Análise transversal da coinfecção tuberculose-HIV em municípios brasileiros*

Análisis transversal de la coinfección tuberculosis-VIH en municipios brasileños

Cross-Sectional Analysis of TB-HIV Coinfection in Brazilian Municipalities

Aguinaldo José de Araújo, Rosiane Davina da Silva, Lívia Menezes Borralho, Tânia Maria Ribeiro Monteiro de Figueiredo

Análise transversal da coinfecção tuberculose-HIV em municípios brasileiros*

Revista Gerencia y Políticas de Salud, vol. 21, 2022

Pontificia Universidad Javeriana

Aguinaldo José de Araújo a

niversidade Estadual da Paraíba Pública, Brasil


Rosiane Davina da Silva

Universidade Estadual da Paraíba Pública, Brasil


Lívia Menezes Borralho

Universidade Estadual da Paraíba Pública, Brasil


Tânia Maria Ribeiro Monteiro de Figueiredo

Universidade Estadual da Paraíba Pública, Brasil


Recepção: 26 Maio 2021

Aprovação: 10 Novembro 2021

Publicação: 30 Abril 2022

Resumo: A coinfecção tuberculose-HIV configura-se como um desafio para a saúde pública, principalmente nas regiões em desenvolvimento socioeconômico. O objetivo deste estudo é identificar aspectos sociais, de saúde-doença e de cuidado em saúde de pessoas acometidas com a coinfecção tuberculose-HIV que realizaram o tratamento da tuberculose. É um estudo transversal, realizado em dois municípios brasileiros de grande porte, localizados no estado da Paraíba. Teve como população todos os doentes coinfectados com tuberculose-HIV com diagnóstico e tratamento da tuberculose em 2016. Com amostra censitária, participaram 35 pessoas. Os dados foram de julho a outubro de 2017, a partir de entrevistas semiestruturadas, com questionário que contemplou variáveis sociais, de saúde-doença e de cuidado em saúde. A análise bivariada foi realizada através do SPSS v.13.0. Houve predominância do sexo masculino, da fase adulto-jovem, baixa escolaridade, com exposição à violência, do impedimento de realizar atividades ocupacionais após o adoecimento, diagnósticos tardios da tuberculose e realizados em hospitais públicos. Os casos novos, a forma pulmonar, cura da tuberculose e a falta de antituberculostáticos e antirretrovirais também foram evidenciados. A exposição à violência, o afastamento de atividades ocupacionais e a falta de medicamentos durante o tratamento foram achados inéditos e configuram-se como desafios que provavelmente desfavorecem a adesão terapêutica e dificultam o controle de ambos os agravos. Esses resultados revelam a necessidade de ações intersetoriais, com o objetivo de desenvolver ações estratégicas que contribuam para a redução das desigualdades sociais e, consequentemente, para o controle dos agravos.

Palavras-chave:tuberculose, coinfecção, HIV, saúde pública, diagnóstico, terapia combinada.

Resumen: La coinfección tuberculosis-VIH se configura como un reto para la salud pública, en especial en las regiones en desarrollo socioeconómico. El propósito del estudio es identificar aspectos sociales, de salud-enfermedad y de cuidado en salud de personas con la coinfección tuberculosis-VIH que realizaron el tratamiento de la tuberculosis. Es un estudio transversal, realizado en dos grandes municipios brasileños, ubicados en el estado de Paraíba. Tuvo como población todos los enfermos coinfectados con tuberculosis-VIH con diagnóstico y tratamiento de la tuberculosis en 2016. A partir de muestreo catastral, participaron 35 personas. Los datos fueron de julio a octubre de 2017, desde entrevistas semiestructuradas, con cuestionario que contempló variables sociales, de salud-enfermedad y cuidado en salud. El análisis bivariado se realizó por medio del SPSS v.13.0. Hubo predominancia del sexo masculino, en la fase joven-adulto, baja escolaridad, con exposición a la violencia, del impedimento de realizar actividades ocupacionales luego de enfermarse, diagnósticos tardíos de la tuberculosis y la falta de antituberculostáticos y antirretrovirales también se evidenciaron. La exposición a la violencia, el alejamiento de actividades ocupacionales y la falta de medicamentos durante el tratamiento fueron hallazgos inéditos y se configuraron como retos que probablemente desfavorecen la adherencia terapéutica y dificultan el control de ambos agravios. Estos resultados revelan la necesidad de acciones intersectoriales, con el propósito de desarrollar acciones estratégicas que aporten a la reducción de las desigualdades sociales y, en consecuencia, para el control de los agravios.

