Dificuldades na prevenção do câncer de colo uterino: discurso de mulheres quilombolas*

Dificultades en la prevención del cáncer cervicouterino: discurso de las mujeres quilombolas

Difficulties in Preventing Cervical Cancer: Discourse of Quilombola Women

Thais Gonçalves De Souza , Beatriz Pereira Alves , Anna Beatryz Lira da Silva , Isabela Lunara Alves Barbalho , Rayrla Cristina de Abreu Temoteo , Marcelo Costa Fernandes

Dificuldades na prevenção do câncer de colo uterino: discurso de mulheres quilombolas*

Investigación en Enfermería: Imagen y Desarrollo, vol. 25, 2023

Pontificia Universidad Javeriana

Thais Gonçalves De Souza

Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), Brasil


Beatriz Pereira Alves a

Hospital da Mulher Drª Nise da Silveira, Brasil


Anna Beatryz Lira da Silva

Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), Brasil


Isabela Lunara Alves Barbalho

Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), Brasil


Rayrla Cristina de Abreu Temoteo

Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), Brasil


Marcelo Costa Fernandes

Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), Brasil


Recepção: 27 Junho 2022

Aprovação: 03 Outubro 2022

Publicação: 15 Fevereiro 2023

Resumo: Introdução: observa-se que a população negra está mais vulnerável para algumas enfermidades devido a questões genéticas, ambientais, econômicas e sociais. Na saúde da mulher negra evidencia-se a necessidade de maior atenção ao desenvolvimento do câncer do colo uterino. Objetivo: identificar as dificuldades para prevenção do câncer do colo uterino a partir do discurso de mulheres quilombolas. Método: pesquisa descritiva de abordagem qualitativa, mediatizada pela metodologia da pesquisa-ação, realizada na comunidade remanescente de quilombolas intitulada “Os Quarenta”, localizada na cidade de Triunfo, Paraíba, Brasil, no ano de 2019. Resultados: Notou-se, a partir dos discursos das participantes, duas Ideias Centrais acerca dos problemas ou dificuldades que impossibilitam o diagnóstico precoce do câncer do colo de útero: vergonha como obstáculo para à prática do exame preventivo e autonegligência como fator determinante na ausência da procura pelos serviços de saúde. Conclusões: percebe-se que ao inserir às informações em saúde é importante levar em consideração os fatores sociais e culturais da comunidade visando adequar às práticas de acordo com representações a respeito do tema.

Palavras-chave:saúde da mulher, neoplasias do colo do útero, quilombolas, pesquisa qualitativa, enfermagem.

Resumen: Introducción: se observa que la población negra es más vulnerable frente a algunas enfermedades por cuestiones genéticas, ambientales, económicas y sociales. En la salud de la mujer negra se evidencia la necesidad de una mayor atención al desarrollo del cáncer de cuello uterino. Objetivo: identificar las dificultades en la prevención del cáncer de cuello uterino desde el discurso de las mujeres quilombolas. Método: investigación descriptiva con enfoque cualitativo, mediada por la metodología de investigación acción, realizada en la comunidad quilombola remanente denominada Os Quarenta, ubicada en la ciudad de Triunfo, Paraíba, Brasil, en 2019. Resultados: se constató en los discursos de las participantes, dos ideas centrales sobre los problemas o dificultades que impiden el diagnóstico precoz del cáncer de cuello uterino: la vergüenza como obstáculo para la práctica del examen preventivo y la auto negligencia como factor determinante en la ausencia de demanda de servicios de salud. Conclusiones: se advierte que al insertar información de salud es importante tener en cuenta los factores sociales y culturales de la comunidad para adecuar las prácticas de acuerdo con las representaciones sobre el tema.

Palabras clave: salud de la mujer, neoplasias del cuello uterino, quilombola, investigación cualitativa, enfermería.

