Questões críticas nos estudos da teologia negra em perspectiva decolonial*

Cuestiones críticas en los estudios de teología negra desde una perspectiva decolonial

Cleusa Caldeira, Francisco das Chagas de Alburquerque

Questões críticas nos estudos da teologia negra em perspectiva decolonial*

Theologica Xaveriana, vol. 72, 2022

Pontificia Universidad Javeriana

Cleusa Caldeira

FAJE, Brasil


Francisco das Chagas de Alburquerque

FAJE, Brasil


Recepção: 06/06/21

Aprovação: 09/09/21

Resumo: Este texto faz parte do projeto de pesquisa pós-doutoral em teologia, no qual a autora se propõe a lançar as bases epistemológicas de uma Teologia Negra Fundamental. Trata-se, por um lado, de assumir a crítica decolonial, mais especificamente a assunção da classificação racial da humanidade como o principal eixo do padrão de poder colonial que se atualiza como colonialidade; por outro lado, diante da cumplicidade histórica e epistêmica da teologia com a colonialidade ao assumir o eurocentrismo, sinalizar alguns desafios para os Estudos da Teologia Negra em perspectiva decolonial, que implica assumir as epistemologias invisibilizadas e até demonizadas no quefazer teológico. Além de apontar a inexistência da disciplina de Teologia Negra nas faculdades e cursos de pós-graduação em teologia, que ratifica o eurocentrismo, destaca-se questões epistemológicas que possam contribuir para a construção de um pensamento teológico negro capaz de responder às lutas e esperanças da comunidade negra e, ao mesmo tempo, participar do debate público interdisciplinar. Por isso, uma teologia negra brasileira implica fazer justiça cognitiva e epistêmica ao pensamento negro e, de modo especial, ao pensamento negro brasileiro; sem o qual torna-se impossível acessar o real racista que segue desumanizando uma porção considerável da humanidade. Fulcral é a assunção da experiência vivida da comunidade negra como lugar teológico para pronunciar um balbucio acerca da experiência humana-divino capaz de promover a humanização de todos. O método de pesquisa está marcado, acima de tudo, pela afirmação desta sujeita teológica no lugar de enunciação da experiência corporal de ser negra brasileira. Situada neste corpo-geopolítica do conhecimento, o que segue faz parte da própria experiência vivida e, ao mesmo tempo, do desejo de tecer um conhecimento outro que assume essa experiência como lugar teológico.

Para isso, busca-se fazer justiça epistêmica para com o pensamento negro crítico e, assim, por meio de uma breve revisão bibliográfica apontar possíveis caminhos antirracistas à teologia.

Palavras-chave:Teologia Negra, Pensamento negro, Teologia decolonial, Teoquilombismo, Meontologia.

Resumen: Este texto forma parte del proyecto de investigación postdoctoral en teología, en el que la autora propone sentar las bases epistemológicas de una Teología Negra Fundamental. Por un lado, se trata de asumir la crítica descolonial, más concretamente la asunción de la clasificación racial de la humanidad como eje principal del patrón de poder colonial que se actualiza como colonialidad. Por otro lado, dada la complicidad histórica y epistémica de la teología con la colonialidad al asumir el eurocentrismo, se señalan algunos desafíos para los Estudios de Teología Negra desde una perspectiva decolonial, lo que implica asumir las innumerables epistemologías invisibilizadas e incluso demonizadas en el quehacer teológico. Además de señalar la inexistencia de una disciplina de Teología Negra en las facultades y posgrados de teología, que ratifique el eurocentrismo, se destacan cuestiones epistemológicas que pueden contribuir a la construcción de un pensamiento teológico negro capaz de dar respuesta a las luchas y esperanzas de la comunidad negra y, al mismo tiempo, participar en el debate público interdisciplinario. Por tanto, una teología negra brasileña implica hacer justicia cognitiva y epistémica al pensamiento negro y, de manera especial, al pensamento negro brasileño; sin el cual se vuelve imposible acceder al real racista que sigue deshumanizando a una parte considerable de la humanidad. Central es la asunción de la experiencia vivida de la comunidad negra como lugar teológico para pronunciar un balbuceo sobre la experiencia humano-divina capaz de promover la humanización de todos. El método de investigación está marcado, sobre todo, por la afirmación de la sujeta teológica en lugar de la enunciación de la experiencia corporal de ser negra brasileña. Situada en este cuerpo geopolítico de conocimiento, lo que sigue es parte de la propia experiencia vivida y, al mismo tiempo, del deseo de tejer un saber que toma esta experiencia como lugar teológico. Para ello, busca hacer justicia epistémica al pensamiento crítico negro y, así, a través de una breve revisión bibliográfica, señalar posibles caminos antirracistas hacia la teología.

