Capacitação do Cuidador Informal: estudo das dificuldades e das variáveis preditivas*

Informal Caregiver Training: A Study of Difficulties and Predictor Variables

Capacitación del Cuidador Informal: estudio de las dificultades y las variables predictivas

Francisco Almeida, Rosa Martins, Carina Martins

Capacitação do Cuidador Informal: estudo das dificuldades e das variáveis preditivas*

Investigación en Enfermería: Imagen y Desarrollo, vol. 24, 2022

Pontificia Universidad Javeriana

Francisco Almeida a

Unidade De Cuidados Continuados Acredita, Portugal


Rosa Martins

Instituto Politécnico de Viseu, Portugal


Carina Martins

Centro Hospitalar Tondela-Viseu, Portugal


Recepção: 25 Janeiro 2021

Aprovação: 01 Julho 2021

Publicação: 30 Junho 2022

Resumo: Introdução: Cuidador Informal (CI) enfrenta múltiplas dificuldades no cuidado da pessoa dependente. Objetivos: avaliar as dificuldades sentidas pelos cuidadores informais no cuidado à pessoa dependente e identificar variáveis preditivas dessas dificuldades. Materiais e Métodos: estudo observacional, transversal, descritivo-correlacional e de cariz quantitativo que utilizou uma amostra do tipo não probabilístico por conveniência, constituída por 119 CI, da Região Centro de Portugal. O instrumento de medida utilizado integrou uma ficha de dados sociodemográficos e uma Escala de Avaliação das Dificuldades do Cuidador Informal (EADCI). Resultados: foram observadas maioritariamente dificuldades moderadas, sendo estas mais elevadas ao nível das dimensões cuidar de mim e das atividades de vida diária. Constituíram-se variáveis preditivas o grau de dependência funcional da pessoa dependente a idade do CI e a existência de barreiras arquitetónicas. Conclusão: estes resultados indicam que os CI apresentam dificuldades a vários níveis do cuidar da pessoa dependente, fortalecendo a necessidade de implementar novas estratégias capazes de responder a estes desafios.

Palavras-chave:cuidador, deficiências da aprendizagem, pacientes domiciliares, enfermagem em reabilitação.

Abstract: Introduction: the Informal Caregiver (IC) faces multiple difficulties in the care of the dependent person. Objectives: to assess the difficulties felt by informal caregivers in the care of the dependent person and to identify the predictive variables of these difficulties. Materials and Methods: observational, cross-sectional, descriptive-correlational study with a quantitative approach that used a non-probabilistic convenience sample of 119 IC from the Central Region of Portugal. The measurement instrument used included a sociodemographic data sheet and an Informal Caregiver Difficulties Assessment Scale (EADCI). Results: moderate difficulties were mostly observed, being higher in the dimensions of self-care and activities of daily living. The degree of functional dependence of the dependent person, the age of the IC and the existence of architectural barriers were found as predictive variables. Conclusions: the results indicate that ICs present difficulties at different levels of dependent person care, strengthening the need to implement new possible strategies to respond to these challenges.

Keywords: caregiver, learning disabilities, home patients, rehabilitation nursing.

Resumen: Introducción: el Cuidador Informal (CI) enfrenta múltiples dificultades en el cuidado de la persona dependiente. Objetivos: evaluar las dificultades sentidas por los cuidadores informales en el cuidado de la persona dependiente e identificar las variables predictivas de esas dificultades. Materiales y Métodos: estudio observacional, transversal, descriptivo-correlacional y con enfoque cuantitativo que utilizó una muestra de tipo no probabilístico por conveniencia, constituida por 119 CI, de la Región Centro de Portugal. El instrumento de medición utilizado integró una ficha de datos sociodemográficos y una Escala de Evaluación de las Dificultades del Cuidador Informal (EADCI). Resultados: se observaron mayoritariamente dificultades moderadas, siendo estas más altas en cuanto a las dimensiones del autocuidado y de las actividades de la vida diaria. Como variables predictivas se encontraron el grado de dependencia funcional de la persona dependiente, la edad del CI y la existencia de barreras arquitectónicas. Conclusiones: Los resultados indican que los CI presentan dificultades en diferentes niveles del cuidado de la persona dependiente, fortaleciendo la necesidad de implementar nuevas estrategias posibles para responder a estos retos.

