A Gestão do Risco de Liquidez e a Concessão de Crédito Durante os Períodos de Crise em Instituições Financeiras Brasileiras *
Liquidity Risk Management and Credit Granting During Crisis Periods in Brazilian Financial Institutions
Gestión del riesgo de liquidez y otorgamiento de crédito durante los períodos de crisis en instituciones financieras brasileñas
Diego Abarca Constancio
, George André Willrich Sales
, Rodolfo Vieira Nunes
, Matheus Torquato
A Gestão do Risco de Liquidez e a Concessão de Crédito Durante os Períodos de Crise em Instituições Financeiras Brasileiras *
Cuadernos de Contabilidad, vol. 26, 2025
Pontificia Universidad Javeriana
Diego Abarca Constancio
Faculdade FIPECAFI, Brasil
George André Willrich Sales
Faculdade FIPECAFI, Brasil
Rodolfo Vieira Nunes a rodolfo.nunes@ufjf.br
Universidade Federal de Juiz de Fora-UFJF, Brasil
Matheus Torquato
Universidade de São Paulo , Brasil
Recepção: 14 Julho 2025
Aprovação: 12 Setembro 2025
Publicação: 20 Dezembro 2025
Resumo:
Este artigo visa compreender como os bancos brasileiros geriram sua liquidez em períodos de crise e como isso impactou a concessão de crédito. A metodologia baseia-se no modelo de regressão em painel, com uma amostra de 71 instituições financeiras brasileiras, no período trimestral de 2006 a 2017. Os bancos privados de pequeno porte foram os mais afetados durante a crise do subprime, com redução de crédito. Enquanto os bancos públicos agiram de forma contracíclica. Durante a crise fiscal brasileira, o total de crédito reduziu em comparação a outros períodos. Essa redução foi mais expressiva nos bancos públicos. As evidências apontam que, durante as crises, os bancos privados com maiores níveis de capital continuaram a emprestar em comparação com outros bancos. Bancos públicos com maiores níveis de depósitos e capital foram os que mais emprestaram. A contribuição do artigo evidencia que os bancos gerenciaram sua liquidez e as crises impactaram a originação de crédito.
Código JEL: C23, G01, G21.
Palavras-chave:risco de liquidez, risco de crédito, crise, instituições financeiras.
Abstract: This article aims to understand how Brazilian banks managed their liquidity during periods of crisis and how this affected credit granting. The methodology is based on a panel regression model using quarterly data from 2006 to 2017 for 71 Brazilian financial institutions. Small private banks were the most affected during the subprime crisis, showing a reduction in credit, while public banks acted countercyclically. During the Brazilian fiscal crisis, the total volume of credit decreased compared to other periods, with this reduction being more pronounced among public banks. The evidence indicates that, during crises, private banks with higher levels of capital continued to lend compared to other banks, and public banks with higher levels of deposits and capital were the ones that lent the most. The article contributes by showing that banks managed their liquidity and that crises significantly affected credit origination.
Keywords: Liquidity Risk, Credit Risk, Crisis, Financial Institutions.
Resumen: Este artículo busca comprender cómo los bancos brasileños gestionaron su liquidez durante los períodos de crisis y cómo esto afectó el otorgamiento de crédito. La metodología se basa en un modelo de regresión en panel, utilizando datos trimestrales de 2006 a 2017 para 71 instituciones financieras brasileñas. Los bancos privados de pequeño porte fueron los más afectados durante la crisis subprime, registrando una reducción en el crédito, mientras que los bancos públicos actuaron de forma contracíclica. Durante la crisis fiscal brasileña, el volumen total de crédito disminuyó en comparación con otros períodos, siendo esta reducción más pronunciada entre los bancos públicos. La evidencia indica que, en tiempos de crisis, los bancos privados con mayores niveles de capital continuaron prestando en mayor medida que los demás, y que los bancos públicos con mayores niveles de depósitos y capital fueron los que más otorgaron crédito. El artículo aporta evidencia sobre la gestión de la liquidez por parte de los bancos y muestra cómo las crisis incidieron de manera significativa en el otorgamiento de crédito.
Palabras clave: riesgo de liquidez, riesgo de crédito, crisis, instituciones financieras.
Introdução
As instituições financeiras enfrentam desafios na gestão de sua liquidez em momentos de crise. Devem atentar para cobrir os desajustes entre as saídas e as entradas de caixa. Rochet (2008) destaca a maior incerteza no setor bancário quanto a esses desajustes. Os bancos devem gerir seu balanço com cuidado e decidir quais ativos adquirir e quais obrigações emitir (Oliveira, 2006). O risco de liquidez e o de crédito estão interligados (Bryant, 1980; Diamond & Dybvig, 1983).
A economia brasileira e o setor financeiro foram impactados pela crise do subprime e, mais recentemente, pela crise fiscal iniciada em 2014. Isso gerou recessão. Nesse contexto, é crucial entender como as instituições financeiras no Brasil gerenciaram o risco de liquidez durante as crises. Também é importante analisar como isso afetou a concessão de crédito.
Diamond e Rajan (2001) destacam que os bancos, ao fornecerem liquidez aos mutuários, ficam expostos ao risco na concessão de empréstimos, devido ao descompasso na liquidez dos seus ativos e passivos. Durante crises, a alta demanda por liquidez dos depositantes pode levar os bancos a enfrentar problemas de risco de liquidez, o que pode afetar sua capacidade de emprestar.
Cornett et al. (2011) estudaram como os bancos nos EUA geriram o risco de liquidez durante a crise do subprime. Observam que os bancos com mais depósitos domésticos e capital próprio, que são fontes estáveis de financiamento, continuaram a emprestar mais. Já os bancos com mais ativos ilíquidos aumentaram a liquidez e reduziram os empréstimos.
Moreira e Queirós (2015), seguindo o modelo de Cornett et al. (2011), analisaram o comportamento dos bancos portugueses e espanhóis durante as crises do subprime e da dívida soberana na zona do euro. Encontraram padrões semelhantes. Isso mostra que o modelo de Cornett et al. (2011) pode ser aplicado em diferentes mercados. O modelo proporciona maior confiabilidade nas análises e comparabilidade dos resultados. A gestão do risco de liquidez é essencial para as instituições financeiras, especialmente em momentos de crise. Nesses períodos, a vulnerabilidade aos choques de liquidez aumenta. Compreender essa dinâmica é crucial em um ambiente bancário cada vez mais competitivo e volátil.
Este estudo visa compreender como os bancos brasileiros geriram os choques de liquidez durante as crises de 2006 a 2017. Analisa também como isso afetou a concessão de crédito. A pesquisa contribui para ampliar o conhecimento sobre a gestão do risco de liquidez. Examina como a exposição à liquidez impactou a capacidade dos bancos brasileiros de conceder crédito durante crises. Compara ainda os resultados com estudos similares em outros mercados.
Referencial teórico
Panorama do crédito bancário no Brasil
A relação entre o crédito e o produto interno bruto (PIB) dos países é uma medida crucial das condições e da amplitude do mercado de crédito bancário. Nos países mais desenvolvidos, esse percentual é significativamente mais elevado, podendo chegar a quase 200% do PIB. No Brasil, o crédito ao setor privado se destaca por dois aspectos em relação a outros países. Primeiramente, é relativamente escasso. Em 2016, o estoque de crédito no Brasil representava apenas 62,6% do PIB, segundo dados do Banco Mundial. Embora esse valor seja superior ao de outros países latino-americanos, é bem inferior à média mundial de 132% do PIB, conforme mostrado na figura 1.
Além disso, o segundo aspecto relevante refere-se a dois fatores principais que influenciam significativamente a oferta de crédito ao setor privado: a proteção aos direitos dos credores e o nível de informação disponível sobre os tomadores, conforme observado por Djankov, McLiesh & Shleifer (2007).

