Música pós-minimalista em cena: uma análise do uso de trance 4 em Closet monster*

Música post-minimalista en escena: un análisis del uso de trance 4 en Closet Monster

Post-Minimalist Music on the Scene: Analyzing the Use of Trance 4 in Closet Monster

Cuadernos de Música, Artes Visuales y Artes Escénicas, vol. 16, núm. 1, 2021

Pontificia Universidad Javeriana

Nadia Imelda Moncada Sevilla **

Universidade Federal de Mato Grosso, Brasil


Maristela Carneiro ***

Universidade Federal de Mato Grosso, Brasil


Rita de Cássia Domingues dos Santos ****

Universidade Federal de Mato Grosso, Brasil


Recepção: 30 Junho 2020

Aprovação: 13 Outubro 2020

Publicação: 01 Janeiro 2021

Resumo: O filme Closet Monster, escrito e dirigido por Stephen Dunn, considerado um dos dez melhores filmes canadenses do ano 2015 pelo Toronto International Film Festival (TIFF), apresenta fortes influências do cinema queer e utiliza a música como elemento fundamental para caracterizar o protagonista, acompanhar a trama e conceder à obra um sentido que não seria o mesmo sem ela. Este artigo foca-se em uma cena próxima ao desenlace do filme (71’32”-75’43”), que se serve da peça musical pós-minimalista Trance 4, concebida em 1995 pelo compositor americano Michael Gordon e interpretada pelo grupo musical Icebreaker. Desse recorte, emerge uma análise que tem como objetivos distinguir a contribuição da peça na composição da cena e discutir a influência mútua das linguagens musical e visual, ambas localizadas em tendências com características determinadas, quais sejam o cinema queer e o pós-minimalismo, respectivamente. Para tanto, a análise transita entre conceitos como linguagem musivisual, pontos de sincronização e pós-minimalismo musical. O artigo inicia com considerações sobre música pós-minimalista, cinema queer e os protagonistas de Trance, à guisa de contextualização, seguidas pela exploração da cena fílmica de Closet Monster, ambientada pela faixa musical Trance 4. Como conclusão, ressalta-se o papel da música na composição da cena. Pretende-se contribuir com este artigo para a ampliação dos debates sobre o uso de música pós-minimalista no cinema queer.

Palavras-chave:Cinema, pós-minimalismo, composição da cena, cinema queer .

Resumen: La película Closet Monster, escrita y dirigida por Stephen Dunn, considerada uno de las diez mejores películas canadienses de 2015 por el Toronto International Film Festival (TIFF), presenta fuertes influencias del cine queer y utiliza la música como elemento fundamental para caracterizar al protagonista, seguir la trama y darle a la obra un significado que no sería el mismo sin ella. Este artículo se enfoca en una escena cerca al desenlace de la película (71’32”-75’43”), que hace uso de la obra musical postminimalista, Trance 4, concebida en 1995 por el compositor estadounidense Michael Gordon e interpretada por el grupo musical Icebreaker. De este corto surge un análisis que pretende distinguir el aporte de la obra en la composición de la escena y discutir la influencia mutua de los lenguajes musical y visual, ambos ubicados en tendencias con determinadas características, que son el cine queer y el posminimalismo, respectivamente. Para tal fin, el análisis se mueve entre conceptos como el lenguaje musivisual, los puntos de sincronización y el post-minimalismo musical. El artículo empieza con algunas consideraciones sobre la música post-minimalista, el cine queer y los protagonistas de Trance, a modo de contextualización, seguida de la exploración de la escena cinematográfica Closet Monster, ambientada por la pista Trance 4. Como conclusión, se resalta el papel de la música en la composición de la escena. Con este artículo, se busca contribuir para ampliar los debates sobre el uso de música postminimalista en el cine queer.

Palabras clave: Cinema, postminimalismo, composición de la escena, cine queer .

Abstract: The movie Closet Monster, written and directed by Stephen Dunn and considered one of the top ten Canadian movies of 2015 by the Toronto International Film Festival (TIFF), is heavily influenced by queer cinema and uses music as a fundamental element to characterize the protagonist, follow the plot, and give a meaning to the film that would not be the same without it. This paper focuses on a scene near the end of the movie (71’32”-75’43”) that uses the post-minimalist music piece, Trance 4 (1995), by American composer Michael Gordon and performed by the band Icebreaker. Based on the short, this paper offers an analysis that aims to highlight the track’s contribution to the composition of the scene and to discuss the mutual influence of musical and visual languages, both located in trends with certain characteristics — namely queer cinema and post-minimalism, respectively. To that end, the analysis shifts between concepts such as musivisual language, synchronization points, and musical post-minimalism. The paper opens with some thoughts about post-minimalist music, queer cinema, and the protagonists of Trance, by way of contextualization, followed by an exploration of the Closet Monster scene, set to the track “Trance 4.” To conclude, the paper emphasizes the role of music in the composition of the scene. With this paper, we seek to contribute to broadening the debate on the use of post-minimalist music in queer cinema.

Keywords: Cinema, postminimalism, scene composition, queer cinema.

Introdução

Não é novidade dizer que a linguagem cinematográfica é um campo amplo e de convergência entre diferentes línguas, artes e mídias. O cinema é um exemplo nítido do surgimento de novas formas de comunicação em virtude das combinações intermídias e interartes1. Desde o nascimento, o campo mantém uma estreita relação com a literatura e a fotografia, e rapidamente se aliou à música como uma ferramenta que influenciou sua narrativa. Na história do cinema, por exemplo, é habitual a alusão ao uso da música ao vivo ou sua reprodução pelo fonógrafo nas projeções fílmicas na era silente. Este relacionamento foi sendo transformado, intensificado e aprimorado, diante dos progressos técnicos em ambos os campos.

Segundo Annabel Cohen (2001, 253), com a chegada do filme sonoro, ao final da década de 1920, o cineasta e teórico soviético Sergei Eisenstein foi um dos primeiros a estender ao som a noção de montagem visual2 . De acordo com o autor, “este processo pode ser encontrado em outros meios artísticos, sejam ou não próximos do cinema”; no caso da música, está presente quando “um acorde — ou mesmo três notas sucessivas — parece uma unidade orgânica” (Eisenstein 2002a, 16). De fato, a teoria da montagem eisensteiniana enfatiza o papel da música, o que pode ser percebido nos nomes dados às diferentes modalidades: métrica, rítmica, tonal, harmônica e intelectual.

Por esse motivo, para Alejandro Román (2008, 111), a música e o cinema coexistem influenciando-se, de modo que “a linguagem ‘musivisual’ aplica os códigos da música autônoma ao filme, mas dessa união emerge inevitavelmente uma retroalimentação com influência mútua que é dada pelas necessidades narrativas e expressivas do próprio filme” (tradução dos autores)3 . Em outras palavras, a música adquire diversificados sentidos em vista de sua associação com os demais elementos fílmicos, tal como a produção audiovisual, que também assimila novas camadas expressivas com a inserção daquela.