Abstract: Introduction: It is observed that black population is more vulnerable to some diseases due to genetic, environmental, economic and social issues. In the health of black women, the need for greater attention to the development of cervical cancer is evident. Objective: To identify the difficulties in preventing cervical cancer from the discourse of quilombola women. Method: Descriptive research with a qualitative approach, mediated by the action research methodology. It was carried out in the remaining quilombola community entitled Os Quarenta, located in the city of Triunfo, Paraíba, Brazil, in 2019. Results: In the participant’s discourse two central ideas were noted about the problems or difficulties that prevent early diagnosis of cervical cancer: shame as an obstacle to the practice of preventive examination and self-negligence as a determining factor in the absence of demand for health services. Conclusions: It is noticed that when inserting health information, it is important to consider the social and cultural factors of the community in order to adapt practices according to representations on the subject.

Keywords: women’s health, cervical neoplasms, quilombola communities, qualitative research, nursing.

Introdução

As comunidades remanescentes de quilombos têm sua identidade étnica que os distingue do restante da sociedade, passando a representar um meio de organização social da população negra, com resgate da cultura e fortalecimento da solidariedade e democracia (1).

Por serem considerados grupos minoritários que vivem à margem da sociedade, ao longo dos anos os movimentos sociais negros lutam por políticas públicas com o intuito de reduzir às desigualdades e ampliar a equidade do acesso aos bens de serviços públicos, inclusive os de saúde (2-3).

Segundo a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN) (1), este segmento populacional está mais vulnerável a algumas enfermidades devido a questões genéticas, ambientais, econômicas e sociais. Na saúde da mulher negra evidencia-se a necessidade de maior atenção com relação ao desenvolvimento do câncer do colo uterino (CCU).

O principal fator de risco para o desenvolvimento das lesões precursoras do CCU é a infecção persistente por alguns dos 13 tipos do Papiloma Vírus Humano (HPV) (4). Porém, outros fatores também estão relacionados ao seu surgimento, tais como imunossupressão, genética, comportamento sexual, multiparidade, desnutrição, má higiene genital, agentes químicos e exposição à radiação ionizante (5).

A prevenção primária está relacionada ao uso de preservativos durante as relações sexuais e no caso de adolescentes ao recebimento da vacina contra o HPV. O rastreamento, considerado como prevenção secundária é baseado na prática periódica do exame citopatológico (Papanicolaou) que consiste na coleta do material cervical do colo uterino (endocervice e ectocervice) efetivado na Estratégia de Saúde da Família (ESF) por profissionais capacitados (6-7).

Mas o que se percebe atualmente é uma baixa procura aos serviços de saúde para a prática do exame citopatológico, principalmente pela população feminina negra. O que levou a questão norteadora desse estudo: “Quais as dificuldades para a prática da prevenção do câncer de colo uterino por parte das mulheres quilombolas?”.

Essa pesquisa oferece a oportunidade de identificar problemáticas acerca do acesso de mulheres quilombolas aos serviços de saúde e conhecimento sobre a importância do rastreio ao CCU, tendo como objetivo, identificar as dificuldades na prevenção do câncer do colo uterino a partir do discurso de mulheres quilombolas.

Método

Pesquisa descritiva de abordagem qualitativa, mediatizada pela metodologia da pesquisa-ação. Este artigo é um recorte, de pesquisa vinculada a uma Instituição de Ensino Superior Pública do Alto Sertão Paraibano, focado no diagnóstico situacional que compõe uma das etapas da pesquisa-ação, a qual só teve início após aprovação pelo Comitê de Ética da referida instituição sob número 3.438.187.

O estudo foi na comunidade remanescente de quilombolas intitulada “Os Quarenta”, localizada na cidade de Triunfo, no estado da Paraíba, Brasil. Trata-se de uma comunidade remanescente de um quilombo localizado na comunidade “Mãe D’Àgua” na cidade de Pombal, no sertão paraibano, a qual tem atualmente cerca de 56 famílias.

Participaram da pesquisa mulheres que residem na comunidade quilombola supracitada, as quais foram encontradas e convidadas a participar do estudo por meio da busca ativa na região. Como critérios de inclusão tem-se todas as 26 mulheres da comunidade “Os Quarenta”, entre 25 e 64 anos. Como critérios de exclusão, mulheres que apresentaram diagnóstico comprovado de CCU no momento da pesquisa e/ou mulheres histerectomizadas totalmente por causa benigna, não relacionada ao HPV, com exames anteriores normais.