A oferta e a demanda de crédito são interdependentes. Ambas são afetadas pela preferência pela liquidez, relacionada às expectativas dos agentes em um ambiente de incerteza (Freitas & Paula, 2010).
Para Sant'Anna et al. (2009), no Brasil, uma questão relevante que ganhou importância a partir de setembro de 2008. Com o aprofundamento da crise financeira internacional, destaca-se a atuação compensatória dos bancos públicos. A expansão de suas operações de crédito ocorre quando o sistema de crédito privado se contrai. Assim, sustemos canais de financiamento para projetos de investimento, conforme demonstrado na figura 2.

De acordo com Araújo e Cintra (2011), com o aprofundamento da crise financeira global do subprime, os bancos privados brasileiros reduziram o crédito, enquanto os bancos públicos o sustentaram, atuando de forma anticíclica para conter os efeitos recessivos da retração do crédito privado.
Liquidez de mercado e o impacto na precificação de títulos
Para entendermos o risco de liquidez das instituições, é importante compreender o impacto da liquidez sobre títulos e valores mobiliários. Uma vez que o balanço de um banco é composto principalmente por instrumentos financeiros, seja ativos ou passivos, o balanço de um banco é composto principalmente por instrumentos financeiros.
Amihud e Mendelson (1986) desenvolveram um modelo teórico que sugere que os retornos dos ativos são influenciados pelo spread relativo (diferença entre oferta e procura dividida pelo preço). Esse modelo destaca a importância da microestrutura nos retornos das ações e sugere que um aumento na liquidez pode reduzir o custo de capital.
Em relação aos títulos, a liquidez pode ser estimada pela diferença entre os preços ofertados e os requeridos. Spreads menores indicam maior liquidez (Sharpe et al., 1998). O retorno esperado de um título deveria considerar duas características incorporadas ao modelo de precificação: a contribuição marginal do título ao risco de um portfólio eficiente (medido pelo coeficiente beta) e a contribuição marginal à liquidez de um portfólio (medida por uma variável proxy da liquidez do título). Esses retornos mais altos não são uma anomalia em mercados eficientes, mas sim uma compensação adicional exigida pelos investidores devido aos custos de transação mais elevados.
Continua em debate qual é a medida mais relevante de liquidez para a precificação de ativos. Outras medidas, como o volume e o número de negociações diárias, surgiram na literatura (Chordia et al., 2000; Hasbrouck, 2009). Correia e Amaral (2008) afirmam que dois títulos com o mesmo betam, mas com liquidez diferente, não apresentariam o mesmo nível de retorno esperado, pois os investidores geralmente preferem a liquidez e são aversos ao risco.
Nikolaou (2009) destaca que o risco de liquidez de mercado pode impactar diretamente a estabilidade do sistema financeiro, provocando perturbações na alocação de recursos e afetando a economia real. Essa definição de liquidez é a mais adequada ao tema e ao problema de pesquisa proposto, pois a liquidez é um fator crucial no preço dos ativos: quanto menor for a liquidez de um ativo, maior o rendimento esperado, embora os custos de transação possam consumir esses ganhos. Portanto, somente os investidores com períodos de detenção longos se beneficiam ao manter ativos de baixa liquidez (Tabela 1).