Para o compositor e acadêmico francês Michel Chion (2008), o som que acompanha o filme em geral aparece como um meio de “manipulação afetiva e semântica”, para que, conforme esclarece, “pelo valor acrescentado, interprete o sentido da imagem e nos faça ver aquilo que sem ele não veríamos, ou que veríamos de outra forma” (33). Esse aporte do som, e especialmente da música, pode acontecer de diversas maneiras. A trilha sonora pode ser feita especificamente para o filme ou incluir músicas pré-existentes, em conformidade com as intenções, agendamentos e orientações dos envolvidos em sua produção. Em ambos casos, a música responde às necessidades narrativas da obra cinematográfica; no entanto, no segundo caso, é mais fácil apreciar a influência mútua referida por Román (2008), ou o que Chion (2008) chama de “valor agregado recíproco”, pois, devido ao seu caráter preexistente, a música já traz seu próprio significado antes mesmo de fazer parte do filme.

Isto posto, este artigo propõe uma discussão sobre as qualidades da música pós-minimalista e suas contribuições para a composição de uma cena do filme canadense Closet Monster (Stephen Dunn 2015), acompanhada pela peça musical Trance 4(Michael Gordon 1995). Esta proposta nos permite vislumbrar aspectos do papel da música na narrativa cinematográfica, em especial de composições catalogadas dentro de tradições ou correntes musicais determinadas. O exame desta cena visa discutir como se dá a interação ou a influência mútua entre as linguagens no caso em questão, o que pode ser expresso nas seguintes perguntas: as qualidades da peça musical são transferidas para a cena? A cena é transformada pela música? Na cena em foco, a música é transformada? Como a cena do filme é percebida quando acompanhada de uma peça musical comumente associada às qualidades da corrente minimalista ou pós-minimalista?

Para tanto, faz-se pertinente apresentarmos uma contextualização introdutória dos elementos em debate. Este preâmbulo serve apenas como ponto de partida, levando à análise principal, da própria cena selecionada. Note-se que, para determinar a relação ou contribuição mútua de ambas as linguagens (musical e cinematográfica) na composição da cena, é essencial abordar o universo perceptivo criado em torno de cada obra, e parte disso diz respeito à sua classificação dentro de tendências artísticas, pois definem e caracterizam cada composição em grande medida. É nesse ponto específico que a abordagem da corrente minimalista/pós-minimalista e do cinema queer4 entra em cena5 , contribuindo para localizar tanto a peça musical quanto a cena selecionada6 .

Portanto, é apropriado partir de uma breve revisão do pós-minimalismo, no âmbito geral e, especificamente na esfera musical, de modo a embasar uma breve abordagem do compositor Michael Gordon e, mais atentamente, sua composição Trance 4. A partir dessa contextualização inicial, outras perguntas se colocam: O que implica localizar a peça de Michael Gordon na tendência pós-minimalista? Que características técnicas ele supõe para a peça? E quais são as expectativas em relação aos valores e experiências comumente associados às peças classificadas como pós-minimalistas? Quando respondidas, será possível nos aproximarmos do filme Closet Monster e do seu diretor, Stephen Dunn e, em última análise, da interação e da influência mútua na cena selecionada.

Pós-minimalismo musical e a obra trance

O presente artigo foi organizado em três partes fundamentais: nesta seção, serão expostas considerações sobre o pós-minimalismo e os personagens envolvidos na composição e gravação da obra Trance 4, parte do álbum Trance, para adiante tratarmos sobre o filme Closet Monster e, ao fim, o uso da mesma na cena escolhida, finalizando o artigo com as considerações finais.

Composições pós-minimalistas: uma miscelânea

Trance 4 é comumente definida como uma música pós-minimalista, como discutiremos adiante. Mas, o que entendemos por pós-minimalismo, terminologia derivada do minimalismo?

Na tentativa de definir o termo minimalismo dentro da corrente artística em geral, Strickland (2000) afirmou que é basicamente um tipo de arte caracterizado pela austeridade dos meios, clareza da forma e simplicidade da textura e estrutura. Kyle Gann (2001), um dos autores mais citados no campo, considera que na música o termo minimalismo foi “aparentemente cunhado pelo compositor Michael Nyman em 1968, embora Tom Johnson (compositor e crítico de música de The Village Voice [jornal americano], em Nova York), também tenha apostado nessa afirmação” (tradução dos autores)7

Não há consenso entre os teóricos se a música minimalista é um estilo, uma estética ou uma técnica composicional. Longe de almejarmos uma conceituação definitiva, o que extrapola os propósitos do presente texto, observa-se que La Monte Young (1935-), Terry Riley (1935-), Steve Reich (1936-) e Philip Glass (1937-) são reconhecidos como os principais representantes do minimalismo musical, com a maioria de suas composições feitas nas décadas de 1960 e 1970, tendo a repetição como uma das suas principais características8 (Gann 2001).

No caso do pós-minimalismo, ainda para Gann (2001), inicialmente este parecia uma resposta coletiva ao minimalismo. Como o autor argumenta, o pós-minimalismo apresenta, entre suas características, uma tendência a ser tonal, principalmente consoante, sendo que, diferentemente dos seus antecessores, os compositores pós-minimalistas preferem composições mais curtas e com mais variações. Apesar disso, o estilo também apresenta uma “dependência do ritmo constante do minimalismo, da tonalidade diatônica e até dos arquétipos formais, mas uma inclusão que reúne ideias de uma variedade desconcertante de fontes musicais” (Gann 2001, tradução dos autores)9 .

Jelena Novak (2013), por sua vez, enfatiza o lado conceitual do pós-minimalismo:

O pós-minimalismo não é um estilo nem um movimento, mas um campo conceitual heterogêneo. Os pós-minimalistas comentam, reinterpretam e questionam a música minimalista numa era pós-modernista, mas o fazem de muitas maneiras diferentes. A música posterior de Philip Glass (1937-), Steve Reich (1936-) e Louis Andriessen (1939-) desenvolve suas obras em direções pós-minimalistas, seguindo suas próprias realizações minimalistas. E além deles, muitos compositores contemporâneos que não se estabeleceram a si mesmos através de uma prévia linguagem minimalista também aparecem como pós-minimalistas: incluem Gavin Bryars, Michael Gordon, David Lang, Wim Mertens, Michael Nyman e Julia Wolfe. As técnicas repetitivas continuam sendo uma característica das composições pós-minimalistas, mas aqui a rigidez dos processos, comparada à da música minimalista inicial, é enfraquecida. A música geralmente é tonal, mas a tonalidade não é um pré-requisito, e a tendência para reduzir a atividade sonora ao mínimo necessário desapareceu. A diferença crucial entre minimalismo e pós-minimalismo, penso, reside em diferentes atitudes em relação à representação de fenômenos extra-musicais. (Novak 2013, 130, tradução dos autores)10

No pós-minimalismo musical, os fenômenos extra-musicais são preponderantes e amalgamados nas entranhas da composição musical, permeados pela Estética da Impureza11, ou seja, impera a mistura de várias mídias e/ou vários procedimentos composicionais12. A maioria dos teóricos parece concordar acerca do caráter impuro que o pós-minimalismo musical desvela, por meio da combinação de diferentes tradições ou procedimentos composicionais, gerando um vocabulário eclético, assim como a relevância do uso de citação (Schwarz 1996; Williams 2009; Masnikosa 2013).

