Perfil financeiro dos psicólogos brasileiros: análise estatística relacionada ao ano de 2015*

Financial profile of Brazilian psychologists: statistical analysis of 2015

Universitas Psychologica, vol. 18, núm. 1, 2019

Pontificia Universidad Javeriana

Luis Anunciaçãoa a

Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Brasil


Daniel C. Mograbi

Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), Brasil


J. Landeira-Fernandez

Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), Brasil


Recepção: 02 Fevereiro 2016

Aprovação: 09 Novembro 2018

Resumo: A Psicologia brasileira tem claros indicadores de crescimento profissional. Em pesquisa realizada pelo Conselho Federal de Psicologia, em 2013, os resultados mostraram que o Brasil possui mais de 250 000 psicólogos: taxa de 1.24 psicólogos por 1 000 habitantes. No entanto, os dados sobre o perfil financeiro dos psicólogos brasileiros ainda são escassos. Posto isso, com o objetivo de investigar esse perfil, o presente estudo consistiu de uma pesquisa exploratória, não-probabilística, do tipo survey, realizada em 2015, em que participaram 437 psicólogos em todo Brasil. Concluiu-se que os trabalhadores economicamente ativos são, em sua maioria, jovens mulheres, que possuem uma renda média mensal de R$ 2 000 e que trabalham majoritariamente na clínica. Esta pesquisa fornece novos dados sobre o perfil profissional do psicólogo brasileiro.

Palavras-chave psicologia, pesquisa empírica, perfil profissional, salário e renda, graduação.

Abstract: Brazilian psychology has revealed an increasing trend in its growth. In 2013, a study conducted by the Federal Council showed that Brazil has more than 250 000 licensed practitioners, revealing 1.24 psychologist per 1 000 inhabitants. However, data are lacking in the literature regarding the information about the financial profile of the Brazilian psychologist, which is the aim of this study. With that being said, this research is an exploratory, non-probabilistic, survey-type study conducted in 2015, involving 437 psychologists all over Brazil. The study concluded that economically active psychologists are mostly young women, who have a monthly income of R$ 2 000 on average and work mostly in the clinic. This research provides new data on the professional profile of the Brazilian psychologist.

Keywords: psychology, empirical research, professional profile, income, undergraduate degree.

Resumen: La psicología brasileña ha revelado una tendencia creciente en su crecimiento. En 2013, una investigación llevada a cabo por el Consejo Federal mostró que Brasil tiene más de 250 000 profesionales con licencia, revelando 1.24 psicólogos por cada 1 000 habitantes. Sin embargo, faltan datos en la literatura sobre la información sobre el perfil financiero del psicólogo brasileño, que es el objetivo de este estudio. Dicho esto, esta investigación es un estudio exploratorio no probabilístico, tipo encuesta, realizado en 2015, en el que participaron 437 psicólogos de todo Brasil. El estudio concluyó que los psicólogos económicamente activos son en su mayoría mujeres jóvenes, que tienen un ingreso mensual de R$ 2 000 en promedio y trabajan principalmente en la clínica. Esta investigación proporciona nuevos datos sobre el perfil profesional del psicólogo brasileño.

Palabras clave: psicología, investigación empírica, perfil profesional, ingresos, pregrado.

O trabalho é uma atividade absolutamente central na vida das pessoas e a renda obtida por sua execução é uma das variáveis que também repercute em bem-estar social e qualidade de vida, o que não é diferente na Psicologia (Yu & Chen, 2016). No Brasil, a Psicologia existe como uma profissão regulamentada desde 1962 pela Lei 4.119, promulgada pelo então Presidente da República João Goulart. A partir desta época, o exercício profissional foi regulamento em Lei. No entanto, não havia órgãos fiscalizadores dos profissionais de Psicologia. Assim sendo, como ilustra Otero (2010), o profissional poderia atuar livremente e, provavelmente, sua atuação seria guiada por seus próprios padrões éticos e morais. Em 1971, com a Lei 5.766, sancionada por Emílio Médici, que cria o Conselho Federal de Psicologia (CFP), esta situação mudou, inaugurando assim a autarquia que orienta, fiscaliza e serve como tribuna ética deontológica da Psicologia (Soares, 2010).

