Análise das situações eticamente inadequadas percebidas pelos docentes de Contabilidade na publicação de suas pesquisas no Brasil1

Análisis de situaciones éticamente inadecuadas percibidas por los profesores de Contaduría en la publicación de sus investigaciones en Brasil

Analysis of Ethically Inappropriate Situations Perceived by Accounting Professors when Publishing Their research in Brazil

Ricardo Adriano Antonelli, Henrique Portulhak, Ademir Clemente, Cícero Aparecido Bezerra

Análise das situações eticamente inadequadas percebidas pelos docentes de Contabilidade na publicação de suas pesquisas no Brasil1

Cuadernos de Contabilidad, vol. 23, 2022

Pontificia Universidad Javeriana

Ricardo Adriano Antonelli

Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Brasil


Henrique Portulhak a

Universidade Federal do Paraná, Brasil


Ademir Clemente

Universidade Federal do Paraná, Brasil


Cícero Aparecido Bezerra

Universidade Federal do Paraná, Brasil


Recepção: 03 Dezembro 2019

Aprovação: 18 Setembro 2022

Resumo: Este artigo tem por objetivo efetuar uma análise estatística aprofundada dos dados utilizados em Clemente et al. (2018), com o objetivo de avaliar as relações entre as variáveis representativas da percepção de docentes dos programas de pós-graduação stricto sensu quanto aos aspectos éticos envolvidos no seu relacionamento com os periódicos científicos de Contabilidade do Brasil. Os resultados indicam uma evidente assimetria de informação entre os agentes envolvidos no processo de submissão, avaliação e publicação de artigos científicos de Contabilidade, em que se destaca o papel do editor, que pode exercer ampla discricionariedade sem ferir as normas legais e os ditames morais. Os testes de Chi-quadrado e a análise de correspondência múltipla realizada segundo variáveis relacionadas ao aceite e à rejeição evidenciam certos padrões indicativos de falta de comunicação e de transparência em todo o processo a partir da submissão, envolvendo avaliação e decisão final. As deficiências organizacionais dos periódicos constituiriam a explicação imediata para a opacidade dos periódicos, mas é preciso considerar que a discricionariedade dos editores resulta significativamente ampliada pela mencionada opacidade, afastando a garantia de que os melhores trabalhos estejam sendo publicados.

Classificação JEL: M49

Palavras-chave:ética, periódicos científicos, pesquisa em Contabilidade, publicações científicas, Brasil.

Resumen: Este artículo tiene como objetivo realizar un análisis estadístico en profundidad de los datos utilizados en Clemente, Antonelli y Portulhak (2018), con el fin de evaluar las relaciones entre las variables que representan la percepción de los maestros de programas de posgrado con respecto a los aspectos éticos involucrados en su relación con revistas científicas de contabilidad brasileñas. Los resultados indican una asimetría evidente de información entre los agentes involucrados en el proceso de presentación, evaluación y publicación de artículos de contabilidad científica, en la que se destaca el papel del editor, que puede ejercer una amplia discreción sin violar las normas legales y los dictados morales. Las pruebas de chi-cuadrado y el análisis de correspondencia múltiple realizado de acuerdo con las variables relacionadas con la aceptación y el rechazo muestran ciertos patrones indicativos de falta de comunicación y transparencia a lo largo del proceso de envío, que incluyen la evaluación y la decisión final. Las deficiencias organizativas de las revistas serían la explicación inmediata de la opacidad de las revistas, pero debe tenerse en cuenta que la discreción de los editores mejora significativamente la discreción de los editores, lo que socava la garantía de que se publican los mejores artículos.

Códigos JEL: M49

Palabras clave: ética, revistas científicas, investigación contable, publicaciones científicas, Brasil.

Abstract: This article aims to perform an in-depth statistical analysis of the data used in Clemente, Antonelli and Portulhak (2018) to evaluate the relationships between the variables representing the perception of experts and doctoral programs’ professors regarding ethical aspects involved in its relationship with Brazilian accounting scientific journals. Results indicate an evident asymmetry of information among the agents involved in the process of submission, evaluation, and publication of scientific accounting articles, in which the role of the editor, who can exercise wide discretion without violating legal norms and moral dictates, stands out. Chi-square tests and Multiple Correspondence Analysis performed according to acceptance-related and rejection-related variables show certain patterns indicative of lack of communication and transparency throughout the submission process, involving evaluation and final decision. Organizational shortcomings of journals would be the immediate explanation for the opacity of journals, but it must be borne in mind that the discretion of editors is significantly enhanced by the opacity, thus undermining the guarantee that the best papers are being published.

JEL Codes: M49

Keywords: Ethics, scientific journals, research in Accounting, scientific publications, Brazil.

Introdução

A fim de orientar a conduta humana em sociedade, a ética faz parte do dia a dia de todos os indivíduos e organizações. Contudo, Valls (1992, p. 7) informa que o termo “é daquelas coisas que todo mundo sabe o que são, mas que não são fáceis de explicar, quando alguém pergunta”. Adicionalmente, Nosella (2008) alerta que, quando se trata de ética, surge também na mente a moral, conceito distinto. Dessa forma, para orientar as discussões desta pesquisa, define-se “ética” como a ciência da moral. Ou seja, a ética é o ramo da filosofia que fundamenta teórica e cientificamente a discussão sobre os valores, a consciência, a responsabilidade, o bem e o mal, o bom e o ruim etc., enquanto a moral refere-se especialmente aos hábitos, costumes, modo ou maneira de viver (Kremer, 1982; Nosella, 2008).

Na área acadêmica, mais especificamente nas pesquisas científicas, a importância da ética tem sido exaltada, como, por exemplo, pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) (2011, p. 2), sugerindo que “a necessidade de boas condutas na pesquisa científica e tecnológica tem sido motivo de preocupação crescente da comunidade internacional e no Brasil não é diferente”. Ainda, como afirmam Harley et al. (2014, p. 1.361), “a conduta ética é central para o projeto acadêmico”. Nesta linha, algumas revistas científicas têm reforçado a importância da ética no processo editorial, indicando as responsabilidades do editor, dos autores e dos avaliadores neste processo, como realizado pela Revista Crítica de Ciências Sociais (2020).