Trance: um sonho pós-minimalista

Para apreender como a composição Trance 4 é envolvida pelo pós-minimalismo, faz-se pertinente conhecer os protagonistas por trás de sua composição e explorar aspectos que marcaram uma peça lançada há pouco mais de vinte anos.

Michael Gordon (1956-), compositor e mestre em música pela Yale School of Music, nasceu em Miami e passou seus primeiros oito anos na Nicarágua13. Em 1987, em companhia dos compositores David Lang (1957-) e Julia Wolfe (1958-), fundaram a organização musical de Nova York, Bang on a Can14 e, pouco mais de uma década depois, em 2001, lançaram a gravadora Cantaloupe Music15.

Gordon tem um profícuo e variado repertório com obras desde comissões para orquestra a trabalhos projetados especificamente para o estúdio de gravação. Em 1994, Gordon começou trabalhar em sua composição Trance, originalmente escrita para ser tocada pelo grupo musical britânico Icebreaker, fundado por James Poke (1963-) e John Godfrey (1962-) em 198916, com quem Gordon já havia trabalhado anteriormente, na peça musical Yo Shakespeare (1992)17.

No site de Bang on a Can, Michael Gordon narra o nascimento da segunda composição colaborativa entre Gordon e o Icebreaker da seguinte forma:

Trance começou depois de um sonho que tive em julho de 1994 [...] No sonho, levei minha música a um compositor mais velho para seus comentários, [...] ele examinou minhas partituras, uma a uma, e eu pude ouvir na minha cabeça a música que ele ouvia em sua cabeça enquanto olhava para as partituras. Tudo parecia Mozart. Após cada partitura, o compositor balançava a cabeça de maneira desalentadora. Finalmente, ele se virou para mim e disse: “Você precisa trabalhar com forças maiores”.

Acordei assustado e na manhã seguinte comecei a trabalhar no Trance. Soube imediatamente que essa peça era para Icebreaker. Eu trabalhava com eles há vários anos e eles eram tudo o que quaisquer outros grupos não eram […] (tradução dos autores)18

Com o Icebreaker incluído no projeto, o álbum Trance foi lançado em 1995, pela gravadora Argo, com uma duração de 52 minutos, e foi executado ao vivo pela primeira vez entre 1996 e 1997. Icebreaker re-mixou e remasterizou o álbum, para seu relançamento em 2004, desta vez sob o selo fonográfico americano Cantaloupe Music. Nos dois discos, a composição foi dividida em seis peças com títulos independentes: Trance 1 (08:38); Trance 2 (06:50); Trance 3 (07:01); Trance 4 (07:23); Trance Drone (08:33); e Trance 5 (13:48)19. Os 52 minutos do álbum resultam de uma combinação de instrumentos como flauta, saxofones sopranos e altos, percussão, sintetizador, acordeão, trompete, trombone, violino, violoncelo, guitarra e baixo elétrico. Retomaremos adiante de forma particular à faixa Trance 4.

Na base de dados americana All Music, sobre a composição de Gordon, Dave Lynch (2005) expressou em uma resenha que a mesma “está enraizada nas convenções minimalistas de Glass, Reich e (como esperado) Andriessen, embora, como o último compositor, Gordon pareça sintonizado com o maior perigo do minimalismo, a previsibilidade [...] e então leva Trance em uma direção pós-minimalista” (tradução dos autores)20. Do mesmo modo, o crítico de música americano Allan Kozinn (2004) assinala Trance como um dos melhores trabalhos de Michael Gordon, alçando esta obra a uma posição de referência no panteão minimalista, mesmo tendo como base apenas um riff de baixo elétrico21.

Depois de tantos anos desde seu lançamento, e com as reiteradas associações da composição do Gordon com a corrente pós-minimalista, a peça musical traz consigo diversas interpretações e reações, muito antes de desempenhar um papel no filme Closet Monster, enfoque particular do presente artigo. Enquanto Potter (1996) achou o concerto do Icebreakerde 1996, no qual apresentaram Trance, “seriamente ruidoso” e até um “ataque sônico” bem como um trabalho com “um grau de rigor estrutural [...] ritmicamente e texturalmente imaginativo, além de vital” (23; tradução dos autores)22; Keagon Voyce, quem ouviu parte do álbum em um vídeo da sua interpretação no clube de rock de Nova York Le Poisson Rouge, confessa que Trance o “atingiu como um trem, com seus inúmeros sons precipitados, sempre ameaçando descarrilar e colidir com destroços cacofônicos” (Voyce 2016, tradução dos autores)23.

Isso sugere uma proximidade com o tropo motórico, em conformidade com a leitura de Leydon (2002)24, na tentativa de explicar os propósitos expressivos da repetição (caraterística recorrente na corrente minimalista), sendo que, segundo a autora, evoca um processo mecanizado indiferente, tentando retratar máquinas em movimento. Até agora, tratamos de como Gordon e sua composição são compreendidos pela corrente pós-minimalista. Porém, a peça musical Trance 4 mantém e transfere essa perspectiva quando interage com a cena em questão? Voltaremos a esta questão adiante, ao explorar a ambiência da cena e a relação mútua entre música e cinema.

Relações de sentido entre música e cinema

Em vista das considerações já tecidas acerca do pós-minimalismo na música e o caso de Trance, dirigimo-nos à obra fílmica que é o foco de nossas atenções, Closet Monster, com a finalidade de tratar dos possíveis usos e efeitos dessa obra em uma cena audiovisual em particular, a qual é combinada à faixa musical Trance 4.

Closet monster: subjetividade e cinema queer

Closet Monster é um longa-metragem canadense de 90 minutos, escrito e dirigido por Stephen Dunn (1989-), lançado em 2015 no Festival Internacional de Toronto, quando ganhou um prêmio de melhor produção canadense e eventualmente foi mencionado como um dos dez melhores filmes canadenses do ano. Drama juvenil, a película segue a trajetória do adolescente Oscar Madly (interpretado por Connor Jessup), ávido para deixar sua cidade natal e o convívio paterno e construir um caminho no campo da maquiagem de efeitos especiais.

Oscar passa pelas preocupações típicas de um adolescente em relação à sua sexualidade, enquanto é perseguido pelas lembranças de um evento traumático que testemunhou na infância — um ataque brutal a um jovem homossexual. O jovem refugia-se em suas fantasias, motivadas por seu pai desde criança, e na fiel companhia de Buffy (voz de Isabella Rossellini), uma hamster falante que recebeu de presente pouco antes da separação dos seus pais. Oscar costuma ter pesadelos vívidos, praticamente alucinações, sobre algo que se move dentro de seu estômago e tenta brotar dele25. Aparentemente, esses episódios ocorrem quando ele tenta viver livremente sua orientação sexual.