Um dos últimos censos oficiais dos psicólogos inscritos no CFP, ocorridos em 2013 por ocasião eleitoral, revelou que existiam 250 558 profissionais no Brasil, majoritariamente mulheres entre 30 a 59 anos e concentradas no Sudeste (58%). Como este número é formado a partir daqueles inscritos, ativos e sem impeditivos éticos no banco de dados do Conselho no momento do levantamento, estima-se que existam ainda mais profissionais (Monte, 2015).

Em relação à taxa de crescimento, o curso de Psicologia é um dos mais concorridos do Sistema de Seleção Unificada (Ministério da Educação do Brasil, 2018) e visto os estudantes em graduação, a profissão caminha para em torno de 400 000 profissionais em 2020. Além disso, há um crescimento de cerca de 13% ao ano desde 1985, quando havia 53 5338 profissionais (Bastos & Gomide, 1989). Com 1.24 psicólogos por habitantes, o Brasil se apresenta como um dos país em que esse índice é o mais elevado, sendo 3 vezes maior do que o índice dos Estados Unidos, que é de 0.33 (Reus-Smit & Snidal, 2008).

No entanto, desde o início da profissão de psicólogo no Brasil, a maior documentação feita por acadêmicos se refere a reflexões sobre as práticas de psicólogos nos mais diversos campos (Monte, 2015). Dessa maneira, relatórios e pesquisas sobre o perfil financeiro do psicólogo ou são inexistentes ou são mínimos quando comparados às reflexões. Isso não é fato isolado apenas ao tema financeiro, mas também em relação a aspectos de pesquisa e desenvolvimento da ciência psicológica (Gutiérrez & Landeira-Fernández, 2018; Pimentel, 2007).

Esse fenômeno gera uma preocupação, uma vez que indicadores profissionais associados à renda e finanças são importantes fontes de informação à busca da graduação e pós-graduação (Anunciação & Landeira-Fernandez, 2017), bem como são características associadas à maturidade pessoal (Fiorini, Moré, & Bardagi, 2018) e à aquisição de dívidas e problemas financeiros futuros (Santos, 2013).

Ainda nessa direção, a literatura internacional aponta que existe uma correlação proporcional e forte entre aspectos financeiros e satisfação na vida, especialmente em países com vulnerabilidade financeira (Diener & Diener, 2009), bem como uma correlação negativa entre privação financeira e autoestima (Waters & Moore, 2002).

Uma vez que há escasso conhecimento sobre o tema, o objetivo da presente pesquisa foi explorar, descrever e analisar o perfil de psicólogos economicamente ativos, ou seja, da população econômica remunerada. Pesquisas exploratórias auxiliam aumento do conhecimento sobre o fenômeno, bem como gerar novas ideias que possam, futuramente, guiar novos estudos. Os resultados desta pesquisa auxiliam no planejamento e gestão da profissão e carreira, nas políticas voltadas à categoria profissional, no detalhamento para orientação e informação a vestibulandos e graduandos, na comparação entre aspectos financeiros e monetários entre profissionais e na correlação entre estes indicadores.

Método

Participantes

Participaram desta pesquisa 437 respondentes de todas as regiões do Brasil entre o período de 22/05/2015 até 26/07/2015. A amostra foi composta por 80% de mulheres (n = 272) e 20% de homens (n = 68). A faixa etária mais frequente foi entre 25 e 30 anos (30.6%), seguida por participantes com idade superior a 30 até 35 anos (24.7%) e idade superior a 35 até 40 anos (15.3%). 18.5% dos participantes tinham idade superior a 40 anos e 10.9% tinham idade inferior ou igual a 25 anos. A maioria dos participantes estava localizado na região Sudeste (60.3%), seguida pela Centro-Oeste (15.6%), Sul (12%), Nordeste (9.4%) e Norte (2.7%).