Quanto à pesquisa, Nosella (2008, p. 257) a define como “a produção e transmissão do conhecimento em geral, a inovação em ciência e tecnologia em todos os seus ramos, isto é, no âmbito das ciências humanas, exatas, biológicas, da comunicação, da arte etc.”. Portanto, em todas as etapas da produção do conhecimento científico, desde a concepção, execução e divulgação da pesquisa, o tema relativo à ética torna-se relevante, pois, de acordo com Nosella (2008, p. 265), uma “pesquisa sem um direcionamento ético pode ser comparada a uma roda que gira cada vez mais veloz, sem rumo, sem direção, a esmo”. Entretanto, segundo Harley et al. (2014), o processo de publicação de artigos em periódicos muitas vezes resulta baseado na presunção de que todos os atores envolvidos agem de acordo com os princípios éticos, ou seja, é um processo baseado em confiança.

No campo científico, tanto instituições nacionais como internacionais têm se esforçado para estabelecer padrões de ética e integridade por meio de manuais de boas práticas, envolvendo todo processo de produção científica, inclusive a etapa de publicação. Algumas instituições que podem ser consideradas como referência são The Academy of Management (AOM, 2006), Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração (ANPAD, 2010), Council of Science Editors (CSE, 2012) e Committee on Publication Ethics (Cope, 2017), notadamente por meio da elaboração de códigos de ética e de manuais de boas práticas para pesquisadores, editores e revisores.

No Brasil, a Ciência Contábil tem experimentado importante progresso nos últimos anos, especialmente devido ao crescimento do número dos programas pós-graduação stricto sensu (mestrados e doutorados) e a adoção das normas internacionais de contabilidade, como afirmam Nganga et al. (2016). Nesse contexto, Andrade (2011) alerta quanto à importância e à escassez de pesquisas relacionadas à ética na contabilidade. Bailey et al. (2008, p. 56) são categóricos ao afirmarem que “a integridade do processo de revisão confere credibilidade à pesquisa em contabilidade”.

Clemente et al. (2018), tomando por base consulta realizada no Portal de Periódicos Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes)/Ministério da Educação do Brasil em 2018, asseveram que os estudos sobre ética na área contábil se referem à visão dos estudantes, ao código de ética profissional, à ética na contabilidade das organizações, à contabilidade criativa e a fraudes contábeis, mas que há escassez de estudos relacionados aos aspectos éticos do processo de divulgação das pesquisas. Essa percepção é confirmada no estudo bibliométrico de Cunto et al. (2018), que, com base nos artigos publicados nos principais periódicos da área de Administração, Ciências Contábeis e Turismo do Brasil entre 2000 e 2015, identificaram que estudos na área contábil sobre o tema “ética” envolveram suas aplicações no campo financeiro ou empresarial, na contabilidade em si e na sociedade em geral, não indicando uma categoria relacionada a estudos sobre ética na pesquisa em Contabilidade.

Diante dessa lacuna, Clemente et al. (2018) elaboraram um estudo com objetivo de avaliar a percepção dos docentes dos programas de mestrado e doutorado em Contabilidade do Brasil sobre os aspectos éticos envolvidos no processo de submissão e avaliação de artigos científicos. A pesquisa obteve 79 respostas válidas, que, com a análise de situações eticamente inadequadas e algumas variáveis, resultou em uma percepção clara e generalizada de inadequações e problemas éticos no processo de avaliação de artigos.

Diante dessas considerações, surge a seguinte questão: quais as evidências estatísticas a respeito da percepção dos autores quanto aos aspectos éticos relativos aos periódicos científicos de Contabilidade no Brasil? Dessa forma, este artigo apresenta uma análise estatística aprofundada dos dados utilizados em Clemente et al. (2018) com o objetivo de avaliar as relações entre as variáveis representativas da percepção dos autores, docentes dos programas de pós-graduação stricto sensu, quanto aos aspectos éticos envolvidos no relacionamento com os periódicos científicos de Contabilidade.

Este artigo apresenta relevância associada principalmente a quatro fatores. O primeiro, já mencionado, refere-se à escassez de estudos sobre o tema, especialmente no Brasil, onde se destacam os estudos de Andrade (2011) e Espejo et al. (2013), enquanto, em âmbito internacional, podem ser destacados os estudos de Borkowski e Welsh (1998, 2000) e Bailey et al. (2008).

O segundo fator é destacado por Andrade (2011, p. 8), para quem é importante que “debates sobre ética na pesquisa sejam fomentados e sirvam de base para o desenvolvimento de estratégias que possam reduzir a má conduta na pesquisa”. Ora, “a conduta antiética em trabalhos científicos ou má conduta de pesquisa gera desconfiança do acadêmico e representa uma grande violação no progresso da ciência” (Teixeira e Costa, 2010). Isso é da maior relevância que se trata da publicação da pesquisa científica, visto que problemas éticos podem ser considerados particularmente graves neste âmbito que a atividade científica é embasada pela busca da verdade (Moctezuma, 2016).

O terceiro fator é relacionado à pressão a que os docentes ligados aos programas de pós-graduação stricto sensu estão submetidos. A ênfase em publicações em periódicos científicos com prioridade na quantidade ao invés da qualidade das pesquisas científicas, conforme Kuhlmann Jr (2014). Nesse viés, Andrade (2011, p. 94) também indica que “a necessidade de publicação é o fator mais importante para influenciar a má conduta na pesquisa”, comportamento alinhado com o princípio “publish or perish” (Rodrigues et al., 2006), além de fatores como a busca por status e recompensas financeiras (Moctezuma, 2016). Assim, o entendimento das relações entre as variáveis dos aspectos éticos pode contribuir para um melhor entendimento entre tais ocorrências, fomentando a discussão da ética no processo de submissão e publicação dos artigos científicos, com o objetivo de redução das más condutas éticas.

