Autor de correspondência. Correo electrónico: helenamazzo@gmail.com
Os autores declaram não ter conflito de interesses.
O puerpério, também denominado pós-parto, é uma fase vivenciada pela mulher, que tem início após o parto e duração média de seis semanas [
Esse período é marcado por mudanças que requerem ajustamento e adaptação de natureza biológica, psicológica e social. De maneira mais ampla, o pós-parto envolve risco mediato e imediato com probabilidade de danos à saúde materna. A esse respeito, dados do Ministério da Saúde apontam que no Brasil em 2010 foram investigados 74% do total de óbitos maternos e, desses, 56% ocorreram no pós-parto [
Durante o puerpério a mulher pode apresentar necessidades humanas afetadas, como déficit de conhecimento quanto à amamentação, sobrecarga diária de afazeres domésticos, sofrimento mental, depressões e psicoses puerperais. Soma-se ainda, falta de apoio de familiares nos cuidados com o recém-nascido, sobretudo à noite, o que a mantém em vigilância constante favorecendo estado de estresse, fadiga, cefaleia e privação de sono [
O pós-parto torna-se complexo por envolver entrelaçamento de aspectos biológicos, psicológicos comportamentais, relacionais, socioculturais, econômicos e de gênero. Nesse período se exacerbam demandas da maternidade, resultando em importantes mudanças no estilo de vida da mulher que perpassam o relacionamento afetivo e sexual [
Esse entendimento leva a considerar o puerpério como uma fase que vela a possibilidade de agravos à saúde da população feminina, sobretudo as de baixa renda. Tal realidade requer empenho, do governo, de profissionais da saúde e da rede social da puérpera na perspectiva de mantê-la em estado de equilíbrio.
Diante das peculiaridades da mulher neste período, o Ministério da Saúde (MS), por meio da Rede Cegonha, instituiu a Primeira Semana de Saúde Integral (PSSI). Conforme este órgão, a atenção à puérpera envolve uma visita domiciliar entre o sétimo e décimo dia após o parto, como também a realização de uma consulta puerperal no 42º dia [
No âmbito destes cuidados, cabe aos profissionais de saúde escutar a puérpera, a fim de identificar suas principais queixas, dúvidas, medos e possibilitar um atendimento integral, avaliando seu estado físico, social e emocional. Nessa fase podem ocorrer complicações, que uma vez não identificadas nem tomadas as devidas providências tendem a resultar em morbidade e mortalidade materna por causas evitáveis [
A maternidade não é apenas um evento biológico e reprodutivo, mas um fenômeno emocional e social. Assim sendo, na vivência desse período a mulher depara-se com aspectos que contrariam seu bem-estar na condição de puérpera. Mediante as peculiaridades que envolvem a assistência puerperal, o estudo objetivou identificar percepções de puérperas sobre seu período pós-parto.
Trata-se de um estudo exploratório-descritivo com abordagem qualitativa, desenvolvido na zona rural do município de Macaíba, Rio Grande do Norte, Brasil. Foram entrevistadas 10 mulheres cadastradas no Programa Saúde da Família, adstritas na Unidade de Saúde da Família de Lagoa dos Cavalos na localidade acima citada. A seleção das participantes obedeceu aos seguintes critérios de inclusão: ter idade igual ou acima de 18 anos, ser adstrita na área de abrangência das equipes que compõem a Estratégia Saúde da Família do município em estudo; estar inscrita no SISPRENATAL; apresentar disponibilidade para a entrevista, não queixar-se de dor ou desconforto, demonstrar compreensão sobre o questionamento e estar no máximo com 60 dias pós-parto. Excluiu-se do estudo as mulheres que por ocasião da visita para coleta de dados não se encontravam no domicílio. A determinação do número de entrevistadas atendeu aos princípios da saturação dos dados. Isto ocorre quando os depoimentos não trazem nenhuma nova informação [
Antecedeu a coleta de dados, a autorização da Secretaria Municipal de Saúde onde a investigação foi desenvolvida, aprovação do Comitê de Ética da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, com Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) 05215912.0.0000.5537 e parecer 217.836, em 13 de março de 2013.
Também se considerou a aquiescência da puérpera mediante a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e autorização para gravação de voz. Ressalta-se que para garantir o anonimato das entrevistadas, cada participante foi referenciada com a letra P, seguida de um número por ordem de entrevista.
