Mapeamento temático e tendências conceituais dos estudos sobre a participação social em saúde na América*
Mapeo temático y tendencias conceptuales en estudios sobre la participación social en salud en las américas
Thematic Mapping and Conceptual Trends in Studies on Social Participation in Health in the Americas
Frederico Viana Machado , Carla Michele Rech , Rodrigo Silveira Pinto , Wagner de Melo Romão , Manuelle Maria Marques Matias , Gabriele Carvalho de Freitas , Henrique Kujawa
Mapeamento temático e tendências conceituais dos estudos sobre a participação social em saúde na América*
Revista Gerencia y Políticas de Salud, vol. 22, 2023
Pontificia Universidad Javeriana
Frederico Viana Machado a
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil
Carla Michele Rech carlatsul@yahoo.com.br
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil
Rodrigo Silveira Pinto rodrigospinto@gmail.com
Centro de Educação e Assessoramento Popular, Brasil
Wagner de Melo Romão wromao@unicamp.br
Universidade Estadual de Campinas, Brasil
Manuelle Maria Marques Matias manumatias29@gmail.com
Universidade Federal Fluminense, Brasil
Gabriele Carvalho de Freitas gabriele.freitas@saude.gov.br
Ministério da Saúde do Brasil, Brasil
Henrique Kujawa henriquekujawa@gmail.com
Centro de Educação e Assessoramento Popular, Brasil
Recepção: 22 Novembro 2022
Aprovação: 01 Setembro 2023
Resumo: Introdução/objetivos: este trabalho mapeia os termos e os conceitos mais utilizados em artigos sobre a participação social em saúde. Tem como objetivo identificar seu tratamento ao longo do tempo, bem como a relação, a organização e a distribuição temporal das conexões temáticas e das áreas de conhecimento, considerando a diversidade de temas e conceitos presentes na literatura nas Américas. Metodologia: foi realizada uma análise bibliométrica de artigos em inglês, espanhol e português, extraídos de buscas na BVS, PubMed, Scopus, WoS e SciELO, consolidando uma base de dados com 641 referências. Com o uso do VOSviewer, aplicamos a análise de coocorrência de palavras baseada em dados de texto (título e resumo) e coocorrência de palavras-chave. Resultados: foram mapeadas duas grandes abordagens para a participação, uma mais relacionada à comunidade e outra, às instituições e às políticas públicas. A análise temporal pôde identificar a evolução e a frequência da utilização de conceitos, métodos e temas nas últimas décadas. Conclusões: o desenvolvimento histórico, o acúmulo de produções e a diversificação do campo coincidem com uma maior especificidade conceitual e com a formação de consensos teóricos. Os descritores metodológicos indicam a hegemonia das abordagens qualitativas e a consolidação da participação social em saúde como objetivo de investigação científica, um método de produção de conhecimento e uma ferramenta capaz de contribuir para a gestão e o aprimoramento das políticas públicas.
Palavras-chave:bibliometria, saúde pública, participação social em saúde, engajamento comunitário.
Resumen: Introducción/objetivos: Este trabajo mapea los términos y conceptos más utilizados en artículos sobre participación en salud. Tiene como propósito identificar su tratamiento a lo largo del tiempo, así como la relación, organización y distribución temporal de las conexiones temáticas y áreas de conocimiento, considerando la diversidad de temas y conceptos presentes en la literatura de las Américas. Metodología: Se realizó un análisis bibliométrico de artículos en inglés, español y portugués, extraídos de búsquedas en BVS, PubMed, Scopus, WoS y SciELO, consolidando una base de datos con 641 referencias. Usando VOSviewer, aplicamos un análisis de coocurrencia de palabras basado en datos de texto (título y resumen) y coocurrencia de palabras clave. Resultados: Se mapearon dos grandes enfoques de participación, uno más relacionado con la comunidad y el otro con las instituciones de política pública. El análisis temporal permitió identificar la evolución y frecuencia de uso de conceptos, métodos y temas en las últimas décadas. Conclusiones: El desarrollo histórico, la acumulación de producciones y la diversificación del campo coinciden con una mayor especificidad conceptual y la formación de consensos teóricos. Los descriptores metodológicos señalan la hegemonía de los enfoques cualitativos, y la consolidación de la participación en salud como objeto de investigación científica, método de producción de conocimiento y herramienta capaz de contribuir a la gestión y mejora de las políticas públicas.
Palabras clave: bibliometría, salud pública, participación social en salud, participación de la comunidad.
Abstract: Introduction/objectives: This work maps the terms and concepts most used in articles on participation in health, seeking to identify their treatment over time, as well as the relationship, organization and temporal distribution of thematic connections and areas of knowledge, considering the diversity of themes and concepts present in literature in the Americas. Methodology: A bibliometric analysis of articles in English, Spanish and Portuguese, extracted from searches in the VHL, Pubmed, SCOPUS, WOS and SciELO, was carried out, consolidating a database with 641 references. Using VOSviewer, we applied word co-occurrence analysis based on text data (title and abstract) and keyword co-occurrence. Results: Two major approaches to participation were mapped, one more related to the community and the other to public policy institutions. Temporal analysis can identify the evolution and frequency of use of concepts, methods and themes in recent decades. Conclusions: The historical development, the accumulation of productions and the diversification of the field coincide with a greater conceptual specificity and the formation of theoretical consensus. The methodological descriptors indicate the hegemony of qualitative approaches, and the consolidation of participation in health as an object of scientific investigation, a method of knowledge production and a tool capable of contributing to the management and improvement of public policies.