Instrumento

Foi elaborado um survey sociométrico interseccional em dois níveis, que foi construído inspirado por questionários econômicos e demográficos utilizados na PNAD e no último questionário utilizado pelo CFP (Monte, 2015). Havia 14 itens gerais e obrigatórios. A saber: 1. Você ganha algum dinheiro diretamente exercendo Psicologia?; 2. Em média, quantos Reais você ganha por mês com Psicologia?; 3. Sua fonte principal de renda na Psicologia vem de qual setor?; 4. Você depende financeiramente de alguém?; 5. Você tem outra fonte de renda além da Psicologia?; 6. Avaliando somente sua realidade financeira conquistada pelo exercício da Psicologia, você faria novamente Psicologia?; 7. Depois de formado, você já pensou em desistir?; 8. Por quê?; 9. Você deixaria de trabalhar como psicólogo por um salário melhor em outra profissão?; 10. Qual seu sexo; 11. Qual seu local de residência; 12. Qual sua idade; 13. Você se formou por uma faculdade pública ou particular? e 14. Você está formado há quanto tempo?

Em relação à área específica que consiste a principal fonte de renda, optou-se pela utilização dos critérios tradicionalmente utilizados para definição, que são as três grandes áreas: Psicologia Clínica, Educacional e Organizacional (ou do Trabalho) (Anacona-Lopez, 2005). As opções “Funcionários públicos” e “Outros” foram adicionadas para que as opções refletissem uma parte das evidências que mostram a recente aceleração da empregabilidade de psicólogos no setor público e em novas áreas (Bastos & Gomide, 1989; Nogueira, Andrade, Souza, & Soares, 2015)

A forma de escrita dos itens, bem como as categorias de respostas possíveis buscaram ser: 1. curtas e objetivas, 2. claras e compreensíveis a todos os participantes, 3. não tendenciosos, 4. sem questões negativas (por exemplo: eu me formei em uma universidade pública em vez de eu não me formei em uma universidade particular), 5. sem variável oposta (por exemplo: dois itens questionam sobre aspectos da renda, mas com formulações diferentes) e 6. com apenas um item contingente (por exemplo: item contingente é aquele que dependendo da resposta, a pessoa vai para um outro item específico).

O sistema foi configurado para não permitir dados ausentes (missing case). Caso o participante deixasse um item em branco, o sistema avisava e somente encerrava após o preenchimento da informação solicitada. A eleição de dicotomias (sim ou não), o intervalo de cada classe e a ordenação dos itens ocorreu visando maior aderência do público ao interesse de pesquisa, tal como sugerido por Babbie (2012).

Procedimento

Todos os participantes foram recrutados via redes sociais (Facebook, Twitter, Linkedin) e e-mail. Uma vez que a técnica não-probabilística serviu como recrutamento de participantes e o formato da pesquisa contou em mídias digitais, tentou-se suprimir as fraquezas dos surveys online da seguinte maneira: i. para alcançar mais participantes e evitar a impessoalidade, o e-mail era enviado por contas pessoais e institucionais, ii. o sistema foi configurado para considerar apenas uma resposta quando duas eram dadas em datas/horários virtualmente iguais, iii. o anonimato foi totalmente garantido, já que nenhum dado de identificação nominal foi coletado, iv. as informações da finalidade da pesquisa foram expostas ao início e os participantes assinavam virtualmente um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, antes de participar da coleta de dados, caso concordassem em participar da pesquisa.

Análises estatísticas

Foram realizadas análises descritivas de frequência e porcentagem. Para comparação entre os grupos, se utilizou tabelas de contingências e como o nível de medida trabalhado foi o categórico, testes qui-quadrado foram utilizados investigar a independência entre as variáveis durante a etapa de inferências estatísticas. Correções foram aplicadas às células com frequência menor do 5, tal como recomendado pela literatura (Howell, 2011).

Como o presente trabalho é exploratório, as análises foram realizadas sem uma ordem específica. Trabalhou-se com uma significância (α) de 0.05 e o número amostral atingiu os critérios do Teorema Central do Limite (TCL), que apresenta que a soma de N variáveis aleatórias independentes, com qualquer distribuição e variâncias semelhantes, é uma variável com distribuição que se aproxima da distribuição normal quando N aumenta. Utilizou-se o Statistical Package for the Social Sciences versão 22 para construção do banco de dados e o R 3.5 (The R Foundation for Statistical Computing, 2017) para análises.