Palabras clave: cuidador, deficiencias en el aprendizaje, pacientes domiciliarios, enfermería de rehabilitación.

Introdução

Portugal tem assistido nas últimas décadas a alterações bastante significativas na sua estrutura populacional, sendo estas caracterizadas por um aumento da esperança média de vida, aumento acentuado da população idosa e redução da taxa de natalidade. Dados do Instituto Nacional de Estatística (1) mostram, que em 1950 as pessoas com 65 e mais anos representavam 7 % da população total, em contraste com os 22,8 % da atualidade. Dentro da União Europeia (UE), Portugal ocupa o 4º lugar no ranking dos países mais envelhecidos, apenas ultrapassado pela Alemanha, Grécia e Itália (1). Paralelamente, têm ocorrido alterações epidemiológicas que se caracterizam por um aumento das doenças crónico-degenerativas, tornando as pessoas mais propensas a viver durante mais tempo com co-morbilidades e graus de dependência crescentes e com custos acrescidos aos níveis económicos, sociais e de saúde (2-3). Emergem deste modo novos desafios, no sentido de reabilitar, reinserir e desenvolver políticas de envelhecimento ativo. A mais recente reforma de saúde em Portugal, traduziu-se na criação da Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI) através da publicação do Decreto-Lei n.º 101/2006, de 6 de junho (4), que visa promover a continuidade da prestação de cuidados de Saúde e Apoio Social a todo o cidadão que apresente dependência. Ainda que uma parte significativa desses cuidados seja assegurada por prestadores do Serviço Nacional de Saúde (SNS), há responsabilidades que têm sido transferidas para os designados cuidadores informais, constituindo-se estes como fatores de sustentabilidade dos sistemas sociais e de saúde de qualquer país (5).

O cuidador informal (CI) é a pessoa que cuida de outra, proporcionando uma assistência não remunerada. Realiza tarefas da vida diária concomitantemente com outras atividades relacionadas com os cuidados de saúde nomeadamente: toma de medicação, tratamento de feridas, monitorização de equipamentos e outras. Estes, são geralmente membros da família ou parentes próximos que prestam um cuidado parcial ou total à pessoa com dificuldades no autocuidado, facilitando o seu bem-estar e ajudando-o em diferentes tarefas e atividades do dia-a-dia. Vários organismos nacionais e internacionais têm chamado a atenção para as dificuldades que esta função provoca, propondo que de forma integrada e sustentada se incremente a capacidade de cuidar dos cuidadores informais sem colocar em causa a sua saúde (5-7).

Estudos desenvolvidos por Andrade, Bruggen e Paez (8-10), têm demonstrado défices na capacitação e suporte aos cuidadores de pessoas dependentes, manifestando estes, sérias dificuldades para dar continuidade aos cuidados, sobretudo no contexto domiciliar. Observaram que 97,4 % dos cuidadores inquiridos, referiram não ter recebido orientações ou ensinos por parte da equipa de saúde sobre os cuidados a prestar, estando esta função, muitas vezes associada a situações de sobrecarga que se traduzem em problemas físicos, psicológicos, emocionais e até financeiros (11). Estas condicionantes, fazem com que os CI apresentem um conjunto de dificuldades e “impreparações” que dificultam o seu desempenho, levando-os em muitas circunstâncias mesmo a situações de exaustão. Assim e tendo em consideração as dificuldades que vêm sendo relatadas pelos CI, torna-se fundamental conhecer as áreas de intervenção prioritárias, no sentido de os capacitar para o desenvolvimento da prestação de cuidados de saúde, considerando paralelamente os seus níveis de sobrecarga. As dimensões do cuidado, frequentemente relatadas pelos CI estão fundamentalmente associadas aos autocuidados, alimentação, higiene e conforto, vestir/despir, mobilizações, transferências, uso de equipamento sanitário, e gestão de terapêutica (12-13).