Palabras clave: tuberculosis, coinfección, VIH, salud pública, diagnóstico, terapia combinada.

Abstract: TB-HIV is a challenge for the public health system, especially in regions in socioeconomic development. The purpose of the study is to identify social, health-disease and health care aspects of people with TB-HIV coinfection who underwent tuberculosis treatment. It is a cross-sectional study carried out in two large Brazilian municipalities located, both, in the state of Paraíba. It had as a population all patients coinfected with TB-HIV with diagnosis and treatment of tuberculosis in 2016. From cadastral sampling, 35 people participated. The data were from July to October 2017, from semi-structured interviews, with a questionnaire that included social, health-disease and health care variables. The bivariate analysis was performed using SPSS v.13.0. There was a predominance of males in the young-adult phase, low schooling, with exposure to violence. It was also evidenced the impediment of carrying out occupational activities after becoming ill, late diagnoses of tuberculosis, lack of antituberculostatic and antiretroviral drugs. Exposure to violence, withdrawal from occupational activities and lack of medication during treatment were unpublished findings and were configured as challenges that probably discourage therapeutic adherence and make it difficult to control both ailments. These results reveal the need for intersectoral actions with the purpose of developing strategic actions that contribute to the reduction of social inequalities and, consequently, to the control of grievances.

Keywords: tuberculosis, coinfection, HIV, public health, diagnosis, combined therapy.

Introdução

Estima-se que um terço da população mundial está infectada pelo Mycobacterium tuberculosis, agente causador da tuberculose (TB), e que 1,1 milhão de pessoas que vivem vivendo com HIV/aids (PVHA) desenvolveram a coinfecção TB-HIV no mundo. A Organização Mundial de Saúde (OMS) considera o Brasil um país prioritário na área para a execução das ações da estratégia global para o enfrentamento da TB por permanecer no ranking dos 30 países que concentram alta carga de TB e casos de coinfecção TB-HIV. Em 2019, foram diagnosticados 8.070 casos de coinfecção TB-HIV no país, cerca de 10% do total de casos de TB notificados nesse mesmo ano (1).

O impacto negativo da associação entre a TB e o HIV representa um desafio para a saúde pública, mesmo com a execução de estratégias recomendas pela OMS (1), pois o diagnóstico da doença em PVHA costuma ser tardio, em decorrência de falhas de comunicação nos serviços de referência para o atendimento desses agravos. Outro fator que dificulta a redução de óbitos e da incidência de TB é o fato de que muitos sujeitos não se identificam em situação de risco para o desenvolvimento das doenças e negligenciam a prática do autocuidado (2).

Sabe-se que a TB é uma doença de determinação social e que ganhou magnitude após o advento da aids (3). Além disso, estudos revelam que determinantes sociais como a pobreza, a baixa escolaridade, a densidade demográfica elevada e a diversidade cultural são comuns entre essas doenças e reforçam a necessidade de articular os serviços de saúde com outras esferas da sociedade, a fim de torná-los eficientes para executar as ações de controle de ambos os agravos (2, 4).

Estudos apontam o fato de que a TB e o HIV exercem impactos negativos no desenvolvimento socioeconômico e revelam a necessidade da implementação de programas que permitam a redução das desigualdades sociais, com o objetivo de romper o ciclo que nutre a pobreza e a exclusão social, e, dessa forma, favorecer a redução dos indicadores epidemiológicos de ambos os agravos (2, 4-6).

Nesse sentido, considerando a magnitude do problema que a coinfecção TB-HIV representa no âmbito da saúde pública, principalmente nas regiões em desenvolvimento, o conhecimento dos diferentes aspectos relacionados à ocorrência desse fenômeno possibilita elaborar e aperfeiçoar as estratégias de controle dos agravos nas diferentes esferas do trabalho em saúde. Assim, o estudo teve como objetivo identificar aspectos sociais, de saúde-doença e de cuidado em saúde de pessoas acometidas pela coinfecção TB-HIV que realizaram o tratamento da TB.

Materiais e métodos

Estudo transversal descritivo, realizado em João Pessoa e Campina Grande, dois municípios de grande porte do estado da Paraíba, Região Nordeste do Brasil. João Pessoa é a capital do estado, possui área territorial de 211.475 km², população de 723.515 habitantes e índice de desenvolvimento humano (IDH) de 0,763 (7). Já Campina Grande é o segundo maior município paraibano em número de habitantes (385.213) e desenvolvimento econômico, com área territorial de 593.023 km² e IDH de 0,720 (7). Ambos concentram mais de 80% dos casos de coinfecção TB-HIV no estado.