Resultados

O primeiro item da pesquisa perguntava se o participante obtinha alguma renda com Psicologia. Caso ele escolhesse que sim, a pesquisa continuava. Caso não, a pesquisa era encerrada, aparecia uma mensagem de agradecimento e os dados de acesso ficavam arquivados. Dessa forma, foi possível calcular quantos participantes que acessaram a plataforma de pesquisa realmente eram economicamente ativos com Psicologia.

Em relação ao perfil econômico dos psicólogos, chegou-se ao resultado que 22% não produziam nenhuma renda no exercício profissional. Com este resultado, optou-se por proceder as análises apenas com os participantes com alguma renda na carreira (78%). A Tabela 1 apresenta o perfil sócio demográfico deles.

Tabela 1
Dados sociodemográficos e de formação dos participantes ativos economicamente na carreira

Dados sociodemográficos e de
formação dos participantes ativos economicamente na carreira


Desses participantes, a maioria é formada por mulheres (80%), com uma idade modal entre 25 e 30 anos (30.6%) e que se concentraram com maior frequência na região Sudeste (60.3%), que é a região do Brasil que reúne os CRP-04 (Minas Gerais), CRP-05 (Rio de Janeiro), CRP-06 (São Paulo) e CRP-16 (Espírito Santo). 75.6% dos participantes se formaram em faculdades particulares e estão na área há mais de 3 anos (66.2%). Dito de outra forma, a pesquisa foi respondida por profissionais jovens do Sudeste, o que é relacionado com o perfil populacional da profissão no Brasil (Monte, 2015).

Visto que a renda é uma variável-alvo importante, optou-se por trabalhá-la por categorias financeiras. Considerando o valor do salário mínimo à época da coleta de dados de R$ 788 (Setecentos e oitenta e oito Reais), aproximadamente 14% dos participantes relataram produzir mensalmente um valor relacionado a tal marcador financeiro. Dos 86% que indicaram gerar mais que um salário mínimo exercendo diretamente a Psicologia, 22% recebem entre 1 e 2 salários mínimos cada mês e 36% respondeu que possui entre 3 e 5 salários mínimos mensais.

A classe modal compreende participantes que geram mais que R$ 4 000 (5 salários mínimos) por mês (28%) e o rendimento médio dos psicólogos está entre R$ 2 000 e R$3 000 por mês. Os psicólogos que obtém sua renda no setor educacional mostraram rendimento acima da média.

Analisando a renda a partir do local de trabalho (clínica, organizacional, educacional e setor público), observou-se que os participantes se mostram na seguinte distribuição: clínica (48%), empresa (12%), educação (5%), setor público (22%) e outras categorias (13%). Face à dependência financeira, existência de outra fonte de renda, iniciativa de fazer novamente o curso e de trocar a carreira por outra com melhor retorno salarial, a Tabela 2 apresenta os resultados.

Ainda, para o item “Já pensou em desistir”, os resultados originais apontaram que 172 participantes marcaram que “não” e que 168 marcaram que “sim”. Porém, em relação à pergunta “Pensou em desistir por quais motivos”, 185 pessoas (54%) marcaram algum dos itens. A Tabela 2 também apresenta estes resultados.

Tabela 2
Dependência financeira, renda extra, fazer novamente e motivos para desistir de Psicologia

Dependência financeira, renda extra, fazer novamente e motivos para desistir
de Psicologia

Nota.Se que 45.41% das pessoas apresentam vários motivos sobrepostos para justificar seu pensamento de desistência, o que sugere que a insatisfação não é relacionada com apenas uma categoria, mas com várias. Em termos percentuais, a renda (36.22%) é o que mais foi assinalado como motivo para desistência na carreira.


Em resposta à pergunta que avaliava se o participante deixaria de trabalhar como psicólogo se possuísse uma renda maior em outra área, 52% responderam que sim. Excetuando os locais de trabalho, o psicólogo que gera até R$ 2 000 por mês trocaria de profissão caso outra pagasse mais (χ² (8, N = 340) = 40 501, p < 0.05). Porém, ressalva-se que o local de trabalho altera essa resposta: os psicólogos da clínica que ganham mais de R$ 1 000 até R$ 2 000 trocariam sua área por outra que pagasse melhor fora da Psicologia, mas essa decisão muda nas faixas subsequentes e torna-se estatisticamente diferente aos que ganham mais de R$ 4 000, que não trocariam Psicologia (χ² (8, N = 163) = 18 892, p < 0.05).