Palabras clave: Teología negra, pensamiento negro, teología decolonial, teoquilombismo, meontología.

Introdução

Um dado fundamental que “dá o que pensar”, diferente da experiência norte-americana, no Brasil, país em que esta autora se localiza, não temos faculdades e universidades para negros; a formação acadêmica tem sido por séculos um privilégio de brancos. Umas das razões para isso reside no mito da democracia racial que, trabalhando para imprimir a falsa ideia de igualdade de oportunidades, acaba por naturalizar a exclusão social. Por causa disso o acesso à educação tem sido um mecanismo de perpetuação da exclusão da população negra dos debates políticos e epistêmicos 1 . A Lei 10.639/2013, que exige o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana, é uma conquista da população negra para minimizar essa exclusão, contudo, sua implementação ainda é o grande desafio para as instituições de ensino em todo país.

A dificuldade de acesso à formação acadêmica - minimizadas nos últimos anos com a implementação de políticas públicas de inclusão, por meio de cotas raciais e bolsas de estudo durante o Governo de Esquerda-se reflete no corpo docente; pois não temos a cultura e tradição de um corpo docente negro. O que faz com que as faculdades e universidades continuem o seu projeto de propagar um universalismo abstrato, por meio daquilo que o pensamento decolonial chama de colonialidade do saber, com a propagação do eurocentrismo. A exclusão ontológica (colonialidade do ser) do sujeito negro está intrinsecamente vinculada à exclusão epistemológica (colonialidade do saber). Esta dupla exclusão tem como objetivo a manutenção da colonialidade do poder: a dominação política e econômica.

Apesar da população negra representar mais da metade da população brasileira, cerca de 55%, somos quase 110 milhões de negras e negros, não temos ainda nenhum programa de pós-graduação em teologia que ofereça a disciplina Teologia Negra e, também, não temos nenhum/a professor/a negro especializado no tema lecionando nos programas de pós-graduação em teologia 2 . E mais. Será que as poucas teólogas e teólogos afro-brasileiras, ao concluírem todo o ciclo de sua formação teológica, produzem teologia negra? Ou, pelo contrário, ao se submeterem à educação formal, os afrodescendentes acabam sendo cada vez mais inseridos em um “processo mental, mediante a ocupação do espaço psicológico e intelectual [...] levando ao ‘encarceramento mental’” 3 , isto é, a tomada do espaço mental africano pela supremacia branca que os fazem reproduzir o universalismo abstrato eurocêntrico? Em outras palavras, será que a formação teológica no país não acaba reforçando a colonialidade do saber e do ser? Teríamos de fazer um levantamento acerca da quantidade de teólogas e teólogos negros e o tipo de teologia por elas e eles produzida para poder mensurar o ensino teológico recebido e, evidentemente, o nível de libertação das “malhas do racismo” ou, na linguagem da analítica da colonialidade, a descolonização do saber e do ser e agenciamento negro.