Risco de liquidez em instituições financeiras e a liquidez de financiamento
Para entender o risco de liquidez nas instituições financeiras, é essencial considerar o impacto da liquidez sobre títulos e valores mobiliários. O balanço de um banco é composto principalmente por esses instrumentos. Rochet (2008) destaca que a incerteza quanto aos desajustes de liquidez é maior no setor bancário, pois o desequilíbrio pode incapacitar a instituição de cumprir suas obrigações de curto prazo. Capelletto (2006) afirma que as decisões sobre aplicações e captações, em conjunto com o ambiente de atuação, afetam diretamente o nível de liquidez.
Por conseguinte, embora um banco minimize o risco de liquidez mantendo reservas elevadas em caixa, isso reduz suas possibilidades de conceder empréstimos e investir em ativos com retorno positivo, resultando em um trade-off (Hillbrecht, 1999). O risco de liquidez de financiamento é central para os bancos, pois, na visão de Nikolaou (2009), são considerados de construção frágil devido às transformações de maturidade que realizam. Os bancos oferecem liquidez aos mutuários, mas os próprios empréstimos são relativamente ilíquidos para eles (Diamond & Rajan, 2001). Para Strahan (2008), os bancos precisam equilibrar a quantidade de ativos líquidos que mantêm com o quanto emprestam para proteger-se do risco de liquidez decorrente do descasamento de maturidade em seus balanços.
Além disso, Kashyap, Rajan e Stein (2002) observaram semelhanças entre compromissos fora do balanço e empréstimos convencionais. Quando o compromisso é exercido, torna-se um empréstimo no balanço. Quando a liquidez do mercado cai, os mutuários recorrem aos bancos para obter fundos por meio das linhas de crédito existentes (Gatev & Strahan, 2006). Diamond e Rajan (2001) sugerem que o capital social pode atuar como um colchão que proteja os depositantes em momentos difíceis. Porém, mantê-lo excessivo pode reduzir a geração de liquidez e o fluxo de crédito. Berger e Bouwman (2015) encontraram evidências de que níveis mais altos de capital afastam os depositantes e reduzem a geração de liquidez em bancos menores.
Já em bancos maiores, o aumento de capital eleva a geração de liquidez ao reduzir o risco. Evidências mais recentes reforçam a complexidade desse equilíbrio. Por exemplo, o estudo de Djebali e Zaghdoudi (2020), ao analisar bancos da região MENA, mostra que os efeitos do risco de liquidez e do risco de crédito sobre a estabilidade bancária não são lineares; ou seja, esses riscos podem estar associados a ganhos de rentabilidade e eficiência, mas, acima de determinado nível, tornam-se prejudiciais, comprometendo a estabilidade bancária.
No contexto europeu, Milcheva, Falkenbach e Markmann (2019) destacam que diferentes instrumentos de mercado (MBS, covered bonds e senior unsecured bonds) não são substitutos perfeitos; apenas os MBS foram utilizados para gerir choques de liquidez de curto prazo após a crise financeira, o que mostra que a estrutura de financiamento condiciona a resiliência. Adicionalmente, Bianchi e Bigio (2014) demonstram, em um modelo de equilíbrio geral, que o trade-off entre reservas líquidas e concessão de empréstimos explica por que choques no mercado interbancário levam os bancos a acumular liquidez sem retomar o crédito, destacando, ainda, a importância da política monetária na gestão desses incentivos.
Além das evidências apresentadas, estudos em mercados emergentes (Saleh & Abu Afifa, 2020) evidenciam que o risco de crédito, o risco de liquidez e o capital bancário afetam significativamente a rentabilidade, reforçando a relevância das exigências prudenciais de Basileia III. De forma complementar, análises de gestão de crédito em empresas (Okpala et al., 2019) mostram que estratégias de cobrança e avaliação de risco contribuem para maior liquidez operacional, sugerindo que boas práticas de gestão de crédito também mitigam o risco de liquidez no setor bancário.
Em resumo, os bancos, quando otimistas, aumentam os prazos e assumem mais riscos com os seus ativos, reduzindo a margem de segurança. Em cenários pessimistas, preferem a liquidez, reduzindo o prazo médio dos seus ativos e mantendo uma posição mais líquida por meio da manutenção de reservas excedentes ou da compra de ativos de alta liquidez (de Paula, 1998). Por fim, a literatura contemporânea demonstra que, além desse comportamento pró-cíclico, a interação entre instrumentos de financiamento, políticas públicas e a gestão prudencial de crédito e liquidez desempenha um papel decisivo na estabilidade do sistema financeiro.
Crise financeira do subprime e seu impacto no Brasil
A crise global impactou fortemente a economia brasileira, afetando o comércio exterior e os fluxos financeiros, incluindo as linhas de crédito. A desvalorização do real, a paralisação dos mercados internacionais e a busca por segurança por parte dos investidores estrangeiros levaram os bancos brasileiros a reduzir a concessão de crédito e a reter liquidez (Freitas, 2009). Conforme o Bank for International Settlements (BIS, 2009), a crise financeira pode ser dividida em 5 fases. A primeira, de julho de 2007 a março de 2008, foi conhecida como crise do subprime, afetando principalmente os EUA.
A segunda fase, de março a setembro de 2008, levou a crise a outros segmentos do mercado financeiro. A quebra do Lehman Brothers marcou a terceira fase, transformando a crise em uma crise mundial de confiança. A quarta fase, de outubro de 2008 a março de 2009, foi marcada pela estabilização dos mercados financeiros. No entanto, nessa fase, a crise tornou-se global. A quinta fase, de março a junho de 2009, mostrou os primeiros sinais de estabilização dos mercados financeiros globais (BIS, 2009).
Evidências de trabalhos recentes reforçam a gravidade da crise para o setor bancário internacional. Azmi Shabestari, Moffitt e Sarath (2020) mostram que os bancos norte-americanos falharam em divulgar tempestivamente os riscos do subprime em seus relatórios obrigatórios. Isso reduziu a capacidade de investidores e reguladores de agir preventivamente. Somente após 2008 aumentaram o número de fatores de risco relatados e o tom negativo das divulgações. Isso revelou que a maioria do setor bancário não antecipou a crise adequadamente.
Por outro lado, estudos comparativos de Erfani e Vasigh (2018) indicam que os bancos islâmicos apresentaram maior resiliência durante a crise, preservando eficiência e estabilidade. Já os bancos convencionais, fortemente alavancados e expostos à securitização de hipotecas subprime, sofreram perdas expressivas de rentabilidade e precisaram de resgates governamentais. O modelo de intermediação dos bancos islâmicos baseia-se em ativos e na partilha de riscos. Isso limitou sua participação nos mercados de derivativos, o que agravou a crise.
Tori, Caverzasi e Gallegati (2023) interpretam a crise como resultado de um processo de produção financeira. Bancos e instituições evoluíram de simples intermediários de crédito a produtores de ativos financeiros complexos, como ABS e CDOs. Esse movimento, associado ao endividamento crescente das famílias e à demanda global por ativos de alto rendimento, gerou uma rede de obrigações opaca e insustentável Isso culminou no colapso de liquidez de 2007-2008. Assim, a literatura evidencia que a crise do subprime resultou tanto da fragilidade estrutural do sistema financeiro internacional, caracterizada por alta alavancagem, inovação financeira desregulada e falhas de transparência. Além disso, ressalta-se a heterogeneidade das respostas institucionais, já que alguns segmentos —como os bancos islâmicos— resistiram melhor aos choques.
O efeito contágio da crise nas regiões emergentes ocorreu por meio de diversos canais de transmissão, decorrentes das múltiplas relações de interdependência entre as economias emergentes e desenvolvidas (CEPAL, 2008; Rosales, 2010). As instituições de menor porte foram as mais afetadas pela falta de liquidez, pois dependiam da captação de recursos no mercado interbancário e da cessão de crédito para dar continuidade às suas operações. A redução da liquidez e a escassez de funding no mercado interbancário resultaram em impactos significativos no mercado de crédito (Freitas, 2009).
De acordo com a figura 3, verifica-se que, no período de 2007 a 2009, houve uma forte queda na liquidez do sistema brasileiro, em grande parte, ocasionada pela crise do subprime. Outro ponto a se destacar é a substancial diferença na liquidez entre as instituições, em que as com controle público possuem um índice de liquidez consideravelmente mais elevado do que as de controle privado.