Quanto ao quarto fator, conforme Espejo et al. (2013), o momento vivenciado pela comunidade acadêmica brasileira é de um apreço crescente à busca de qualificação do processo da pesquisa, o qual é expresso no Plano Nacional de Pós-Graduação (PNPG) divulgado pela Capes. Assim, este artigo também pode contribuir para uma melhor qualificação das pesquisas brasileiras, por intermédio da discussão e dos avanços no processo de publicação, mais especificamente na área de Contabilidade.

O presente artigo compreende, além desta introdução, uma revisão teórico-empírica a respeito de questões éticas no processo de avalição e publicação de artigos científicos, os procedimentos metodológicos, a análise e discussão dos resultados, e, ao final, a conclusão.

Ética no processo de publicação de artigos científicos: os códigos de ética

Ao passo que a ciência permite progressos no conhecimento humano que se materializam no desenvolvimento de novos produtos e serviços, más práticas científicas são capazes de levar o conhecimento humano a um retrocesso, visto que problemas éticos podem abalar a confiança da sociedade sobre a veracidade dos resultados de investigações e, por consequência, na atividade científica (Moctezuma, 2016).

Neste contexto, é notória a importância da ética do processo de publicação científica, contudo, conforme citado por Garcia e Targino (2008, p. 49), “em se tratando da produção científica e do caso específico de artigos e periódicos, há facetas complexas, distintas e diversificadas, envolvendo, sobretudo, autores, editores e avaliadores”. Assim, em decorrência das facetas existentes, as soluções para desvios éticos nem sempre são fáceis de serem descobertos e corrigidos a tempo.

Diversos organismos nacionais e internacionais expressam preocupação a respeito da necessidade de mitigação de comportamentos eticamente inadequados na pesquisa acadêmica, entre os quais, AOM (2006), ANPAD (2010), CSE (2012) e Cope (2010). Essas instituições apresentam formalmente as condutas esperadas dos atores envolvidos no processo científico por meio da elaboração e veiculação de códigos de ética. Conforme Moctezuma (2016), os códigos de ética e de boas práticas de publicação são considerados importantes para diminuir problemas no processo científico decorrentes de más condutas.

Ao elaborar um código de ética tentativo para a pesquisa em Contabilidade, Keys e Hendricks (1984) ressaltam a importância de um código de ética que possa ser utilizado por pesquisadores da área. De acordo com os autores, um código de ética deve ser considerado pela obrigação moral dos pesquisadores com as diversas partes interessadas nos resultados de suas pesquisas acadêmicas de realizá-las de forma ética, bem como pela possibilidade de melhorias na qualidade da pesquisa acadêmica em Contabilidade com a sua aplicação.

A exemplo do código de ética tentativo de Keys e Hendricks (1984), diversos artigos que abordam a questão ética na pesquisa em Contabilidade estão centrados no comportamento dos autores antes, durante e após a realização da investigação científica, seja no seu relacionamento com leitores, demais pesquisadores, sujeitos e organizações investigadas. Tais preocupações com o comportamento dos autores também é expressa em códigos de ética em pesquisa de referência da área de Contabilidade, como os elaborados pela AOM, ANPAD, Cope e CSE. Todavia, as discussões e recomendações sobre comportamentos eticamente desejáveis também se estendem nesses códigos para outros atores importantes no processo de produção científica, como editores e revisores de periódicos acadêmicos, cujas ações e comportamentos definirão o aceite ou a recusa de publicação de um artigo científico. Como afirmam Teixeira e Costa (2010), questões éticas também podem ocorrer na atividade de editores e revisores, com consequências acadêmicas negativas.

Quanto aos editores, Moctezuma (2016) cita que as questões éticas giram em torno principalmente de más práticas como manipulação de citações (como a imposição de inclusão de citações de trabalhos publicados pela própria revista, com vistas ao aumento no fator de impacto) e por conta de conflitos de interesses (favorecimento ou prejuízo ao autor por influência de questões pessoais, profissionais ou econômicas, ou mesmo no favorecimento de publicações que estejam alinhadas à sua linha de pesquisa).

Tais conflitos de interesses são uma preocupação recorrente, tanto que a Revista Crítica de Ciências Sociais (2020, p. 1) em sua declaração de ética e boas práticas na publicação cita que a avaliação dos artigos deve ser pautada “exclusivamente com base no seu mérito académico e intelectual, independentemente de fatores como: raça, idade, género, orientação sexual, deficiência, origem étnica, crença religiosa, nacionalidade, orientação política ou classe social dos/as autores/as”.

De acordo com o Cope (2010, p. 45), “as decisões dos editores de aceitar ou rejeitar um artigo para publicação devem basear-se apenas na importância, originalidade e clareza do artigo e na relevância do estudo para o papel do periódico”. Nesta linha, Almeida e Cendón (2020) discutem a importância da publicação científica com resultados negativos, visto a ocorrência de alguns casos, de pesquisas que obtiveram resultados não esperados são engavetadas e não publicadas, tanto pelos próprios pesquisadores quanto pelos editores.

Quanto ao aspecto de recusa, os códigos de ética mencionados ressaltam, por exemplo, a impossibilidade do editor de não publicar um artigo já aceito, a menos que, após o aceite, verifique problemas severos no artigo ou descubra violações éticas (AOM, 2006); a responsabilidade de se fornecer aos autores um feedback documentado, livre de viés, tempestivo e adequadamente embasado sobre o mérito científico do trabalho (CSE, 2012); com uma avaliação clara, objetiva e adequada sobre a relevância, originalidade e escopo do trabalho que fundamentem as solicitações de ajustes ou a recusa do manuscrito pelos revisores ou pelo editor (ANPAD, 2010; CSE, 2012); além da importância de que o revisor busque “esforçar-se ao máximo para apontar todas as alterações que julgar pertinentes na primeira revisão do manuscrito, de modo a evitar novas recomendações cada vez que este retornar reformulado.” (ANPAD, 2010, não paginado).