Os Enfermeiros em especial os Especialistas em Reabilitação, na sua área de intervenção, promovem a maximização das capacidades funcionais da Pessoa, potenciando o seu rendimento e desenvolvimento pessoal, utilizando estratégias, técnicas e procedimentos específicos. Prescrevem produtos de apoio, identificam obstáculos à acessibilidade e intervêm na educação dos clientes e pessoas significativas em todas as fases do ciclo de vida e em todos os contextos da prática de cuidados (14), sendo por isso elementos fulcrais na capacitação dos Cuidadores. Porém importa ressalvar que a situação de cada CI é única e incomparável, devendo considerar-se sempre, as características do cuidador, a dinâmica familiar e ainda os aspetos culturais. Além disso, existem regras culturais que impõem a responsabilidade de cuidar, e por essa razão, os cuidadores informais sentem as dificuldades de forma diferente, apresentam necessidades individuais e reagem de forma distinta.

Assim, face à complexidade descrita e á dimensão crescente do problema, investigar a as dificuldades sentidas pelos cuidadores informais no cuidado à pessoa dependente, reconhecer os fatores explicativos dessas dificuldades e avaliar o impacto das medidas de capacitação dos cuidadores, constituem hoje um grande desafio não só para os profissionais de saúde, mas para a população em geral. Baseado nestes pressupostos, este estudo teve por objetivos avaliar as dificuldades sentidas pelos cuidadores informais no cuidado à pessoa dependente e identificar variáveis preditivas dessas dificuldades.

Metodologia

Estudo observacional, transversal, descritivo-correlacional e de cariz quantitativo. A amostra utilizada é do tipo não probabilístico por conveniência (amostra de população acessível), constituída por 119 CI de pacientes com internamento anterior em três tipologias diferentes da Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI) da Região Centro de Portugal. A elegibilidade dos participantes emergiu dos seguintes critérios de inclusão: ser cuidador informal principal de pessoa dependente, há pelo menos 6 meses, possuir Idade ≥ a 18 anos e a pessoa dependente apresentar grau de dependência com Score <90 pelo Índice de Barthel. Como critérios de exclusão foram definidos: ser cuidador informal secundário (prestando cuidados apenas ocasionais) e Score da pessoa dependente ≥ 90 no Índice de Barthel.

Como Instrumento de colheita de dados (ICD) foi utilizado um questionário, constituído por três secções: uma primeira com dados sociodemográficos, uma segunda com dados de contexto psicossocial e uma terceira constituída por uma Escala de Avaliação das Dificuldades do Cuidador Informal, (EADCI) construída, validada e adaptada para a população portuguesa, por Martins & Almeida em 2018. Esta escala tipo Lickert, é constituída por 30 itens, com quatro opções de resposta num continuum entre 1 (pequenas dificuldades) a 4 (grandes dificuldades) e agrupadas em quatro dimensões: (I) atividades de vida diária (AVD); (II) estado de saúde/prevenção de riscos; (III) recursos comunitários e sociais; e (IV) cuidar de mim.

A recolha de dados foi efetuada após autorização do Conselho Executivo de um Agrupamento de Centros de Saúde da região Centro de Portugal. Antes de se proceder à recolha dos dados, foi solicitada aos participantes a colaboração voluntária e esclarecida no estudo com assinatura do consentimento informado. Foi ainda fornecida informação acerca dos objetivos da investigação e assegurada a confidencialidade das respostas dadas, bem como dos juízos clínicos formulados, cumprindo os princípios éticos e legais. Os procedimentos foram portanto, efetuados respeitando os princípios éticos inscritos na Declaração de Helsínquia e foi ainda autorizado pela Comissão de Ética da Universidade onde foi realizado o estudo, através do Parecer Nº 14/2018.

O tratamento de dados foi efetuado recorrendo ao programa Statistical Package for the Social Science (IBM® SPSS® Statistics) – versão 25 e ao módulo do SPSS Analysis of Moment Structures (IBM® SPSS® Amos). Foram utilizados testes não paramétricos (nas variáveis nominais e ordinais) e testes paramétricos (nas variáveis de distribuição normal, com estimação de pelo menos um parâmetro e níveis de intervalo ou de proporção), de acordo com os parâmetros métricos e de normalidade exigíveis para a sua aplicação. Assim foram utilizados: Testes t de Student, ANOVA, testes Qui –quadrado, Resíduos Ajustados, testes de U-Mann Whitney (UMW), teste de Kruskall Wallis e regressões lineares (múltiplas e univariadas). Como complemento e dado que se testou a igualdade de mais de duas médias, recorreu-se aos testes post hoc para determinar as que se diferenciam entre si. Nos testes estatísticos foi considerado um nível de significância de 5 %.