A crise financeira internacional teve maior impacto na liquidez do sistema financeiro brasileiro em 2008. No período seguinte, houve uma recuperação gradual. Especificamente, no segundo semestre de 2009, o sistema bancário brasileiro apresentou um volume expressivo de ativos líquidos de alta qualidade e teve baixa dependência de recursos externos, o que reduziu a vulnerabilidade do país aos riscos de liquidez (Relatório de Estabilidade Financeira do Banco Central). Ao mesmo tempo, a liquidez global diminuiu a partir do final de 2008, aumentando o custo de oportunidade do capital e levando a uma maior alocação de capital a certas modalidades de crédito (Yoshida et al., 2015).
Crise fiscal brasileira
Na visão de Cacciamali e Tatei (2016), os primeiros indícios de recessão econômica surgiram em 2014, e os impactos negativos sobre o mercado de trabalho se intensificaram no ano seguinte. A destruição líquida de empregos formais foi um aspecto particularmente prejudicial da recessão, como mostra na figura 4, que apresenta a taxa de desocupação durante a crise fiscal.
Além disso, a recessão causada pela crise fiscal resultou na maior e mais prolongada queda do PIB da história recente, bem como no aumento mais rápido do desemprego (Rossi & Mello, 2017).

A crise política nacional agravou a recessão, reduzindo a confiança das famílias e das empresas, o que afetou negativamente o consumo e o investimento (Cacciamali & Tatei, 2016). Vale observar que a política econômica foi limitada pelo ajuste macroeconômico e por choques na economia. Esses fatores aumentaram a incerteza e os prêmios de risco, o que dificultou a aprovação de medidas importantes (Pires, 2017). Nesse contexto, a tabela 2 apresenta os ciclos econômicos entre 2011 e 2017. Durante esse período, a recessão durou 11 trimestres. Houve uma expansão a partir de 2017, a mais longa desde 1980 (CODACE, 2017).
Procedimentos metodológicos
População, coleta de dados e período
A população analisada abrange todas as instituições financeiras reguladas classificadas como B1 pelo Banco Central do Brasil, incluindo bancos comerciais, bancos múltiplos com carteira comercial, caixas econômicas e conglomerados com pelo menos uma dessas instituições.
A escolha das instituições B1 justifica-se por seu papel de intermediárias financeiras clássicas. Elas captam e emprestam recursos entre os agentes econômicos. Conforme a teoria moderna da intermediação financeira, os bancos são essenciais porque criam liquidez e mitigam riscos (Berger & Bouwman, 2015). Dessa forma, as instituições mais expostas ao risco de liquidez precisam gerir ativamente seus ativos e passivos.
A análise foi baseada em dados trimestrais de janeiro de 2006 a dezembro de 2017, totalizando 48 trimestres, incluindo os trimestres identificados como de crise, bem como os trimestres anteriores e posteriores a esses eventos. Inicialmente, a população era composta por 103 instituições, reduzindo-se a 97 ao final do período de estudo. Foram selecionadas as instituições presentes ao longo de todo o período de análise, resultando em uma amostra de 71 bancos, o que garante a comparabilidade para avaliar o comportamento de cada entidade tanto em crises quanto em períodos estáveis.
Os dados foram coletados principalmente do Banco Central do Brasil, por meio de extração de dados secundários disponíveis no sítio web. Para informações patrimoniais, os balancetes trimestrais estão na seção “Balancetes e Balanços Patrimoniais”. Para informações de capital, como o patrimônio de referência nível I, foi utilizada a seção “IF.data - Dados Selecionados de Entidades Supervisionadas”, na qual foi selecionado o relatório de informações de capital, também de periodicidade trimestral.
A segunda fonte de dados identificou os períodos de crise. Os trimestres em crise durante a crise do subprime foram obtidos do relatório do BIS (2009), enquanto os trimestres em crise durante a crise fiscal brasileira foram identificados pelo Comitê de Datação de Ciclos Econômicos (CODACE) da Escola de Economia da Fundação Getúlio Vargas.
Modelo de regressão
