China e governança ambiental global: desafios rumo à liderança*

China and the Global Environmental Governance: Challenges for the Leadership

China y gobernanza ambiental global: desafíos hacia el liderazgo

Papel Político, vol. 24, núm. 2, 2019

Pontificia Universidad Javeriana

Mariana Delgado Barbieri a

Universidade Estadual de Campinas, Brasil


Leila da Costa Ferreira

Universidade Estadual de Campinas, Brasil


Recepção: 28/11/18

Aprovação: 12 Fevereiro 2019

Publicação: 30 Dezembro 2019

Resumo: China, a nação com maior emissão de gases de efeito estufa, caminha rapidamente em direção à liderança ambiental global. Este artigo busca elencar a situação ambiental do país e algumas de suas medidas que visam combater a degradação ambiental e a intensificação das mudanças climáticas. A adoção de políticas nacionais e o cumprimento das metas estabelecidas internamente tornam a China um dos principais países que estão efetivamente engajados na luta a favor do ambiente, ainda que precise intensificar a implementação das leis ambientais, alterar sua matriz energética e reduzir suas emissões. O ideal da civilização ecológica e da sociedade harmoniosa são elementos capazes de direcionar as tomadas de decisão, iluminando o caminho a ser percorrido até se alcançar o equilíbrio entre homem e natureza. Rapidamente a China se posiciona como líder na esfera internacional, influenciando a condução das políticas climáticas, expandindo seu domínio econômico e tecnológico, a partir do uso do chamado soft power.

Palavras-chave:China, mudanças climáticas, governança ambiental, soft power.

Abstract: China, the country with highest numbers of greenhouse gas emissions, is having a fast pace to become a global environmental leader. This article aims to outline the current environmental situation in this country and some of the measures intended to struggle against both environmental degradation and climate change escalation. By implementing national policies and accomplishing the goals set within the country, China has become one of the main countries effectively committed to struggle to benefit the environment. Notwithstanding, China should strengthen the implementation of environmental laws, modify the energy matrix, and reduce the gas emissions. The ideal of both an eco-friendly civilization and a harmonious society surely will pave the road for the right decision-making, showing the path to achieve the equilibrium between man and nature. China will be soon positioned as a leader in the international sphere that will influence the direction of the climate-related policies and spreading its economic and technological dominance based on the so-called soft power.

Keywords: China, climate change, environmental governance, Soft Power.

Resumen: China, la nación con mayor emisión de gases de efecto invernadero, camina rápidamente en dirección a un liderazgo ambiental global. Este artículo busca establecer la situación ambiental del país y algunas de las medidas que pretenden combatir la degradación ambiental y la intensificación del cambio climático. La adopción de políticas nacionales y el cumplimiento de las metas establecidas internamente convierten a China en uno de los principales países efectivamente comprometidos en la lucha a favor del ambiente, aun cuando deba intensificar la implementación de leyes ambientales, modificar su matriz energética y reducir sus emisiones. El ideal de una civilización ecológica y de una sociedad armónica es un elemento capaz de dirigir la toma de decisiones, iluminando el camino a ser recorrido hasta alcanzar el equilibrio entre el hombre y la naturaleza. Rápidamente China se ha posicionado como líder en la esfera internacional, influenciando la dirección de las políticas climáticas, expandiendo su dominio económico y tecnológico, a partir del uso del llamado soft power.

Palabras clave: China, Cambio climático, Gobernanza ambiental, Soft Power.

Introdução

A globalização e a intensa relação entre as nações no século XXI, somados aos fenômenos de caráter global, como é o caso das mudanças climáticas, solidificam a necessidade de uma governança global apta a enfrentar os novos desafios.

Dentre os novos riscos emergentes a partir da radicalização da modernização, o risco ecológico figura-se entre um dos principais e ameaça a humanidade como um todo (Beck, 2010; Giddens, 2010). Responder a esse risco é tarefa árdua e demanda uma articulação entre as diversas escalas e níveis – do indivíduo à coletividade, do local ao global.

Nesse artigo apresentamos o problema ambiental na China e as respostas recentes do governo chinês, que almeja alterar a realidade chinesa do início do século XXI, fortemente marcada pelos intensos danos ambientais, com altos índices de poluição, e reconhecida mundialmente como uma nação que degradou intensamente o ambiente nas últimas três décadas 1 .

A hipótese central apresentada é que a China começou a responder à problemática ambiental a partir de uma necessidade doméstica: a degradação ambiental trouxe altos custos à saúde, à economia, mas também ameaçou a estabilidade política e pode ameaçar o crescimento econômico nas gerações futuras. A política ambiental chinesa é feita para atender aos anseios nacionais, mas se mundializa a partir do Acordo de Paris, quando a China passa a ser reconhecida como uma liderança global na área, exatamente por já estar alterando seu ambiente nacional, promovendo melhorias e intensos investimentos. Como a problemática ambiental é eminentemente global, as ações locais surtem efeitos globais, logo as políticas nacionais da China interferem diretamente no panorama ambiental global.

Esse artigo faz uma revisão da literatura sobre o tema, utilizando fontes secundárias, mas também legislações e documentos oficiais, que nos fornecem elementos aptos a elucidarem as medidas adotadas e a condução da política nacional chinesa com relação ao ambiente.

Na 1ª sessão abordamos a problemática ambiental na China, onde o forte crescimento econômico, com uso do carvão como matriz energética principal, trouxe uma série de problemas locais e globais; na 2ª sessão recuperamos a noção de soft power, desenvolvida por Joseph Nye, que elucida um novo tipo de poder que vai além do tradicional poderio militar e mostra-se como uma interessante chave analítica para entender a expansão da influência chinesa no cenário internacional; na 3ª e 4ª sessão recuperamos as principais ações governamentais na área ambiental, que visam promover melhorias e respostas à intensa degradação ambiental do país; por fim, na 5ª sessão, introduzimos inovações tecnológicas na área, como uso de big data e PIB verde.

Esse artigo procura avançar nas reflexões sobre a importância que a agenda climática e ambiental assumirá ao longo do século XXI. A problemática ambiental chinesa desperta interesse científico desde os anos 1990, com diversos estudos traçando um panorama da situação ambiental e sua degradação (Albert e Xu, 2016; Shifflet , Turner, Dong, Mazzocco, e Yunwen, 2015; Ferreira, 2017), mas também buscando compreender as respostas políticas e sociais à problemática (Economy, 2014; Kitagawa, 2017; McElwee, 2011; Shi e Zhang, 2006). Entretanto, estudos que buscam compreender a questão ambiental como uma área passível de promover soft power na arena internacional são escassos, ainda que diversos autores busquem analisar a influência chinesa mundial a partir da perspectiva do soft power, porém analisando pelo viés cultural, linguístico, comportamental, etc. (Hunter, 2009; Glaser e Murphy, 2009; Wang e Lu, 2008; Ding, 2008).

Problemática ambiental, local e global

A primeira década do século XXI marcou o reconhecimento da problemática ambiental como tema central para muitos governos nacionais, afinal a degradação ambiental se tornou visível e sentida em diversas localidades. Os governos já haviam sido alertados, desde a década de 1970, sobre a necessidade de formular e implementar legislações aptas a protegerem o ambiente e os recursos naturais, assegurando o atendimento das necessidades da população presente sem comprometer as gerações futuras. O alerta foi lançado em 1972, com a Conferência de Estocolmo 2 , mas também com o chamado Clube de Roma, que divulgou o relatório Os Limites do Crescimento, onde afirmava que o planeta Terra não suportaria o crescimento populacional devido à pressão gerada sobre os recursos naturais e energéticos, produção de alimentos, além da intensificação da poluição (Cavalcanti, 1994). Tal relatório buscava uma análise global e a longo prazo, uma dimensão fundamental para se tratar de problemas ambientais – suas causas, consequências e soluções.