Keywords: Bibliometrics, Public health, Social Participation in Health, Community Engagement.
Introdução
A discussão sobre a participação comunitária em saúde remonta à década de 1850 (1), e a experiência dos “médicos de pés descalços”, na década de 1920, é um marco nos estudos sobre o tema (2). A iniciativa de envolver as populações em ações de saúde se mostra uma necessidade, sobretudo quando os serviços de saúde apresentam deficiências de recursos, tecnologias e procedimentos. Esses esforços passam pelo reconhecimento de que os saberes locais e as práticas comunitárias são fundamentais para melhorar as condições de saúde e democratizar o Estado, com o envolvimento dos cidadãos nas decisões e na definição de prioridades nas políticas públicas.
A inclusão da participação da comunidade como uma estratégia de planejamento em saúde ganhou força após o final da Segunda Guerra Mundial, por meio de abordagens realizadas por determinados países e entidades não governamentais, que adquiriram vigor após a publicação da Declaração de Alma-Ata, em que se ressalta a relevância das práticas participativas para melhorar as condições e as políticas públicas de saúde (3). A Declaração de Astana (4) reafirma e atualiza os princípios de Alma-Ata, e a participação é um dos compromissos firmados (5). As iniciativas transnacionais contribuíram para disseminar a pertinência da participação social em saúde entre gestores e pesquisadores em todo o mundo, o que fomentou a ampla produção de pesquisas e teorias sobre o tema. Esse acúmulo de experiências e pesquisas levaram à publicação de diretrizes em um documento específico, produzido pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que ressalta a relevância das práticas participativas para melhorar as condições e as políticas públicas de saúde (6). Na região das Américas, não foi diferente. Vários países construíram seu sistema de atenção à saúde para responder às necessidades da população, incluindo a participação da comunidade, em consonância com a produção de conhecimento e materiais de referência sobre o tema por pesquisadores, gestores e profissionais da saúde (7, 8).
Com os esforços para desenvolver e implementar ações participativas, surge a necessidade de se construir estudos que possam descrever, avaliar e propor ações relacionadas à participação da saúde. Os campos de pesquisa são moldados historicamente, contexto em que teorias e conceitos entram e saem de cena, e proposições antigas são revistas ou até mesmo eliminadas, problemas empíricos perdem relevância e novos problemas surgem, demandando estudos específicos. Quando nos debruçamos sobre a dimensão conceitual dos estudos sobre a participação social em saúde, vemos uma diversidade de conceitos e compreensões destes, o que expressa diferenças teóricas e práticas, históricas e geográficas. Conceitos como “participação social” (5, 9), “controle social” (10), “participação comunitária”, “engajamento comunitário” (11) e outros, ainda hoje bastante utilizados, apresentam diferentes usos e concepções. Ao mesmo tempo, tem-se uma diversidade de estudos relacionados às ciências sociais e às ciências da saúde. Encontramos revisões da literatura que discutem a participação como uma ferramenta para alcançar os resultados dos programas de saúde (12, 13) e, em outra perspectiva, apresentam a participação como meio para fortalecer a democracia e como um direito, abordagem característica das ciências sociais (14, 15). Compreender o desenvolvimento histórico-conceitual desse campo e a diversidade de áreas, temáticas e abordagens que marcam as pesquisas e práticas relacionadas à participação se coloca como um problema, pois até mesmo as revisões bibliográficas apresentam recortes bastante distintos e muitas vezes parecem tratar de diferentes temas (12-16).
Em uma revisão bibliométrica (11), apresentaram-se os termos mais utilizados ao longo do tempo relacionados à literatura sobre engajamento comunitário e saúde pública. Esse estudo ajuda a compreender a organização desse campo e os termos mais relacionados ao tema. Entretanto, não aporta muitos detalhes sobre a frequência e o uso dos conceitos ao longo do tempo e a relação entre eles. Além disso, os autores fazem uma análise mundial da produção, não destacando as especificidades de cada continente, o que permitiria observar mais detalhes sobre a aderência temática e suas relações locais; consideram apenas a língua inglesa, o que pode invisibilizar investigações sobre práticas regionais e que foram publicadas nos idiomas dos países de origem; constroem seu banco de dados utilizando apenas o indexador Web of Science, no qual se sobressaem as publicações das áreas biomédicas em detrimento das ciências sociais (17); além de incluírem apenas o termo “community engagement” na busca, restringindo a pluralidade de termos relacionados à participação social em saúde.
Mapear os termos e os conceitos utilizados nos trabalhos acadêmicos sobre a participação social em saúde pode nos informar tanto sobre a evolução das teorizações e das problemáticas levantadas ao longo do tempo quanto sobre como eles se relacionam, se organizam e se distribuem em função das conexões temáticas e das diferenças entre áreas de conhecimento. Para contribuir para esta discussão, este trabalho apresenta uma análise bibliométrica e cientométrica dos termos mais utilizados e das diferenças temporais desses usos, a fim de conhecer a diversidade de temas e conceitos presentes na literatura científica acerca da participação social em saúde.
Este artigo apresenta análises de coocorrências de palavras (títulos e resumos) e palavras-chave que são parte dos resultados de um estudo bibliométrico e cientométrico mais amplo. Este estudo considerou artigos científicos em inglês, espanhol e português que tratassem da participação social em saúde no continente americano, publicados até 12 de agosto de 2021; além disso, é parte das ações do projeto “Formação para o controle social”, do Conselho Nacional de Saúde, financiado pela Organização Pan-Americana da Saúde e executado pelo Centro de Educação e Assessoramento Popular (18).