A obtenção dos dados ocorreu no período de janeiro a março de 2014, por meio de entrevista semiestruturada. Para isso, elaborou-se um roteiro contendo questões sociodemográficas e a seguinte questão norteadora: A senhora poderia falar para mim como é a vivência de uma mulher no período pós-parto? Esta fase ocorreu nas residências das puérperas adstritas na Unidade de Saúde de Lagoa dos Cavalos, após agendamento prévio por meio do Agente de Saúde. Salienta-se não ter havido recusas e que as entrevistas tiveram em média duração de 40 minutos. Utilizou-se na coleta de dados o gravador de voz mediante autorização formal da entrevistada, a fim de apreender as falas com o máximo de fidedignidade.
As informações oriundas das entrevistas foram organizadas e analisadas conforme os preceitos de análise de conteúdo, segundo Bardin [
A categoria central, intitulada
Esta subcategoria foi composta pelas unidades de registro que guardavam em si a semântica de mitos e tabus inerentes ao puerpério. Dentre estes destacam-se os hábitos alimentares e o esforço físico:
[...]
não sei o que devo e que não devo fazer. Coisas como essa eu não tenho noção [...],
o que eu devo comer, o que eu devo fazer. (P1)
[...]
aqui (casa da puérpera) vive fazendo churrasco, é churrasco de porco, churrasco
de um monte de coisas. Eu nunca posso comer. Por que não pode? (P9)
Observa-se que apesar da fala da Puérpera [
O puerpério é um período no qual os cuidados prestados à puérpera, bem como seu autocuidado são permeados por mitos, tabus, crenças e práticas passadas de geração em geração pelo senso comum. Na literatura antropológica, o tabu refere-se a indivíduos, coisas ou palavras, cuja qualidade é objeto de temor ou suscetíveis à proibição seja qual for a circunstância. Os mitos, por sua vez, fazem parte de interpretações sociais [
Na fase puerperal é comum as mulheres reconhecerem não só alguns alimentos, mas também certas atividades como fatores intervenientes à sua completa recuperação. Por tratar-se de concepções sociais, os mitos e tabus são apreendidos de forma a tornar-se realidade em situações diversas. “[...] eu faço tudo normal. Todo mundo fica dizendo que eu quebrei o resguardo. [...]” (P5).
A fala dessa entrevistada retrata a preocupação de pessoas de seu ciclo social quanto à sua saúde. Pois, “ resguardo” significa a fase puerperal, e “quebrar o resguardo” é prenuncio de complicações puerperais. Esse entendimento, presente em algumas culturas justifica os cuidados direcionados à puérpera, a fim de mantê-la em um estado de saúde satisfatório, ou seja, um “resguardo normal”.
As mulheres buscam nos familiares recursos para o cuidado, sejam eles culturais, econômicos ou psicológicos. Muitas vezes, esses recursos são contrários aos oferecidos pelos profissionais de saúde, visto não levarem em consideração o contexto familiar e a vivência da puérpera [
A ação do cônjuge, embora revelasse a finalidade de resolver uma situação, poderia ter maiores repercussões, pois não se encontra relação de sua atitude terapêutica com o conhecimento científico. Entretanto, o fato de acreditarem que o “chá de chave” cura sintomas próprios de um estado patológico — “resguardo quebrado” — pode operar no emocional e aumentar a crença de cura.
Mediante essa realidade, se faz necessário atentar para os cuidados puerperais e também a possibilidade de agravamento do estado de saúde da puérpera por não buscar ajuda profissional. Visto isso, chama-se atenção para a importância das orientações no puerpério extensivas aos familiares desde o pré-natal. No contexto das informações transmitidas deve-se abordar os cuidados com o recém-nascido, o autocuidado, os desafios a serem superados na relação com os familiares e sua rede de apoio. Além disso, as restrições de atividades diárias, alimentação, como também esclarecimentos acerca dos mitos e tabus, presentes no âmbito familiar das puérperas, devem ser igualmente enfatizados no puerpério.
Relativos aos cuidados puerperais, vale salientar que na PSSI é preconizada a realização de uma visita domiciliar, na qual a puérpera é vista em seu ambiente familiar e social. Nesta ocasião, por meio de uma assistência integral e de qualidade, é possível corrigir lacunas que têm como base o senso comum relativo ao puerpério. Tais lacunas, muitas vezes, se concentram na educação para a saúde. As mulheres seguem recomendações de pessoas de seu convívio social que mesmo não havendo comprovação, culturalmente são consideradas eficazes.