O modelo adotado segue como base o trabalho seminal de Cornett et al. (2011), que estudaram como os bancos americanos geriram o risco de liquidez e a concessão de crédito no período de 2006 a 2009. O estudo posterior de Moreira e Queirós (2015) replicou o modelo em instituições portuguesas e espanholas entre 2004 e 2012.Em ambos os estudos, as evidências indicam que bancos que se basearam mais fortemente no depósito básico e no financiamento de capital próprio —fontes estáveis de financiamento— continuaram a emprestar em relação a outros bancos. Os bancos que possuíam mais ativos ilíquidos em seus balanços, em contraste, aumentaram a liquidez dos ativos e reduziram os empréstimos. O risco de liquidez extrapatrimonial se materializou no balanço patrimonial, restringindo a nova criação de crédito. Conclui-se que os esforços dos bancos para gerir a crise de liquidez resultaram em um declínio da oferta de crédito.
Conforme Moreira e Queirós (2015), espera-se que as instituições que possuam mais ativos ilíquidos durante os períodos de crise aumentem sua participação em ativos líquidos. Estas também tendem a restringir novos empréstimos e diminuir a criação de crédito. Espera-se ainda que os bancos com mais core deposits e capital durante os períodos de crise estejam dispostos a reduzir os seus buffers de liquidez, permitindo que continuem a emprestar durante a crise.
Visando buscar respostas aos questionamentos levantados, foram propostas três equações:
Regressão 1 (R1) - Testa como os bancos ajustam retenção de ativos líquidos.
∆ Ativos líquidos i,t / Ativos i,t-1 = β1 ativos ilíquidos i,t-1 / ativos i,t-1 + β2 core deposits i,t-1 / ativos i,t-1 + β3 capital i,t-1 / ativos (RWA) i,t-1 + β4 compromissos i,t-1 / (compromissos + ativos) i,t-1 + ɛi,t
Regressão 2 (R2) - Testa como o empréstimo bancário no balanço se ajusta.
∆ Empréstimos i,t / Ativos i,t-1 = γ1 ativos ilíquidos i,t-1 / ativos i,t-1 + γ2 core deposits i,t-1 / ativos i,t-1 + γ3 capital i,t-1 / ativos (RWA) i,t-1 + γ4 compromissos i,t-1 / (compromissos + ativos) i,t-1 + ɛi,t
Regressão 3 (R3) - Testa como a “originação” total do crédito se ajusta
∆ Crédito i,t / (Compromissos + Ativos) i,t-1 = λ1 ativos ilíquidos i,t-1 / ativos i,t-1 + λ 2 core deposits i,t-1 / ativos i,t-1 + λ3 capital i,t-1 / ativos (RWA) i,t-1 + λ4 compromissos i,t-1 / (compromissos + ativos) i,t-1 + ɛi,t
Para considerar os movimentos de itens fora do balanço para itens de balanço, foi elaborada a variável Crédito para regressão (R3): é a soma dos empréstimos no balanço, acrescida dos compromissos de empréstimo lançados fora do balanço patrimonial.
Os trabalhos predecessores de Cornett et al. (2011) e Moreira e Queirós (2015), bem como a revisão da literatura apresentada nas tabelas 3 e 4, proporcionam robustez na escolha das variáveis dependentes e independentes e na formulação das equações.




Diversos estudos empíricos (Mora, 2010; Cornett et al., 2011; Berger & Bouwman, 2015; Košak, Lončarski & Marinč, 2015; Moreira & Queirós, 2015) identificaram o porte da instituição como um fator relevante no comportamento da instituição durante períodos de crise. O tamanho afeta diretamente o comportamento das variáveis analisadas. Desta forma, os bancos serão classificados conforme a segmentação de porte proposta e utilizada pelo BCB. Essa segmentação serve para a aplicação proporcional da regulação prudencial.
Para fins desse estudo, a categoria S5 não será utilizada, uma vez que há instituições do tipo B1 nessa classificação. A partir dessa segmentação foram elaboradas três categorias que foram utilizadas na base:
a) Grande Porte = Segmento S1 e S2.
b) Pequeno porte = Segmento S3 e S4.
Cada uma das regressões propostas neste estudo será calculada separadamente para cada porte. Também serão avaliados períodos de crise e de não crise. O objetivo é proporcionar a comparação dos resultados obtidos por porte. Assim, será possível verificar se existem diferenças estruturais quanto à gestão de liquidez e concessão de crédito em períodos de crise, a depender do porte da instituição, no Brasil. Ainda será analisado se essas diferenças são similares às encontradas em outros estudos.
Também serão utilizadas duas variáveis dummies: um referente à crise e outra ao controle acionário, conforme mostra a tabela 5 abaixo. A variável binária tem como função indicar a presença ou ausência de determinada característica específica.