Apesar dos esforços em promover a preocupação ambiental, intensificados após a Rio 92 3 , o século XXI se iniciou com um cenário desfavorável e uma projeção futura catastrófica, que reafirmaram a incapacidade das sociedades, até então, de reagirem à degradação ambiental. As consequências são variadas:

(...) colapso da biodiversidade, o desmatamento, a poluição dos solos, da atmosfera e da hidrosfera, a sobrepesca, o aumento do lixo e o tráfico internacional de lixo, madeira e animais, a eutrofização das águas por fertilizantes, a intoxicação por agrotóxicos e outras substâncias etc. A conclusão é que nos últimos 20 anos não diminui nem o ritmo de degradação dos ecossistemas, nem a velocidade da depleção dos recursos naturais do planeta. (Marques, 2015, p. 37)

Anthony Giddens nos traz a percepção de que a dimensão mais grave da crise ambiental é a mudança climática. “É grave porque aumenta significativamente a desertificação, a crise de recursos hídricos e a crise de biodiversidade [...], destrói muita infraestrutura existente, traz grandes prejuízos às atividades econômicas e afeta com severidade as populações pobres do planeta” (Giddens, 2010, p. 10).

O reconhecimento da gravidade das mudanças climáticas traz à tona a necessidade de uma nova compreensão da sociedade global, a partir da noção de sociedade de risco, conceito criado por Ulrich Beck (Beck, 2010). Beck reconhece que os novos riscos da contemporaneidade, entre eles estão as mudanças climáticas, são imperceptíveis num primeiro olhar, permeiam os mais diversos tipos de relação e estão presentes de maneira indistinta em todo o globo. Esses riscos hoje se constituem em uma ameaça global supranacional e independentes de classe, isto é, atinge a todos, indistintamente, porém as populações economicamente desfavorecidas acabam sendo mais vulneráveis e com menor capacidade de resposta aos novos riscos (Beck, 2010), por isso o esforço deve ser em se conscientizar do risco civilizacional que estamos vivendo. “No centro da questão estão os riscos e efeitos da modernização, que se precipitam sob a forma de ameaças à vida de plantas, animais e seres humanos” (Beck, 2010, p. 16).

A complexidade dos riscos, a abrangência global, sua permeabilidade por toda a sociedade, transforma a questão da mudança climática em um dos temas fundamentais do século XXI (Beck, 2010; Giddens, 2010). Essa preocupação fez com que o chamado Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC), criado em conjunto pela ONU (Organização das Nações Unidas) e pela Organização Meteorológica Mundial (WMO), reunisse esforços para compreender o fundamento do sistema climático global, e os últimos relatórios indicam que a ação humana é a maior responsável pelo aquecimento global nos últimos cinquenta anos (Intergovernmental Panel on Climate Change, 2018).

O aumento da temperatura na superfície terrestre traz inúmeras consequências ao globo: aumento de tufões e secas, extinção de espécies, elevação da temperatura dos oceanos, derretimento das camadas polares e consequente elevação dos oceanos – o que causa o desaparecimento de ilhas e obriga centenas de pessoas a se transformarem em refugiados ambientais, pessoas obrigadas a deixar o local de habitação em virtude das alterações ambientais.

Consequentemente, como resposta à necessidade de conter o avanço das emissões de GEE (gases de efeito estufa), buscando controlar o aumento da temperatura na superfície terrestre, a atuação dos governos é elemento fundamental. A constituição de uma governança preocupada com a questão ambiental é primordial para o controle dos riscos, afinal as mudanças climáticas afetam negativamente o ecossistema terrestre, mas também coloca em risco o desenvolvimento e sobrevivência da espécie humana (Hung e Tsai, 2012).

Reconhecendo tal importância, acordos como o de Copenhague 4 ou o Protocolo de Kyoto 5 buscaram apresentar metas a serem cumpridas pelos governos, entretanto ainda enfrentam uma efetividade limitada (Viola, 2010). O Acordo de Paris, assinado em dezembro de 2015, procura limitar o aquecimento global a 1,5ºC, de forma a minimizar os impactos ao ecossistema terrestre. Para que esse limite de acréscimo de temperatura seja atingido as ações nos próximos anos são fundamentais (Intergovernmental Panel on Climate Change, 2018).

O início da década de 2010 marca o reconhecimento crescente da importância do tema no meio político e científico, passando a configurar como um elemento de segurança nacional e internacional, a partir de declarações e tratados que colocam um ambiente protegido como um dos itens essenciais à segurança do ser humano.

A ciência estabeleceu dois importantes marcos de tempo-referência em nosso século: os anos de 2020 e 2050. As emissões deverão estar estabilizadas até 2020 e drasticamente reduzidas (80%) em 2050 se quisermos que o aumento médio da temperatura do planeta não ultrapasse os dois graus até o fim do século. É o que foi estabelecido em Copenhague (2009). Portanto, a presente década é crítica. Se for perdida essa chance, a retomada mais tarde terá de ser feita em prazos mais curtos e a custos financeiros e políticos muito maiores. (Klabin, 2011, p. 3)

Para além do reconhecimento científico e das projeções, a degradação ambiental começou a ser vivenciada em todo o mundo. No caso específico da China, país analisado nesse artigo, a intensificação da degradação ambiental é um fenômeno resultante da política de exponencial crescimento econômico, urbanização e modernização vivenciados nos últimos 30 anos. Nesse período o PIB chinês cresceu mais de 100 vezes, e mais de 600 milhões de pessoas saíram da linha da pobreza – isso significa uma enorme ampliação do consumo interno. Para sustentar esse crescimento a China tornou-se o maior emissor de gases de efeito estufa na década de 2000, fruto do intenso uso do carvão – sua principal matriz energética (Carbon Dioxide Information Analysis Center, 2014).

Maiores emissores de CO2 em 2014
Figura 1.
Maiores emissores de CO2 em 2014


Fonte: Carbon Dioxide Information Analysis Center (2014).

Grande parte da emissão de carbono é decorrente da queima de combustível fóssil e da fabricação de cimento. Na China, o carvão é a matriz energética responsável por 63% da geração de energia em 2015, seguido pelo petróleo com 18% (Rosito, 2017). Juntos somam 82% de matriz energética altamente poluente e que traz graves impactos ao ambiente, intensificando as mudanças ambientais e climáticas. A evolução no consumo energético chinês mostra que a demanda energética tem aumentado exponencialmente e por conta disso a expansão de novas fontes energéticas não tem significado diretamente uma redução no consumo do carvão.

Consumo e produção de carvão
Figura 2.
Consumo e produção de carvão


Fonte: adaptado de Shifflett et al. (2015).

Recentemente houve uma redução no consumo do carvão a partir de políticas internas que visavam melhorar a qualidade do ar na China. Em 2018, o carvão foi responsável por 59% da produção energética da China, um valor 10% menor do que do ano de 2012, quando o carvão produzia 68,5% da energia nacional. Além do aumento de novas formas de produção energética, como a solar e eólica, houve esforços para implantar novas tecnologias em 80% das usinas de carvão, que passaram a ter sistemas de emissões ultra-baixas. Porém, o primeiro-ministro Li Keqiang reconhece que as dificuldades na redução das emissões estão apenas começando: “Na realidade, as pressões são enormes e não é fácil ser otimista sobre as tendências. As mudanças mais simples já foram feitas, e agora o que há para fazer é muito mais difícil” (Miguel, 2019, p. 1).

Novos investimentos em energias alternativas, mudança no sistema de aquecimento de lares, indústria e comércios, devem auxiliar na redução do consumo de energia proveniente do carvão. A importação de gás natural também está em constante aumento, o que demonstra que os esforços estão sendo feitos, porém ainda há um longo caminho na substituição da matriz energética. Enquanto isso, a China continuará como um dos grandes emissores mundiais, com impactos diretos na população e meio ambiente, tanto local quanto globalmente.