O diagnóstico situacional compôs a primeira etapa da pesquisa com entrevistas para obtenção de dados e informações que foram gravadas com a utilização de um gravador de voz, posteriormente transcristas no programa Microsoft Word 2010 e analisadas com o objetivo de identificar a problemática acerca do assunto. Ao final das entrevistas semiestruturadas as quais ocorreram em local reservado, participaram 12 mulheres em decorrência dos critérios estabelecidos e da saturação teórica dos dados, nos quais não houve acréscimo de novas informações relevantes.

O instrumento de coleta continha em seu conteúdo a seguinte questão: “Quais problemas ou dificuldades você percebe no meio onde você vive e que estão diretamente relacionados ao não diagnóstico precoce do Câncer de Colo de Útero?”, que deu origem as duas Ideias Centrais abordadas nesse recorte: “Vergonha como obstáculo para a prática do exame preventivo” e “Autonegligência como fator determinante na ausência da procura pelos serviços de saúde”.

Para a análise dos dados que foram encontrados nas entrevistas do diagnóstico situacional, foi utilizado o Discurso do Sujeito Coletivo (DSC). Tal recurso metodológico permite expressar o pensamento coletivo por meio da associação das opiniões individuais, porém, de sentidos semelhantes presentes em depoimentos distintos, formando Ideias Centrais (IC) e suas devidas Expressões-Chaves (ECH), um depoimento sucinto composto pela ideia coletiva (8).

As IC descrevem e nomeiam de forma sintética e objetiva, os sentidos presentes em cada uma das respostas analisadas e de cada conjunto homogêneo de ECH. Por outro lado, as ECH são trechos literais dos depoimentos, que indicam os principais conteúdos das respostas, revelando a essência do discurso (8).

Para tal construção, inicialmente, foi feita uma leitura flutuante das falas com o intuito de compreender o conjunto das transcrições. Posteriormente, foram necessárias leituras sucessivas para identificar os núcleos de sentido ou IC relacionadas às questões norteadoras que compuseram o roteiro da entrevista. Por fim, uma vez identificadas às ECH de cada uma das respostas, foram elaborados os DSC’s.

Este estudo foi construído e estruturado com referência nos Critérios de Consolidação para Relatórios de Pesquisa Qualitativa (COREQ) e respeitou os princípios éticos defendidos na Declaração de Helsinky. A coleta de dados iniciou-se somente após a leitura e entendimento do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), assinado em duas vias de mesmo conteúdo, tanto pela pesquisadora quanto pelas participantes da investigação. Ademais, foram atribuídos códigos M (Mulher) seguidos da numeração conforme a ordem de entrevistas, para preservação do anonimato das participantes da pesquisa.

Resultados

Com base no questionamento sobre os problemas ou dificuldades, que na visão das mulheres, influenciam no diagnóstico tardio do CCU, foram obtidas duas IC. Na primeira, de acordo com o resultado das entrevistas, foi possível criar o DSC a partir de doze participantes: M01; M02; M03; M04; M05; M06; M07; M08; M09; M10; M11; M12.

IC01 - Vergonha como obstáculo para a prática do exame preventivo

DSC01: Pra mim a dificuldade é a vergonha que a gente tem de ir fazer o exame, vergonha é o que mais me dificulta, impede que eu vá, até que ó, eu procurei uma médica, não sei por que, todos sabem que os médicos já trabalham pra isso, vendo, mas mesmo assim não me sinto à vontade, não me sinto bem fazendo uma prevenção com homens, eu prefiro fazer com mulheres... Ainda tem aquelas mulheres que ainda tem aquela vergonha de ir ao médico, principalmente as mulheres mais velhas, principalmente na nossa comunidade quilombola, elas nunca fizeram! Eu mesma quando vou fazer a prevenção, eu ficava toda me tremendo, mas a vergonha é tão grande que a pressão já subia, a posição que a gente vai ficar lá, não fica numa posição confortável, sempre acanhada com vergonha de ficar se mostrando.

A segunda IC trata-se da percepção das mulheres sobre a autonegligência como fator que impossibilita a detecção precoce do CCU. A IC02 foi construída a partir da fala de seis participantes: M02, M03, M06, M09, M08 e M10.