Os estudos métricos sobre publicações científicas permitem compreender o conteúdo analisado e sua estrutura, identificando escolas de pensamento e sua evolução (17, 19). Esta análise contribui para compreender a produção e a interação dos pesquisadores em determinado campo científico, considerando a vinculação institucional dos autores, os periódicos, as fontes e os países de origem. Além disso, complementa os resultados apresentados em duas publicações anteriores: a distribuição cronológica por países e idiomas e os padrões e a frequência de citação e coautoria por autores, documentos, países e instituições, apresentados em publicação anterior (20); e as análises de acoplamento bibliográfico e cocitação que discutem as redes informais de colaboração entre pesquisadores (21).
Metodologia
A bibliometria e a cientometria avaliam e mensuram as características e o desenvolvimento de temas e campos de conhecimento por meio de métodos estatísticos e matemáticos que identificam padrões, estruturas e relações apresentadas em uma determinada amostra da literatura. Identificam os pesquisadores e as instituições mais atuantes, o que facilita a identificação de trabalhos e a articulação de redes colaborativas, bem como de conceitos e temas de pesquisa. Diante do crescente volume de informações registradas atualmente, esse método é especialmente útil para quantificar e organizar grandes amostras de publicações (19, 22), contribuindo para compreender a produção, a disseminação e o uso de informação. A análise cientométrica relaciona esses aspectos quantitativos a contextos sociais para discutir o desenvolvimento científico em um determinado campo de conhecimento. O uso da bibliometria para fundamentar decisões sobre políticas em ciência e tecnologia e fomentar redes de pesquisa é comum em vários países (23, 24). Para isso, utilizamos o software VOSviewer, que tem sido recomendado para processar e visualizar informações bibliométricas e construir mapas com redes de proximidades (19, 24).
Levantamento e tratamento dos dados
As buscas foram realizadas em Portal da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (Medline) através do PubMed; Scopus, Web of Science (WoS) e Scientific Electronic Library Online (SciELO). A escolha das bases deu-se tanto pela relevância como pela possibilidade de extração dos dados necessários para a realização das análises disponíveis no VOSviewer. Optamos por BVS e PubMed por reunirem publicações relevantes das ciências naturais e biomédicas, assim como a Scopus e a WoS, sendo esta última considerada atualmente a base de dados mais comumente utilizada para a análise bibliométrica, dada sua acessibilidade aos dados de bibliografia e citação de 12.000 periódicos mais influentes em todo o mundo (25). No entanto, essas bases possuem uma cobertura proporcionalmente baixa da produção científica nas ciências sociais e humanas (15). Tendo em vista essa limitação, foi incluída a base SciELO, também com abrangência internacional, incluindo países da América Latina e do Caribe, e que abriga periódicos científicos de todas as áreas do conhecimento, com destaque para as áreas da saúde e das ciências sociais e humanas (17).
Diversos sentidos e utilizações estão relacionados à participação social em saúde, cujas publicações podem ser indexadas por termos diferentes, dependendo das abordagens ou dos momentos históricos. Para contemplar ao máximo a pluralidade de abordagens, construímos uma estratégia de busca que tivesse aderência às ciências naturais e biomédicas, bem como às ciências sociais e humanas. Aplicamos, sem limite de data, nos títulos e nos resumos, em português, inglês e espanhol, a seguinte combinação de palavras-chave: “controle social” OR “participação social” OR “participação da comunidade” OR “participação cidadã” OR “participação comunitária” OR “participação pública” OR “participação política” OR “gestão participativa” OR “democracia participativa” OR “democracia deliberativa” OR “controle social formal” AND “conhecimentos, atitudes e prática em saúde” OR “saúde” OR “política de saúde” OR “políticas públicas de saúde” OR “políticas públicas em saúde” OR “políticas sanitárias” OR “política de assistência à saúde” OR “conselhos de saúde” OR “conferências de saúde”.
Após a exclusão de duplicados, a triagem, a elegibilidade e a seleção final foram feitas por meio de planilhas, por duplas de pesquisadores independentes, utilizando-se os seguintes critérios de elegibilidade: publicações em periódicos científicos na forma de artigos, assinados por autores vinculados a instituições de países da América ou que tratassem de experiências de participação social em saúde desenvolvidas nesse continente. Das 9.487 referências encontradas nas buscas, foram excluídas 5.640 referências duplicadas, restando para a triagem inicial 3.847 referências. A triagem foi feita a partir da leitura de títulos e resumos. Foram incluídos artigos publicados em inglês, espanhol ou português, em qualquer ano até a data da coleta, realizada em 12 de agosto de 2021, sendo o mais antigo de 1956. A amostra final resultou em 641 referências. O passo seguinte foi a montagem e a complementação do banco de dados com apenas as referências selecionadas para a rodagem no VOSviewer. O banco de dados está publicado e disponível na internet (26).