Também se observa, nesses documentos, a ênfase para que haja um retorno tempestivo de pareceres de revisores e do editor aos autores dos artigos. Como ressalta a ANPAD (2010, não paginado), “a Boa Prática Editorial implica, também, celeridade do processo de editoração”, o que deve contar com a colaboração de editores, revisores e autores, sendo o editor responsável por “zelar também pelo cumprimento dos prazos de emissão de pareceres”. A mesma preocupação também é observada nos documentos emitidos pela AOM (2006) e CSE (2012). Como afirma a ANPAD:

Por este lado, seria esperado que os pareceres fossem muito bem elaborados e construtivos e que o tempo de avaliação fosse curto, pois, quando troca de papel, passando a ser autor, o pesquisador anseia que o retorno do periódico sobre o seu manuscrito venha com contribuições pertinentes e também com rapidez. (ANPAD, 2010, não paginado)

Quanto ao processo de aceite de artigos para publicação, além das recomendações para que este ocorra de maneira tempestiva (ANPAD, 2010; AOM, 2006; CSE, 2012) e de que o resultado da avaliação seja reportado aos autores, devidamente fundamentado (ANPAD, 2010; CSE, 2012) da mesma forma quando há solicitações de ajustes ou da comunicação de rejeição, os códigos de ética também ressaltam a questão de conflitos de interesse, fator que pode influenciar a aceitação (ou a rejeição) de um artigo. De acordo com o Cope (2010, p. 45), “todos os estudos originais devem ser revisados por pares antes da publicação, levando em conta possível viés devido a interesses relacionados ou conflitantes”.

Para que conflitos de interesse não influenciem no processo de avaliação de artigos, o CSE (2012, p. 5) recomenda que o editor solicite “que os revisores identifiquem potenciais conflitos de interesse e solicitem que eles se recusem se não puderem fornecer uma revisão imparcial”. Da mesma forma, a AOM (2006, não paginado) recomenda que seus membros, enquanto revisores, “recusem pedidos de revisão do trabalho de outros quando eles acreditam que o processo de revisão pode ser tendencioso ou quando eles têm dúvidas sobre a integridade do processo” e, enquanto editores, que “sejam justos na aplicação de padrões de publicação acadêmica, e operam sem favoritismo ou malícia pessoal ou ideológica”.

Também, quanto ao editor, a ANPAD (2010, não paginado) ressalta que “deve tomar todas as medidas razoáveis para garantir a qualidade do material que publica e nunca permitir que interesses individuais e de instituições que patrocinam o periódico comprometam os respectivos padrões acadêmicos”.

Ainda quanto a situações que podem ser consideradas inadequadas eticamente e que podem influenciar no aceite de artigos para publicação, a ANPAD (2010) ressalta como grave infração ética a citação de artigos de pertinência discutível, com a finalidade de aumento de impacto. Como indica o CSE (2012), essa situação pode ocorrer durante o processo de avaliação por pares, não sendo considerado adequado que o editor ou qualquer outra pessoa envolvida no processo de avaliação solicite a inclusão, por exemplo, de artigos do próprio periódico ou de periódico da mesma editora.

A ANPAD (2010) também ressalta em seu código de ética que pode ser considerada como conduta eticamente inadequada o envio deliberado de artigo para revisor com rigor acima ou abaixo do esperado ou com paradigma científico em acordo ou desacordo com o manuscrito, com a intenção de aceitação ou rejeição. Também é indicada pelo manual de boas práticas da organização a impossibilidade de reversão por um novo editor de decisão editorial de aceite de um artigo pelo editor anterior, bem como é recomendado que os artigos publicados apresentem o histórico de tramitação editorial (como datas de recebimento, reformulações, aceite e publicação).

Em suma, como é possível observar a partir dos elementos presentes em códigos de ética e códigos de boas práticas científicas, para que haja ética no processo de publicação acadêmica, o papel do editor é fundamental, sendo, portanto, um dos principais atores no processo de desenvolvimento do conhecimento humano (Moctezuma, 2016). Sua importância pode ser sumarizada da seguinte forma:

Os autores conferem aos editores a tarefa de selecionar os revisores adequados para julgar seus artigos, por sua vez os editores atribuem a responsabilidade aos revisores que avaliam os manuscritos, enquanto os leitores confiam em todo o processo feito pelo editor além de os revisores que validam as informações por meio da revisão por pares e da ética de publicação. (p. 54)

De forma mais atual, a Cope (2017) sugere práticas básicas no processo de publicação acadêmica, as quais devem ser seguidas juntamente com os códigos de conduta específicos de cada país e área. Assim, os periódicos e editores devem ter práticas robustas, bem descritas e publicamente documentadas nos seguintes temas: 1) alegações de má conduta; 2) autoria e contribuição; 3) reclamações e recursos; 4) conflitos de interesse/interesses concorrentes; 5) dados e reprodutibilidade; 6) supervisão ética; 7) propriedade intelectual; 8) gestão de periódicos; 9) processos de revisão por pares e 10) discussões e correções pós-publicação.

Procedimentos metodológicos

Quanto ao levantamento de dados, cabe destacar:

  1. o instrumento de pesquisa é um questionário on-line composto de dois blocos. O primeiro se refere à caracterização do respondente e o segundo contém questões que avaliam situações eticamente inadequadas;

  2. para a coleta de dados, em pesquisa nos sítios dos 31 programas de pós-graduação stricto sensu em Contabilidade constantes no site da Capes, foi possível o conhecimento da população pesquisada, de docentes permanentes e colaborados, totalizando 390 docentes, os quais foram convidados a participarem da pesquisa por e-mail;

  3. ao final, foram obtidas 71 respostas válidas, utilizadas na análise.

As variáveis de caracterização dos respondentes são mostradas na Tabela 1.

Tabela 1.
Variáveis de caracterização
Variáveis de caracterização


adaptado de Clemente et al. (2018).

As variáveis relativas às percepções gerais sobre o processo de submissão podem ser visualizadas na Tabela 2.

Tabela 2.
Variáveis gerais
Variáveis gerais


adaptado de Clemente et al. (2018).

A Tabela 3 apresenta as variáveis relacionadas às questões que abordam os motivos de recusa — todas são numéricas, escalares, indicadas pela porcentagem das vezes em que o respondente se encontrou na situação descrita.