A população do estudo constituiu-se de todos os casos de coinfecção TB-HIV (N=51), com diagnóstico da TB em 2016. Como critérios de inclusão, consideraram-se os indivíduos maiores de 18 anos, com capacidade de comunicação e compreensão preservadas e que tiveram o diagnóstico de TB notificado no Sistema de Informação de Agravos e Notificação (Sinan) em 2016; como critério de exclusão, os doentes que não residiam nos locais de estudo e os que estavam privados de liberdade e/ou institucionalizados. Os participantes do estudo foram identificados e localizados mediante acesso autorizado ao banco de dados do sistema de informação (Sinan).

Por tratar-se de um estudo com população reduzida, optou-se por trabalhar com amostra censitária, na qual todos os elementos da população que atenderam aos critérios de inclusão e exclusão foram elegíveis para a investigação. Desse modo, a amostra foi constituída de 35 participantes.

A coleta de dados foi realizada de julho a outubro de 2017, a partir de um instrumento semiestruturado, com questionamentos sobre características sociais, saúde-doença e cuidado em saúde. As respostas dos participantes foram consolidadas em planilha do software Microsoft Excel 2010, por meio da técnica da dupla digitação das informações coletadas para evitar possíveis erros de digitação. Em seguida, foram comparadas e corroboradas com as informações das notificações compulsórias do banco de dados do Sinan, nas seguintes variáveis: forma clínica da TB, tipo de entrada no sistema de informação e situação de encerramento da TB. A comparação entre as respostas dos participantes e os dados notificados no Sinan foi possível a partir do número do questionário, da data de nascimento do participante e do número da notificação.

As variáveis estudadas foram mensuradas nos níveis das escalas: nominal e ordinal (variáveis qualitativas) e intervalar ou da razão (variável quantitativa). Inicialmente, efetuou-se a codificação das variáveis pertinentes e procedeu-se à consistência dos dados. Na sequência, foram utilizadas técnicas da estatística inferencial bivariada, com uso do pacote estatístico SPSS-ver13.0, tendo sido aplicados os seguintes testes estatísticos, ao nível de 5% de significância: teste de associação de x2 e teste exato de Fisher, ambos determinam o cálculo exato da significância p-valor.

A realização do estudo ocorreu após a aprovação do projeto no Comitê de Ética em Pesquisas com seres humanos da Universidade Estadual da Paraíba, com o Certificado de Apresentação para Apreciação Ética 59349316.8.0000.5187 e seguiu todas as orientações inerentes ao protocolo de pesquisa contido na Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde.

Resultados

Entre os 35 participantes entrevistados, 65,7% residiam em João Pessoa e 34,3% em Campina Grande.

A tabela 1 apresenta a associação entre as características sociais dos entrevistados e a situação de encerramento do tratamento da TB da coinfecção TB-HIV. Nela, percebe-se que 71,4% dos entrevistados são do sexo masculino e que, destes, 72% alcançaram a cura da TB. Entretanto, observa-se também que 87,5% dos casos de abandono do tratamento estão relacionados a esse mesmo sexo.

Com relação à faixa etária, nota-se que 44,4% dos que curaram a TB tinham entre 44 e 56 anos, e que 62,5% dos abandonos foram realizados por quem estava entre 32 e 44 anos. Quanto à escolaridade, 42,3% dos que obtiveram cura tinham entre 4 e 7 anos de estudos, seguidos de 30,8% com 8 a 11 anos, totalizando 73,1%. Entretanto, observa-se que, quanto ao abandono, 57,1% tinham entre 4 e 7 anos de estudo.

Observa-se ainda na tabela 1 que, com relação à ocupação, tanto a cura (92,6%) quanto o abandono (87,5%) concentraram-se em pessoas que não exerceram nenhuma atividade ocupacional durante o tratamento da TB, assim como as pessoas que tinham casa própria, que foram as que apresentaram os maiores percentuais de cura (77,8%) e abandono (75%).

Quanto à exposição à violência, 61,5% dos participantes que curaram a TB consideravam-se expostos, assim como 44,4% dos que abandonaram o tratamento. Ressalta-se ainda que 20% dos que abandonaram relataram que habitavam em moradias com condições inadequadas.