A inexistência de uma disciplina específica, bem como, a ausência de corpo docente negro qualificado, pode ser uma forma de dizer que a particularidade da experiência negra não pode ser assumida como lugar da revelação divina. Não apenas isso. Mas, essa invisibilização da disciplina Teologia Negra pode ser uma forma de cumplicidade da teologia com o eurocentrismo e, consequentemente, de manter o status quo 4 deste mundo cindido em dois. De um lado, o mundo dos oprimidos e, do outro lado, o mundo dos opressores.

Não teria a teologia de questionar o sofrimento particular das vítimas do racismo estrutural e sistêmico como “um clamor que sobe aos céus”, visto que esta metáfora, registrada no livro de Êxodo 3. 7-8, fundamenta as teologias da libertação? Não apenas isso. Mas, será que os modos de vida, de existência e reexistência negra, não dão testemunho de projetos políticos outros que abrem caminho para o advento de uma humanidade nova?

Diante da exclusão ontológica e epistêmica a que a população negra é submetida, a teologia não deveria levantar a sua voz denunciando que tal exclusão é um atentado à dignidade humana e negação da imago Dei e, portanto, é pecado? Ela não deveria denunciar o racismo como uma forma de idolatria, já que ele aprisiona a divindade (Deus) à imagem e semelhança do modelo eurocentrado, isto é, do homem branco, cristão, europeu e heterossexual? Não seria a idolatria um tema crucial para a teologia de todos os tempos? Neste horizonte se torna cada vez mais pertinente e atual falar em Teologia Negra.

Como deve ser toda teologia, a Teologia Negra é uma teologia contextual que busca responder com esperança de redenção os dramas históricos da humanidade, mais especificamente, ela nasceu para se opor à violência racial que incide sobre a população negra e afirmar a dignidade inerente da pessoa negra criada à imagem e semelhança de Deus.

Sob a constatação de que o racismo segue seu projeto de desumanização na contemporaneidade, deseja-se apontar algumas questões importantes para o estudo crítico da Teologia Negra em contexto brasileiro, mas que pode ser estendido a outros contextos que, também, estão sob o impacto da colonização/colonialidade. Diante do exposto, apresentamos alguns pontos essenciais para o desenvolvimento da Teologia Negra, a saber: (1) Pensamento crítico interdisciplinar. (2) Primazia do pensamento negro crítico, de maneira especial, o pensamento negro crítico brasileiro. (3) Colonização como a principal fratura intersubjetiva e, por fim: (4) Assunção da experiência vivida da comunidade negra como lugar teológico.

Teologia negra discurso crítico contemporâneo

Toda Teologia Negra é uma teologia política. Recordemos que a Teologia Negra, de modo muito especial, em sua vertente norte-americana, como fruto da resistência afrodiaspórica, nasceu para se opor radicalmente à supremacia branca e ao capitalismo, imperialismo e eurocentrismo e lutar pela emancipação do negro de todas as estruturas brancas, incluindo a igreja branca e sua consequente teologia eurocentrada 5 .

Dado que a Teologia Negra da Libertação surgiu para desvelar o aspecto racial da dominação e lutar pela emancipação e dignidade dos afrodiaspóricos (africanos e descendentes que foram forçados à diáspora), não há teologia negra que possa se eximir da crítica política ao sistema mundo moderno colonial, visto que o racismo é estruturante do pensamento e da ação; como vem denunciando toda a tradição do pensamento negro crítico 6 e, nos últimos tempos de modo mais sistemático, o pensamento decolonial 7 .

Perguntar, pois, pelas questões críticas nos estudos da Teologia Negra passa, antes de tudo, por assumir que o racismo é estrutural e estruturante, e que não existe neutralidade teológica, ou a teologia é antirracista ou ela continua a serviço da supremacia branca, do eurocentrismo, do epistemicídio e dos processos e projetos de desumanização sistêmicos. Importa recordar, também, que o núcleo da mensagem cristã reside no advento da nova humanidade e, sob o binômio kénosis/theosis, o evento salvífico deve ser assumido como um processo de humanização. O racismo, por sua vez, consiste exatamente numa prática sistemática de desumanização, uma violação constante e permanente da dignidade humana inerente a todo ser humano criado à imagem e semelhança de Deus (cfr. Gên 1.26).