Análise dos dados
Neste artigo, utilizamos duas análises: coocorrência de palavras baseada em dados de texto (título e resumo) e coocorrência de palavras-chave. As palavras-chave são tratadas como dados bibliográficos, pois são utilizadas para a indexação dos artigos. A coocorrência é considerada um dos indicadores de associações temáticas (19). Sua utilização toma como unidade de análise a frequência de termos/palavras em títulos e resumos, e tem como objetivo conectar termos pelo número de vezes que ocorrem simultaneamente em títulos e resumos, sendo capaz de identificar temáticas e conceitos que se destacam, afinidades teóricas ou metodológicas em um determinado banco de dados (21). Esse método tem a vantagem de utilizar o conteúdo real dos documentos e não apenas dados bibliográficos, e sua utilidade principal é identificar a dinâmica de relação ou organização da literatura em grupos temáticos e encontrar conceitos centrais. Quando aplicado longitudinalmente, essa técnica aponta mudanças temporais, mostrando a frequência de termos e conceitos em cada momento histórico (22).
Quando o software é acionado para fazer alguma análise, o primeiro arquivo gerado é uma tabela que apresenta os dados utilizados para montar a imagem com o mapa de relações. Essa tabela apresenta a disposição dos dados por unidade de análise (no caso da coocorrência, os termos mais citados) juntamente com os dados quantitativos (número de ocorrência) e a “força da ligação” (o número de associações que aquela unidade de análise realiza com as demais) que aquela unidade de análise possui. As conexões são feitas pelo número de links ou citações mútuas, que são representados por arestas, em que a espessura delas reflete a força de relação entre dois itens. Quanto menor a distância entre os itens plotados no espaço bidimensional, maior a relação entre eles. De acordo com a intensidade dessas ligações, ocorre a formação de clusters, isto é, grupos de itens com aspectos comuns que são representados por uma mesma coloração. A formação e o número de clusters são definidos pelo VOSviewer, considerando a intensidade das ligações.
Embora com a análise longitudinal do VOSviewer (overlay visualization) já seja possível visualizar algumas tendências que contribuem para a compreensão da evolução das temáticas e dos conceitos ao longo do tempo, ela é pouco precisa para identificar de fato quais são os termos mais frequentes em cada momento, pois o cálculo estatístico utilizado não permite gradações que considerem o volume de artigos publicados (ver Figura 2). Como temos um crescimento contínuo no número de publicações, sobretudo após a segunda metade da década de 2000 (20, 26); o resultado apresentado trata de médias temporais e destaca termos numericamente mais expressivos no banco como um todo. Para complementar essa visualização, dividimos o banco de dados em sete períodos e analisamos a ocorrência das principais palavras-chave. A estratificação das publicações nos recortes temporais pode ser visualizada na Tabela 1, que demonstra a evolução quantitativa desse campo de estudos.
A diferença em número de anos na segmentação da amostra se deve à baixa quantidade de publicações nas primeiras décadas. Importante ressaltar que a tendência atual de publicar prioritariamente no formato de artigos não representa as principais fontes de informação publicadas nos períodos 1956-2006, o que tende a superestimar a relevância da produção acadêmica mais recente. Esta é uma limitação da metodologia utilizada que delimita sua análise aos artigos publicados em periódicos indexados nas bases de dados escolhidas. Desse modo, é necessário ter em vista que os sete períodos utilizados para estratificar as publicações não refletem nem representam marcos históricos e guinadas conceituais: justificam-se por critérios de ordem prática, pois, para a aplicação da metodologia, são necessárias quantidades significativas de dados para identificar as ênfases temáticas de cada período (19, 22).
Para uma visualização mais informativa, na análise de coocorrência por palavras-chave, excluímos aquelas mais genéricas, tais como “health” e “human”, e os nomes de países. Estes últimos ocupavam um espaço na tabela e destacavam apenas os países com maior número de publicações, Brasil, Estados Unidos e Canadá. A análise completa da representação dos países da América na amostra foi publicada em trabalho anterior (20), no qual se pôde dimensionar com mais precisão a presença de cada país na amostra selecionada.
Resultados e discussão
Coocorrência de palavras: identificação de agrupamentos temáticos, tendências e diferenças temporais
A coocorrência de palavras conecta termos pela frequência com que aparecem simultaneamente em títulos e resumos, mensurando por proximidade e força a relação entre temas, afinidades teóricas ou metodológicas e, consequentemente, mapeando os conceitos mais importantes na amostra, a dinâmica da relação e a organização dos conteúdos em clusters. A seguir, apresentamos um mapa de coocorrência de termos baseado em títulos e resumos que representa o ordenamento global da amostra, composta dos 641 artigos selecionados. A Figura 1 apresenta o mapa com os 242 termos mais frequentes nos títulos e nos resumos do banco de dados. Dois clusters se formaram separando dois campos da discussão sobre a participação social em saúde, que coincidem com a categorização apontada por Morgan (27). De um lado, temos um olhar para a participação e o controle social mais voltado para o Estado, para a cidadania, para as instituições e para os processos decisórios na gestão e na formulação das políticas públicas. Do outro lado, a comunidade, suas singularidades, personagens e demandas em saúde se articulam ao engajamento comunitário e aos métodos, aos programas e às abordagens para melhor intervir nessa relação.
A pesquisa sobre a participação social em saúde apresenta um mosaico de conceitos e abordagens teóricas orientadas em maior ou menor grau por esses dois campos. Ocorre na interseção entre profissionais de saúde, epidemiologistas, gestores, cientistas sociais, ativistas e de organizações nacionais e transnacionais que produziram um campo amplo, dinâmico e heterogêneo. Embora haja uma cisão temática nítida, com dois enfoques contrastantes e predominantes, esses dois clusters se relacionam, o que podemos notar pelas linhas que os conectam. Também merecem destaque as nuances entre termos localizados mais ao centro e aqueles nos extremos, demarcando se são mais próximos ou distantes entre si.