Closet Monster é o primeiro longa-metragem do canadense Stephen Dunn26, filme no qual ele confessa ter impregnado toques autobiográficos:

Fui compelido a desenvolver o Closet Monster por um desejo de articular os sentimentos complexos de auto-aversão e homofobia internalizada que senti ao crescer em St. John’s, Terra Nova. Eu queria fazer este filme para ilustrar a luta interna de quando o coração trai a mente e o corpo está em plena guerra consigo mesmo. (Macaulay 2016, tradução dos autores)27

Assim, Closet Monster se aproxima do debate da identidade e as discussões de temática queer, abordando os conflitos que afligem o indivíduo que cresce em uma atmosfera homofóbica e repressiva. Petković (2018, 44) reflete, fazendo referência ao título, que “enquanto o filme de Dunn retrata a violência contra ‘monstros’ sexuais de maneira inabalável, ele promove simultaneamente a política de ‘sair’ do armário” (tradução dos autores)28. Com essa metáfora do monstro, o filme também “expõe como as heteronormas são reforçadas na socialização das crianças e na mitologia cultural de monstros e heróis da cultura pop” (Petković, Danijela. 2018, 52, tradução dos autores)29.

Como sugeriu o diretor, diante do ambiente permeado de preconceitos que o rodeia, o protagonista internaliza a homofobia de quem lhe é próximo, e é afligido pelo monstro do armário, que é tanto uma referência à condição do queer que precisa ocultar sua orientação sexual da sociedade, quanto aos temores que crianças frequentemente têm dos monstros que imaginam viver em cantos escuros — como, por exemplo, dentro do armário. Nesse sentido, “sair do armário” não implica apenas em assumir-se diante de todos, mas de vencer os medos infantis e amadurecer.

Usos e funções da música no cinema

O crítico José Martín León (2016) oferece uma diretriz para entender o papel da música neste filme, ao destacar que as faixas sonoras “servem como um perfeito invólucro audiovisual para uma película dotada de um magnetismo único, estranho e grandioso [...]” (tradução dos autores)30. Em repetidos momentos do longa-metragem, não apenas a música, mas o som em geral, os sons do ambiente, as vozes e até a impressão de silêncio aparecem como peças- -chave em sua narrativa e composição.

Cohen (2001, 253) lembra que a teoria do cinema geralmente se apropria do termo diegese para se referir ao mundo narrativo, imaginário e ficcional do filme. No caso contrário, o mundo objetivo da audiência e os aspectos técnicos acontecem fora do espaço diegético. Geralmente, a música aparece nesse lado externo, quando visa definir ou adicionar alguma emoção ao momento, ou seja, no caso de não participar da ação narrativa, sendo percebida apenas pelo espectador. No entanto, alguns diretores escolhem conceder à música um espaço dentro da diegese, para que ela não seja adicionada apenas para ser percebida pelo público, mas faça parte da narrativa e interaja com os personagens.

Comumente, isso acontece em cenas nas quais aparecem instrumentos ou dispositivos musicais. Podemos ver isto distintamente na composição de Michael Nyman para o filme The Piano (Jane Campion, 1993)31. Na trama desse filme, o instrumento musical desempenha um papel de liderança na narrativa, e a música não é apenas apresentada ao espectador, mas faz parte da cena e interage com os personagens (Figura 1).

O diretor do Closet Monster usa esse recurso em mais de um momento no filme, apresentando o personagem com fones de ouvido enquanto a música toca, sugerindo que o elemento musical não serve apenas como paisagem sonora (Schafer 2011) mas faz parte da cena e interage com o público e o personagem. De fato, a interação do personagem de Oscar com os fones de ouvido indica que a música que o espetador também consegue ouvir é parte da essência do próprio personagem, ou seja, é a música que ele mesmo ouve rotineiramente (Figura 2). Essa ideia poderia ter motivado a escolha de reunir músicas previamente existentes e não uma trilha sonora originalmente composta para o filme.

Frame do filme The Piano (1993)
Imagem 1.
Frame do filme The Piano (1993)


Fonte: Captura da tela.

Frame de Closet Monster - Oscar com os fones de ouvido
Imagem 2.
Frame de Closet Monster - Oscar com os fones de ouvido


Fonte: Captura da tela.

Gértrudix (2003, 175) menciona que a música desempenha um papel de psicologização, ou seja, é selecionada para “refletir as circunstâncias psicológicas e históricas da narrativa e servir como expressão da personalidade inequívoca do autor por meio de seus caracteres” (tradução dos autores)32. A musicóloga polonesa Zofia Lissa (1964), citada por Gértrudix (2003), reconhece sete usos possíveis da música no cinema por razões de construção de processos psíquicos dos personagens:

a) momento de tomada de consciência de um acontecimento vivido, b) música dentro de memórias, c) reflexão de projeções futuras imaginadas, d) revelação de sonhos, e) revelação de alucinações, f) destaque de emoções, g) indicação de atos de vontade e tomada de posicionamento. (Gértrudix 2003, 175) (tradução dos autores)33

Deste modo, por meio destas funções, ou dos tropos propostos por Leydon (2002), conforme já referido; ao buscar a construção desses “sentidos psíquicos” dos personagens, mais do que apenas interagir com o público, a música também concede um estilo à narrativa. Em Closet Monster, muitas das músicas que fazem parte da trilha sonora podem ser incluídas no espectro da música eletrônica34, as quais concedem e mantém uma essência unificada ao longo do longa-metragem. A escolha deste estilo musical tem êxito em conceder ao filme maior dinamismo, em consonância com seu tom juvenil, a paleta de cores vívidas, e as particularidades da temática queer 35. Segundo a revista americana The Hollywood Reporter:

Closet Monster também apresenta uma das trilhas sonoras mais propulsoras do ano, com músicas de Ladytron, Austra, Allie X e o onipresente Nils Frahm, complementando a trilha sonora ambiente dos compositores Maya Postepski e Todor Kobakov que é tão evocativa e confiantemente eclética quanto o próprio filme. (Windsor 2015) (tradução dos autores)36

Além do papel da psicologização, Cohen (1998, 13-17) identifica funções como outorgar continuidade entre as imagens, por exemplo, quando a ação principal é interrompida por passagens representando memórias; direcionar a atenção às características importantes, quando um objeto se expande ou contrai na tela e coincide com um som que aumenta e diminui de intensidade; induzir um humor ao espectador; e finalmente contribuir para o efeito estético do filme. Em particular, questionamos para que agendamentos Closet Monster faz uso da linguagem musical. Portanto, no tópico a seguir analisaremos o papel de Trance 4 para a construção da cena específica no filme, buscando discutir como são aplicados os códigos da música ao produto fílmico, e como se dá a relação entre as duas linguagens.

Saindo do armário: trance 4 em closet Monster

Uma vez que cada aspecto foi contextualizado e apontamentos sobre os usos e funções da música no cinema foram levantados, uma cena específica do filme serve como objeto de análise para explorar como uma peça musical determinada assume protagonismo na narrativa cinematográfica e resulta em um produto ao mesmo tempo visual e acústico. Primeiramente, faz-se imperativo nos remetermos à composição narrativa da cena, cujo transcorrer se dá próximo ao desenlace do filme (71’32”-75’43”), tendo uma duração de 4 minutos e 11 segundos. Que aspectos poderiam ter propiciado ou justificado a escolha da peça de Gordon, qual seja, a faixa sonora Trance 4?