Tabela 3.
Variáveis de recusa
Variáveis de recusa


adaptado de Clemente et al. (2018).

Por sua vez, a Tabela 4 apresenta as variáveis associadas às razões de aceite de artigos — da mesma forma como as variáveis de recusa, todas são numéricas, escalares e representam a porcentagem de vezes em que os respondentes estiveram naquelas situações.

Tabela 4.
Variáveis de aceite
Variáveis de aceite


adaptado de Clemente et al. (2018).

A análise estatística foi realizada conforme o protocolo apresentado na Tabela 5.

Tabela 5.
Protocolo de análise
Protocolo de análise


Fonte: elaboração própria (2018).

Devido ao número elevado de variáveis, após a etapa 5 indicada na Tabela 5, os procedimentos de análise foram aplicados em grupos de variáveis relacionadas ao aceite e que indicam recusa de artigos. Os procedimentos foram implementados com o uso dos softwares IBM® SPSS® Statistics versão 22 e Microsoft® Office Excel® 2017.

[T1] Análise e discussão dos resultados

Esta seção compreende três tópicos: análise descritiva, análise de qui-quadrado e análise de correspondência múltipla.

[T2] Análise descritiva

Na amostra, 38 % dos respondentes são do sexo feminino e 62 % do sexo masculino. Classificaram-se como doutores 75,9 % dos respondentes e 24,1 %, como pós-doutores. Quanto ao programa de pós-graduação em que atuam, 48,1 % indicaram programas de mestrado; 40,5 %, doutorado e 11,4 %, de pós-doutorado. Quanto a terem sido ou serem bolsistas produtividade do CNPq ou terem projetos financiados por agências de fomento, 43 % não se enquadraram nesta categoria, enquanto 57 % se enquadram. Quanto a serem ou terem sido editores de revistas, 58,2 % informaram negativamente, enquanto 41,8 % indicaram serem ou terem sido editores. Por fim, 100 % dos respondentes são ou foram avaliadores de revistas.

A Tabela 6 apresenta as estatísticas descritivas para as variáveis numéricas.

Tabela 6.
Estatísticas descritivas
Estatísticas descritivas


Fonte: elaboração própria (2018).

Observa-se que 61,67 % dos autores não se sentem adequadamente informados sobre as suas submissões. Também são notáveis os casos de retorno atrasado (8,18 %), recusa apesar de um parecer favorável (5,39 %), recusa apesar de os pareceres serem favoráveis (5,38 %) e avaliação superficial do trabalho submetido (6,81 %).

A avaliação da normalidade dos dados indica que, das 259 combinações possíveis das variáveis de aceite e recusa com relação às variáveis gerais e de caracterização, apenas em 20 grupos (8,66 %) as variáveis numéricas se distribuíram em conformidade com a curva normal. Além disso, dentre as 234 possibilidades de distribuição homogênea da variância, apenas em 14 casos (13,33 %) registraram-se variâncias homogêneas. Diante disso e considerando o tamanho da amostra, optou-se por empregar a análise de correspondência múltipla como principal método de análise. Por conseguinte, discretizaram-se as variáveis numéricas segundo três categorias: “pouco”, “intermediário”, “muito”, tomando como critério a distribuição paritária das respostas.

Análise de Qui-quadrado

Como uma primeira fase, empregou-se o teste de Qui-quadrado para verificar a interdependência entre cada par de variáveis. No cruzamento das variáveis de caracterização com as que tratam de aspectos gerais no processo de submissão, em duas situações ocorreram diferenças estatisticamente significativas, conforme mostrado na Tabela 7.

Tabela 7.
Diferenças em inclusão de estudos do próprio periódico
Diferenças em inclusão de estudos do próprio periódico


Fonte: elaboração própria (2018).

Os pesquisadores que não tinham sido editores de revistas ou bolsistas registraram muito poucos casos de pedidos de inclusão de referências do próprio periódico (3 e 2 ocorrências, respectivamente). Isso poderia indicar que esses autores mais experientes já teriam se ajustado a essa exigência.

Ao analisar as variáveis de caracterização contra as de recusa, obtêm-se as distinções apresentadas na Tabela 8.

Tabela 8
Diferenças quanto a quantidades percebidas de recusas contraditórias
Diferenças quanto a quantidades percebidas de recusas contraditórias


Fonte: elaboração própria (2018).

Na Tabela 8, a diferença é notável [Χ²(2) = 6,431, p-valor < 0,040]. Apenas 13,3 % das mulheres registraram muitas recusas por motivos contraditórios, enquanto entre os homens o percentual se eleva para 38,8 %.

A Tabela 9 mostra as diferenças em relação ao programa de pós-graduação no qual o respondente atua.

Tabela 9.
Diferenças quanto ao programa em que atua
Diferenças quanto ao programa em que atua


Fonte: elaboração própria (2018).

Percebe-se que poucos respondentes que atuam em programas com pós-doutorado tiveram poucas recusas sem motivo (um único caso), bem como por motivo distinto das avaliações dos pareceristas (quatro casos). Isso poderia sugerir que autores de programas mais consolidados seriam mais experientes e teriam mais rigor na apresentação de seus artigos, estando menos sujeitos a desapontamento.

As variáveis de caracterização, quando cruzadas com as de aceite, apresentaram apenas uma situação de interdependência: entre os homens, o número de artigos aceitos sem avaliação foi cinco vezes maior do que entre as mulheres [Χ²(2) = 6,974, p-valor < 0,031].

Por sua vez, as variáveis que indicam situações gerais ocorridas no processo de submissão (especificamente prazos não respeitados), ao serem cruzadas com as de recusa, apresentam as diferenças apresentadas na Tabela 10.

Tabela 10.
Diferenças em prazos não respeitados
Diferenças em prazos não respeitados


Fonte: elaboração própria (2018).

A Tabela 10 mostra uma relação de, no mínimo, o dobro de respondentes que muitas vezes não tiveram observado o prazo estipulado pelas revistas. Esses resultados indicam que os periódicos que não cumprem prazo estão, de modo geral, sujeitos também a outras deficiências.