A degradação ambiental na China provocou a contaminação do solo e da água, o intenso desmatamento levou à erosão do solo e desertificação, as altas emissões de poluentes levaram à ocorrência de chuva ácida (nos anos 1990 e 2000), de forte poluição atmosférica, além de intensificar as mudanças climáticas globais, que já alteram os padrões de chuva e temperatura no território chinês, provocando intensos alagamentos mas também seca, além de aumento no nível do mar, tornados e tufões.

Os pesquisadores Suchul Kang e Elfatih Eltahir (2018) publicaram um estudo que mostra que a China pode enfrentar ondas de calor mortais devido às mudanças climáticas. O estudo analisa a região mais populosa e agrícola da China, a Planície Norte da China. Essa região terá uma vulnerabilidade intensificada em virtude do aumento do calor e da umidade, elevando os efeitos do calor, ocasionando dificuldades à sobrevivência da espécie humana. Da mesma forma, o aumento do nível do mar, resultado direto do aquecimento global, coloca em risco a região costeira da China. A China será o país mais atingido em termos de população, com mais de 145 milhões de pessoas atingidas diretamente pelo aumento no nível do mar - caso haja um aumento superior a 4ºC cidades como Shanghai serão diretamente atingidas. Caso o aumento da temperatura global seja de 2ºC a circulação dentro da cidade será gravemente afetada, mas se for superior a 4ºC toda a cidade ficará inundada, conforme mostra a Figura 1 (Strauss, Kulp e Levermann, 2015).

Aumento do nível do mar em Shanghai (projeção)
Figura 3.
Aumento do nível do mar em Shanghai (projeção)


Fonte: Climate Central (s. f.).

Para além das consequências futuras, já há na China uma delicada situação ambiental. A China possui mais de 400 cidades sem água o suficiente, 110 das quais sofrem com grave escassez, ademais a poluição da água é extremamente elevada, com mais de 60% dos lençóis freáticos contaminados (Economy, 2014; Shifflett et al., 2015). A mudança climática também tem afetado diretamente a disponibilidade de água na China, sendo responsável por 65% da redução no volume de água no rio Amarelo e nas bacias do Hai e do Huai. O outro componente responsável por essa redução é a superexploração do recurso pelas cidades, indústria, agricultura e mineração. Com isso podemos afirmar que a água é recurso escasso, poluído, mal distribuído pelo território chinês, e a situação deve se agravar mais, afinal estima-se que até 2030 a demanda por água supere em 30% a oferta disponível (Shifflett et al., 2015).

Dados da década de 2000 mostravam que 200 entre as 300 maiores cidades chinesas apresentavam níveis de qualidade do ar abaixo do recomendável, além de 25% do território sofrer com a desertificação (Beasley, 2014).

A intensificação da degradação ambiental leva à inúmeras consequências econômicas, políticas e sociais. Em 2010 o custo da degradação foi estimado em 3,5% do PIB chinês, totalizando 1,54 trilhões de yuan, segundo a Academia Chinesa de Planejamento Ambiental (Economy, 2014). Para além das perdas materiais a poluição tem intensificado o número de doenças e mortes precoces: calcula-se em torno de 1 milhão de mortes por ano como consequência direta da poluição atmosférica na China (Shuxiao e O’Keefe, 2016). Por fim, há uma dimensão política significativa por detrás da degradação: a conscientização da população sobre os problemas ambientais tem levado a inúmeros protestos e questionamentos sobre a postura governamental, o que pode fragilizar o papel do governo chinês ao não atender as demandas da população.

Soft Power e meio ambiente: um novo campo de atuação

A noção de soft power foi inicialmente apresentada por Joseph Nye, na década de 1990, ao reconhecer que o pós Guerra Fria trazia novas dimensões de poder. Se antes o poder militar era o cerne do poder internacional e determinava quais eram os líderes mundiais, a década de 1990 trouxe novos elementos que atualizam a distribuição e a conquista de poder. O termo refere-se à habilidade de uma nação exercer influência através da inspiração e atração, por meio da propagação de valores, identidades culturais e ideológicas, sendo mais duradouro do que o hard power, obtido por meio da força ou coerção. “(...) problemas relativos ao equilíbrio estratégico e a proliferação de armas de destruição em massa foram substituídos por uma pluralidade de temas que vão da observância aos direitos humanos aos problemas de natureza ambiental” (Martins e Pianovski, 2013, p. 36).

O soft power passa a entrar em ascensão, isto é, não mais apenas o poderio militar que importa (o chamado hard power), mas os recursos culturais de uma nação passam a fazer parte do jogo, assim como a simpatia, a reputação, a ciência, a tecnologia, a música, a literatura, são elementos que fazem parte do chamado soft power e podem exercer a função anteriormente exercida pela força militar e pelo poder de coerção e de comando (Glaser e Murphy, 2009; Hunter, 2009).

As novas relações baseadas no soft power privilegiam aqueles que tem a capacidade de exercer atração, sem que precise exercer coerção. Cultura, valores políticos, prosperidade econômica são elementos fundamentais para expansão do soft power, e por essa razão a China passou a identificar um nicho adequado para atuar e ampliar suas influências, principalmente sobre o sul global (países da Ásia, África e América Latina).

Nos anos 2000 muitos estudos acadêmicos debruçaram-se sobre o tema do soft power em território chinês. A conclusão principal é que apesar da nomenclatura nova o poder brando sempre foi utilizado na China, afinal as lideranças chinesas já utilizavam a ideia de poder a partir de exemplos, de conquista por atitudes e pensamentos, há mais de 2500 anos. Essas noções eram recorrentes no pensamento de Confúcio (551 – 479 a.C.), o renomado filósofo chinês que defendia a necessidade de se buscar um mundo harmonioso, onde o Estado existisse para benefício do povo e os governantes usassem de sua virtude interior para ganhar respeito de seus súditos. Já se encontrava naquela época os elementos que formariam a noção de soft power. Dentro do Taoísmo acreditava-se na noção de preservação da vida e prevenção de lesões, numa clara defesa da não-atividade ou não-intervenção (Wu-Wei). Concepção semelhante também aparece no Moísmo, escola filosófica fundada por Mozi (470 – 391 a.C.), que defendia a doutrina da não-ofensa e da plena igualdade entre os indivíduos. Mencius (372 – 289 a.C.) presumia que um rei benevolente não teria rivais no mundo e poderia facilmente ganhar apoio das massas (Ding, 2008).

A noção de mundo harmonioso foi reincorporada ao léxico político chinês a partir de 2005, quando o presidente Hu Jintao proferiu um discurso no 60º aniversário da Organização das Nações Unidas. Sem dúvida, a China reconheceu a necessidade de alterar sua imagem internacional, muito criticada pelo perfil nacionalista e autoritário, difundindo uma nova imagem da China, capaz de aderir às normas internaciona

A noção de mundo harmonioso foi reincorporada ao léxico político chinês a partir de 2005, quando o presidente Hu Jintao proferiu um discurso no 60º aniversário da Organização das Nações Unidas. Sem dúvida, a China reconheceu a necessidade de alterar sua imagem internacional, muito criticada pelo perfil nacionalista e autoritário, difundindo uma nova imagem da China, capaz de aderir às normas internacionais e integrar-se com sucesso no sistema global existente, de forma a favorecer a sua ascendência na liderança global (Ding, 2008).

A fala de Hu Jintao na ONU defendia que:

  1. 1. O multilateralismo deve ser mantido para realizar a segurança comum com a ONU desempenhando um papel insubstituível na cooperação internacional para garantir a segurança global;

  2. 2. Todas as nações devem ser encorajadas a apoiar esforços para resolver disputas ou conflitos internacionais a partir de consultas e negociações;

  3. 3. A cooperação mutuamente benéfica deve ser mantida para alcançar a prosperidade comum, e os países desenvolvidos devem assumir maior responsabilidade no processo universal, coordenado e equilibrado de desenvolvimento no mundo;

  4. 4. O espírito de inclusão deve ser mantido para construir um mundo onde todas as civilizações coexistam harmoniosamente e se acomodem (Ding, 2008, p. 197).