Minutos antes da cena específica, o protagonista parece decepcionado depois de ler uma resposta negativa ao seu pedido de entrar em um centro educativo de maquiagem, o que o faz decidir ir a uma festa à fantasia para a qual foi convidado por seu ex-colega de trabalho, Wilder, por quem ele se sente atraído. Para montar seu traje, Oscar vasculha as roupas de sua mãe, causando desconforto ao pai controlador, que presume que seu filho está tentando roubar dinheiro dele. A tensão aumenta quando o pai o proíbe de sair, referindo-se à festa como uma “festa à fantasia de bichas”37. De forma impulsiva, o jovem empurra violentamente o pai dentro do armário e foge. Uma série de eventos durante o evento conduzem o adolescente a um encontro sexual com outro jovem no banheiro, o que consequentemente produz nele as visões sobre algo surgindo de seu abdômen.

Em seguida, Oscar se encontra deitado no chão do banheiro, e Wilder decide levá-lo para casa. Ambos passam a noite na casa da árvore de Oscar. Ao amanhecer, o jovem, incapaz de ousar confrontar seu pai novamente, decide ir à casa de sua mãe. Durante o café da manhã, ele se lembra de sua amiga inseparável, a hamster Buffy. Assustado com o que poderia ter acontecido com ela, rapidamente retorna à casa de seu pai. Ele encontra seu quarto desarrumado, mas não vê Buffy; aproveita para anunciar ao pai que irá morar com a mãe. É neste momento que a cena em análise começa, durante a qual foi executada a obra Trance 4 de Gordon.

Nos arredores da casa de Oscar, sua mãe lhe espera; pede que entre no veículo, ao mesmo tempo em que começa a discutir com seu pai. Enquanto seus pais discutem, o jovem encontra o corpo sem vida de Buffy (Figura 3). Petković (2018) interpreta o evento como um início da liberação de Oscar da atmosfera homofóbica ou heteronormativa que o rodeia: “A infância e seu “engarrafamento de gênero”, ambos incorporados em um hamster morto, são deixados para trás; a identidade sexual é revelada; o monstro do armário é derrotado” (52) (tradução dos autores)38. Encontrar o corpo da hamster é o que desencadeia em grande medida o enfrentamento dos monstros no armário de Oscar.

Momento em que Oscar levanta o corpo da Buffy
Figura 3.
Momento em que Oscar levanta o corpo da Buffy


Fonte: Captura da tela.

Além de Buffy, Oscar também encontra uma estaca de madeira com que costumava brincar quando criança, o que desencadeia um fluxo de memórias, incluindo o ataque brutal que testemunhou em sua infância. O Oscar adolescente tem uma lembrança vívida na qual o Oscar de oito anos se aproxima do corpo do jovem atacado, para descobrir a si mesmo no chão. Novamente, o protagonista começa a sentir algo se movendo em seu estômago, observando isto empurrando sua barriga e aparecendo gradativamente através de sua pele. Pela primeira vez ele decide tirá-lo de seu interior. É uma barra de ferro semelhante à usada durante o ataque que testemunhou.

Com dor aparente, ele consegue removê-lo de suas entranhas. Com a barra de ferro nas mãos ensanguentadas, Oscar caminha em direção ao pai, que ainda está discutindo com a mãe. Ao se aproximar, o jovem, nitidamente enfurecido, levanta a barra, aparentemente preparado para golpear seu pai com a mesma. A imagem de Oscar no tempo presente é alternada com lembranças da sua infância, nas quais seu pai aparece continuamente. Finalmente, o adolescente atinge uma caixa de madeira com a barra de ferro. Seu pai, assustado, entra na casa e Oscar usa a barra de ferro para obstruir a porta. Aparentemente confuso, desmaia. A tela torna-se escura. Na cena seguinte, ele acorda em um quarto na casa de sua mãe.

Até agora, a força narrativa da cena reside na importância dos eventos para o protagonista: trata-se de um momento decisivo para Oscar, um momento ao mesmo tempo de desassossego e alívio, possivelmente de libertação daquele monstro que o assombra desde a infância. Então, como é inserida a música do Gordon neste acontecimento que entrelaça passado e presente, realidade e fantasia? O que ela concede à cena? Qual a dinâmica estabelecida então entre música e visualidade fílmica para a ambiência cênica em questão?

Como já mencionado, a peça que acompanha a cena é especificamente Trance 4, que originalmente tem duração de 07 minutos e 23 segundos; no entanto, para os propósitos do filme, foi utilizada uma versão abreviada de 4 minutos, que exclui parte do início da original39 e se ajusta com mais precisão à cena. A música começa a ser percebida timidamente no momento em que Oscar descobre o corpo de Buffy, morta. O volume aumenta gradualmente e, ao mesmo tempo, as vozes dos pais de Oscar discutindo no fundo se perdem em segundo plano, até a música se tornar praticamente o som principal da cena, interrompido somente pelos sons emanados do protagonista.

Sobre a decisão de remover os outros sons de fundo, Chion (2008), fala do termo palavra-emanação, ou seja, aquela palavra que “não é necessariamente ouvida e totalmente compreendida e, acima de tudo, não está ligada ao coração e centro do que poderia ser chamado de ação em um sentido amplo” (136; tradução dos autores)40. Ou seja, a omissão de um dos sons que antes dominava a cena, neste caso o confronto dos pais, não é mais central para a ação que está por vir.

Com a voz dos pais ofuscada pela música, a cena foca-se nele. A narrativa tem, então, uma impressão de silêncio, sugerindo que o personagem não interage com os sons ao redor; ao contrário, permanece em um estado de confusão, quase um transe, o que coincide curiosamente com o título da composição musical. Esta combinação propicia a mesma atitude contemplativa por parte do espectador, com a diferença de que este último consegue ouvir a música, mantidas no campo exterior à diegese.

O aumento de volume, assim como a integração de novas camadas sonoras à peça41, em um processo aditivo textural, recurso comumente usado em composições com feições minimalistas, parecem coincidir com o momento no qual Oscar observa a estaca que usava de brinquedo, o que também desencadeia a memória do ataque. Com o aumento do volume, o uso da repetição e a adição de novas camadas texturais, a música torna-se mais tensa, convidando o espectador a acompanhar psicologicamente ao personagem, cumprindo com a função que Román (2008) e Lissa, citada por Gértrúdix (2003), apontaram.

A inclusão de um som mais grave (drone) precede sua reação ao que ele acabou de imaginar (ou sentir) por milésimos de segundos: dor. Oscar levanta a camisa para ver seu estômago. O objeto parece começar a brotar de sua pele. Um novo som da composição parece se tornar mais perceptível, com destaque para o solo de guitarra e os tímpanos ao fundo, o que leva automaticamente o espectador a um estado de alerta, sendo que isto obscurece até certo ponto a melodia repetitiva original. O corpo de Oscar treme. A música também tem uma sensação de ser mais vibrante. Outra variação da peça coincide com o momento em que o jovem puxa a barra de ferro para se libertar dela. A peça que soa agora parece ser muito mais tensa e “ruidosa” do que parecia no começo, com a inclusão de novos sons no sintetizador, além do contínuo incremento textural dos outros instrumentos. Gradativamente, acompanhando as transformações da música, o protagonista é apresentado com maior coragem e vitalidade.