As raízes teológicas do racismo

O pensamento decolonial explicita que a construção teórica e histórica do sujeito racial se processou no interior do sistema mundo moderno colonial como um eixo estruturante da matriz de poder mundial, que se revelou o mais eficaz e durável instrumento de dominação universal 8 . Racismo, portanto, não é apenas a discriminação fenotípica e racial de indivíduos, mas sobretudo uma forma de hierarquização entre inferiores e superiores em vista da dominação política e econômica.

Desafortunadamente, a fundamentação dessa hierarquização da humanidade tem suas raízes no debate sobre os “Direitos dos povos” – com o frei Francisco de Vitória e o frei Bartolomeu de Las Casas em controvérsia com Gines de Sepúlveda – ao questionar se os indígenas eram seres humanos com plenos direitos teológicos e jurídicos, visto que aos olhos dos europeus os povos autóctones não tinham religião. No imaginário cristão da época, não ter religião era não possuir alma e, portanto, ser expulso do reino do humano para o reino do animal. Engendrava-se assim o “racismo religioso” como o primeiro debate racista da história moderna, que durante os primeiros cinquenta anos do século XVI precedeu a irrupção do racismo de cor 9 .

Sob um tribunal cristão-teológico a serviço do estado imperial, esse debate sobre os ameríndios transitou entre o reconhecimento de sua possível humanidade e a afirmação de sua animalidade. Aos ameríndios se deu, ao final, o reconhecimento de sua humanidade, legitimando assim a agência evangelizadora do Novo Mundo; visto que seres considerados bestas não poderiam ser evangelizados. Contudo, esse reconhecimento da humanidade dos ameríndios incrementou a demanda pelos escravos africanos, sob o status de não humanos e, por isso, passíveis de serem escravizados. Assim, para Nelson Maldonado Torres, esse “ceticismo misantrópico”, a suspeita teológica acerca da humanidade do outro, foi crucial para desenvolver a colonialidade do ser e do saber, juntamente com o racismo/o e a exclusão ontológica 10 .

Junto com a implementação da agência de escravidão dos povos africanos, isto é, o controle do trabalho, houve uma simbiose do discurso racista religioso com o discurso racista de cor. Configurava-se, assim, a racialização da humanidade por categorias fenotípicas como fator principal para a expansão e mundialização do sistema mundo moderno colonial 11 . Para Aníbal Quijano, a racialização implica na construção de identidades forjadas sob a categoria de “raça” – cunhada para exprimir as relações de dominação do padrão de poder capitalismo mundial – como fundamento das novas identidades geo-culturais 12 . Racismo constitui-se como uma construção histórica e teórica que cria uma “linha invisível” para forjar indentidades racializadas e jerarquizadas.

Essa linha racial, invisível para aqueles que habitam acima da linha, mas muito visível para aqueles e aquelas que habitam a abaixo, separa ontológica e epistemológicamente a humanidade em dois grupos: de um lado, o humano e, do outro lado, o sub-humano. Trata-se de cindir o mundo em dois: de um lado, os dominadores e, do outro lado, os dominados. Fanon capturou bem o funcionamento dessa linha racial ao afirmar que as pessoas que estão acima da linha são reconhecidas socialmente em sua humanidade como seres humanos com subjetividade, bem como com acesso à direitos humanos/cidadãos/civis/trabalho. Em contraposição, abaixo desta linha estão aquelas pessoas que são consideradas subumanas ou não-humanas, que têm sua humanidade questionada e, portanto, são submetidas à violentos processos de desumanização 13 .