A defesa de um mundo harmonioso difunde conceitos globalmente aceitos como positivos, entre eles: paz, liberdade, pluralismo, autonomia, igualdade, prosperidade, desenvolvimento, sustentabilidade. O uso de tais conceitos promove uma articulação sedutora nas pessoas, provocando nelas a vontade de fazer parte desse mundo harmonioso – temos então a cooptação, a conquista, e não a imposição do modo de agir e sentir (Martinelli, 2016).

A sustentabilidade e a preocupação ambiental começaram a aparecer na agenda internacional da China com maior frequência e importância a partir dessa época (final da década de 2000), apesar dela ter participado da elaboração da Convenção do Clima, durante a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD), em 1992, além de participação de destaque no G77 e na elaboração do Protocolo de Kioto, em 1997.

Sendo um dos temas chaves para o século XXI, por causa da iminência dos desastres e das consequências imediatas resultantes das mudanças climáticas e da intensa degradação ambiental, a problemática ambiental torna-se em um elemento fundamental a ser explorado nas negociações internacionais e nas políticas nacionais, afinal a sobrevivência da espécie humana encontra-se em risco.

Nesse sentido, é preciso pensar em novas estratégias políticas e econômicas, para mitigar as emissões, para promover as adaptações, para garantir uma utilização adequada dos recursos sem que impacte profundamente as futuras gerações. Por conta da importância crucial do tema, a questão ambiental torna-se um elemento de soft power – aquele que conseguir responder adequadamente ao desafio proposto tem grandes chances de se tornar uma liderança global, principalmente se conseguir conjugar sustentabilidade com crescimento econômico, redução da desigualdade, paz, justiça etc. A China tem se empenhado em assumir essa liderança, conforme veremos adiante.

Rumo à liderança verde

O engajamento da China em prol do ambiente possui diversas e complexas dimensões. A motivação interna é o fator mais nítido nessa relação. A situação ambiental da China na década de 2000 atingia patamares nunca vistos anteriormente.

(...) derretimento das geleiras, especialmente no Tibete e Tianshan; perda na produção agrícola, que pode diminuir até 10% até 2030; aumento no número de secas, tempestades, inundações e desastres naturais causados pelo clima extremo; elevação do nível do mar que vai afetar até 67 milhões de pessoas; e a exposição de outros 40% da população mundial à ameaça de um desastre natural. Tendo em conta que a China abriga uma enorme população de 1,3 bilhão de pessoas, recursos decrescentes, os problemas de poluição graves e uma economia em rápido crescimento – fatores típicos de um dilema de desenvolvimento -, o custo potencial da mudança climática para a China é extremamente alto. (Hung e Tsai citados no Moreira e Ribeiro, 2016, p. 218).

Os primeiros sinais das mudanças climáticas já começaram a ser sentidos na China, porém, as mudanças climáticas são uma certeza repleta de incertezas. O fenômeno já está em andamento, entretanto os cenários e modelos projetados indicam uma série de possibilidades de acordo com a provável elevação da temperatura até o final do século XXI. O IPCC tem se esforçado em divulgar cenários mais otimistas (elevação até 1,5º C) e cenários mais pessimistas (elevação maior que 4ºC), porém, em todos eles a China é potencialmente atingida. Os resultados e consequências são incertos, porém mais ou menos catastróficos os efeitos ocorrerão (Intergovernmental Panel on Climate Change, 2013, 2018). A figura abaixo representa uma projeção feita pelo IPCC, para os anos de 2081 a 2100, em relação a 1986-2005, considerando dois cenários distintos, um mais otimista (RPC 2.6, no qual o pico de emissões de gases de efeito estufa seria atingido entre 2010-2020, com posterior redução substancial), e outro mais pessimista (RPC 8.5, no qual as emissões de GEE continuariam crescendo ao longo do século XXI).

Mudança na temperatura média da superfície e mudança na precipitação média
Figura 4.
Mudança na temperatura média da superfície e mudança na precipitação média


Fonte: Intergovernmental Panel on Climate Change (2013).

A modelagem climática tem permitido uma melhor visualização da relação existente entre a intensificação dos fenômenos climáticos extremos e a mudança climática impulsionada pelas atividades antrópicas. Um exemplo disso foi a comprovação, a partir da modelagem, de que eventos como a onda de calor, ocorrida em 2013 na costa lesta da China, se intensificaram em mais de 60 vezes comparados aos anos 50, em decorrência na atividade antrópica (Yixiu, 2018).

Nos últimos anos tem ocorrido uma intensificação na ocorrência de tufões, inundações repentinas, ondas de calor recordes, levando a um aumento no número de mortos em decorrência desses fenômenos (Jing, 2018). O aumento da visibilidade dos fenômenos, seja por meio da maior divulgação nas mídias e até mesmo pela vivência da população nessas situações, tem mobilizado a opinião pública sobre o tema.

Os mecanismos para reconhecer o aumento do interesse da população sobre o tema são vários: por exemplo, após o intenso verão de 2018, o termo “aquecimento global” foi pesquisado com maior frequência no principal mecanismo de busca da internet chinesa, o Baidu. O aumento no volume de pesquisas com o termo foi muito superior aos registros dos últimos sete verões (Yixiu, 2018). Outro exemplo que demonstra a percepção da população acerca das mudanças climáticas foi a divulgação dos resultados do segundo survey nacional conduzido pelo China Center for Climate Change Communication (China Center for Climate Change Communication, 2017).

De acordo com os resultados do survey (China Center for Climate Change Communication, 2017), 94,4% dos entrevistados acreditam que a mudança climática está ocorrendo e 66% acreditam que a atividade humana é a principal causadora. 47,8% dos entrevistados afirmaram que a mitigação é mais importante que a adaptação, enquanto 45,3% afirmaram que tanto mitigação quanto adaptação são importantes, e apenas 6,7% acreditam que adaptação é mais importante.

O governo aparece, na visão dos entrevistados, como o principal ator na condução das políticas climáticas, seguido pela mídia e pelas ONGs ambientalistas, que também são reconhecidas como instrumentos importantes na conscientização acerca das mudanças climáticas. Já os eixos de atuação considerados como prioritários nas políticas governamentais são: poluição do ar (24,3%), proteção ambiental (18%), saúde (17,2%), mudança climática (8,8%). Todas essas questões aparecem como mais importantes do que o desenvolvimento econômico e o combate ao terrorismo (China Center for Climate Change Communication, 2017).

Os resultados desse survey demonstram claramente que há uma pressão crescente, por parte da população, para que o governo atue mais fortemente nessa questão. Esse aumento da percepção sobre a situação ambiental do país é um dos elementos internos fundamentais para maior engajamento da China nas discussões climáticas. Outro ponto vinculado a isso é o exponencial crescimento nos protestos ambientais a partir dos anos 2000, com maior intensificação na primeira metade da década de 2010.

Nos anos 2000 a maior parte dos protestos ambientais se concentravam nas áreas rurais, em virtude da contaminação do solo e água, da construção de indústrias poluentes, além da instalação de incineradoras nessas regiões. Entretanto, na década de 2010 há um deslocamento dos protestos para as áreas urbanas, o que representa uma maior visibilidade dos protestos, maior número de indivíduos envolvidos, com potencial para promoção da agitação social e questionamento das condutas do governo. “A poluição do ar na China se transformou em um grande problema social e sua mitigação se tornou um desafio político crucial para a liderança política do país” (Albert e Xu, 2016, p. 2).