Oscar levanta a barra de ferro com aparente intenção de bater ao seu pai, sua mãe se afasta, seu pai o observa chocado e também se distancia. Neste momento, os movimentos dos personagens se tornam mais lentos, ampliando o drama da cena; entretanto, a música prossegue no mesmo ritmo, mantendo a tensão. Uma mudança na peça musical, com a inserção de elementos de músicas Techno, House e Dance, coincide com a interrupção da continuidade da cena no tempo presente, intercalada com novas imagens provenientes da memória ou da imaginação do personagem.

Quando a música parece estar em seu momento mais tenso, com os instrumentos sendo executados todos ao mesmo tempo, atingido de certa forma um clímax, ela abruptamente é interrompida. Isso mobiliza ainda mais as expectativas e a atenção do público, novamente coincidindo com outra ação, o impacto da barra de ferro com uma caixa de madeira, do lado de fora da casa. As constantes vezes que as variações da música coincidem com movimentos ou ações do personagem, são conhecidas pelo Michel Chion (2008) como “ponto de sincronização”, que ele explica como sendo um “momento relevante de encontro síncrono entre um momento sonoro e um momento visual” (52; tradução nossa)42.

O encontro síncrono entre o impacto da barra de ferro (e, portanto, o ruído que ela gera) e a interrupção repentina da música aumenta a repercussão do gesto; a impressão imediata de silêncio suspende a tensão antes fomentada pela música, dando lugar à uma sensação que parece ser ao mesmo tempo de alívio e de expectativa, que não apenas interfere no personagem, mas também no público, conforme pode ser notabilizado no espectro sonoro desse momento de intersecção particular entre as linguagens sonora e visual (Figura 4).

É possível observar, então, algumas das funções cumpridas pela música, conforme já mencionadas: proporcionou continuidade entre os planos, em close-ups e com imagens ocorridas em outras temporalidades e espacialidades, como as memórias; deu sentido à cena; direcionou a atenção do espectador para características ou detalhes importantes, deixando outros aspectos de lado, como a discussão entre os pais de Oscar (Cohen 1999), com a ajuda dos pontos de sincronização (Chion 2008); induziu um estado de ânimo, baseado na psicologização do personagem (Lissa, citada por Gértrudix 2003); e contribuiu para a construção de um sentido estético e artístico. Em síntese, a música assumiu um papel fulcral na narrativa fílmica.

Espectro sonoro que acompanha os quadros no momento preciso da interrupção repentina da música
Figura 4.
Espectro sonoro que acompanha os quadros no momento preciso da interrupção repentina da música


Fonte: Elaboração própria.

Considerações

Michel Chion (2008) fala de um valor agregado recíproco entre o cinema e a música, sendo que, segundo ele, “se o som faz que a imagem tenha uma aparência diferente do que esta imagem mostra sem ele, a imagem, por outro lado, fará com que o som seja ouvido de maneira diferente de como ressoaria no escuro” (25). Esta relação estabelecida pelo autor nos faz relembrar as perguntas apontadas no início, acerca de uma composição pós-minimalista, acompanhando uma cena de um filme de temática queer e a possibilidade de transferência de qualidades da peça musical para a cena, e vice-versa.

Como já havia sido mencionado, a composição completa de 52 minutos, intitulada Trance, aproxima-se do tropo motórico, dos propósitos expressivos da repetição que reconhece Leydon (2002), pela impressão de evocar um processo mecanizado. Ao ser parte de uma cena do filme Closet Monster, a peça específica chamada Trance 4 pode manter essa aproximação, mas também se ajustar às necessidades narrativas da cena e, portanto, estender seu campo perceptivo.

Sob esta consideração, a música (não mais autônoma, e sim unificada para montagem no filme) mantém-se perto da conotação motórica; entretanto, também acolhe o tropo mântrico, pela evocação do estado contemplativo do personagem; o tropo totalitário, pela relação com o ato de se libertar de uma lembrança que o atemoriza (“prisão”); e inclusive o afásico, porque sugere um momento de loucura. Ao mesmo tempo, todos estes propósitos expressivos que a música adquire da sua relação com o filme são traduzidas em efeitos causados no espectador. Ou seja, neste ponto evidencia-se como se dá o valor agregado recíproco, ao qual Chion se refere.

Cremos que o termo pós-minimalismo define melhor a música que envolve esta cena por ela apresentar uma miscelânea de outras faturas composicionais e mudanças em um curto espaço de tempo. Notam-se acentuadamente estes atributos, que distinguem a música minimalista da pós-minimalista, especialmente quando ocorrem na cena as passagens rápidas da memória do personagem, intercaladas com o tempo presente e os dramáticos eventos na cena em foco.

Porém, ainda permanece aberta uma pergunta: nessa relação, o filme poderia se tornar pós-minimalista ou fazer a música se tornar queer? A discussão poderia ser tornar ampla. Mesmo sendo uma corrente artística manifestada em várias artes, e com uma filosofia comum de se “reduzir ao essencial”, a evolução histórica do minimalismo toma caminhos diferentes em cada expressão artística, do mesmo modo, as características vão depender em maior medida dos formatos. Neste ponto, não é fácil assumir que o filme se torna pós-minimalista ou tem influências do minimalismo.

Em suma, mesmo se a música pós-minimalista pode não ser percebida como tal pelo espectador do filme, seus efeitos estão longe de serem negligenciados e sua qualidade repetitiva e cíclica é capaz de incitar efeitos particulares no espectador. Portanto, na produção fílmica, a escolha dessa composição não parece ser aleatória. Como Román (2008) defende, tanto a linguagem cinematográfica (ou a imagem em geral) quanto a linguagem musical (e o som em geral) são obviamente sistemas multissêmicos. No entanto, quando ambos se reúnem em um “texto audiovisual”, “geralmente o fazem para ir em direção a um senso único e comum, proporcionando ao espectador um significado final único, uma zona simbólica de contexto significativo” (97).

Nesta medida, a linguagem musical aparece no cinema como um elemento significativo, um componente que dá sentido ao universo narrativo do filme. Uma peça musical autônoma, que já carrega várias conotações e efeitos sobre a pessoa que a ouve, é capaz de transpor parte dessa carga emocional ao filme e vice-versa. Trance 4 é capaz de transmitir com maior sucesso e amplitude os desassossegos de Oscar e, talvez, do próprio Stephen Dunn, que opta por inserir essa composição em um momento de profunda dramaticidade de Closet Monster, operando, conforme observa Román (2008), como um mecanismo de empatia.

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Notas

* Artigo de reflexão.

1 Rajewsky (2012) afirma: “Filme, teatro, ópera [...] configuram evidência de que as combinações midiáticas, se tomadas numa perspectiva histórica, resultam com frequência no desenvolvimento de formas novas, formas estas que, ao longo desse processo, converter-se-ão em arte ou gêneros midiáticos” (49).

2 As noções sobre montagem escritas pelo cineasta e teórico soviético podem ser encontradas em O sentido do filme (Eisenstein 2002b) e A forma do filme (Eisenstein 2002a), originalmente publicados em 1943 e 1949, respectivamente.

3 “El lenguaje ‘musivisual’ aplica los códigos de la música autónoma al film, pero de esta unión surge inevitablemente una retroalimentación en influencia mutua, que viene dada por las necesidades narrativas y expresivas del propio film”.