No cluster verde, a discussão orbita em torno da noção de comunidade e dos termos próprios da saúde e seus determinantes sociais, como “doença”, “risco”, “pobreza”, “meio ambiente”, “idade”, “prevenção”, “promoção da saúde”, “escola”, “intervenção”, “resultados”, “parceria”, “colaboração”, “projetos”. As metodologias qualitativas são predominantes na amostra e a “pesquisa participante” se localiza na extremidade direita desse cluster, ao invés dos “mecanismos institucionais”, que se localizam no extremo oposto. Vemos aqui termos como “programas”, “intervenções” e “projeto”, próximos a palavras como “avaliação”, “melhoramentos”, “prevenção”, “promoção da saúde” e “resultados em saúde”. Nesse cluster, o conceito que mais se destaca é o de “engajamento comunitário” e o termo mais frequente é “comunidade”.
No cluster vermelho, por sua vez, os conceitos centrais são “participação social” e “controle social”. Interessante observarmos que, durante a limpeza do banco de dados, identificamos alguns artigos de origem estadunidense e canadense nos quais o termo “participação social” estava associado ao sentido de “vida social ativa”, e o termo “controle social”, ao sentido de “controle comportamental” de grupos e indivíduos (14, 26).
O cluster vermelho, do lado esquerdo, apresenta mais atração temática entre termos como “democracia”, “sociedade civil”, “controle social”, “participação social”, “conselhos de saúde”, “cidadania” e “Estado”. Esses termos estão associados ao arcabouço do Sistema Único de Saúde do Brasil e à experiência brasileira de participação e controle social. Embora experiências de participação institucionalizada, semelhantes aos “conselhos de saúde”, tenham sido desenvolvidas em diversos países da América, o termo “conselhos de saúde” aparece na extremidade esquerda, distante dos demais núcleos temáticos. Isso nos ajuda a perceber que, na literatura recente, eles estão mais associados ao Brasil. Na amostra, encontramos artigos que discutem experiências de conselhos em outros países, mas a quantidade foi inexpressiva se comparada com a literatura brasileira. A terminologia utilizada para esses arranjos participativos varia. Na América do Norte, a nomenclatura utilizada geralmente é derivada de “board” e não “council”, tal como “health board”, “citizens boards”, “community advisory board”, entre outras. A discussão sobre democracia deliberativa agrupa termos como “accountability”, “transparência”, “institucionalização”, “lei”, “direitos”, “resoluções”, “diretrizes”, “mecanismos de participação”, “movimentos sociais”, “autonomia”, “diálogo” e “consenso”.
Uma revisão (28) analisou 107 publicações brasileiras sobre a participação social em saúde publicados entre 1988 e 2005, e identificou apenas 7 que descrevessem experiências participativas de promoção da saúde e diagnósticos situacionais e 18 que tratassem da participação comunitária na prevenção e na vigilância em saúde. Nesses artigos, a participação fica em segundo plano, enfocando mais o controle de endemias e a promoção da saúde. Isso nos leva a argumentar que, na literatura brasileira, os objetos de pesquisa e a perspectiva da participação como uma prática institucionalizada são majoritárias. Nas publicações estadunidenses e canadenses, encontra-se um perfil semelhante. Revisando programas de saúde governamentais e ligados a serviços de saúde e entidades não governamentais, em um estudo (12), argumentou-se que a participação da comunidade é entendida como um dos fatores que pode contribuir para o alcance dos resultados dos programas de saúde propostos e não o objetivo em si. A diferença entre as institucionalizações da participação nesses países é a centralidade da participação no Brasil em torno de uma legislação centralizadora, que cria os conselhos e as conferências de saúde como arranjos participativos em todo o país, enquanto nos Estados Unidos, cada programa de saúde possui uma estratégia para garantir a participação.
Com relação aos atores ou “quem participa”, enquanto o cluster vermelho está mais associado aos personagens institucionais (“conselheiro”, “usuário”, “ator social” e “cidadão”), o cluster verde se aproxima de “estudante”, “paciente”, “família”, “criança”, “mulher” e “líder comunitário”, desvelando os personagens da comunidade e do cuidado em saúde que potencializam as parcerias, o voluntariado e a colaboração. Alguns termos se relacionam diretamente com a pergunta sobre “como participar”. A preocupação com uma abordagem é característica do cluster verde, enquanto a participação cidadã, marcante no cluster vermelho, interessa-se mais pelos desenhos institucionais e seus efeitos. De um lado, temos a busca por inovações institucionais; de outro, intervenções inovadoras. De um lado, a sociedade civil em interação com o Estado; de outro, a comunidade em interação com profissionais e serviços de saúde ou pesquisadores. Os conceitos diretamente relacionados à participação que se destacaram foram “participação social” e “controle social” no cluster vermelho, e “engajamento comunitário” e “envolvimento comunitário” no cluster verde.
Evolução e tendências: análise temporal de coocorrência de palavras-chave
A análise de coocorrência de palavras-chave é uma forma mais precisa de identificar os temas e os conceitos centrais abordados pelos artigos, pois, sendo em menor número e definidas pelos autores e indexadores, devem ser mais específicas para a catalogação e a identificação do trabalho. Essa análise foi menos eficaz para identificar campos amplos de conhecimento e discussão, tal como apresentado no tópico anterior, mas foi útil para mapear termos específicos e sua evolução ao longo do tempo, como apresentado na Figura 2 e nas Tabelas 2 e 3.