Resultados

A amostra do estudo integrou 119 cuidadores informais, maioritariamente do género feminino (83,2 %), com idades que oscilavam entre os 19 e 87 anos, com uma média de 60,14 anos (± 13,71) (cf. tabela 1).

Tabela 1.
Distribuição da amostra em função da idade e género
Distribuição da amostra em função da idade e género


Fonte: elaboração própria

Os cuidadores são maioritariamente (78,2 %) casados ou vivem em união de facto e possuem o 2º ciclo de escolaridade (52,9 %) como habilitação académica. Em termos profissionais, 32,8 % dos CI estão ainda no ativo, (apenas 35,3 % reformados) trabalham a tempo inteiro, em horário de trabalho diurno (34,7 %), por conta de outrem e com um rendimento mensal que oscila entre 500 e 1000€. A maioria (65,9 %) dos CI são esposas e filhas da pessoa dependente, cuidam há mais de 2 anos (61,3 %) e cerca de metade (50,4 %) da amostra dedica diariamente 12 horas ao cuidado. As motivações subjacentes á função do cuidar são: cuidar por gosto ou vontade própria (52,1 %), o não ter outra alternativa, (34,5 %) e ainda obrigação moral/religiosa (25,2 %).

A tabela 2 expressa as dificuldades manifestadas pelos CI: assim verificámos, que as maiores dificuldades estão associadas à dimensão cuidar de mim (x̄ = 56,08 %, ± 27,383), e às atividades de vida diária (x̄ = 51,79 %, ± 27,215). Contrariamente, as menores dificuldades estão ligadas aos recursos comunitários e sociais (x̄ = 35,57 %, ± 25,918) e ao Estado de Saúde e prevenção de riscos (x̄ = 39,47 %, ± 26,117). A análise das dificuldades dos participantes em termos globais (nota global da escala) revela níveis significativos de dificuldades (x̄ = 46,04 %, ± 22,430), como podemos constatar através da tabela 2.

Tabela 2.
Dificuldades dos CI por dimensão e valor global da EADCI
Dificuldades dos CI por dimensão e valor global da EADCI


Fonte: elaboração própria

No sentido de quantificar os níveis de dificuldades por grupos, observámos que 46,2 % da amostra manifesta dificuldades moderadas, 28,6 % dificuldades reduzidas e 25,2 % dificuldades elevadas. A análise por género, demonstra que os homens se posicionam essencialmente (70 %) em níveis moderados, enquanto as mulheres se distribuem pelos diferentes níveis (cf. Tab. 3) sendo as diferenças estatísticas por género significativas (X2 = 7,617; p = 0,022) e confirmadas pelos valores dos resíduos ajustados.

Tabela 3.
Distribuição da amostra por níveis de dificuldades, em função do género
Distribuição da amostra por níveis de dificuldades, em função do género


Fonte: elaboração própria

Na análise da correlação entre variáveis, foi nossa opção apresentar apenas aquelas cuja relevância estatística tinha significado. Assim, observou-se que: os CI de pessoas com dependência severa apresentam maiores dificuldades em todas as dimensões da escala e valor global (t = 0,831 p = 0,002); de igual modo os CI cuja idade ≥ 75 anos (F = 1,934 p = 0,017) e ainda naqueles que entendem necessitar de fazer obras de adaptação no domicilio (t = 3,686 p = 0,000). A baixa escolaridade dos CI revelou estar associada a maiores dificuldades sobretudo na dimensão estado de saúde e prevenção de riscos (χ²=8,122 p<0,044); maiores dificuldades identificadas também naqueles que cuidam há mais de 2 anos, sobretudo ao nível da dimensão recursos comunitários e sociais (Z=-2,164 p=0,030); o habitar em meio rural aumenta as dificuldades especialmente nas dimensões estado de saúde e prevenção de riscos (Z=-2,682 p=0,007) e recursos comunitários e sociais (Z=-2,160 p=0,031); e por fim observou-se associação entre a existência de barreiras arquitetónicas e a dimensão estado de saúde e prevenção de riscos (χ²=6 p<0,040). Relativamente à preditibilidade das variáveis, observou-se que apenas entraram no modelo de regressão (com poder explicativo sobre as dificuldades globais do CI) o grau de dependência funcional da pessoa dependente, a idade do CI e a existência de barreiras arquitetónicas. Estas explicam 25,2 % da variabilidade, com um erro padrão de regressão de 19,65 e os valores de F=4,09 (p=0,045). Os coeficientes padronizados beta, revelam que o grau de dependência funcional estabelece uma relação inversa com as dificuldades, enquanto a idade do CI e a existência das barreiras arquitetónicas estabelecem uma relação direta. Os valores de VIF indicam que as variáveis presentes no modelo de regressão não são colineares.