O psicólogo do setor público que ganha até R$ 4 000 apresenta uma tendência (p > 0.05; estatisticamente não significativa) de trocar a carreira por outra que pague melhor. Porém, os que ganham mais de R$ 4 000 por mês não trocariam Psicologia por outra carreira (χ² (5, N = 74) = 11 794, p < 0.05). O público organizacional apresenta o mesmo resultado dos funcionários públicos (χ² (4, N = 41) = 11 722, p < 0.05). A Tabela 3 traz esses resultados.

Tabela 3
Frequência dos participantes que deixariam de trabalhar como psicólogo por um salário melhor em outra profissão a partir de sua renda

Frequência dos participantes que deixariam de trabalhar como psicólogo por
um salário melhor em outra profissão a partir de sua renda

Note. *estatisticamente significativo


É possível evidenciar associar locais de trabalho e renda (χ² (32, N = 340) = 52 635, p < 0.05). Mesmo que não haja diferença estatisticamente significativa na renda do psicólogo que produz até R$ 100 por mês, a partir deste valor até R$ 300 por mês a clínica se mostrou estatisticamente diferente das outras áreas (p = 0.023). Não há diferença estatisticamente significativa em relação ao local de trabalho caso o profissional aufira entre R$ 300 até R$ 1 000 por mês. A partir de R$ 1 000 por mês até um valor superior a R$ 4 000 mensais, há diferença dos locais: entre R$ 3 000 e R$ 4 000 por mês os servidores públicos apresenta diferença e após R$ 4 000 é a clínica que se mostra com maior frequência estatisticamente significativa entre os demais, bem como com a maior dispersão (as rendas vão desde R$ 50 mensais até mais de R$ 4 000).

Em face da escolha sobre fazer novamente graduação em Psicologia, as categorias de salário / renda mostraram-se estatisticamente significativas ao psicólogo que gera entre R$ 500 até 2 000 por mês. Esses profissionais não fariam novamente o curso. Os profissionais com rendimento financeiro maior que R$ 4 000 por mês fariam novamente o curso e as outras categorias, não obstante diferença entre os valores, não se mostraram estatisticamente diferentes. Em outras palavras, o estudo apurou que os profissionais que conseguem acumular aproximadamente entre 1 e 3 salários mínimos por mês não voltariam a fazer graduação em Psicologia (χ² (8, N = 340) = 55 868, p < 0.05). A Tabela 4 apresenta os resultados.

Tabela 4
Descrição e teste qui-quadrado para pergunta “Faria novamente” dado valor de renda produzido por mês

Descrição e teste qui-quadrado
para pergunta “Faria novamente” dado valor de renda produzido por mês

Note.*estatisticamente significativo


Constata-se também na tabela em questão a dispersão dos dados em relação aos locais de renda. Enquanto os profissionais da clínica apresentaram renda em todas as categorias (desde pessoas que fazem R$ 50 por mês até os com mais de R$ 4 000 mensais), os da empresa mostraram variabilidade apenas entre os que ganham mais de R$ 500 em diante.

Acerca da associação existente entre o local de produção de renda profissional e a vontade sobre fazer novamente o curso, essas variáveis são associadas (χ² (4, N = 340) = 12,552, p < 0.05). O resultado que constatou diferença estatisticamente significativa para os psicólogos da clínica, que fariam novamente a graduação, enquanto os que trabalham em empresas não fariam.

Utilizando-se mais cruzamentos (Tabela 5) acerca da intenção de fazer novamente o curso dado a renda gerada por todos os tipos de locais possíveis na pesquisa (5x9x2) constatou-se que os psicólogos clínicos que produzem até R$ 2 000/mês não fariam novamente o curso, mas os que os que tem renda maior que R$ 2 000 em diante voltariam a cursas a graduação. A diferença estatisticamente significativa foi gerada justo pela discrepância entre o valor esperado e o valor observado nestas classes (χ² (8, N = 163) = 42 514, p < 0.05).