A seguir, discutimos os principais termos de cada período. É importante ressaltar que a presença de um tema ou discussão em um determinado período não significa que não ocorra em outros, mas sim, que ocorreram em maior número. Algumas palavras-chave que não aparecem nas Tabelas 2 e 3, mas que reforçam o sentido destas, são citadas como complemento diretamente no texto. Esse recurso permitiu identificar como as pesquisas sobre participação acompanharam as preocupações sanitárias e as dinâmicas sociais e políticas de cada momento histórico, o desenvolvimento conceitual e teórico-metodológico das abordagens sobre o tema e, consequentemente, deixam entrever suas relações com o cenário científico e das políticas de saúde. A Tabela 2 apresenta as palavras-chave mais frequentes por período, até 2005, ordenadas iniciando-se pelas que apresentaram maior frequência.
As palavras-chave mais frequentes nos trabalhos publicados até 1980 indicam a preocupação com a organização e a gestão dos sistemas de saúde, dos serviços e do cuidado comunitário, dos trabalhadores da saúde (“health care personnel”, “health personnel”) e das relações interprofissionais (“interprofessional relations”). As agências transnacionais de saúde, OMS e Organização Pan-Americana da Saúde, são agentes importantes desses estudos. Também aparecem questões relacionadas ao desenvolvimento, tais como os fatores socioeconômicos, a pobreza, o saneamento, o controle de doenças (“chagas disease”, “communicable disease control”, “infection control”) e as questões rurais (“rural health care”, “rural health services”). O termo “América Latina” ganha destaque como o terceiro mais citado e é reforçado por outras palavras-chave (“South and Central America”, “Central America”, “Brazil”, “Costa Rica”, “Colombia”, “Argentina”).
No topo da lista das publicações da década de 1980, mantêm-se a preocupação com a gestão dos serviços e a atenção à saúde da comunidade. O consumidor de produtos e serviços de saúde se torna um ator importante com dois termos no topo da lista (“consumer participation”, “consumer”), indicando o conceito mais expressivo na literatura para o enquadramento da participação. “América Latina” foi a 16ª palavra-chave mais citada, permanecendo como um termo importante, sobretudo se considerados os termos associados (“Brazil”, “Colombia”, “Guatemala”, “Nicaragua”), mas vemos surgir a noção de países em desenvolvimento (“developing country”) se somando às questões socioeconômicas (“economic aspect”, “poverty”, “socioeconomic factors”, “social aspect”), o que pode estar relacionado à discussão sobre as intervenções do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional nas reformas sanitárias dos países (29).
A distribuição geográfica (“geographic distribution”) emerge com um dos principais termos e pode ser associado às questões rurais, que agora ganham novos descritores (“agricultural worker”, “agriculture”, “rural health”, “veterinary medicine”, “animal husbandry”), e à emergência das questões urbanas (“urban health”, “urban population”). A preocupação com a participação no espaço urbano reflete o crescimento das cidades e o êxodo rural característico na década de 1980 e nas anteriores (30). As questões relacionadas ao território e ao controle de endemias seguem tendência semelhante (“Aedes aegypti”, “antimalarial agent”, “antimalarials”, “dengue”, “malaria”, “protozoon”). A educação em saúde aparece como tema de discussão.
Estes dois primeiros recortes temporais, “até 1980” e “de 1981 até 1990”, apresentam aderência sobretudo ao cluster roxo da Figura 2, no qual vemos a discussão sobre a participação do consumidor e a preocupação com os programas e serviços de saúde, a saúde rural e a distribuição geográfica, mas também aos clusters intermediários, de coloração esverdeada. A análise por períodos permitiu aprofundar e qualificar a utilização dos termos nesse período. O principal investimento dos países após a declaração de Alma-Ata foi no fortalecimento da atenção básica em saúde seletiva, focada principalmente em questões relacionadas a condições de saúde agudas específicas e à saúde da mulher e da criança (31), sendo executada principalmente nos países das Américas. Nesse período, argumenta-se (3) que a comunidade é vista predominantemente como receptora de serviços básicos e de informações em saúde, devendo ser “convencida” pelos profissionais de saúde, sob a perspectiva biomédica.
Os conceitos de participação comunitária e do consumidor alcançam as primeiras posições nas publicações da década de 1990, o que pode ser interpretado como um amadurecimento e consolidação conceitual e uma maior especificidade dos processos participativos no centro dos recortes de pesquisa. A promoção da saúde se destaca como um conceito emergente nesse período (“health promotion”, “prevention”, “wellness”, “health promoter”), refletindo os desdobramentos da Carta de Ottawa (32), primeiro documento oficial que defende o incremento do poder e do controle dos recursos e ferramentas pela comunidade para a tomada de decisão. Esse reflexo demonstra preocupação conceitual específica e associada à participação e à atenção primária em saúde (“primary health care”, “community health services”, “family health”, “home care”, “home visitation”, “local health systems/standards”, “local participation”, “local strategies”). Um elemento interessante desse período é o surgimento de descritores relacionados aos grupos populacionais (“family planning”, “adult”, “male”, “middle age”, “adolescent”, “black”, “child”, “preschool child”, “gender”, “gender identity”, “infant”, “newborn”, “women’s health”). Os descritores relacionados à atenção à saúde (“health care”) e à atenção à saúde da comunidade (“community care”), associados à preocupação com os serviços (“community health services”, “health teams”), indicam a aproximação das discussões sobre participação e políticas públicas (“health policy”, “public health”, “citizenship”, “decentralization”, “health care policy”, “health care system”, “health services needs and demand”, “health systems research”, “health rights”, “policy implementation”, “policy reform”) . As questões rurais (“rural health”, “agricultural chemicals”, “agriculture”, “farms”, “rural population”) e sobre o controle de endemias (“schistosomiasis”, “infection control”, “dengue”) aparecem, mas com menos frequência que nos períodos anteriores.