O fato dos mitos e tabus serem respeitados e seguidos, além de colocar a mulher em estado de vulnerabilidade podem contribuir para agravamento de desconfortos próprios da fase puerperal. Mediante a essa realidade, se ressalva a necessidade do acompanhamento da mulher durante todo o puerpério. Entretanto, no domicílio e nas unidades de saúde, ela se depara com uma atenção mínima dos profissionais que ali atuam. Nesse sentido, destacar-se o papel do enfermeiro junto à puérpera e a família, sobretudo quando outras pessoas tendem a influencia o autocuidado e o cuidado ao recém-nascido.
A presente subcategoria contempla aspectos que dizem respeito aos desconfortos da mulher no puerpério, manifestados como medo, instabilidade emocional, dificuldade no cuidado com a criança e no aleitamento materno, além de fadiga, sono e abstinência sexual.
No pós-parto, o organismo da mulher passa por mudanças acarretando transformações que podem dificultar o seu bem-estar. Isto se deve a uma série de modificações desencadeadas pela gravidez e o nascimento da criança. Nesse período, ela precisa adaptar-se a esse novo estado, a fim de exercer os cuidados com ela e com o recém-nascido [
Não
dei banho ainda não porque ele é molinho aí tenho medo, mas quando ficar mais durinho
eu começo a dar banho. Eu tenho medo de machucar o umbiguinho dele. (P6)
Fiquei
com medo de cuidar do umbigo dele, foi minha maior dificuldade, ai chamei minha
irmã para cuidar. (P3)
A dependência da criança pela mãe se faz presente desde o momento de sua concepção, porém a maior solicitação ocorre durante o pós-parto, quando suas necessidades se tornam maiores e exige atenção especial. Assim sendo, a mulher precisa ser avaliada quanto à sua adaptação ao recém-nascido, e ao seu cotidiano [
Durante o puerpério é comum a mãe apresentar insegurança quanto aos cuidados com a criança, principalmente relacionados à higiene. Entretanto, não só a mãe, mas também o pai, como rede de apoio, apresenta necessidades tidas como únicas ao ser humano no âmbito da reprodução, que perpassam a gravidez, o parto e o pós-parto.
Nesses cenários, chama-se atenção para a responsabilidade do enfermeiro, no sentido de transmitir orientações, com vistas ao atendimento da necessidade de aprendizagem expressa pelas entrevistadas sobre os cuidados com o recém-nascido. As dúvidas presentes no cotidiano das puerperas vão além das concernentes ao neonato, pois cuidados relativos a ela e ao genitor da criança também fazem parte do contexto puerperal No pós-parto é comum as mulheres sentirem-se emocionalmente vulneráveis frente à insegurança, ansiedade e dúvidas que envolvem aspectos diversos. Dentre esses destacam-se o cuidado ao recém-nascido, o autocuidado, bem como os reajustes familiares por ocasião das demandas de maternidade [
Convém ressaltar que anseios e dúvidas também fazem parte do dia a dia do pai e companheiro. Dessa forma, na perspectiva dos cuidados puerperais a importância do homem como partícipe desse processo deve ser considerada pelos profissionais de saúde. Todavia, buscar a participação masculina nesse contexto não é tarefa fácil. Na maioria das vezes, por ocasião da visita domiciliar, ele não é encontrado no domicílio em virtude dessa ação ser realizada no horário do seu trabalho. Fato que constitui empecilho para receber orientação e, assim pode compartilhar com a mulher cada momento do puerpério
Dentre as dificuldades vivenciadas as puérperas investigadas expressaram dificuldade com relação ao aleitamento materno:
Acho
que tem alguma coisa errada porque a minha filha só quer ficar no peito 24h, assim
não dá [...] Sinto dificuldade em amamentar e a menina não tem hora para dormi nem
mamar. (P10)
Foi
difícil de amamentar no hospital porque saia pouco colostro, aí ela começava a chorar
de madrugada, eu não sabia o que fazer. Então uma enfermeira dizia que era cólica,
a outra dizia que estava com fome, que era choro normal. (P9)
Essas falas levam a considerar a desinformação materna quanto à amamentação, posto que, no início, a criança não tem definido seus horários de alimentação. Isto aponta para a carência de informações sobre as particularidades do puerpério e do aleitamento materno. As puérperas também enfatizaram a falta de orientação por parte dos profissionais de enfermagem durante sua estadia na maternidade.