Tabela 5
Intenção de fazer novamente o curso a partir do local de trabalho e da renda

Intenção de fazer novamente o curso a partir do local de
trabalho e da renda

Note.*estatisticamente significativo


A relação entre fazer novamente o curso se o participante possuía dependência financeira mostrou respostas estatisticamente significativas (χ² (1, N = 340) = 30 898, p < 0.05) e observou-se que a dependência financeira é associada à idade (χ² (6, N = 340) = 25 489, p < 0.05). Jovens até 25 anos mostraram-se financeiramente dependentes, mas esse cenário se modifica em outras idades. Além disso, independentemente da idade, os participantes com dependência financeira não voltariam a fazer a graduação de Psicologia quando se vê a significância estatística. Ressalva-se que o estudo não é longitudinal, mas transversal ou seccional. Ressalva-se que os valores inferenciais foram corrigidos em função da frequência de cada célula.

Não houve diferença estatisticamente significativa ao se considerar as análises onde levou-se considerou-se associação entre a intenção de fazer novamente o curso e a região brasileira, idade e sexo do participante, formação em universidade pública ou particular e tempo de formado. Em todas as análises, viu-se que os participantes fariam novamente o curso. Lembra-se que esta análise estatística parte do pressuposto que há uma relação linear e que se considerou as variáveis preditoras (x) aquelas listadas acima e a variável explicada a intenção de fazer novamente o curso.

Para avançar as análises acerca do perfil financeiro, elegeu-se como variável explicada o relato da renda mensal do participante visto à luz da idade (χ² (48, N = 340) = 67 494, p < 0.05), seu tempo de formado (χ² (16, N = 340) = 84 223, p < 0.05) e se sua graduação foi feita em uma instituição pública ou particular (χ² (8, N = 340) = 9 675, p = 0.289). Assim, há diferença em relação a renda dado a idade do psicólogo, bem como o seu tempo de formado. Isto não ocorre em relação à natureza de financiamento universitário, que não se mostrou diferente caso pública ou privada.

Frente aos resultados, a maior parte dos participantes até 30 anos relataram ganhar mais de R$ 2 000 até R$ 3 000 (32.4% de profissionais até 25 anos e 28% até 30 anos) e os participantes que relataram ganhar mais que R$ 4 000 por mês se encontram com idade superior a 30 anos.

Por fim, analisou-se o local de trabalho a partir das regiões brasileiras e os resultados mostram que 47.9% dos psicólogos que participaram do estudo geram sua renda principal da atividade clínica, seguido pelos funcionários públicos (21.8%) e constatou-se que não houve diferença estatisticamente significativa para a renda em função do sexo (χ² (8, N = 340) = 11 061, p = 0.198). A última análise mostrou que o Centro-oeste concentra os psicólogos em sua maioria no exercício da clínica (67.9%) e o Nordeste apresenta o maior contingente de funcionários públicos (34.4%), o que está expresso na Tabela 6.

Tabela 6
Local de provimento de renda dado as regiões brasileiras

Local de provimento de renda dado as
regiões brasileiras


Discussão

Este trabalho visou descrever o perfil do psicólogo brasileiro focando em sua realidade econômica por meio de uma pesquisa do tipo survey. Os resultados alcançados são relevantes à área, já que aspectos relacionados ao trabalho e a renda são centrais na vida das pessoas, o curso de Psicologia aponta claros indicadores de crescimento de demanda de ingresso e são poucas as informações sobre os aspectos financeiros desses profissionais. Nesse sentido, indicadores presentes no decorrer do trabalho revelam uma fotografia do momento e os resultados são úteis para planejamento e execução de ações dirigidas à classe.

Considerando apenas os psicólogos economicamente ativos, temos a razão de 8/10. Nessa pesquisa, isto quis dizer que a cada 10 pessoas formadas em Psicologia, 8 tiveram algum tipo de retorno financeiro na área. Além disso, parte dos participantes dependem de alguém para ajudar financeiramente nas despesas. No geral, foi constatado que os profissionais da área são jovens e apresentam renda média entre R$ 2 000 até R$ 3 000 feitas em setores diferentes de atuação e que, em sua maioria, não tem outra fonte de renda. Os entrevistados mostraram maior tendência a trocar a carreira por outra que pagasse melhor, especialmente no setor organizacional, apesar de optar por fazer novamente a graduação.