Teste de sinais
No modelo de teste, serão utilizadas as mesmas variáveis definidas anteriormente. Para a verificação, foi calculada a correlação entre as variáveis dependentes e as independentes, individualmente para cada instituição, separando os períodos de crise dos não de crise.
Inicialmente, foi elaborado um teste de frequência para avaliar o comportamento das variáveis explicativas em relação às variáveis dependentes. Para cada entidade, foi verificada a correlação entre as variáveis. Em caso de correlação positiva, ou seja, quando a variável explicativa apresenta correlação positiva (i.e., >0) com a variável dependente, foi marcada como “positiva”; em caso de correlação negativa (i.e., <0), como “negativa”.
Em seguida, foram contados os “positivos” e “negativos” e foi verificada a hipótese nula de igualdade de médias, ou seja, que o número de positivos e de negativos é igual. Se a hipótese nula for confirmada, a variável explicativa não estará correlacionada com a variável dependente e será marcada como “neutra”. Essa verificação demonstrará a correlação entre as variáveis; entretanto, se uma delas apresentar correlação positiva, negativa ou neutra em ambos os períodos de crise e de não crise, não será possível comparar se houve melhora ou piora entre esses períodos.
Para capturar esse efeito foi utilizado o teste de sinais, onde foi comparado o valor da medida em não crise com o valor da medida na crise do subprime e fiscal, feita no mesmo par de instituições, atribuindo o símbolo “+” (melhora) para todo par de observações em que a primeira medida for maior do que a segunda e “-” (piora) quando acontecer o contrário. Em seguida, serão contados os números de “+” e “-”.
Depois foram verificadas ao nível de significância de 5% as seguintes hipóteses:
H0 : Há indícios de que não existe diferença entre o resultado em não crise e o resultado em crise;
H1 : Há indícios de melhora (i.e., a correlação foi mais positiva);
H2 : Há indícios de piora (isto é, a correlação foi mais negativa).
Resultados e discussões
Estatísticas descritivas
A tabela 6 apresenta o corte realizado na amostra. Esse corte separou a amostra em 3 categorias: i) bancos privados de grande porte; ii) bancos privados de pequeno porte; e iii) bancos públicos.

O agrupamento por porte nos bancos públicos não foi realizado, pois resultaria em agrupamentos com poucas entidades, o que, por sua vez, prejudicaria os testes estatísticos. A tabela 7 apresenta três painéis, um para cada corte da amostra. Expõe as principais características das instituições; tais características constituem as variáveis explicativas utilizadas no estudo.

Os bancos privados são menos líquidos que os bancos públicos; a média (mediana) dos ativos ilíquidos é maior nos bancos privados de grande porte, 67,18% (70,12%), e nos privados de pequeno porte, 70,98% (76,20%), quando comparados aos bancos públicos, 60,97% e 63,40%, respectivamente.
Além da diferença na liquidez, outra distinção observada entre os bancos públicos e privados é a expressiva proporção de core deposits em relação aos ativos totais dos bancos públicos: 50,91% (53,19%), em comparação com os privados: os de grande porte, 23,36% (20,20%), e os de pequeno porte, 30,85% (30,04%). Já o nível de capital é mais elevado entre os bancos privados pequenos, 35,40% (19,34%), em comparação com os de grande porte, 17,85% (13,68%), e os públicos, 15,19% (14,22%).
No contexto da geração de crédito, observa-se um expressivo aumento nos bancos públicos durante a crise do subprime, especialmente em seu ápice, como mostra a figura 5. Esse comportamento pode ser atribuído à atuação contracíclica dos bancos estatais, como indica a literatura: enquanto a geração de crédito cai nos bancos privados de pequeno porte, os bancos públicos apresentam níveis elevados, superiores aos verificados em períodos de não crise.

Por outro lado, os bancos privados de grande porte também foram incentivados a ampliar seu crédito. Durante a crise do subprime, a atuação do BCB foi de estímulo ao financiamento, reduzindo os depósitos compulsórios e estimulando a compra de carteiras de crédito de bancos menores. Desta forma, sugere-se que a política expansionista de crédito permitiu a criação de crédito mesmo durante a crise. A figura 6 evidencia essas afirmações.

Entretanto, vale destacar que a abordagem contracíclica esperada para os bancos estatais não é adotada durante a crise fiscal. Durante a crise fiscal, a retração do crédito foi generalizada, tanto para bancos públicos quanto para privados.
Resultados dos testes
Devido à baixa quantidade de bancos presentes nas amostras de bancos privados de grande porte e de bancos públicos, os resultados obtidos no modelo de dados em painel para esse grupo não apresentaram significância estatística para a maioria das variáveis. Isso ficou evidente ao compararmos as crises separadamente. Desta forma, para a análise, foram utilizados os modelos de frequência e de teste de sinais. Especificamente para o modelo de dados em painel, os períodos de crise (Subprime e Fiscal) foram agrupados em um único agrupamento denominado “crise”.
Bancos privados
Foi verificado, por meio de correlação, como cada variável explicativa se relaciona com as variáveis dependentes em cada banco de dados. Posteriormente, foram realizados testes de frequência para identificar esses comportamentos. Três relações possíveis foram definidas: i) “positivo”, quando a variável explicativa influencia positivamente a variável dependente; ii) “negativo”, quando a relação é inversa à observada anteriormente; e iii) “neutro”, quando não há influência identificada.
Adicionalmente, foi verificado, comparativamente, se há alguma diferença nesse comportamento entre os períodos de crise e os de não crise. Uma variável pode apresentar o mesmo comportamento (isto é, correlacionar-se) independentemente do período. Desta forma, para complementar essa informação, utilizou-se o teste de sinais. Esse teste indicará se houve uma correlação mais positiva, mais negativa ou se não houve alteração. Essa comparação será feita entre um determinado período de crise (subprime e fiscal) e um período de não crise.
O símbolo “+” indica que a variável apresenta uma variação ainda mais positiva do que no período de não crise. O símbolo “-” indica que a correlação foi ainda mais negativa, enquanto “=” indica que não houve alteração. Ambos os testes foram realizados com nível de significância de 0,05.