IC02 - Autonegligência como fator determinante na ausência da procura pelos serviços de saúde

DSC02: A dificuldade é ter coragem de ir mesmo, se cuidar, eu mesmo não ligo, eu acho que é a questão mais de falta de cuidado mesmo da mulher. Fico preocupada, mas cadê que vou fazer essa prevenção aí? Vou nada! Marca pra próxima semana, o exame, né?! Aí vai adiando, adiando e acaba não indo, então não tem outra dificuldade e a gente vai se acomodando. Eu não me cuido, penso “era pra eu ir e não fui” fico com remorso, tem vez que eu marco e não dá certo eu ir, a pessoa não vai porque não quer, fica inventando desculpa, porque sabe onde é, onde faz, é o descuido mesmo, não tem desculpa não, nenhum problema. Nosso descanso de achar que está tudo bem, que não vai acontecer nada com a gente, a gente sempre tem esses pensamentos e quando procura já está sem jeito, acho que a dificuldade seria essa, o desleixo. Então é porque a gente não liga mesmo, sempre deixa pra depois. Eu parei de fazer, no ano passado eu não lembro se eu fiz, esse ano eu ainda não fiz.

Discussão

É notório no DSC01 que a vergonha de se submeter ao exame Papanicolaou com um profissional do sexo oposto, emergiram como sendo uma das dificuldades que, na visão das mulheres, impossibilitam o exame e consequentemente o diagnóstico precoce da doença.

A exposição do corpo no momento do procedimento remete a inúmeras questões referentes à sexualidade, ao comportamento, exposição do próprio corpo, podendo gerar sentimentos negativos de bloqueio e conflito para algumas mulheres, tornando barreiras prejudiciais para uma prevenção correta e eficaz (9).

Os sentimentos constrangedores citados pelas mulheres no momento do exame, se relacionam com a inibição proveniente da exposição das partes do corpo correlacionadas com a feminilidade e a intimidade das mulheres. A relação que a mulher tem com sua sexualidade, interfere na maneira como ela reage no exame que manuseia órgão e região genital (10-11).

Para estas mulheres, o sentimento de vergonha está atrelado a impessoalidade do procedimento, no qual causa uma sensação de impotência, insegurança e perda do domínio sobre o próprio corpo que a posição ginecológica proporciona (9,12-13).

Experiências restritivas no âmbito da sexualidade, falta de informação acerca da anatomia e fisiologia feminina, conhecimento deficitário sobre o cuidado acerca da saúde sexual, falta de acesso e deficiência de comunicação/explicação acerca do exame nos serviços de saúde, são fatores que podem contribuir para a externalização de sentimentos negativos como vergonha e constrangimento por parte das mulheres em relação ao exame Papanicolaou (14).

Acredita-se que esses sentimentos também podem ser ocasionados pelos materiais utilizados durante o exame, pelo toque ginecológico, introdução do espéculo e o foco luminoso em suas partes íntimas, embora essas mulheres reconheçam tudo isso como importante e necessário para a prática do exame (14).

Além disso, esses sentimentos correspondem a não aceitação decorrente do processo psicológico de ser flagrado fora dos padrões aceitos e valorizados pela sociedade, uma vez que o próprio órgão genital feminino é cercado por tabus e proibições (15).

As relações de gênero historicamente construídas definem às práticas em relação ao corpo e a sexualidade, desta forma, para às mulheres, exposição da genitália e manipulação da mesma pelo profissional de saúde podem gerar vergonha e constrangimento por se tratar de ações consideradas moralmente incorretas, principalmente quando tocadas por profissionais do sexo masculino (15-16).

Grande parte dos sentimentos anteriormente relatados, também podem surgir de experiências negativas vivenciadas pelas mulheres durante um procedimento conduzido de forma inadequada, impossibilitando a criação de um espaço de autoconhecimento do corpo e da sexualidade da mulher (17).

Portanto, visando minimizar repercussões negativas que o exame proporciona é essencial que o profissional de saúde durante a consulta ginecológica, exerça funções que vão além do exame, cumprindo práticas que forneçam menos desconforto e permita que a mulher fique mais à vontade durante o procedimento.