Esses achados podem ser parcialmente explicados pelas transformações sociais e econômicas que ocorreram no Brasil e geraram, como consequência, elevação dos índices de desemprego, que se estenderam também a outros profissionais de nível superior (Vasconcelos, Zanelli, Renteria, & Costa, 2018). Também é possível entender que as atividades desempenhadas pelos psicólogos nos diferentes setores sociais ainda são pouco versáteis, concentrando-se pouco em atividades cuja fonte de renda é diferente, como aquelas relacionadas à consultoria, prática de ciência, etc (Gutiérrez & Landeira-Fernández, 2018).

No entanto, apesar das possíveis justificativas, sabe-se que o desemprego geral e, especialmente o de psicólogos, pode provocar um abalo da autoestima, elevação disfuncional da ansiedade, depressão, desestruturação da identidade profissional, insegurança, angústia, medo frente ao futuro, vergonha e culpa (Pimentel, 2007).

Em relação aspectos motivacionais e de manutenção da carreira, algo inusitado se mostrou na análise dos dados: metade dos respondentes disse que já quis desistir e mais da metade trocaria carreira por outra que pagasse melhor. Porém, também mais da metade faria novamente o curso. Inicialmente paradoxal, isto pode ser explicado dependência financeira dos profissionais. Nesse sentido, a dependência financeira parece ter um papel central em ambos os resultados, potencializando a desistência e diminuindo o interesse em fazer novamente o curso.

A literatura frequentemente indica que ser financeiramente independente é um fator motivacional não somente à escolha de cursos de graduação e atividades profissionais, mas também é uma das características que se incluem em um dos três ritos que marcam a saída da adolescência para ingresso na idade adulta, junto com tomada de decisões importantes sem a ajuda da família e ter responsabilidade por outras pessoas (Fiorini et al., 2018). Nesse mesmo caminho, outras pesquisas indicam uma associação entre aspectos financeiros da carreira e autoestima e satisfação na vida de uma forma geral (Diener & Diener, 2009).

Participantes que produzem renda a partir da área organizacional, independente da renda pesquisada, não voltariam a fazer Psicologia. Esse resultado pode refletir outras associações entre variáveis, mas também algo das diferentes condições de trabalho associadas à área, principalmente em função do stress ocupacional (De Almeida et al., 2016) .

É importante deixar claro que os resultados têm importantes limitações. Incialmente, essa é uma pesquisa exploratória. Pesquisas dessa natureza visam a proporcionar ao pesquisador uma maior familiaridade com o problema em estudo em vez de confirmar hipóteses previamente definidas. Além disso, a coleta foi realizada online via surveys. Sabe-se hoje sobre o viés de auto-seleção e o risco de viés ecológico que ocorre neste tipo de procedimento, impactando potencialmente nos resultados. Não obstante isto, há limitações sobre as generalizações dos resultados, uma vez que a amostra não foi probabilística. Finalmente, um último aspecto a ser considerado nas limitações deste trabalho é a volubilidade econômica, já que esta pesquisa foi seccional-transversal e não longitudinal. Parte das limitações é inerente ao formato de pesquisa online via surveys, que apesar de potencializar a coleta rápida de dados, frequentemente limitam o alcance das generalizações.

Conforme mencionado, indicadores associados à renda tem importante participação tanto na busca de um curso de graduação, como em eventuais pós-graduação, bem como se associam com aspectos relacionados à satisfação profissional e autoestima. Nesse sentido, a presente pesquisa traz uma contribuição importante para entender mais sobre esse fenômeno em psicólogos. Outras pesquisas estão em andamento visando ampliar os achados desse trabalho.

Referências

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Babbie, E. (2012). The basics of social research. Stamford, CT: Cengage Learning.

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Notas

* Artigo de investigação.

Autor notes

a Autor de correspondência. E-mail: luisfca@ufrj.br

Informação adicional

How to cite: Anunciação, L., Mograbi, D. C., & Landeira-Fernandez, J. (2019). Perfil financeiro dos psicólogos brasileiros: análise estatística relacionada ao ano de 2015. Universitas Psychologica, 18 (1). https://doi.org/10.11144/Javeriana.upsy18-1.pfpb

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