Tabela 1.
Associação de características sociais com a situação de encerramento do tratamento da TB de coinfectados TB-HIV (amostra, n = 35)
Associação de características sociais com a situação de encerramento do tratamento da TB de coinfectados TB-HIV (amostra, n = 35)

(+) Teste de associação de qui-quadrado. Resultados significativo: (*) p-valor < 0,05.
(b) Teste exato de Fisher (freq. esperada < 5). Result. significativo: (*) p-valor < 0,05.


Fonte: Sinan e dados da pesquisa, 2017

Os aspectos de saúde-doença estão apresentados na tabela 2, a qual evidencia que 60% dos doentes conheciam a TB antes de desenvolvê-la, 82,4% do total válido afirmaram que a coinfecção TB-HIV impediu de continuar as atividades de trabalho e/ou estudos e que 40% afirmaram que só descobriram a infecção pelo HIV após o diagnóstico da TB.

Com relação ao tipo de entrada da TB, à forma clínica e à situação de encerramento do tratamento, houve predominância de casos novos (91,4%), TB pulmonar (71,4%) e cura (77,1%).

Tabela 2.
Aspectos de saúde-doença de pessoas acometidas pela coinfecção TB-HIV (Amostra, n = 35)
Aspectos de saúde-doença de pessoas acometidas pela coinfecção TB-HIV (Amostra, n = 35)

(+) Teste de associação de qui-quadrado. Resultados significativo: (*) p-valor < 0,05.
(b) Teste exato de Fisher (freq. esperada < 5). Result. significativo: (*) p-valor < 0,05.
N. R.: teste não realizado.


Fonte: Sinan e dados da pesquisa, 2017

Os aspectos do cuidado prestado aos doentes com a coinfecção TB-HIV pelos serviços de saúde estão detalhados na tabela 3. Observa-se que houve significância estatística no teste de x2 (p=0,006) com relação à unidade de saúde responsável pelo diagnóstico da TB, em que 71,4% dos diagnósticos foram realizados em hospitais públicos, sendo que no município de Campina Grande, a maioria dos diagnósticos (58,3%) foi realizada no Ambulatório de Referência em TB. Quanto ao tempo para receber o diagnóstico da TB, após os sinais e os sintomas da doença, 76,4% responderam que passaram de 15 a 45 dias para receberem o diagnóstico.

A falta de medicamentos antituberculose durante o tratamento foi informada por 8,8% dos entrevistados, ao passo que 45,7% afirmaram a falta de medicamentos anti-HIV durante o mesmo período. Todos os entrevistados declararam o uso de terapia antirretroviral.

Tabela 3.
Aspectos do cuidado prestado aos coinfectados TB-HIV em serviços de saúde (amostra, n = 35)
Aspectos do cuidado prestado aos coinfectados TB-HIV em serviços de saúde (amostra, n = 35)

(+) Teste de associação de qui-quadrado. Resultados significativo: (*) p-valor < 0,05.
(b) Teste exato de Fisher (freq. esperada < 5). Result. significativo: (*) p-valor < 0,05.
N. R.: teste não realizado.


Fonte: dados da pesquisa, 2017

Discussão

A coinfecção TB-HIV tem acometido principalmente pessoas do sexo masculino, na fase adulto-jovem e com baixa escolaridade nos municípios brasileiros analisados. O estudo mostra que, além de ter adoecido mais do que pessoas do sexo feminino, os indivíduos do sexo masculino foram os que mais abandonaram o tratamento da TB (tabela 1). Inseridos em um contexto socialmente determinado, esses sujeitos são geralmente menos cuidadosos com a saúde, ao incorporarem o imaginário sociocultural da virilidade e da responsabilidade de prover o rendimento familiar (8).

A força de trabalho dos indivíduos na fase adulto-jovem tem grande impacto na sociedade, visto que são considerados economicamente ativos e suprem tanto as necessidades individuais quanto as da dimensão coletiva, de modo a contribuir para o desenvolvimento socioeconômico. Entretanto, a maioria dos entrevistados afirmou que a coinfecção TB-HIV dificultou a execução das atividades ocupacionais, o que tende a causar vulnerabilidades com efeitos catastróficos que comprometem a renda familiar, geram desemprego e pobreza e podem desfavorecer o seguimento de tratamentos com maior periodicidade, como o da TB e do HIV/aids (9, 10).