Especificamente quanto à solicitação de estudos publicados no periódico ao qual o artigo foi submetido, a Tabela 11 mostra as relações estatisticamente significativas.

Tabela 11.
Diferenças em inclusão de estudos
Diferenças em inclusão de estudos


Fonte: elaboração própria (2018).

A Tabela 11 apresenta um padrão claro de associação entre a prática de solicitar inclusão de artigos publicados no periódico ao qual o artigo é submetido e a ocorrência de situações insatisfatórias para os autores.

O cruzamento entre as variáveis gerais e as relacionadas ao aceite de artigos é apresentado na Tabela 12.

Tabela 12.
Diferenças em prazos não respeitados
Diferenças em prazos não respeitados


Fonte: elaboração própria (2018).

O padrão mostrado na Tabela 12 evidencia que a maioria dos respondentes para os quais os prazos muitas vezes não foram respeitados também muitas vezes registrou avaliações superficiais, inclusões de seus artigos de maneira emergencial e passou por fast track demorado. Observa-se um componente de natureza temporal comum a essas variáveis, todas com a indicação de forte associação entre as dificuldades dos periódicos na administração de prazos.

A Tabela 13, por sua vez, apresenta o cruzamento entre as variáveis de aceite com as relativas a ocorrências de discrepância entre datas de envio e de aceite.

Tabela 13.
Discrepância de datas
Discrepância de datas


Fonte: elaboração própria (2018).

Nota-se que, conforme a Tabela 13, a maioria dos respondentes que informaram ter passado por poucas ocorrências de discrepância entre datas de envio e aceite também teve poucas situações em que seus artigos foram aceitos emergencialmente ou por influência que possuem em outro periódico.

Ao analisar o aceite de artigo condicionado à inclusão de artigos publicados no periódico, têm-se os resultados constantes da Tabela 14.

Tabela 14.
Diferenças em inclusão de estudos
Diferenças em inclusão de estudos


Fonte: elaboração própria (2018).

Observa-se clara associação entre o pedido para inclusão de artigos publicados no mesmo periódico com outras cinco variáveis, todas indicativas do nível de organização. Tem-se, portanto, a indicação de que os periódicos que adotam a prática de exigir a inclusão de artigos por eles publicados são, em geral, os que apresentam nível organizacional mais baixo, causando mais insatisfações aos autores.

Por sua vez, a Tabela 15 apresenta as diferenças estatisticamente significativas encontradas nos cruzamentos entre os casos em que a recusa se deu por motivo do artigo submetido não fazer parte do escopo da revista e as demais variáveis associadas à recusa de artigos.

Tabela 15.
Artigo não faz parte do escopo
Artigo não faz parte do escopo


Fonte: elaboração própria (2018).

Nota-se, na Tabela 15, uma associação forte entre a recusa por não fazer parte do escopo do periódico e os outros dois motivos. Ainda uma vez, tem-se indicação de que a fragilidade organizacional pode dar ensejo a práticas discricionárias que contrariam os interesses dos autores.

A Tabela 16 apresenta as associações relevantes da variável relativa à recusa contraditória.

Tabela 16.
Recusa contraditória
Recusa contraditória


Fonte: elaboração própria (2018).

Novamente, há indicação de que as práticas que contrariam os interesses dos autores se apresentam fortemente relacionadas. A falta de organização estaria oportunizando práticas discricionárias insatisfatórias aos autores.

Quanto à interdependência entre as variáveis relacionadas ao aceite de artigos e as demais, apenas uma combinação apresentou diferenças estatisticamente significativas [Χ²(4) = 13,031, p-valor < 0,011]: os respondentes que afirmaram terem presenciado muitas ocorrências de artigos aceitos com avaliação superficial foram também os que informaram muitos casos de fast track demorado. A associação entre avaliação superficial e fast track demorado remete mais uma vez a considerações sobre o nível organizacional dos periódicos e suas consequências.

Análise de correspondência múltipla

Tendo em vista a interdependência entre algumas variáveis, parte-se para a análise de correspondência múltipla, com o intuito de tornar explícitos os padrões de associação e posicionar as variáveis no espaço de ‘n’ dimensões. Uma vez que o número de variáveis interdependentes se mostrou elevado, optou-se por realizar essa análise segundo dois subconjuntos de variáveis: as relacionadas à recusa e as relacionadas ao aceite de artigos.

Inicialmente é necessário estabelecer o número adequado de dimensões, o qual é obtido por meio dos valores alfa de Cronbach, autovalores e inércias de cada uma das possíveis dimensões, conforme mostrado na Tabela 17.

Tabela 17.
Alfas de Cronbach, autovalores e inércias das dimensões
Alfas de Cronbach, autovalores e inércias das dimensões


Fonte: elaboração própria (2018).

Nota-se que, entre as variáveis associadas ao aceite, somente as duas primeiras dimensões (de um total de 15 possíveis dimensões) são capazes de explicar 32,13 % da inércia do total das dimensões. Porém, percebe-se que o alfa de Cronbach da segunda dimensão (0,43) não apresenta um aceitável poder de agrupamento das variáveis. Entre as variáveis que representam situações de recusa de artigos, de um total possível de 22 dimensões, apenas as duas primeiras explicam 28,13 % da inércia total — da mesma forma como encontrado no outro grupo de variáveis, a segunda dimensão não obteve um adequado alfa de Cronbach. Não se descarta a possibilidade de essas situações terem relação com as limitações presentes nas relações de interdependência identificadas na etapa anterior. Ainda assim, considerando-se que a análise de correspondência múltipla é uma técnica que proporciona fácil visualização que envolve variáveis qualitativas, optou-se por proceder à análise segundo plano bidimensional.

Em duas dimensões, as variáveis, tanto relacionadas ao aceite, quanto à recusa, apresentam as seguintes capacidades de serem representadas, mostradas na Figura 1.

Distribuição gráfica das medidas de discriminação
Figura 1.
Distribuição gráfica das medidas de discriminação


Fonte: elaboração própria (2018).