4 Queer é originalmente um termo inglês usado para insultar pessoas cuja orientação sexual foge ao heteronormativo (Rocha 2014, 509), o que inclui a vasta gama do espectro LGBTQIA+, ou seja, os indivíduos que Judith Butler (2003) caracteriza como “problemas de gênero”, pois não se adequam aos padrões restritos de uma sociedade na qual o ponto de vista hétero é dominante. A partir da década de 1980, o termo foi apropriado por movimentos minoritários, vindo a integrar o vocabulário acadêmico e as pautas identitárias. Para Barbara Mennel (2012), a presença queer no cinema remonta ao início do século XX, embora seja possível falar nos primórdios de um cinema queer entre as décadas de 1980 e 1990, quando os movimentos começaram a se consolidar e representações positivadas de personagens queer se tornaram mais comuns. Atualmente, a categoria descreve filmes que contemplam questões LGBTQIA+ em vista de uma mídia majoritariamente heteronormativa.

5 O uso de música minimalistas e pós-minimalistas em contextos queer vem sendo estudado no meio acadêmico, conforme atestou a palestra de Sumanth Gopinath (University of Minnesota) e Pwyll ap Siôn (Bangor University), “Queering Reich? Affect and Non-Heteronormative Sexuality in Film/TV Adaptations of Steve Reich’s Music” na University of Tennessee, Knoxville, em 2017.

6 A localização de cada peça em categorias ou tendências artísticas não é totalmente fixa. Essa classificação responde à necessidade de identificálas e caracterizá-las. Anselm Strauss (1999) defende que o ato de nomear e classificar carrega uma noção de que aquilo a que estamos nos referindo é algo conhecido, argumentando que esse ato de categorização “desperta um conjunto de expectativas com relação ao objeto assim classificado” (41). No caso específico das artes, essas categorias podem ser tendências, tradições ou estilos artísticos que, de acordo com Carol Duncan (2012), são transitórias e dependem fortemente do papel da crítica de arte, que “seleciona, rotula e mede o valor dos artistas, classificando-os em relação uns com outros dentro das tendências sempre cambiantes que sopram pelo mercado” (22).

7 “There have even been thirty years of carping about the term minimalism, which was coined apparently by Michael Nyman in 1968, though Tom Johnson (as music critic for the Village Voice in New York) has also staked such a claim.”

8 De acordo com Potter, Gann e Ap Siôn (2013), pode-se observar as seguintes características nas composições minimalistas: êxtase harmônico; repetição; drones; processos graduais na composição; batida constante; instrumentação estática; metamúsica; afinação pura; estruturas audíveis. Todavia, raramente as obras contêm simultaneamente todas estas características. Para mais informações sobre o conceito de minimalismo musical, consultar Santos (2019).

9 “a reliance on minimalism’s steady beat, diatonic tonality, and even formal archetypes, but an inclusiveness bringing together ideas from a daunting array of musical sources.”

10 “Postminimalism is neither a style nor a movement, but a heterogeneous conceptual field. Postminimalists comment on, reinterpret and question minimalist music in a postmodernist age, but do so in many different ways. The later music of Philip Glass (b. 1937), Steve Reich (b. 1936) and Louis Andriessen (b. 1939) develops their work in postminimalist directions following their own minimalist achievements. And in addition to them, many contemporary composers who did not establish themselves via a minimalist language early on now also appear as postminimalists: these include Gavin Bryars, Michael Gordon, David Lang, Wim Mertens, Michael Nyman and Julia Wolfe. Repetitive techniques remain a characteristic of postminimalist compositions, but here the rigidity of the processes, compared to those of early minimalist music, is weakened. The music is often tonal, but tonality is not a prerequisite, and the tendency towards reducing sound activity to its bare minimum has disappeared. The crucial difference between minimalism and postminimalism, I think, lies in different attitudes towards the representation of extra-musical phenomena” (Novak 2013, 130).

11 A Estética da Impureza, que Guy Scarpetta apresenta em seu livro L’Impureté (1985), contradiz a dissertação massiva e homogênea, exalta o teor dionisíaco sem progressividade linear e lógica (em oposição à tese), existindo como um discurso disperso, estilhaçado, lacunar, remissivo a um tipo de montagem, mantendo, no entanto, a heterogeneidade e o choque dos seus níveis (Scarpetta 1985).

12 Santos (2019) demonstra esta característica da preponderância dos fenômenos extra-musicais ao analisar a obra O Último Tango em Vila Parisi (1987), de Gilberto Mendes (1922-2016); e Jelena Novak (2015) discute a relevância deste aspecto nas óperas pós-minimalistas, em seu livro Postopera: Reinventing the Voice-Body.

13 Detalhes no site oficial de Michael Gordon: https://michaelgordonmusic. com/about/bio

14 Sobre a relação do minimalismo com Bang on a Can , consultar os textos de William Robin, especialmente sua palestra em junho de 2017 intitulada “Bang on a Can and Minimalism” na University of Tennessee, Knoxville. Mais informações no site oficial: https://bangonacan.org/. E-mail: info@bangonacan.org

15 Site oficial: https://cantaloupemusic.com/. E-mail: info@cantaloupemusic.com

16 Site oficial: http://www.icebreaker.org.uk/about/

17 Yo Shakespeare faz parte do álbum Terminal Velocity, do Icebreaker, lançado pela primeira vez pela Argo, em 1994, e relançado por Cantaloupe Music em 2005. O álbum também inclui peças dos compositores minimalistas David Lang e Louis Andriessen.

18 “Trance started after a dream I had in July 1994 [...] In the dream I brought my music to an older composer for his comments [...] This older composer looked through my scores, one by one, and I could hear in my head the music that he heard in his head as he looked on the scores. It all sounded like Mozart. After each score he shook his head in a discouraging way. Finally, he turned to me and said ‘You need to work with larger forces’.
I woke up startled, and the next morning I started work on Trance. I knew right away that this piece was for Icebreaker. I had been working with them for several years and they were everything that every other ensemble was not”.

19 Em alguns sites, lojas de música online ou bancos de dados de informações musicais, os nomes e a duração de cada peça são apresentados do seguinte modo: Trance 1 (08:37), Trance 2 (06:49), Trance 3 (07:01), Trance 4 (07:23), Trance 5 (08:33), Trance 6 (07:29), Trance 7 (06:18).

20 “Trance is rooted in the minimalist conventions of Glass, Reich, and (as expected) Andriessen, although like the latter composer Gordon seems attuned to minimalism’s greatest danger, predictability […], and so takes Trance in a post-minimalist direction”. Ver em: https://www.allmusic.com/album/trance2005-mw0001006763

21 O crítico Alex Ross vê nesta composição elementos de punk rock, free jazz e modernismo musical, ou seja, a mistura de procedimentos composicionais que caracteriza o pós-minimalismo. Desta configuração, consideramos o álbum como um todo pós-minimalista.

22 “a degree of structural rigour […] rhythmically and texturally imaginative as well as vital”.

23 “Trance hit me like a train, with its myriad sounds barreling pell-mell, ever threatening to derail and crash into cacophonous wreckage”.