As orientações referentes e à amamentação constitui uma das principais ações dos profissionais de saúde desde o pré-natal e continuar no puerpério com o objetivo de fornecer apoio à díade mãe e filho, bem como a família. Neste sentido, ressalta a escuta qualificada, pertinentes ao aleitamento materno, como também de assuntos distintos que se fizerem presentes nessa fase [
A única coisa que não gosto é porque ele acorda muito, acho que é cólica. (P2)
A gente quando não tem filho acorda na hora que quer, dorme do jeito que quer e depois que tem filho não, aí tem os horários de acordar, aí tem mais dificuldade né? (P6)
Só
de madrugada que dá um sono, mas ai eu vou e acordo, fico dando de mamar o tempo
todo, parece que tem um horariozinho para ela se acordar, já decorei os horários
dela. (P9)
Essas falas demonstram a interferência das demandas do recém-nascido em relação ao estabelecimento de um horário para dormir, sobretudo durante à noite. Em decorrência disto, ocorre mudança em seu hábito de vida e forma de se perceber como mulher e mãe. Sobre esse assunto, pesquisa que buscou compreender a vivência de mulheres no pós-parto domiciliar revelou desvalorização do ser mulher e do autocuidado em função da prioridade de atenção ao cuidado do recém-nascido [
Por outro lado, sabe-se que a privação do sono e repouso apresenta-se como fator favorável a alterações emocionais como foi expressado na fala seguinte: “Fico estressada quando o menino quer ficar acordado e eu com sono” (P11).
O fato dessa puérpera afirmar a presença de estresse vela a possibilidade de vivenciar problemas diversos durante o puerpério. As particularidades da mulher na fase puerperal envolvem aspectos inerentes ao neonato, a ela e relacionamento familiar.
Dentre os fatores estressores da puérpera, encontram-se o sono interrompido, a fadiga e o cansaço. Tais queixas são comumente proclamadas pelas mulheres ao se adaptarem às novas exigências da maternidade. Estas necessidades tendem a acarretar acúmulo de tarefas e desenvolver na puérpera transtornos de ordem emocional [
O fato da entrevistada não poder ter relações sexuais com o marido, levou-a a vivenciar o puerpério como algo ruim para eles. Isto decorre de fatores físicos e fisiológicos. Fisiologicamente, no puerpério há diminuição do desejo, da frequência e duração do ato sexual, além de dispareunia em consequência às modificações na lubrificação vaginal. Soma-se também as mudanças decorrentes da amamentação e dos cuidados com a criança. Visto isso, torna-se difícil a puérpera conciliar ao mesmo tempo, o papel de mãe e esposa no mesmo corpo [
Geralmente a mulher sente-se cansada, com exaustão física e privação de sono. Assim, sendo ocorre uma redução de tempo para sua privacidade, acarretando na diminuição da intimidade do casal e interesse sexual [
Portanto, os desconfortos vivenciados pela mulher no puerpério, anuncia a necessidade de uma atenção integrada na qual profissionais e familiares exerçam funções em pró de um pós-parto harmonioso e sem complicações.
Os resultados obtidos neste estudo revelaram elementos apontados como desfavoráveis ao bem-estar das puérperas entrevistadas. Crenças, mitos e tabus relacionados a hábitos alimentares e atividades domésticas permearam o pós-parto dessas mulheres. Além disso, as restrições e mudanças ocorridas na vida pessoal, conjugal e social as tornaram vulneráveis à vivencia de sentimentos adversos ao deleite no puerpério. Somam-se a esses, os cuidados com o recém-nascido, a privação do sono, do repouso e a inabilidade para a amamentação.
De modo geral, a miscelânea de sentimentos e desconfortos inerentes ao puerpério, concorrem para sobrecarga emocional da mulher, que na ausência de apoio pode transformar esse momento em experiência não prazerosa, e predispô-la a agravos à sua saúde. Assim, o suporte profissional à puérpera e sua rede de apoio iniciado na maternidade, deve continuar em seu domicílio por ocasião da alta hospitalar. Acredita-se que a constatação de episódios decorrentes do puerpério constitui subsídios para o planejamento de ações de Enfermagem à puérpera na Estratégia Saúde da Família.
Nenhum.
Artigo de pesquisa.