Atitudes como expor somente a parte do corpo necessária para o exame, evitar o trânsito desrespeitoso de profissionais no local, mostrar como será o procedimento além dos materiais a serem utilizados, informar a naturalidade de um possível desconforto e encorajar a mulher tentando evitar o medo e vergonha, são práticas necessárias e importantes na facilitação do exame.

Compreender a mulher como um ser inserido em uma sociedade que a cerca de estigmas e padrões, além de respeitar sua cultura e crenças, entender sua realidade faz com que os sentimentos e atitudes atrelados à prática do exame preventivo do CCU, sejam conduzidos da melhor forma possível (18).

A autonegligência e o descuido com a própria saúde externados pelas mulheres, emergiram como fatores que dificultam no diagnóstico precoce do CCU, como foi evidenciado em algumas falas que compuseram o DSC02.

A autonegligência pode ser definida como o abandono de si mesmo, implica no não cuidar de si, desde não exercer atividades básicas do dia a dia, como não manter a higiene pessoal, por exemplo, até não aderir a medicamentos prescritos, faltar aos exames de rastreio e não procurar os serviços de saúde quando necessário (17).

É comum pensar em autonegligência e relacioná-la com autocuidado, levando em consideração a contrariedade dos significados atribuídos a esses dois conceitos. O autocuidado refere-se à prática de cuidados executados pela pessoa com o objetivo de manter a saúde e o bem-estar, enquanto a autonegligência é justamente a ausência desse cuidado (19).

Quem busca o autocuidado não significa que está sempre bem, e sim, que por meio da autoanálise, conseguiu identificar seus confortos e desconfortos, buscando compreender a causa, escolhendo quando e como agirá em relação a algo que o incomoda.

A mulher traz consigo uma tendência nata do cuidar, mas principalmente, do cuidar do outro e na grande maioria das vezes esquece-se de cuidar de si, evitando a verdade sobre a própria saúde.

O cuidar de si para às mulheres se torna um desafio, a mulher vive em uma constante cobrança, sempre há algo a fazer e assume a responsabilidade de tomar conta da própria família e acaba colocando-as, por vezes, às necessidades dos outros acima das suas, tornando-a vítima das vicissitudes e do destino (20).

Em se tratando das mulheres, a autonegligência pode surgir como resultado de inúmeros fatores, como pela maior dificuldade na definição de espaço na agenda diária de ações voltadas para si, como o cuidado com a saúde, o que poderia aumentar o risco às doenças como o câncer de mama e do colo uterino pela demora na detecção dos mesmos (19).

Além disso, a autonegligência pode estar relacionada a fatores básicos, tais como o estado de desenvolvimento e de saúde, orientação sociocultural, fatores do sistema de atendimento à saúde (modalidades de diagnóstico e de tratamento), fatores familiares, padrões de vida, como engajamento regular em atividades, fatores ambientais e adequação e disponibilidade de recursos (20).

Quando é direcionado o olhar para às mulheres quilombolas, pode-se ampliar a visão para a forte relação entre os Determinantes Sociais da Saúde (DSS) como fatores que influenciam a prática de ações que promovam a saúde e o bem-estar desse grupo (21). Além disso, como já citado, mulheres negras estão mais propensas a desenvolver hipertensão arterial, anemia falciforme, diabetes mellitus tipo II e miomas uterinos, evidenciando maior atenção a esse grupo, além do estímulo ao autocuidado.

Tendo conhecimento da vulnerabilidade social que permeia esse grupo é possível perceber que aspectos econômicos, ambientais e culturais influenciam o modo como essa população se relaciona com o cuidado de si (22).

Não é difícil pensar de que forma os DSS podem afetar a saúde desse grupo, da mesma forma que é possível pensar que essa influência também tem ação direta na percepção das mulheres sobre o autocuidado (21). Como já citado, o índice de escolaridade e situação socioeconômica apresenta potencial efeito sobre a compreensão da doença e a busca pelos serviços. No entanto, esses e outros fatores, também exercem efeito no grau de importância que essas mulheres dão para seu bem-estar.

Mulheres economicamente estáveis, têm melhor e mais fácil acesso aos serviços de saúde, enquanto que as de situação economicamente baixa, como o caso, muitas vezes, de negras quilombolas, normalmente não dispõem de tempo, acesso e recurso necessário, causando certa acomodação, descuido e negligência com a própria saúde, não permitindo que a mulher priorize o cuidado com seu corpo (23).