Discussão de resultados

As características sociodemográficas dos participantes estão alinhadas com outros estudos realizados recentemente em contexto português e tendo por alvo populações semelhantes (8,15). Trata-se de uma amostra maioritariamente composta por cuidadores informais do género feminino, com média de idade de 60,14 anos, com estado civil casados e com o segundo ciclo de escolaridade como habilitação académica, confirmando a correlação expectável com os dados estatísticos publicitados em Portugal pelo Instituto Nacional de Estatística (1). O rendimento mensal auferido pela maioria ronda baixos valores (500-1000 €). Estes dados estão em linha com os de Matos, (16) e Martins (17) ao referirem que existem grupos de cuidadores informais (sobretudo idosos) que se encontram no limiar de pobreza com impactos fortíssimos na própria qualidade de vida.

O perfil sociodemográfico destes CI caracteriza-se por serem maioritariamente mulheres, familiares da pessoa dependente (esposas e filhas), distribuídas por situações profissionais diversas (ativas, reformadas e desempregadas), dedicando diariamente cerca de 12 horas ao cuidado. Apesar da mudança de atitudes de género e da rápida entrada das mulheres na força de trabalho nas últimas décadas, as mulheres continuam a desempenhar um papel importante na administração do lar e no cuidado aos membros da família, mesmo em situações em que necessita, cumulativamente, de exercer a sua atividade profissional, o que tem implicações óbvias em outras áreas, como a diminuição das atividades de lazer e social potenciando maiores níveis de sobrecarga, ansiedade e estresse (18). Porém características, como nível de escolaridade, emprego e status socioeconômico, apresentam variações em diferentes sociedades e países (17).

Um estudo conduzido por Sequeira (19) mostrou que as principais razões para a assunção do papel de cuidador são: iniciativa própria, decisão familiar, ser a única pessoa que podia cuidar e solicitação da pessoa dependente. Também Matos (16) refere que são muitas as razões que levam os CI a assumirem esse papel, como a obrigação de cuidar devido às normas sociais, por laços afetivos, por compromisso, por piedade ou por altruísmo. São dados em alinhamento com os do presente estudo, uma vez que são veiculados: o cuidar por gosto ou vontade própria, o não ter outra alternativa e ainda a obrigação moral/religiosa de retribuição.

Há convergência nos estudos, ao destacar a variabilidade de sentimentos e de dificuldades expressas pelos CI. Sabe-se que a pessoa cuidadora é única, incomparável, está envolvido numa dinâmica familiar e é condicionada por aspetos culturais (20-21). Por isso, foram observadas dificuldades moderadas, (para quase metade da amostra) dificuldades reduzidas e dificuldades elevadas para grupos percentuais mais pequenos. Há uma clara diferença entre homens e mulheres, dado que os primeiros se posicionam essencialmente em níveis moderados, enquanto as mulheres se distribuem por níveis diferenciados. Contudo, há que ter em conta a desigualdade da amostra, uma vez que a maioria dos seus participantes são do género feminino, cuidando dos seus familiares por períodos mais longos e tempo diário mais alargado. Por outro lado, o cuidado está em constante mudança e deve ser considerado um estado permanente de desenvolvimento pessoal, de transformações e de auto compreensão ontológica que conduz a perceções mais positivas (22).