(...) desde 1999, a taxa média de crescimento anual dos protestos ambientais na China foi de 29%, um avanço que colocou novos desafios ao governo e à governança. De fato, os protestos ambientais compreendem a maioria das ações coletivas em larga escala na China, tendo 50% dessas ações pelo menos 10.000 manifestantes. (Xue, Shen e Zhao, 2018, p. 190)

Os “incidentes de massa”, o nome oficial para protesto, teve aumento exponencial entre os anos de 2007 e 2013, com grande número de ocorrência nas chamadas “aldeias de câncer”, locais próximos às fábricas de produtos químicos, cujos moradores sofrem com a alta incidência do câncer. A partir de 2014 há uma diminuição no número de protestos, porém isso não significa uma menor conscientização popular, menor dano ambiental, ela é resultado direto de maior repressão governamental, que rapidamente fragmenta os protestos, com uso da força policial.

Além desses elementos internos (conscientização ambiental e protestos ambientais) há outros elementos fundamentais e que já foram mencionados: o custo econômico da degradação; o aumento no número de mortes; aumento nos gastos com saúde. A incorporação da temática ambiental na política chinesa passa, então, a responder a esses elementos, além de outros, colocados pela comunidade internacional.

Até a década de 1990 os líderes chineses acreditavam que a degradação ambiental era um custo a se pagar pelo desenvolvimento econômico e redução da pobreza e temiam a interferência de organismos internacionais na condução de sua política interna em nome da proteção ambiental (Li, 2016). Tal panorama começou a se alterar apenas nos anos 2000.

A inserção da China nos acordos de comércio, como na OMC (Organização Mundial de Comércio), a partir de 2001, fez com que o país começasse a se preocupar com a problemática ambiental (Li, 2016) a fim de garantir o atendimento ao Acordo de Marrakesh que determinava:

As partes reconheçam que as suas relações na área do comércio e das atividades econômicas devem ser conduzidas com vistas à melhoria dos padrões de vida, assegurando o pleno emprego e um crescimento amplo e estável do volume de renda real e demanda efetiva, e expandindo o uso ótimo dos recursos naturais de acordo com os objetivos do desenvolvimento sustentável, procurando proteger e preservar o ambiente e reforçar os meios de faze-lo, de maneira consistente com as suas necessidade nos diversos níveis de desenvolvimento econômico. (Uruguay Round, 1994, p. 6)

Outros acordos de comércio, como a APEC (Fórum de Cooperação Econômica Ásia-Pacífico), APTA (Acordo Comercial Ásia-Pacífico), ASEAN (Associação de Nações do Sudeste Asiático), também trazem a temática ambiental como elemento recorrente em seus acordos, e para adesão a eles a China passou a repensar suas estratégias de conservação ambiental, de uso dos recursos, visando melhorar sua qualidade ambiental e garantir sua participação nos acordos internacionais.

Inegavelmente a imagem internacional da China, em toda década de 2000 e início da década de 2010, estava fragilizada em virtude das constantes notícias que denunciavam a situação ambiental do país. O termo airpocalypse, cunhado pelos moradores de Beijing em 2013, passou a representar para o mundo aquilo que estava ocorrendo na China: dias seguidos com péssima qualidade de ar, com fábricas fechadas visando reduzir os índices de poluentes, aulas suspensas por conta do risco à saúde, moradores usando máscaras e comprando aparelhos de purificação do ar, aumento de 30% no número de internações, e notificação de câncer de pulmão em criança com 8 anos de idade – tudo reflexo da grave poluição. Os aplicativos que informavam a qualidade do ar passaram a ser consulta obrigatória antes de sair de casa e o próprio governo passou a publicar dados oficiais que mostravam esses índices assustadores (Junmei, 2013).

A crise ambiental já não estava mais restrita aos habitantes das grandes cidades chinesas: o mundo todo via as fotografias e acompanhava atento o que acontecia na China. Então, o governo precisou agir e iniciou uma nova fase de combate intenso à degradação ambiental.

A guerra declarada

O governo chinês esboçava alguma preocupação ambiental desde o final da década de 1970, quando após a Conferência de Estocolmo criou as primeiras normas referentes à proteção ambiental e conservação dos recursos, de caráter eminentemente retórico, com baixa implementação efetiva. Em 1979 foi aprovada a Lei de Proteção ao Meio ambiente, que demonstrava preocupações com a poluição do ar, da água e resíduos sólidos, diretamente vinculados ao estímulo ao crescimento econômico (Ferreira e Barbi, 2012; Zhang, Wen e Peng, 2007). Na década de 1980 houve uma expansão das agências ambientais, com criação de secretarias, ministérios e agências reguladoras direcionadas ao meio ambiente 6 , e uma revisão da legislação em 1989, com uma ideia central de que a legislação ambiental não poderia ser muito rigorosa, aumentando o ônus sobre o desenvolvimento econômico, sinalizando que a proteção ambiental deveria ser coordenada com o desenvolvimento econômico (Kitagawa, 2017).

Mas apesar de todos os esforços em se criar uma legislação ambiental a aplicação de tal legislação foi extremamente deficitária por uma série de razões: ausência de órgãos fiscalizadores no nível local; conflitos de interesses; corrupção; ausência de uma estrutura jurídica que julgasse os casos e punisse adequadamente; valores baixíssimos de multas; baixa conscientização da importância da fiscalização entre os funcionários do governo; entre outros fatores que tornaram a legislação ambiental avançada apenas no papel, mas com baixo impacto prático na mudança de comportamentos e condutas (McElwee, 2011; Ferreira, 2017; Shi e Zhang, 2006).

Nos anos 90 a legislação ambiental foi sendo aprimorada, ano após ano. Foram sancionadas 9 leis ambientais, voltadas para proteção ambiental, prevenção e controle da poluição, além de 15 leis acerca dos recursos naturais, incluindo lei das florestas e das águas. Além das leis sancionadas, foram aprovadas cerca de 200 regulamentações, 500 normas ambientais nacionais, 51 convenções ambientais internacionais ou multilaterais (Zhang et al., 2007). Apesar dos esforços governamentais, de novas leis e regulamentos, a degradação ambiental se intensificou ao longo dos anos 2000, suscitando a necessidade de uma atuação mais forte do governo e a criação de novos planos de ação e medidas de fiscalização e punição aos infratores.

Após a calamitosa situação de 2013 7 , com seus altíssimos índices de poluição, o Conselho de Estado da China lançou o Plano de Ação, Prevenção e Controle da Poluição do Ar (APPCAP – Air Pollution Prevention and Control Action Plan), um marco importante no controle da qualidade do ar na China. O Plano previa um investimento de 277 bilhões de dólares no período entre 2013 e 2017. O objetivo era reduzir o uso do carvão, promover uma produção mais limpa, com maior controle sobre as indústrias altamente poluidoras. O plano visava reduzir em 10% a densidade do PM 2.5 nas principais cidades até 2017 (Nakano e Yang, 2014; Junmei, 2013).

Huang, Pan, Guo e Li (2018) fizeram uma análise da implementação desse plano no período de 2013 a 2017 e concluíram que:

Entre 2013 e 2017, as concentrações médias anuais de PM 2.5 diminuíram em 33,3 % [...], PM 10 em 27,8% [...], dióxido de enxofre em 54,1% [...], e monóxido de carbono em 28,2% [...] nas 74 cidades principais. Em 2017, como resultado de melhorias substanciais na qualidade do ar, houve 47.240 menos mortes [...] nas 74 principais cidades da China do que em 2013.