Percebe-se, na década de 1990, o impacto do modelo de empoderamento da comunidade para o alcance da tomada de decisão. Em 1988, a OMS publica seu primeiro manual com uma estratégia de levantamento dos problemas de saúde de uma região atrelado à participação da comunidade, o que demonstra a preocupação das agências internacionais com a inclusão da participação na agenda (33). Percebe-se a mesma atitude do Banco Mundial, que buscava uma definição concreta e alinhada de participação dando uma visão utilitarista para ela (34). Essa visão fez com que surgisse a necessidade de incluir essa pauta nos projetos fomentados ou influenciados por estas agências (27). Por sua vez, nos anos 1990, percebe-se uma grande produção das ciências sociais sobre o fenômeno da participação e, com esse olhar, acrescentou-se a visão de contexto (as relações sociais que existem previamente a alguma intervenção relacionada à participação), cultura (a compreensão do local onde a participação está sendo fomentada, sobre os aspectos políticos e de estruturas sociais) e o significado das intervenções participativas para os estratos da comunidade (gênero, etnia e classe social). Dessa forma, pode-se perceber as diversas nuances de uma intervenção que envolve a participação, e não o efeito “tudo ou nada”, mostrando diversos caminhos para o incremento de poder citado na Declaração de Ottawa (27).
Os conceitos principais nos trabalhos publicados entre 2001 e 2005 seguem enfocando a participação comunitária e do consumidor. Termos relacionados às políticas públicas, que emergem no período anterior, ganham volume e especificidade conceitual nesse período (“health policy”, “health care policy”, “health services administration”, “policy”). Os termos relacionados à promoção da saúde e à educação ainda aparecem, mas perdem posições em comparação com o período anterior. Surgem conceitos que abordam a participação institucionalizada (“community-institutional relations”, “social control”, “social control policies”, “social participation”, “control social”, “public participation”, “mechanisms of social participation”). Identificam-se vários descritores metodológicos indicando mais atividades de pesquisa empírica em torno do tema (“qualitative analysis”, “comparative study”, “construction models”, “controlled study”, “correlation analysis”, “descriptive research”, “discourse analysis”, “ethnography”, “exploratory research”, “focus groups”, “group dynamics”, “health survey”, “major clinical study”, “qualitative study”). Essa evolução demonstra a consolidação das ciências sociais nesse campo de estudo, com a definição de métodos de pesquisa qualitativos, em especial os estudos de caso, para demonstrar as dimensões das intervenções participativas (27).
Na Tabela 3, estão apresentadas as palavras-chave mais frequentes a partir de 2006. Os conceitos de participação social e controle social, que surgem entre os descritores do período anterior, tornam-se os dois mais utilizados entre 2006 e 2010, à frente de participação comunitária e do consumidor. O fato de haver tantos conceitos centrais entre os termos mais citados reflete o acúmulo teórico, mas com dispersão de campos de discussão, que criaram conceitos próprios. Diferentemente das décadas de 1980 e 1990, quando as agências transnacionais tentaram agrupar e fazer uma definição dos conceitos e uma busca do melhor processo de conduzir uma intervenção. Trabalhos que envolvem uma mistura de abordagens das ciências sociais e da epidemiologia (com diferentes proporções) trouxeram uma maior aproximação da validade interna dos cenários dos estudos realizados, além de proposições teóricas de diversos aspectos relacionados aos conceitos de comunidade e participação. Outros conceitos importantes também figuram entre os mais citados, o que reforça esse argumento, alguns que já haviam se destacado (“health education”, “health promotion”) e outros que crescem em citação (“citizen participation”, “empowerment”) ou surgem pela primeira vez (“political participation”).
O Brasil se destaca nesse período e termos característicos da literatura desse país estão entre os mais utilizados (“health councils”, “Brazilian unified health system”, “family health program”, “family health strategy”), com ênfase para a questão dos “conselhos de saúde” (“health councils”, “health planning councils”, “municipal health council”, “counsellors’ training”; “counselors of health”), o que pode ser explicado pela reorientação do sistema de saúde a partir de 2003, priorizando a participação da comunidade (35) além do aumento do fomento em pesquisa de saúde naquele país (36). A discussão sobre democracia participativa cresce em citação e diversidade de termos (“democracy”, “accountability”, “deliberative democracy”, “advisory committees”, “care decision-making”, “deepening democracy”, “democratic innovation”, “democratic management”, “democratization”). Esses termos estão fortemente associados à discussão sobre as políticas públicas, o que também é indicado por outros descritores (“quality of health care”, “health policy”, “public health”, “social support”, “policy” “child welfare”). O conceito de capital social, que surge no período anterior, sobe em número de citações, provavelmente resultado da publicação do trabalho de Robert Putnan (37) acerca da pesquisa empírica sobre o tema, promovendo a sua inclusão na discussão sobre a participação da comunidade na saúde (38).