Embora raros no Brasil, existem estudos internacionais que demonstram a associação entre a exposição à violência e as implicações na saúde (11, 12). Neste estudo, essa exposição foi reportada pela maioria dos doentes. Além disso, a maior parte das pessoas que abandonaram o tratamento da TB também se considerava exposta a esse fator. Em conjunto, esses achados permitem compreender que a exposição à violência é um fenômeno socioambiental, que, associado a outras conjunturas desfavoráveis, a exemplo de moradias em condições inadequadas, contribuem para a conformação de contextos que afetam a qualidade de vida da população e, consequentemente, nos cuidados à saúde (12).

Nos resultados deste estudo, a maioria dos entrevistados informou que conhecia a TB antes de adoecer e que recebeu o diagnóstico da TB com no mínimo 30 dias após o início dos sintomas. O Ministério da Saúde do Brasil propõe entre as estratégias para o diagnóstico precoce da TB em sintomáticos respiratórios de populações vulneráveis, a realização do teste rápido molecular para TB, do teste de sensibilidade e da cultura (1).

Ao evidenciar que o diagnóstico da TB foi realizado majoritariamente com pelo menos 30 dias após o início dos sintomas e considerar as recomendações do Ministério da Saúde (13) de investigar sintomas, a exemplo da tosse com duração de no mínimo 14 dias como um dos critérios para suspeita de TB ativa em PVHA e de pelo menos 21 dias na população geral, além de até 24 horas para a detecção do bacilo após a realização de exames laboratoriais, como o teste rápido molecular para TB e a baciloscopia, observa-se o retardo no diagnóstico da TB nessa população, ao considerar que 30 dias é um período longo de ausência de tratamento em pessoas bacilíferas.

O retardo no diagnóstico configura-se como um dos principais entraves para o controle da TB, uma vez que a ausência do tratamento gera consequências individuais e coletivas, como dificuldades durante o tratamento, prognósticos desfavoráveis, disseminação do bacilo no ar por mais tempo e, consequentemente, contaminação de outras pessoas, principalmente das PVHA, com comprometimento do estado imunológico (3, 14, 15).

Estudos apontam que o diagnóstico tardio da TB é multicausal (8, 14-16) ao considerar as dificuldades individuais/biológicas, como conseguir expelir a secreção necessária para realizar os exames laboratoriais; operacionais, ao envolver profissionais que não estão qualificados adequadamente e/ou condições de trabalhos desfavoráveis, assim como entraves no acesso aos serviços de saúde; e os desafios de magnitude socioeconômica, ao evidenciar que o desenvolvimento da doença concentra-se principalmente em grupos populacionais que encontram obstáculos para inserir-se na sociedade e de acessar bens que garantam o exercício da cidadania.

O estudo identificou pessoas que tinham conhecimento de que estavam infectadas pelo HIV e pessoas que só descobriram essa infecção após o diagnóstico da TB. Destas, a maioria desenvolveu a TB após descobrir que estava infectada pelo HIV. Entretanto, nenhuma realizou o tratamento da infecção latente por TB.

A não realização do tratamento da infecção latente por TB pode estar associada a fatores individuais, como grau de escolaridade, a aids, o uso de drogas (17); do trabalho em saúde, como o acolhimento e o vínculo com a unidade de acompanhamento, e sociais, como moradias insalubres e pobreza (18). A detecção e o tratamento da infecção latente por TB, especialmente em grupos populacionais com maior probabilidade de desenvolver a forma ativa, funcionam como potencializadores estratégicos para o controle da transmissão (19, 20), uma vez que a condição de latência do bacilo torna o sujeito um reservatório deste, desempenhando uma importante função na manutenção da cadeia de transmissão da TB (21).

É importante destacar que o Ministério da Saúde preconiza que o acompanhamento clínico das PVHA deve ser realizado através do Serviço de Assistência Especializada, o qual é capacitado para rastrear a infecção latente por TB e a TB ativa nessa população (1, 13). No entanto, não foi mencionado por nenhum dos entrevistados como serviço de saúde para o recebimento do diagnóstico, o que possivelmente pode ter contribuído no retardo do diagnóstico da TB nesse grupo.

A maior parte dos diagnósticos da TB foi recebida em hospitais públicos. Esse fenômeno chama a atenção, ao considerar o retardo no diagnóstico e que a busca pela resolução de problemas com a saúde em unidades hospitalares pode ser reflexo da baixa adesão das equipes de saúde dos serviços especializados em investigar a infecção latente por TB entre PVHA (14, 22).