Reduções substanciais na mortalidade e redução das mortes prematuras relacionadas ao controle da poluição do ar foram alcançadas de 2013 a 2017 na China, indicando uma eficácia considerável da APPCAP da China. No entanto, os esforços de controle de emissões de ozônio e dióxido de nitrogênio devem ser fortalecidos no futuro. (Huang et al., 2018, p. 313)

Após esse Plano de 2013, os anos seguintes seguem com uma série de novos planos, regulações, significando uma ampliação do projeto nacional de melhoria da qualidade ambiental, preservando os recursos naturais, desenvolvendo novas tecnologias, fundando um novo período das políticas ambientais chinesas. Pela primeira vez a questão ambiental passou a ser tratada como política nacional central, apesar de o 18º Congresso Nacional do Partido Comunista Chinês, em novembro de 2012, já ter mencionado a necessidade de estabelecer e implementar o green development, com investimento em inovação, reciclagem, numa economia de baixo carbono (Zhehua e Jiahua, 2018).

Em 4 de março de 2014, o primeiro-ministro Li Keqiang anunciou que a China estava declarando guerra à poluição, explicitando que a guerra é contra o modo ineficiente e insustentável do modelo de crescimento e modo de vida vigentes na China. Essa declaração representa uma mudança fundamental nos objetivos políticos do país: o que se busca não é mais um crescimento econômico a qualquer custo; a nova meta é tornar a China uma economia verde, isto é, deve haver a conjugação do crescimento econômico somado à preocupação ambiental.

Para reforçar essa nova meta, o governo chinês passou a adotar a noção de civilização ecológica, isto é, é preciso uma integração completa dos aspectos ambientais na economia, política, cultura e sociedade. A nova prioridade do governo deixa de ser o crescimento do PIB apenas, mas foca no desenvolvimento da civilização ecológica, aderindo ao conceito de desenvolvimento sustentável, com o intuito de promover a harmonia entre os seres humanos e a natureza. Tal noção encontra suporte nos 14 princípios políticos do pensamento de Xi Jinping 8 , divulgados no 19º Congresso do Partido Comunista Chinês. Segundo esclareceu Xi Jinping, os esforços da China deverão transformá-la em uma nação mais próspera e bonita, por meio de reformas ambientais e econômicas.

O 13º Plano Quinquenal (2016-2020) apresenta claramente esse novo momento histórico da China: a preocupação com a consolidação de uma civilização ecológica, com crescimento econômico baseado na inovação e tecnologia, com exportações de produtos com alto valor agregado. As tecnologias de baixo carbono são reconhecidas como as tecnologias do futuro, e a China vislumbra se tornar a potência mundial no desenvolvimento, fabricação e exportação dessas novas tecnologias. É um novo motor de crescimento econômico que conjugado com as políticas ambientais devem conduzir a China rumo à liderança global.

Para alcançar os objetivos propostos pelo 13º Plano Quinquenal e de forma a adequar a realidade chinesa aos padrões desejáveis, uma série de medidas passaram a ser implementadas após 2015, e ainda que um curto período de tempo tenho transcorrido desde então, algumas medidas já alcançaram resultados e outras serão atingidas até 2020, período final do plano quinquenal vigente.

O Plano, que visa estabelecer a estratégia e o caminho para o desenvolvimento da China, apresentou a necessidade de uma gestão vertical capaz de se comprometer com a aplicação das leis ambientais e das metas vinculantes estabelecidas no Plano:

No plano, a China compromete-se a reduzir em 18% as emissões de carbono por unidade do PIB dos níveis de 2015 até 2020 e uma redução de 15% na energia consumida por unidade do PIB a partir dos níveis de 2015 até 2020. Ele também se compromete a gerar 15% da energia primária proveniente de fontes não-fósseis e introduz uma nova e importante meta de manter o consumo de energia abaixo de 5 bilhões de toneladas equivalentes de carvão até 2020. Sublinhando como a qualidade do ar se tornou um grande impulsionador da política energética e climática, também promete uma redução de 25% nas partículas nocivas de PM 2.5. (Geall, 2016, p. 1)

Além dessas metas outras também foram determinadas (Governo da República Popular da China, 2015):

O Plano consolida-se então como guia para o desenvolvimento econômico e social da China sustentado por ideais de construção de uma sociedade harmoniosa, de uma civilização ecológica, capaz de garantir a proteção ambiental, o controle da poluição e a preservação de recursos para as gerações futuras.

Como parte das metas determinadas pelo Plano destaca-se o projeto de reflorestamento, que mobilizou mais de 124 milhões de camponeses, conseguindo expandir a cobertura vegetal em mais de 3%, acumulando mais de 1,3 bilhões de metros cúbicos de vegetação. Tal aumento na área de floresta deve fixar em torno de 1 bilhão de toneladas de dióxido de carbono, contribuindo diretamente como resposta às mudanças climáticas. O projeto de reflorestamento foi premiado durante a 16ª Conferência de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, sendo reconhecido como projeto modelo mundial, recebendo delegações de mais de 70 países, que foram à China para aprender com a experiência chinesa. Tal projeto permitiu significativo controle da desertificação (Zhenhua e Jiahua, 2018).

Resultados e Inovações

Com o reconhecimento da importância da temática ambiental e climática no desenvolvimento econômico e tecnológico da China, novos investimentos foram direcionados ao setor. Dentre as novas estratégias para enfrentar a questão destacamos: o PIB verde, o uso intenso de big data e os investimentos em tecnologia e inovação.

A ideia do PIB verde é criar um índice que vá além dos parâmetros econômicos de produção de riqueza, contabilizando também os custos ambientais na produção de mercadorias e serviços, isto é, a partir de variáveis, tais como eficiência energética, emissões de GEE, qualidade do ar, renda per capta, investimento em inovação e tecnologia, as cidades e regiões são avaliadas. Dito de outro modo, pretende-se monetizar os custos com a perda da biodiversidade, com a degradação ambiental, com os impactos às mudanças climáticas. No cálculo do PIB verde leva-se em conta as consequências ambientais do crescimento econômico (Sung, 2017).

Em dezembro de 2017 foi publicado o primeiro índice chinês de classificação das províncias e regiões de acordo com o ideal de desenvolvimento sustentável, a partir de dados obtidos pela Comissão Nacional de Reforma e Desenvolvimento, além do Departamento de Informação do Partido Comunista Chinês e do Ministério de Proteção Ambiental (Agência EFE, 2017). Para além de um cálculo dos recursos e do grau do esgotamento ambiental, o PIB verde acaba sendo útil para monitorar as localidades, as empresas e o consumo individual (Weigelin-Schwiedrzik, 2017). Segundo Ning Ji Zhe, do Departamento Nacional de Estatística:

Civilização ecológica é uma reestruturação que envolve mudanças significativas na produção, estilos de vida, modos de pensar e valores. É preciso abandonar o conceito de desenvolvimento e conquistas políticas apenas baseados no PIB, é necessário melhorar o sistema de avaliação do desenvolvimento econômico e social, tornando-se um importante guia para promoção e construção da civilização ecológica. (Zhe citado no Shifang, 2017, p. 2)

Com a adoção do PIB verde a estratégia da China é conseguir aumentar o lucro com base na reputação ambiental, uma nova tendência global que trará oportunidades aqueles que obtiverem os melhores resultados (Weigelin-Schwiedrzik, 2017). As críticas a uma mensuração de sustentabilidade são variadas, as dificuldades para se criar um novo padrão de indicador de progresso são bem fundamentadas (Veiga, 2009), entretanto, no caso chinês a implementação do PIB verde acaba motivando as localidades no cumprimento da legislação ambiental, ampliando a fiscalização, alterando a mentalidade dos governantes locais que privilegiavam o crescimento econômico a qualquer custo – o que gera grande impacto ambiental.

Já o uso de Big data foi anunciado por Xi Jinping em 2015, quando afirmou que o Estado coletaria diretamente as informações sobre o meio ambiente, a partir do uso de satélites, sem intermediação das autoridades locais. Essa estratégia visa fortalecer uma governança top-down, a partir da formação de uma ampla base de dados sobre a situação das diversas regiões do país. A utilização desse tipo de dado está diretamente ligada a uma concepção política, difundida por Deng Xiaoping, que defendia a necessidade de doing things with numbers, numa contraposição às ideias de Mao Zedong que defendia o poder das palavras na realização dos planos (Weigelin-Schwiedrzik, 2017). Líderes políticos chineses, como Xi Jiping, fazem grande uso dos dados, números e estatísticas para conduzir a política do país e orientar as ações, e o uso de big data fortalece esse modo de se fazer política.

