilidade que gesta, dá vida, nutre e cuida.
6
Link de acesso ao álbum musical: https://open.spotify.com/intl-pt/album/1MStbkQ4VabJmptj8SkB49?si=zhHWp_DlQlOvU20Dsri1Jg
7
Sound Healing é uma prática terapêutica que utiliza o som e a vibração para promover equilíbrio, saúde e bem-estar.
Autor notes
** Professor do Curso de Teatro da Universidade Federal de Uberlândia (UFU - Brasil). Graduação em Artes Cênicas pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP - Brasil). Mestrado em Artes com pesquisa sobre o corpo e a voz na interface da dança e do teatro. Doutor em Teatro com pesquisa sobre processo de criação. Pós-Doutorado na University of Cape Town (2015-16) e na Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC - CEART (2023). Atualmente é diretor voluntário do Instituto Conexão Erê e integrante da Rede Voz e Cena (Brasil). ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8875-8494 Correo electrónico: aleixo@ufu.br
*** Professora do Curso de Teatro da Universidade Federal de Uberlândia (UFU - Brasil). Graduação em Licenciatura em Ed. Artística Hab: Artes Cênicas pela Universidade do Estado de Santa Catarina (2004). É mestre em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina (2009). Doutora em Artes Cênicas pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (2017) com doutorado sanduíche na University of Cape Town, África do Sul, com bolsa CAPES PDSE. Pós-Doutorado na Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC - CEART (2023). Especialista em Educação Pré-natal pela ANEP-Brasil. Com pesquisa sobre desenvolvimento infantil, linguagens artísticas no começo da vida, formação docente e parentalidade. Atualmente é diretora voluntária do Instituto Conexão Erê. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6439-7612 Correo electrónico: mariene@ufu.br
Informação adicional
CÓMO CITAR: Aleixo, Fernando y Mariene H. Perobelli. 2024. “Erê Bebê: experiência artística no começo da vida”. Cuadernos de Música, Artes Visuales y Artes Escénicas 19(2): 16-33. https://doi10.11144/javeriana.mavae19-2.ebea