Pensando nisso e em todos os aspectos sociais que vulnerabilizam às mulheres negras, cuidar de si torna-se ainda mais significante, levando em consideração sua dupla trajetória de luta contra o sexismo e o racismo imposto pela sociedade.

Reservar tempo e dar atenção aos sinais que o corpo apresenta, cuidar da saúde mental, emocional e física, como manter uma alimentação balanceada, rica em vitaminas e nutrientes, praticar exercícios físicos, manter a periodicidade dos exames, fazer uso de preservativo durante às relações sexuais, vacinação contra o HPV entre outros, são exemplos de hábitos que devem ser inseridos no contexto do autocuidado relacionados, ou não, com o CCU.

Outro aspecto que deve ser levado em consideração é a repercussão simbólica negativa que o exame preventivo tem sobre a mulher, o que também tem influência sobre o autocuidado, levando a descontinuidade do rastreio e desinteresse para o exame, como evidenciado no DSC02.

Neste sentido, é importante enfatizar que a não prática do exame preventivo é apenas uma das modalidades citadas pelas mulheres, quando na verdade, a prevenção e o autocuidado com relação ao CCU, não se limita somente a esta prática.

Embora se saiba que essas ações devem ser executadas para que às mulheres alcancem seu bem-estar e melhore sua saúde, o fato de estarem inseridas em um cenário predominantemente curativista, espelhado no modelo biomédico, essas mulheres não estão preparadas para exercer medidas de prevenção, fazendo com que a ida aos serviços e busca pelo cuidado, só aconteça quando a doença já está instalada, motivadas pelo aparecimento dos sinais e sintomas (23).

Esse aspecto exerce certa limitação na efetividade das medidas de prevenção e promoção da saúde, preconizado pela Estratégia de Saúde da Família (ESF), o que unindo a fragilidade no acolhimento, vínculo e resolutividade, resulta no distanciamento de ações de controle do CCU.

Visto isso, é importante manter olhar crítico para a forma como às mulheres encaram sua vida e consequentemente sua saúde, enfatizando que o cuidado deve ser prioridade para quem busca se preservar e cultivar uma boa qualidade de vida.

Acredita-se, por fim, que as discussões apresentadas neste trabalho possam provocar o redirecionamento de ações, como também de políticas públicas, mais equânimes e inclusivas ao acolhimento mulheres quilombolas nos serviços de saúde, com vistas a realização do exame de prevenção ginecológico de forma precoce e contínuo.

Acrescenta-se, ainda, que esta investigação pode contribuir de forma positiva para o aumento da procura pelo citopatológico e consequente diminuição na incidência do CCU ao passo que fornece informações aos profissionais de saúde sobre as problemáticas envolvidas no tema para que por meio de ações intervencionistas educativas possa se mudar essa realidade.

Como limitações para a pesquisa, tem-se ainda escassa produção cientifica atual sobre a situação de saúde dos grupos quilombolas do Brasil, o que impede uma visão mais ampla. Sugere-se novos estudos de cunho regional para que desta forma, se possa conhecer a realidade desses grupos de forma mais fidedigna.

Conclusões

O medo do câncer, vergonha do método de rastreio e a autonegligência são alguns dos obstáculos citados pelas mulheres quilombolas que dificultam a procura da assistência, nesse sentido se faz importante a escuta acolhedora e o repasse correto de informações a respeito da importância na detecção precoce juntamente com a quebra de estigmas relacionado ao exame citopatológico, sempre levando em consideração os fatores sociais e culturais da comunidade visando adequar às práticas de acordo com as representações a respeito do tema.

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Autor notes

aAutor correspondente: pbia012@gmail.com

Informação adicional

Como citar este artigo:: Gonçalves De Souza T, Pereira Alves B, Lira da Silva AB, Alves Barbalho IL, De Abreu Temoteo RC, Costa Fernandes M. Dificuldades na prevenção do câncer de colo uterino: discurso de mulheres quilombolas. Investig Enferm Imagen Desarr. 2023; 25. https://doi.org/10.11144/Javeriana.ie25.dpcc

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