Se a China conseguir aproveitar as tecnologias de Big Data para construir um sistema de governança top-down, mas responsivo, que se mostre politicamente eficaz, economicamente produtivo e socialmente estável, tem o potencial de se tornar um modelo global, diz Sebastian Heilmann. (Weigelin-Schwiedrzik, 2017, p. 34)

Além do uso do PIB verde e de Big data, a necessidade de conjugar crescimento econômico e melhorias ambientais implicou no fortalecimento dos investimentos em tecnologia e inovação. A China ficou conhecida mundialmente, a partir dos anos 1990, pelos produtos made in China, de baixo valor, baixa qualidade, conhecida por ser o copycat da tecnologia internacional, entretanto o governo tem estimulado desde o início da década de 2000 o desenvolvimento de tecnologia e inovação, com maciços investimento em pesquisa e desenvolvimento (P&D).

O investimento em P&D se intensificou após a crise de 2008, quando o volume de exportações caiu e a China se viu pressionada a desenvolver infraestrutura própria de inovação e melhoria da competitividade das instituições de pesquisa, remodelando profundamente seu padrão de exportação. O Plano Quinquenal de 2011-2015 estipulou investimento de mais de 1,7 trilhões de dólares em vários setores de tecnologia (Tartaruga, 2017), e entre esses setores encontram-se as tecnologias para produção de energia alternativa, principalmente eólica e solar.

Com esses investimentos em P&D a China tornou-se o maior exportador de tecnologia na área de produção energética alternativa, conquistando um nicho de mercado que está em constante expansão. Deste modo conjuga-se crescimento econômico com preocupação ambiental, exportando tecnologias ambientalmente responsáveis e que impulsionarão o aumento das fontes de energia mais limpas.

É um bom negócio conduzir uma revolução tecnológica capaz de alterar o futuro global. O investimento maciço nas novas tecnologias promete uma expansão do poderio chinês, para além do aspecto econômico. A China está buscando oferecer ao mundo uma nova visão do futuro, onde seja possível reconciliar homem e natureza, garantir um menor grau de aquecimento do planeta, de forma a permitir a continuação da espécie humana com condições dignas de vida.

Considerações finais

O direcionamento estratégico da China, a partir do último plano quinquenal, fortalece a necessidade de conjugar crescimento econômico com proteção ambiental, alterando a postura política tanto interna quanto externamente. Se no cenário interno as metas e medidas foram esclarecidas acima, resta identificar o papel desempenhado pela China na COP 21 (21ª Conferência das Partes), quando foi aprovado o Acordo de Paris 9 e a China foi reconhecida como uma liderança na área ambiental.

O período que antecedeu a COP21 já demonstrava que a China intencionava assinar o Acordo e estava disposta a participar ativamente das negociações. O posicionamento chinês manteve o que ela já defendia nas conferências anteriores, que é o princípio de “responsabilidades comuns porém diferenciadas”, com a China defendendo a necessidade de países desenvolvidos (representados pelos Estados Unidos) arcarem com cortes mais altos nas emissões, enquanto os países em desenvolvimento (representados por China e Índia) se comprometeriam a reduzir as emissões desde que não impactassem em seu desenvolvimento econômico. Ademais a China posicionou-se firmemente a favor dos amplos investimentos em tecnologia e financiamento de projetos pró melhoria do clima vindos dos países desenvolvidos, que deveriam firmar parcerias com os países em desenvolvimento (Li, 2016). A China assumiu o compromisso de reduzir suas emissões de carbono entre 40% e 45% até 2020, um valor que corresponde a mais de 50% do total emitido pelos países desenvolvidos, ou seja, seus esforços garantirão uma melhoria global, reduzindo o impacto dos gases de efeito estufa.

Os delegados chineses deixaram claro o intuito da China em ser uma liderança global na área climática, firmando acordos bilaterais com diversos países, propondo metas voluntárias, além de anunciarem altíssimos investimentos em tecnologia para geração de energia alternativa, sinalizando o domínio chinês na produção de energia eólica e solar no mundo todo. Os acordos sul-sul e entre os países do BASIC (Brasil, África do Sul, Índia e China), na área de mudanças climáticas, devem propiciar investimento em novas tecnologias, mas também investimentos em medidas de mitigação e adaptação.

Com a ascensão do governo Trump, nos EUA, e o distanciamento dos EUA da agenda climática global, a China conquista maior reconhecimento enquanto potência apta a conduzir novas negociações internacionais, afinal o país está adotando profundas mudanças em sua política interna, está alcançando os objetivos propostos em relação à melhoria da qualidade do ar, substituição de fontes de energia, demonstrando ao mundo que é possível incorporar uma série de medidas. A China assume o protagonismo das discussões sobre adaptação, investimentos, tecnologia e construção de capacidades, principalmente entre os países do sul global, já que reconhece que esses países estão em etapas diferentes de desenvolvimento, ainda lidando com problemas como erradicação da pobreza, ao mesmo tempo em que precisam se engajar na proteção ambiental e climática.

É nesse sentido que a China tem feito amplo uso do soft power enquanto elemento fundamental para se firmar como liderança global, alterando suas condutas domésticas, melhorando sua imagem internacional, promovendo a civilização ecológica como ideal a ser alcançado pelos chineses, mas que pode ser um ideal que promova ações sustentáveis em todo globo. A construção de parcerias e acordos bilaterais/multilaterais é outra dimensão fundamental que vem sendo explorada pela China no cenário de negociações internacionais.

O que está sendo proposto internacionalmente é um novo padrão de desenvolvimento, acompanhado por novas visões e estratégias. Conforme afirmou Xi Jiping, “Quando nossa ecologia é progressiva, nossa civilização é próspera; quando nosso eco-ambiente é ruim, nossa civilização entra em declínio” (Xi citado no Zhenhua e Jiahua, 2018, p. 290), numa clara defesa da urgência da promoção de melhorias ao ambiente, controlando a poluição e o uso dos recursos naturais.

A China traz ao mundo a necessidade de uma nova civilização capaz de superar os paradoxos da sociedade industrial, com a tecnologia não dominando a natureza, mas se tornando um aliado do meio ambiente. Apesar disso ainda se mantém como o maior emissor de gases de efeito estufa em todo mundo, não conseguindo substituir o carvão como matriz energética, havendo muitos desafios a serem superados no ambiente doméstico. A liderança global da China será fortalecida a partir de suas próprias ações, com expressiva melhoria de seus índices de qualidade ambiental. Controlando suas emissões, encontrando alternativas para o crescimento econômico, a China servirá de exemplo para o restante do mundo, exportando tecnologias, formalizando parcerias e acordos multilaterais. A liderança global virá naturalmente caso cumpra suas promessas e continua atingindo seus objetivos traçados, entretanto, se persistir no uso do carvão e nos altos índices de emissões, a civilização ecológica ficará seriamente ameaçada.

Importante destacar que a noção de civilização ecológica é desenvolvida com base nas particularidades da organização social, política e econômica da China, e a expansão do poderio chinês não significa um novo colonialismo, pois há o reconhecimento que na atualidade se configura um novo padrão de relações internacionais, que são horizontais, não havendo mais a imposição de uma cultura, como ocorreu com a cultura americana que, numa relação vertical, expandiu e impôs sua cultura de diversas formas no mundo ocidental (Weiwei, 2012). Da mesma maneira que a China busca reconhecer os melhores caminhos para uma sociedade em que homem e natureza convivam em harmonia, os demais países devem achar os modelos que melhor se adequem ao seu histórico e características próprias.