No plano bidimensional, quanto mais distantes da origem dos eixos, maior a capacidade de certa categoria ser representada por duas dimensões. Assim, confirmando os testes de Qui-quadrado, nota-se que, entre as variáveis de aceite, apenas duas apresentam capacidade considerável de serem representadas no plano bidimensional: artigo aceito mediante avaliação superficial e prazos não respeitados. Nesse conjunto de variáveis, é também notável o subconjunto de variáveis com representatividade em apenas uma dimensão: aceite de artigos sem avaliação, com fast track demorado, de forma emergencial e pedido de inclusão de artigos do periódico. Ao contrário, as variáveis de recusa apresentam melhor distribuição em ambas as dimensões. Também é digno de nota o baixo desempenho da variável relativa a gênero, variável que poderia ser desconsiderada.

Conforme o protocolo de análise, cabe avaliar a capacidade das categorias das variáveis de formarem agrupamentos, aproximando-se entre si e distanciando-se das demais. A Tabela 18 apresenta as massas e inércias das categorias das variáveis associadas ao aceite dos artigos.

Tabela 18.
Massas e inércias nos casos de aceite
Massas e inércias nos casos de aceite


Fonte: elaboração própria (2018).

Quanto maior a massa, maior a influência da categoria da variável sobre as demais e, quanto maior a inércia da categoria da variável (com relação à mesma categoria das demais variáveis), mais bem explicada resulta sua variância.

Assim, gênero masculino, posições intermediárias para prazos não respeitados e avaliações superficiais, bem como categorias que indicam poucas ocorrências de discrepância entre datas, aceite condicionado à inclusão de artigos do periódico, aceite sem avaliação, aceite com avaliação superficial, pelo fato de o autor ser conhecido ou ter influência sobre outros periódicos, além de aceite emergencial, são as categorias que mais promovem agrupamentos. As distâncias entre os grupos são causadas pelas categorias: feminino, para a variável “gênero”; pouco, para as variáveis relativas a “prazos não respeitados e avaliações superficiais”; e muito para as variáveis “discrepância entre datas, inclusão de artigos do periódico, ser conhecido, inclusão emergencial e influência”.

A Tabela 19 apresenta as massas e inércias das variáveis relacionadas aos casos de recusa de artigos.

Tabela 19.
Massas e inércias nos casos de recusa
Massas e inércias nos casos de recusa


Fonte: elaboração própria (2018).

A Tabela 19 mostra que, com relação às massas, as categorias das variáveis de caracterização que mais força de agrupamento possuem sobre as demais são: masculino, da variável relativa a gênero; atuante em programas de mestrado; bolsistas e não editores. Fenômeno semelhante é encontrado na categoria “intermediário” para as variáveis que representam respostas sobre a ocorrência de prazos não respeitados e contradição entre avaliadores — para todas as outras variáveis, a categoria “pouco” é a que mais as aproxima. Quanto às inércias, que indicam as categorias que mais se distinguem das demais, o gênero feminino, atuantes em programas de pós-doutorado, editores e não bolsistas são os maiores destaques. Já a categoria “intermediário”, para as variáveis relacionadas à recusa apesar de pareceres favoráveis e sem avaliação, foi a responsável por manter o distanciamento entre si, assim como a categoria “muito” para todas as demais.

Aplicando-se o método da normalização simétrica aos valores da Tabela 18 e da Tabela 19, é possível quantificar coordenadas, para cada categoria, e distribuí-las conforme a Figura 2.

Coordenadas das categorias
Figura 2.
Coordenadas das categorias


Fonte: elaboração própria (2018).

Para as variáveis associadas aos casos de aceite de artigos, percebem-se dois nítidos agrupamentos: respondentes que informaram ter presenciado muitas ocorrências de solicitação de inclusão de artigos do próprio periódico, também informaram que muitas vezes os prazos entre a submissão e a publicação não foram respeitados, bem como notaram seguidamente discrepância entre estas datas; a avaliação foi superficial (tendo artigos aceitos até mesmo sem avaliação) e aceites emergenciais. Por sua vez, tanto homens quanto mulheres relataram como situações que ocorreram em menores quantidades as relacionadas à inclusão de artigos do próprio periódico; a prazos não respeitados; a artigos aceitos com avaliação superficial, aceite emergencial ou mesmo sem avaliação; à aceitação pelo fato de o autor ser conhecido ou com influência em outros periódicos.

Os casos de recusa formam três agrupamentos. Homens que atuam em programas de doutorado e que são (ou foram) editores ou bolsistas registraram muitas ocorrências de recusa. Ao contrário, as mulheres que atuam em programas de mestrado e que não são (ou não foram) bolsistas e editoras de revistas registram poucas ocorrências dos motivos pesquisados. As percepções intermediárias para as demais variáveis formam um terceiro agrupamento.

Para concluir a análise, faz-se a avaliação da intensidade das relações entre as variáveis transformadas. O procedimento adotado é a matriz de correlações de Pearson efetuada junto à Dimensão 1, visto se tratar da mais representativa dos agrupamentos, conforme os valores de Alfa de Cronbach mostrados na Tabela 16. A Tabela 20 apresenta os resultados para as variáveis de aceite.

Tabela 20.
Matriz de correlação para as variáveis de aceite
Matriz de correlação para as variáveis de aceite


Fonte: elaboração própria (2018).

Percebe-se que, das 36 correlações, 16 apresentaram nível de significância inferior a 5 %, representando 44,4 % do total de combinações possíveis. Destas, duas apresentaram coeficiente de correlação maior do que 0,5, o que, conforme Field (2009), indica, no mínimo, uma elevada associação entre as variáveis. Trata-se das correlações entre a variável que indica artigos aceitos com avaliação superficial com as variáveis que representam prazos não respeitados pelos periódicos e solicitação de inclusão de artigos publicados nas próprias revistas. O primeiro caso aponta que a percepção de maior número de avaliações superficiais corresponde a quantidades elevadas de situações em que os prazos não foram respeitados, de tal forma que uma das variáveis é capaz de explicar 34,11 % da outra (0,584 elevado ao quadrado).