É possível observar, na tabela 8, um padrão consistente nos períodos de crise. A relação entre os ativos ilíquidos e o total de ativos apresenta sinal oposto quando se observa a geração de ativos líquidos e a criação de crédito.

Assim, a tabela 9 apresenta as evidências dos testes de frequência e de correlação realizados. Esses resultados indicam que, durante os períodos de crise, uma maior exposição a ativos ilíquidos levou os bancos privados a acumular reservas em ativos líquidos. Em contrapartida, reduziram a originação de crédito. Esse padrão foi observado independentemente do porte das instituições. Em alguns casos, porém, os grandes bancos mostraram maior resiliência. Tais resultados são consistentes com a literatura que descreve o trade-off entre liquidez e crédito: em momentos de incerteza, os bancos preferem a segurança de manter reservas a ampliar sua carteira de empréstimos (Hillbrecht, 1999; Cornett et al., 2011; De Haan & van den End, 2013).
Evidências recentes reforçam esse mecanismo. Conforme o artigo de Bianchi e Bigio (2022), um modelo macroeconômico dinâmico demonstra que choques no mercado interbancário e quedas na demanda por crédito incentivam os bancos a acumular reservas em vez de expandir seus empréstimos. Isso ocorre mesmo diante das políticas de liquidez do banco central. Da mesma forma, Djebali e Zaghdoudi (2020) identificam que os efeitos do risco de liquidez e do risco de crédito sobre a estabilidade bancária não são lineares. Abaixo de certos limiares, podem ser neutros ou até positivos; acima deles, tornam-se prejudiciais, forçando os bancos a reforçar os buffers de liquidez e a contrair crédito.
Outro aspecto observado foi a ausência de impacto significativo dos core deposits sobre as variáveis dependentes nos bancos privados. Isso sugere que o nível de depósitos permaneceu estável mesmo em meio à crise. Essa estabilidade pode estar associada às medidas do regulador, como a criação do DPGE e a ampliação das garantias do FGC. Entretanto, estudos indicam que, apesar da estabilidade dos depósitos, os bancos privados não ampliaram o crédito. Isso ocorreu devido à preferência pela liquidez e à possibilidade de aplicação segura em títulos públicos (Freitas, 2009). Esse comportamento encontra paralelo em Milcheva, Falkenbach e Markmann (2019). Ao analisar a experiência europeia, esses autores apontam que nem todos os instrumentos de mercado serviram para recompor liquidez após a crise. Apenas os mortgage-backedsecurities (MBS) desempenharam esse papel de forma sistemática, enquanto covered bonds e senior unsecured bonds não substituíram a liquidez de curto prazo.
A relação positiva entre capital e originação de crédito, observada em parte dos resultados, também está alinhada à literatura. Cornett et al. (2011) e Košak et al. (2015) mostram que bancos mais bem capitalizados tendem a reduzir menos sua concessão de crédito durante crises, indicando que o capital de qualidade constitui uma vantagem competitiva. Essa constatação é reforçada por Saleh e Abu Afifa (2020). Na análise de bancos de mercado emergentes, verifica-se que o risco de liquidez, o risco de crédito e o capital impactam significativamente a rentabilidade, confirmando o papel do capital como amortecedor em momentos de estresse. Por fim, cabe destacar que, conforme a análise de Shabestari, Moffitt e Sarath (2019), muitos bancos não anteciparam, em seus relatórios obrigatórios, a gravidade dos riscos relacionados ao subprime. Isso aumentou a opacidade do sistema. Esse comportamento tardio na divulgação reduziu a capacidade de reação dos agentes econômicos. Também ajudou a explicar por que, no auge da crise, os bancos privados recorreram, sobretudo, à retenção de liquidez, em detrimento da expansão do crédito.
Bancos públicos
Como as características dos bancos públicos diferem das dos bancos privados, essa parte abordará, separadamente, o comportamento dos bancos públicos durante a crise.

Os testes de sinais e de frequência da tabela 10 não forneceram muitas respostas quanto ao comportamento dos bancos públicos durante os períodos de crise. Isso pode decorrer do pequeno número de entidades presentes nesta amostra.
Entretanto, podemos observar o efeito da iliquidez em ambas as crises. Assim como os bancos privados, os bancos públicos mais expostos ao risco de liquidez, representado pela variável ativos ilíquidos sobre o total de ativos, foram os que mais aumentaram suas reservas de ativos líquidos.