Recuperando a noção de soft power fica claro que a China passa a influenciar outros países, principalmente a partir do exemplo e de experiências de sucesso obtidas no espaço doméstico. Por exemplo, cidades sustentáveis foram criadas a partir de projetos pilotos que visam alcançar os indicadores de sustentabilidade, buscando meios de garantir um ambiente limpo e seguro, água e alimentos de qualidade, com transporte público, áreas de lazer, com menos desigualdade social, com empregos, alta expectativa de vida, alta escolaridade, alta renda, atingindo objetivos de desenvolvimento humano, saúde, desenvolvimento sustentável.

Premiações internacionais também passaram a reconhecer os esforços chineses, como ocorreu durante a 16ª Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável, que reconheceu o papel de destaque da China no processo de desertificação, premiando o gigantesco projeto de reflorestamento, em andamento desde o final dos anos 2000. A ideia de progresso ecológico, diretamente vinculada à noção de civilização ecológica, também foi reconhecida como uma referência que pode ser adotada por outros países, com a United Nations Environment (UNEP) incorporando essa noção em seu relatório (Zhenhua e Jiahua, 2018).

Além dos projetos implementados na China, há outros que visam a cooperação entre países no nível regional, como é o caso da chamada Nova Rota da Seda (Silk Road Economic Belt), que propõe promover cooperação entre diversos países, com o intuito de melhorar a conectividade entre países em escala transcontinental, visando desenvolvimento de novas tecnologias e de indústrias, aumentando o comércio internacional, mas também prevê alcançar melhorias ambientais, obtendo resultados satisfatórios a partir de acordos bilaterais e multilaterais. Espera-se que o intenso diálogo entre países facilite a troca de ideias, leis, regulações, que promovam progresso ecológico e green development. As estratégias que visam melhorias ambientais e proteção ambiental é um dos pontos fortes da Nova Rota da Seda, com altos financiamentos em desenvolvimento verde, emissão de títulos verdes e estímulo à participação de diversos atores sociais, como ONGs, empresas, mídia, cientistas, e proporcionará mais poder aos países em desenvolvimento participantes da Nova Rota durante as negociações internacionais.

O desenvolvimento de uma civilização ecológica passa a ser um objetivo claro do governo Xi Jiping, que reconhece a necessidade de mudança no padrão de desenvolvimento, como única saída possível para alcançar um mundo harmonioso, com integração entre homem e natureza. Se esses ideais forem difundidos para o nível global, a natureza e as gerações futuras agradecerão.

Entretanto, esse futuro glorioso tem um caminho longo e repleto de dificuldades. Alterar um padrão de desenvolvimento implica em alteração no crescimento do PIB, em mudanças na economia, que podem ser vistas como crises, caso haja uma desaceleração. A China continua crescendo economicamente a partir do estímulo ao consumo e ao desenvolvimento do mercado interno, que somado com o enorme volume de exportações são responsáveis pela potência em que se transformou – mas também são os responsáveis pela degradação ambiental. Será preciso criar alternativas ao padrão de consumo atual. A questão energética também é delicada, afinal alterar uma matriz energética que ainda é baseada em carvão demandará muito investimento, substituição do parque industrial, novas formas de aquecimento doméstico, alterações nos padrões de produção e consumo. Não são tarefas simples, pois elas demandam negociações com a população, com empresários, com outros países, afinal, o modelo top down, imposto pelo governo sem diálogo com a população, pode ameaçar a estabilidade do governo chinês, caso haja insatisfação popular e insatisfação do mercado, que pode afugentar investimentos e afetar a manutenção econômica e política da China.

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Notas

1 Esse artigo é resultado parcial das pesquisas: “O desafio das mudanças ambientais globais no Antropoceno: ênfase nas questões das dimensões humanas das mudanças climáticas (Brasil, China e Moçambique)” (Processo FAPESP 2016/17025-4) e “Sociedade civil, Estado e questão ambiental na China contemporânea (financiada pela CAPES).

2 A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, também conhecida como Conferência de Estocolmo, foi organizada pela ONU, em 1970, para tratar, pela primeira vez, de questões relacionadas à degradação do meio ambiente. Ela difundiu valores que visam o equilíbrio entre desenvolvimento econômico e redução da degradação ambiental.

3 Em uma nova edição da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humana, ocorrida no Rio de Janeiro em 1992, os países participantes produziram diversos documentos oficiais, como a Agenda 21, que visa um novo padrão de desenvolvimento ambientalmente racional. A partir da Rio 92 e da Agenda 21, foi criado a Convenção-Quadro das Nações Unidas para a Mudança do Clima, ratificada pela maioria dos países participantes.

4 O Acordo de Copenhague foi firmado na COP 15, a partir de negociações entre Estados Unidos, Brasil, China, Índia, África do Sul e União Européia, reconhecendo a necessidade de limitar o aumento da temperatura global a 2°C em relação aos níveis pré-industriais. Apesar dos esforços, o acordo não mencionou corte nas emissões, não se tornou decisório nem judicialmente vinculante.

5 O Protocolo de Kyoto foi firmado em 1997, pelos países participantes da ONU, com o objetivo de reduzir as emissões de gases causadores do efeito estufa em 5,2%, comparado aos dados de 1990. O Protocolo previa que as metas fossem atingidas entre 2008 e 2012. O protocolo previa que os países desenvolvidos tivessem maior responsabilidade na redução das emissões, pois contribuíram por mais de 150 anos com as emissões de gases de efeito estufa.

6 Em 1984 o Conselho de Estado estabeleceu a Agência Nacional de Proteção ao Meio Ambiente (NEPA), órgão responsável pela coordenação das atividades relacionadas ao meio ambiente realizadas dentre os ministérios. Em 1998, o NEPA se transforma no Ministério da Administração de Proteção do Meio Ambiente (SEPA). Em 2008 o SEPA foi renomeado para Ministério de Proteção do Meio Ambiente (MEP), sendo elevado a Ministério Pleno, representando o intuito do governo chinês em promover esforços para a melhoria ambiental do país. O MEP é o órgão responsável pela formulação e implementação de políticas ambientais, englobando vários conselhos locais de prevenção da poluição em níveis provinciais, municipais e nacionais (Ferreira, 2017).

7 Em janeiro de 2013, pela primeira vez na história, Beijing registrou um índice de contaminação atmosférica por PM2.5 quase 50 vezes maior que o máximo aceitável pela Organização Mundial de Saúde, isto é, mais de 1000 PM2.5 por metro cúbico. A população, preocupada com a situação, passou atulizar o termo airpocalypse nas mídias sociais, difundindo as preocupações com o alto nível de partículas PM2.5 e PM10, que são conhecidas por causarem danos à saúde humana, levando ao aumento de doenças respiratórias e cardiovasculares, como cânceres, ataques cardíacos e derrames, além de provocarem grande número de mortes.

8 Entre os 14 princípios políticos do pensamento de Xi Jinping há referência direta à necessidade de adoção de uma nova visão de desenvolvimento; melhoria das condições de vida da sociedade; harmonia entre homem e natureza; e a ideia de construir uma sociedade de futuro compartilhado com toda a humanidade (Gil, 2017).

9 O Acordo de Paris, aprovado em 2015, apresenta medidas de redução de emissão de gases de efeito estufa a partir de 2020, com objetivo de conter o aquecimento global abaixo de 2°C e promover o desenvolvimento sustentável.

* Artigo de pesquisa

Autor notes

a Autora correspondente. Correio eletrônico: marianabarb@yahoo.com

Informação adicional

Como citar este artigo: Barbieri, M. D., e Ferreira, L. C. (2019). China e governança ambiental global: desafios rumo à liderança. Papel Político, 24(2), https://doi.org/10.11144/Javeriana.papo24-2.cgag

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