Ficou ainda demonstrado, que as maiores dificuldades estão associadas à dimensão cuidar de mim e às atividades de vida diária. São dados que corroboram os de Dixe (12) quando advoga que o cotidiano dos CI com extensas horas de cuidados, quer na ajuda quer no supervisionamento das AVD da pessoa dependente é muitas vezes negligenciado no seu próprio autocuidado, no lazer e/ou atividades sociais ficando estas para segundo plano, tornando-os deste modo, vulneráveis ao desenvolvimento de depressão, estresse e menor qualidade de vida. Acresce a estas dificuldades, a necessidade de assistir e supervisionar, de forma ativa, atividades básicas de vida diária por períodos longos do dia e para as quais sentem que não estão preparados (15).

Em sentido inverso, as dificuldades menos referidas estão associadas às dimensões recursos comunitários e sociais e estado de saúde e prevenção de riscos. De facto, nos últimos anos tem-se assistido a uma atenção especial aos CI, através de uma maior sensibilização para a implementação de programas de capacitação e facilitação, com acesso mais facilitado a recursos sociais (13).

Alguns preditores psicossociais do CI identificados até o momento, incluem maior apoio socio emocional, menor carga subjetiva, relação de maior qualidade com a pessoa dependente e uma maior motivação intrínseca para o cuidado (23). São dados parcialmente corroborados por este estudo, uma vez que as variáveis com maior poder explicativo sobre as dificuldades globais do CI são o grau de dependência funcional da pessoa dependente (numa relação inversa), a idade do CI e a existência de barreiras arquitetónicas (numa relação direta). De facto, as dificuldades e incertezas manifestadas recorrentemente pelos CI incluem as relacionadas com a execução dos cuidados à pessoa dependente (agravadas em situações de dependência severa), a falta de conhecimentos e de preparação para a sua consecução, o défice de competências pessoais para lidarem com a situação e a escassez de recursos formais de apoio (2,8,12).

Em síntese, os resultados deste estudo direcionam para a necessidade de uma pedagogia educativa e investimento no conhecimento das dificuldades do CI no seu contexto sociocultural, para o estabelecimento de programas de capacitação ajustados às necessidades integrais de apoio, como pilar do Serviço Nacional de Saúde, numa lógica de promoção e continuidade de cuidados, podendo ser um recurso muito vantajoso para os indivíduos, para as famílias mas também para a sociedade em geral.

Conclusões

Os CI apresentam dificuldades reais de nível moderado, com maior exigência na assistência e supervisão das atividades de vida diária e na dimensão cuidar de mim. As dimensões relativas aos recursos comunitários e sociais e ainda o estado de saúde e prevenção de riscos são avaliados de forma mais positiva, o que poderá estar associado ao desenvolvimento de competências comunicativas e organizacionais, entre outros cuidados antecipatórios de capacitação de CI. Porém as variáveis constituídas como preditivas neste estudo e para esta população, são o grau de dependência funcional da pessoa dependente, a idade apresentada pelos CI e a presença/existência de barreiras arquitetónicas nos domicílios.

Limitações do estudo

Como limitações, apontam-se: a utilização de uma amostra do tipo não probabilístico por conveniência, o que não nos permite generalizar resultados com precisão estatísticos; recolha de dados efetuada por auto e hétero preenchimento do questionário pelos CI, o que pode apresentar alguns vieses de interpretação quer por subestimação ou hipervalorização das dificuldades sentidas e deste modo, afetar a validade dos dados.

Não obstante as limitações referidas, consideramos que o estudo aborda uma temática de elevada pertinência na atualidade, aportando os seus resultados contributos interessantes ao conhecimento científico em Enfermagem e com especial destaque para a Enfermagem de Reabilitação. Como sugestões propomos: o desenvolvimento de futuros estudos de carater longitudinal permitindo analisar a variação das dificuldades e dos fatores associados sentidas pelos CI e monitorizar os efeitos dos programas de capacitação e respostas sociais implementadas; conhecer motivações positivas facilitadoras do cuidado, uma vez que que existem fatores internos e externos que podem influenciar o bem-estar do cuidador informal.

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Notas

* Artigo de pesquisa

Autor notes

Autor correspondente. Correio eletrônico: francisco.jfa87@gmail.com

Informação adicional

Como citar este artigo: Almeida F, Martins R, Martins C. Capacitação do Cuidador Informal: Estudo das dificuldades e das variáveis preditivas. Investig Enferm Imagen Desarr. 2022; 24. https://doi.org/10.11144/Javeriana.ie24.ccie

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