No período de 2011 a 2015, os descritores “community engagement” e “community-based participatory research”, que haviam tido apenas uma ocorrência cada entre 2006 e 2010, ganham força entre as palavras-chave. Esses conceitos são utilizados especialmente em publicações oriundas do Canadá e dos Estados Unidos. Enquanto o termo “controle social” foi incorporado na produção brasileira para a definição da forma institucionalizada de participação (39), os Estados Unidos fomentam o uso do termo “community engagement” (40) para definir as estratégias de inclusão da comunidade. Da mesma forma, a abordagem “community-based participatory research” se tornou a principal estratégia de pesquisa participativa (41).
Os termos “health councils” e “unified health system” indicam a consolidação dos estudos sobre os conselhos no Brasil e a sua relevância, ao menos quantitativa, no escopo da participação social em saúde no continente americano. “Democracy” segue na lista das mais citadas e, nesse período, embora em termos diversificados, ainda são identificados os conceitos relacionados ao arcabouço da democracia participativa. Os termos relacionados à promoção da saúde, à educação em saúde, à atenção primária e a políticas públicas seguem relevantes, consolidando aspectos conceituais que emergiram na década anterior. Dentre os temas que se articulam à participação, a saúde mental é o que mais se destaca nesse período, pois, além de estar entre os mais citados, expressa-se em vários outros descritores (“community mental health”, “mental health promotion”, “mental health strategy”, “mental health systems transformation”, “serious mental illness”, “severe mental illness”, “depression”). A inclusão desses indicadores no debate pode ser um efeito da luta antimanicomial e da inserção das pessoas portadoras de transtornos mentais na tomada de decisão (42), conjuntamente com a ampliação das estratégias de agregar intervenções que promovam a saúde mental na comunidade, visto o crescimento desse problema no planeta (43, 44).
No período de 2016 a 2021, vemos a consolidação de algumas tendências esboçadas no período anterior: “social participation” não apenas permanece na primeira posição, como dobra o número de citações; “community participation”, desde a década de 1990, mantém-se entre os termos mais utilizados; “community engagement” e “community-based participatory research”, que haviam se destacado no período anterior, mais que dobram o número de citações (ver Figura 2); “consumer participation”, que, desde a década de 1980, está entre as mais citadas, se torna residual; “social control” e “health councils” descem algumas posições, mas seguem relevantes; “community-based participatory research”, já em destaque no período anterior, mas que dobra o número de citações; “promoção da saúde” e “educação em saúde” descem algumas posições, mas seguem relevantes; “primary health care” sobe posições nos últimos períodos.
Conclusões
Por meio do estudo da coocorrência de palavras em títulos, resumos e palavras-chave, o presente estudo mapeou os principais termos utilizados nos artigos que compõem o banco de dados, identificando a formação de duas ênfases, com características distintas, que marcam as pesquisas sobre a participação social em saúde. Embora essa divisão já tenha sido evidenciada (27), a análise reconheceu o universo de termos com maior aderência, aqueles mais distantes entre si e os pontos de conexão. O mapeamento dos atores e dos contextos da participação permitiu conhecer algumas características de cada uma dessas ênfases de pesquisa e sua relação com problemas relacionados às políticas e aos sistemas de saúde. A compreensão das particularidades e dos conceitos que definem e instrumentalizam a participação é um dos limites deste estudo, mas apontam-se caminhos para que pesquisas futuras possam ampliar nosso conhecimento sobre as estratégias de pesquisa e desenvolvimento teórico, de forma a integrar e relacionar conceitos. Um ponto valioso a ser considerado por pesquisas futuras é revisar também livros e literatura cinzenta que aportam conhecimentos importantes para o entendimento do desenvolvimento desse campo de estudos, sobretudo em períodos mais antigos.
A análise temporal aplicada pode identificar a evolução e a frequência da utilização de conceitos, métodos e temas no período analisado. Mais do que uma evolução das questões abstratas para questões específicas, como estudo (11) do conceito de engajamento comunitário, vemos os estudos sobre a participação social em saúde dialogarem com os problemas de cada momento histórico. Entretanto, o desenvolvimento histórico, o acúmulo de produções e a diversificação do campo coincidem com uma maior especificidade conceitual utilizada em resposta a problemas e fenômenos contextuais, o que aponta para a formação de consensos teórico-metodológicos mínimos e o amadurecimento teórico das redes de pesquisadores. Nosso estudo nos leva a argumentar que a triangulação de métodos e o debate teórico entre as diferentes perspectivas, conceitos e experiências pode contribuir para o aprimoramento da participação social em saúde para melhorar as condições de saúde e democratizar o Estado e a sociedade na América, corroborando os argumentos encontrados em outro trabalho (8).
Como um fenômeno histórico, vemos que os estudos sobre a participação dialogam com as questões de seu tempo (doenças infecciosas, o controle de endemias e as doenças crônicas, a crescente especificidade dos grupos populacionais, a modernização dos sistemas de saúde, as questões ambientais etc.) e respondem a elas. Os descritores metodológicos indicam, além da hegemonia das abordagens qualitativas, o interesse crescente dos pesquisadores na medida em que a participação deixa de ser um fim em si mesmo ou uma utopia e se torna também um objeto de investigação científica e um método de produção de conhecimento, bem como uma ferramenta capaz de contribuir para a gestão e o aprimoramento das políticas públicas. Essa amarra complexa, que rechaça radicalmente a neutralidade epistemológica das relações sujeito-objeto e pesquisa-intervenção, parece ser uma marca desse campo na atualidade.
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Notas
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Tipología de artículo: de investigación.
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Autor notes
a Autor de correspondencia. Correo electrónico: phredvm@gmail.com