A predominância de casos novos, da forma pulmonar e cura da TB, todas evidenciadas neste estudo, corrobora com outras pesquisas realizadas no Brasil e no mundo (5, 14, 23, 24), e reforça a importância de aperfeiçoar as estratégias de controle do agravo, uma vez que a forma pulmonar é a principal responsável pela transmissão e pelo aumento da incidência da TB. Além disso, é importante considerar que, apesar de a cura predominar em relação aos desfechos desfavoráveis do tratamento, a TB configura-se como principal causa de morte entre as PVHA, as quais também são as que mais abandonam o tratamento, quando comparadas à população geral e a outros grupos vulneráveis (25). A falta de medicamentos durante as terapêuticas foi evidenciada neste estudo. Embora não tenham sido encontrados achados semelhantes na literatura, que enfatizassem as consequências que a interrupção da distribuição desses medicamentos acarreta, acredita-se que este é um fator vulnerável que pode favorecer à não adesão e colocar em risco a credibilidade do sistema, uma vez que são drogas disponibilizadas exclusivamente pela rede de saúde pública brasileira e que, mediante estratégias de gerência e logística dos insumos, o acesso aos medicamentos necessários deve ser garantido, para que os doentes possam dar continuidade aos tratamentos.

Ressalta-se que todos os participantes fizeram uso da terapia antirretroviral durante o tratamento da TB. Estudos revelam que o uso regular da terapia antirretroviral pode prevenir tanto a coinfecção TB-HIV quanto desfechos desfavoráveis como a multidrogarresistência e óbitos (26). No entanto, o uso isolado da terapia não garante a efetiva prevenção da coinfecção e/ou a cura da TB. É preciso enfatizar a importância do cuidado integral prestado pelos profissionais de saúde, de modo a compreender o contexto social que esses indivíduos estão inseridos e quais as necessidades que precisam ser atendidas, com a finalidade de reduzir as vulnerabilidades, assim como favorecer a continuidade e o desfecho favorável do tratamento da TB (27).

O fato de a maioria dos resultados apresentados ter sido obtida a partir do conhecimento dos entrevistados, embora algumas variáveis utilizadas no instrumento de coleta de dados tenham sido comparadas e corroboradas com os dados do sistema de informação, é importante considerar que isso pode ser considerado uma limitação do estudo, na medida em que grande parte das respostas obtidas remete à memória e pode expressar uma realidade pouco lembrada.

Conclusão

O estudo identificou percepções e características individuais, sociais, de saúde-doença e de cuidados em saúde de pessoas que desenvolveram a coinfecção TB-HIV e realizaram o tratamento em municípios de grande porte da região Nordeste do Brasil. Houve achados semelhantes com outras pesquisas realizadas anteriormente em diversas regiões do país e do mundo, que evidenciam realidades da predominância da TB no sexo masculino, fase adulto-jovem, baixa escolaridade, diagnóstico tardio, casos novos, forma pulmonar e cura, bem como resultados inéditos que evidenciaram a exposição à violência, o afastamento de atividades ocupacionais e a falta de medicamentos durante o tratamento, o que se configura como desafios que certamente podem contribuir para a não adesão.

Espera-se que esses resultados contribuam para a execução das estratégias de controle da TB nas populações vulneráveis, principalmente nas PVHA, assim como no aperfeiçoamento dos serviços especializados e intersetoriais, de modo a reconhecer o contexto socioeconômico em que essa população está inserida. Além disso, espera-se fortalecer as políticas de melhorias de qualidade de vida da população e as ações de rastreamento, diagnóstico precoce e efetividade no tratamento da TB.

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Anexos

Instrumento de coleta de dados
ANEXO 1
Instrumento de coleta de dados


Questionário para ser aplicado junto ao indivíduo com coinfecção TB-HIV
ANEXO 2
Questionário para ser aplicado junto ao indivíduo com coinfecção TB-HIV


Notas

* Artigo de pesquisa.

Autor notes

a Autor de correspondência. Correio eletrônico: aguinaldo.araujo@ufrn.br

Informação adicional

Como citar este artigo:: De Araújo AJ, Da Silva RD, Menezes Borralho L, Ribeiro Monteiro de Figueiredo TM. Análise transversal da coinfecção tuberculose-HIV em municípios brasileiros. Rev Gerenc Polit Salud. 2022; 21. https://doi.org/10.11144/Javeriana.rgps21.atct

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