24 Rebecca Leydon (2002) identificou mais cinco possíveis tropos: maternal, que evoca um ambiente de espera” ou “ambiente de amparo”; mântrico, que sugere um estado sereno e contemplativo “em sintonia com o universo”; cinético, representa (ou incita) um coletivo de corpos dançantes; totalitário suscita um tipo de efeito “prisão”; e afásico, que apresenta um tema musical com comprometimento cognitivo, loucura ou absurdo lógico.

25 León (2016) distinguiu influências do diretor David Cronenberg nas cenas de visões. De fato, Dunn reconheceu que o filme também apresenta componentes do gênero de horror corporal visceral, evidenciado principalmente nas cenas nas quais o trauma de Oscar é exteriorizado com visões vívidas de algo brotando de seu estômago (Macaulay 2016).

26 Pouco antes do lançamento do filme, Dunn havia produzido uma série de curtametragens intitulados Pop-Up Porno, estreados no Festival de Sundance, uma proposta “sobre encontros sexuais humilhantes ilustrados de maneira atrevida por meio de livros pop-up pornográficos atrevidos” (Macaulay, 2016, tradução dos autores). Original: “The Pornos are a series about humiliating sexual encounters cheekily illustrated through raunchy pornographic pop-up books”.

27 “I was compelled to develop Closet Monster out of a desire to articulate the complex feelings of self-hate and internalized homophobia I felt growing up in St. John’s, Newfoundland. I can’t really go into too much detail without spoiling the ending, but I wanted to make this film to illustrate the internal struggle of when the heart betrays the mind and the body is in full-fledge war with itself”.

28 “While Dunn’s film depicts the violence deployed against sexual ‘monsters’ unflinchingly, it simultaneously promotes the politics of ‘coming out’ of the closet.”

29 “exposes how heteronorms are reinforced in the socialization of children and in (pop) culture’s mythology of monsters and heroes”.

30 “Sirven de perfecto envoltorio audiovisual a una cinta dotada de un magnetismo único, extraña y genial [...]”.

31 No filme de Jane Campion, The Piano (1993), uma pianista que não fala desde criança viaja com a filha para a Nova Zelândia para um casamento combinado. A respeito da trilha sonora, Nyman foi arranjando o tema principal sempre mostrando suas ideias composicionais para a atriz Holly Hunter, que fez o papel principal, já que ela realmente iria executar a obra ao vivo no decorrer das filmagens. Mais informações a respeito desta composição de Nyman e o papel dela no filme, consultar o livro The Music of Michael Nyman: Texts, contexts and intertexts de Ap Siôn (2007).

32 “[…] reflejar las circunstancias psicológicas e históricas de la narración, y servir como expresión de la personalidad inequívoca del autor a través de sus personajes”.

33 “a) momento de toma de conciencia de un acontecimiento vivido, b) música dentro de recuerdos, c) reflejo de proyecciones futuras imaginadas, d) revelación de sueños, e) revelación de alucinaciones, f) resaltado de emociones, g) señalar actos de voluntad y tomas de postura”.

34 Apesar disto, a música do filme reúne artistas localizados em gêneros ou estilos musicais variados como o indie pop, art pop, synth-pop, shoegaze, post-punk, folktronic, dance, ambient music, experimental, avant-garde e até clássicos contemporâneos. Trance 4 é a única música do Icebreaker usada no filme. Os compositores predominantes na trilha sonora do filme são Maya Postepski (música eletrônica) e Todor Kobarov (rock indie).

35 A música Techno, House, EDM e Dance tem sido associada com a cultura queer, principalmente nos Estados Unidos, devido a que geralmente se diz que esses gêneros nasceram nos clubes da vida noturna, comumente frequentados por pessoas da comunidade queer. Segundo um artigo de Glazer (2017), “quando os primeiros raios dos direitos da comunidade LGBT começaram a surgir, deu origem à cultura da dance music que agora conhecemos em todo o mundo” (INCLUIR NÚMERO DE PÁGINA AQUI)

36 Closet Monster also features one of the most propulsive soundtracks of the year, with music from the likes of Ladytron, Austra, Allie X and the ubiquitous Nils Frahm, supplementing an ambient score from composers Maya Postepski and Todor Kobakov that’s as evocative and confidently eclectic as the film itself”.

37 No original, “faggot custum party”. “Faggot” é um termo anglófono pejorativo usado para se referir a um homem gay

38 “Childhood and its “gender jam”, both embodied in a dead hamster, are left behind; sexual identity is revealed; the closet monster is defeated”.

39 Trance 4, versão original de 7:23 minutos https://www.youtube.com/ watch?v=k3SdF_t10rM e a versão curta como aparece no filme https://www. youtube.com/watch?v=doVya52Dy9M.

40 “La palabra-emanación consiste en que la palabra no es necesariamente oída e íntegramente comprendida y, sobre todo, no está ligada al corazón y al centro de lo que podría llamarse la acción en sentido amplio.”

41 As novas camadas texturais são construídas aqui com a criação de intervalos por intermédio da duplicação dos instrumentos e com inserção de notas rápidas, criando também pequenas variações rítmicas.

42 “un momento relevante de encuentro síncrono entre un instante sonoro y un instante visual”.

Autor notes

** Cursa Pós-Graduação em Estudos de Cultura Contemporânea na Universidade Federal de Mato Grosso. Possui graduação em Comunicação Social – Universidad Centroamericana. ORCID: 0000-0003-2544-3417 email: nadia59260@estudante.ufmt.br

*** Pós-Doutorado pela Universidade Estadual do Centro-Oeste do Paraná – UNICENTRO. Pós-Doutorado pela Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT. Doutorado em História, pela Universidade Federal de Goiás – UFG, tendo realizado período sanduíche na Università degli Studi di Napoli Federico II, na Itália – UNINA. Mestrado em Ciências Sociais Aplicadas, pela Universidade Estadual de Ponta Grossa – UEPG, licenciatura em História, na mesma instituição, e em Filosofia pela Faculdade Santana – IESSA. Docente da Universidade Federal de Mato Grosso/UFMT. ORCID: 0000-0002-6335-7379 email: maristelacarneiro86@gmail.com

**** Doutora em Estudos de Cultura Contemporânea pela Universidade Federal de Mato Grosso (ECCO/UFMT. Mestre em Musicologia/Artes pela Universidade de São Paulo (ECA/USP), possui bacharelado em Composição e Regência pela Universidade Estadual Paulista (UNESP) e licenciatura em Educação Artística pela Faculdade Santa Marcelina (FASM). É líder do Grupo de Pesquisa ContemporArte e membro do Grupo de Pesquisa Multimundos, ambos vinculados ao ECCO. Docente adjunta do departamento de Artes e do Programa de PósGraduação em Estudos de Cultura Contemporânea da Universidade Federal de Mato Grosso. ORCID: 0000-0002-7825-7602 email: rita.domingues@gmail.com

Informação adicional

CÓMO CITAR: Moncada Sevilla, Nadia Imelda, Maristela Carneiro Santos y Rita de Cássia Domingues dos Santos. 2021. “Música pós-minimalista em cena: uma análise do uso de trance 4 em closet monster”. Cuadernos de Música, Artes Visuales y Artes Escénicas 16 (1): 170-191. http://doi.org/10.11144/javeriana.mavae16-1.mpme

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