O outro caso de correlação significativa mostra que o aumento de casos de avaliações superficiais está relacionado com o aumento de solicitações de inclusão de artigos do próprio periódico e que uma das variáveis explica 31,25 % da outra. Além destas, há ainda a destacar as correlações entre avaliações superficiais e artigos aceitos sem avaliação, caso em que uma das variáveis explica 21,62 % da outra; entre artigos aceitos sem avaliação e solicitações de inclusão de artigos do próprio periódico, com poder de explicação de 19,27 % entre elas; e discrepância entre datas e artigos aceitos de forma emergencial, com uma das variáveis explicando 17,47 % da outra. Essas correlações se mostram significativas quando se considera que vários fatores não considerados na análise podem ser comuns às variáveis.

A Tabela 21 apresenta a matriz de correlações entre as variáveis que representam os casos de recusa de artigos.

Tabela 21.
Matriz de correlação para as variáveis de recusa
Matriz de correlação para as variáveis de recusa


Fonte: elaboração própria (2018).

Dos 91 cruzamentos possíveis, 44 (48,35 %) apresentam coeficientes de correlação com nível de significância inferior a 5 %. Porém, em apenas dois casos, esses coeficientes alcançaram 0,5 ou mais: artigos recusados sem avaliação e recusados por não fazerem parte do escopo da revista, com uma das variáveis explicando 32,15 % da outra; e artigos recusados sem motivo aparente e recusados sem avaliação, com uma variável explicando 25 % da outra. Levando-se em consideração o fato de que muitos outros fatores possam estar associados às variações presentes nos relacionamentos entre as variáveis, não se podem ignorar algumas combinações com coeficientes de correlação acima de 0,4, todas significativas:

Conclusões

Os resultados apresentados se referem à percepção dos pesquisadores vinculados a programas de pós-graduação stricto sensu em Contabilidade com relação a situações de natureza ética que ocorrem quando submetem seus artigos para publicação no Brasil.

Os testes de interdependência entre as variáveis discretizadas devem ser avaliados com cautela, pois não apresentaram, em alguns cruzamentos entre as variáveis, o número mínimo de casos para lhes garantir robustez.

As frequências das situações de conteúdo ético não deixam dúvida quanto à relevância social do processo de submissão, avaliação e publicação, em que os desvios afastam a garantia de que os melhores trabalhos sejam publicados, o que pode comprometer a eficiência social do mencionado processo. Em resumo, quando o processo de submissão, avaliação e publicação de artigos científicos apresenta desvios éticos, não entrega os melhores resultados para a sociedade e pode causar prejuízos ao impedir o debate científico de maior relevância.

A pesquisa das relações entre as variáveis representativas do relacionamento dos autores com os periódicos, via testes de Qui-quadrado e análise de correspondência múltipla, evidencia certos padrões indicativos de falta de comunicação e de transparência em todo o processo a partir da submissão, envolvendo as fases de avaliação e decisão final sobre aceite ou rejeição.

A falta de comunicação e de transparência, à primeira vista, seria decorrência exclusiva das dificuldades organizacionais dos periódicos, que não seriam capazes de fornecer aos autores as informações de seu interesse. Entretanto, dada a opacidade que envolve todo o processo a partir da submissão, com a conduta dos editores se isentando de todo questionamento e se colocando acima de toda suspeita, a deficiência organizacional e o comportamento oportunista dos editores podem atuar em conjunto.

A deficiência organizacional e a falta de transparência dos periódicos brasileiros de Contabilidade abrem espaço para que a posição de editor não se restrinja à discricionariedade no julgamento quanto à adesão à linha editorial e a requisitos básicos do trabalho submetido. Na prática, como eventuais condutas antiéticas dificilmente viriam a público e seriam objeto de sanção moral, dilui-se a garantia de que os periódicos estejam publicando os trabalhos de maior significado para a Ciência e para a sociedade.

Em geral, constata-se uma evidente assimetria de informação entre os agentes envolvidos no processo de submissão, avaliação e publicação de artigos científicos, processo em que se destaca o papel do editor. Este, como se sabe, pode, sem ferir normas legais e ditames morais, exercer ampla discricionariedade.

Por seu turno, os avaliadores, indivíduos reconhecidos em suas áreas de pesquisa, muito raramente são remunerados, o que poderia comprometer o caráter profissional do seu trabalho. Dessa forma, torna-se aumentada a probabilidade de que não sejam diligentes e se deixem influenciar por fatores subjetivos ao avaliarem os artigos.

Além disso, os autores dos trabalhos submetidos geralmente se ressentem de informação quanto ao andamento do processo. O resultado é um quadro dramático, decorrente de assimetria de informação, subjetividade e discricionariedade.

Mas, é necessário observar que o esforço para organizar e elevar o nível de governança dos periódicos brasileiros de Contabilidade pode parecer pouco interessante aos diretamente responsáveis, o que resultaria em forte tendência a manter os atuais padrões.

Assim, dado que os docentes dos programas de mestrado e doutorado em geral, e particularmente de Contabilidade, estão sujeitos à avaliação de desempenho baseada no sucesso em alcançar a publicação de seus trabalhos, faz-se necessário que as autoridades que avaliam a produção científica passem a incentivar iniciativas de maior transparência nos processos de avaliação dos trabalhos submetidos.

Como afirma Nunes (2017), a abordagem ao tema da ética na pesquisa é essencial no processo formativo, especialmente durante o processo de formação do pesquisador nos programas de pós-graduação. Por isso, recomenda-se que a abordagem ao tema seja continuadamente realizada nos programas de pós-graduação stricto sensu em Contabilidade, indicando aos alunos as responsabilidades éticas do pesquisador em seus diferentes papéis (autor, avaliador e editor), visto que os pesquisadores em formação são, em potencial, futuros editores de periódicos científicos da área.

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Notas

1 Artigo de pesquisa científica e tecnológica.

Autor notes

a henrique.portulhak@ufpr.br (autor de correspondência)

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