A análise de dados em painel apresentada na tabela 11 trouxe informações mais consistentes sobre o comportamento dos bancos públicos durante os períodos de crise. Nos bancos públicos, o comportamento observado foi distinto. As regressões de painel revelaram que os core deposits tiveram um efeito positivo e significativo sobre a concessão de crédito durante as crises, em contraste com os bancos privados.
Para Matey (2021), isso mostra que bases de depósitos mais sólidas atuam como amortecedores, aumentando a estabilidade e reduzindo a vulnerabilidade dos bancos em períodos de estresse. Isso indica que, além de usufruírem de depósitos mais estáveis, os bancos públicos utilizaram-nos como fonte de financiamento para expandir suas operações de crédito e, assim, atuaram de forma contracíclica. Esse comportamento está de acordo com Cornett et al. (2011) e Moreira e Queirós (2015), que apontam que instituições com maior participação de depósitos estáveis foram menos limitadas pela crise.
Essa atuação também reflete o papel dos bancos públicos como instrumentos de política econômica. Segundo Sant’Anna et al. (2009), no Brasil, a expansão das operações de crédito pelos bancos estatais ocorreu quando o crédito privado se contraiu. Dessa forma, os bancos estatais atuaram como mecanismo compensatório e sustentaram os canais de financiamento dos projetos de investimento. Para Matey (2021), o risco de liquidez e de crédito, quando mal administrados, fragiliza a estabilidade. No entanto, fontes estáveis de funding podem sustentar a capacidade de intermediação mesmo em ambientes adversos. Isso pode aumentar a lucratividade e a rentabilidade, quando administras de forma prudente (Sunaryo, 2022). Os resultados desta pesquisa confirmam essa função estabilizadora. Mostrar que bancos públicos não apenas mantiveram, mas também ampliaram a concessão de compromissos e de linhas de crédito em meio à crise.
Quanto ao capital, os bancos públicos mais bem capitalizados apresentaram maior capacidade de emprestar. Esse resultado é compatível com as evidências internacionais de que capital de qualidade funciona como amortecedor, permitindo manter a intermediação financeira em períodos de estresse (Cornett et al., 2011; Saleh & Abu Afifa, 2020). Também sustenta a lucratividade e reduz riscos sistêmicos (Matey, 2021; Sunaryo, 2022). Isso reforça que o capital adequado está positivamente associado à estabilidade bancária, em consonância com a ênfase de Basileia III em buffers de capital mais robustos.
O achado reforça a importância da regulação prudencial como suporte para que os bancos públicos exerçam o seu papel contracíclico. Assim, observa-se que, enquanto os bancos privados priorizaram a retenção de liquidez e a redução do crédito como forma de proteção contra o risco, os bancos públicos desempenharam um papel ativo na sustentação do crédito durante a crise. Estes foram alavancados pela estabilidade dos seus depósitos e pelo suporte de capital. Essa divergência de comportamento entre bancos privados e públicos evidencia como a estrutura institucional e o mandato das instituições condicionam suas respostas às crises financeiras. Confirma as análises de que a gestão do risco de liquidez é um fator determinante para as mudanças na oferta de crédito.
Conclusão
O estudo teve como objetivo analisar como os bancos brasileiros geriram os choques de liquidez durante os períodos de crise financeira entre 2006 e 2017 e como essa gestão impactou a concessão de crédito. A partir das análises realizadas, o objetivo foi alcançado, uma vez que os dados evidenciam comportamentos diferenciados entre bancos públicos e privados diante dos choques de liquidez e de sua repercussão na oferta de crédito, seguindo padrões semelhantes aos dos mercados norte-americanos (Cornett et al., 2011) e luso-espanhóis (Moreira e Queirós, 2015).
Os principais achados indicam que os bancos privados, especialmente os mais capitalizados, construíram reservas líquidas para compensar o risco crescente durante as crises, o que resultou na redução da concessão de crédito, corroborando estudos prévios (Cornett et al., 2011; De Haan & van den End, 2013; Bianchi & Bigio, 2022; Djebali & Zaghdoudi, 2020). Por outro lado, os bancos públicos atuaram de forma contracíclica, ampliando o crédito em momentos de retração dos bancos privados, apoiando compromissos e mecanismos regulatórios, como o DPGE e a redução do compulsório, ratificando seu papel como agentes estabilizadores (Sant’Anna et al., 2009; Matey, 2021; Sunaryo, 2022). Tal comportamento dos bancos públicos confirma a hipótese de que recorreram a políticas contracíclicas para manter o fluxo de crédito em momentos críticos.
No que tange às hipóteses testadas, os resultados indicam que a H. foi rejeitada para diversas variáveis. Isso evidencia diferenças significativas no comportamento das instituições financeiras. A hipótese H. foi confirmada, especialmente para os bancos privados, que reduziram a concessão de crédito e aumentaram os ativos líquidos. Enquanto a hipótese H. foi evidenciada no caso dos bancos públicos, que expandiram seu crédito e aproveitaram seu capital e depósitos estáveis para enfrentar os choques.
Entretanto, algumas limitações foram observadas, como a agregação dos períodos de crise, o que pode ocultar diferenças pontuais entre as crises do subprime e as do fiscal. Além disso, o estudo não realizou um recorte do porte nos bancos públicos devido ao número reduzido de instituições, o que poderia aprofundar a compreensão das dinâmicas internas desse grupo. Para estudos futuros, recomenda-se a análise individualizada dos diferentes tipos de crise para capturar possíveis ‘nuances’, bem como a inclusão de outros indicadores macroeconómicos e regulatórios que possam ter influenciado a gestão da liquidez e a concessão de crédito. Ademais, uma análise complementar sobre os efeitos de políticas públicas específicas durante esses períodos, como mecanismos de mitigação do risco.
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Notas
*
Artículo
de investigación.
Autor notes
a Autor de correspondencia. Correo electrónico: rodolfo.nunes@ufjf.br
Informação adicional
Cómo citar: Abarca
Constancio, D., Willrich Sales, G. A., Vieira Nunes,
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