Pensamento crítico interdisciplinar e intercultural

Diante do exposto, urge uma Teologia Negra com ferramentas teóricas e conceituais atualizadas, visto que o racismo é estruturante do sistema mundo moderno colonial e a colonialidade desvela a capacidade ilimitada de atualização da matriz colonial de poder e, evidentemente, do racismo 14 . Isso demanda um pensamento teológico crítico que aceite dialogar em praça pública em perspectiva interdisciplinar e em um diálogo Norte-sul. Um engano é defender uma Teologia Negra em negação à modernidade e toda a tradição de pensamento moderno, rejeitando-a para refugiar-se em alguma forma de absolutismo fundamentalista. Antes, a Teologia Negra deve privilegiar o olhar daqueles que habitam a “zona do não-ser”, o outro lado da modernidade, e trabalhar para positivar a cartografia dos sujeitos subalternizados por meio de um pensamento outro, fronteiriço; capaz de superar a modernidade eurocentrada.

Contudo, ao propugnar o diálogo Norte-sul deve-se interpelar o mundo moderno à renúncia da sua pulsão totalitária e colonizadora. Em termos teológicos, não podemos defender a comensalidade sem reivindicar justiça para a vítimas e arrependimentos dos verdugos. Acerca deste diálogo Norte-sul, Grosfoguel apresenta como pressuposto a descolonização das relações de poder.

Um diálogo intercultural Norte-Sul não pode ser alcançado sem que ocorra uma descolonização das relações de poder no mundo moderno. Um diálogo de tipo horizontal, por contraposição com o diálogo vertical característico do Ocidente, exige uma transformação nas estruturas de poder globais. Não podemos presumir um consenso habermasiano ou uma relação igual entre culturas e povos globalmente extremados nos dois polos da diferença colonial. 15

Além do diálogo Norte-sul, a teologia negra em sua dimensão pública e política, não pode prescindir do diálogo Sul-sul, capaz de construir conexões entre os múltiplos subcentros suburbanos; um diálogo crítico entre as periferias da modernidade e intercultural. Por meio deste diálogo crítico, Enrique Dussel anuncia o advento da “transmodernidade” como um projeto decolonial.

[O] conceito estrito de “transmoderno” indica essa novidade radical que significa o surgimento – como se a partir do nada – da exterioridade, da alteridade, do sempre distinto, de culturas universais em desenvolvimento, que assumem os desafios da Modernidade e, até mesmo, da pós-modernidade euro-americana, mas que respondem a partir do outro lugar [...], do ponto de sua própria experiência cultural, diferente da euro-americana, portanto capaz de responder com soluções completamente impossíveis para a cultura moderna única. 16

A transmodernidade pressupõe a pluriversalidade, resultado de um autêntico diálogo intercultural. Esse diálogo intercultural necessita, por sua vez, ser transversal: um diálogo que se dá a partir da periferia para a periferia, isto é, um diálogo sul-sul. Para Dussel, a “transmodernidade é um projeto de libertação das vítimas da Modernidade, e o desenvolvimento de suas potencialidades alternativas, a ‘outra-cara’ oculta e negada” 17 . No horizonte da transmodernidade, continua Dussel, somente uma “trans-teologia” poderá dizer sua palavra, assumindo sua contextualidade e vozes outrora silenciadas.

Na idade Transmoderna que se aproxima (para além da Modernidade e do capitalismo) será necessária igualmente uma trans-teologia para além da teologia da cristandade latino-germânica, eurocêntrica e metropolitana, que ignorou o mundo colonial, e em especial as cristandades coloniais [...] que devem superar a colonialidade e a modernidade capitalista, invertendo a cristandade para retornar a um cristianismo messiânico profundamente renovado. 18

Isso significa que a teologia já não poderá pretender dizer a última palavra como um novo universal imperial, antes ela apresenta-se como um saber localizado e inacabado, visto que toda teologia é contextualizada. Ela, a partir da kénosis, conclama a todos ao diálogo, acolher e reconhecer a alteridade e busca formas de escutar os distintos gritos daquelas alteridades outrora silenciadas e negadas. Neste horizonte, a interlocução interdisciplinar da Teologia Negra passa pela antropologia, psicologia social, história, sociologia, educação, a psiquiatria, etc.

Primazia do pensamento negro crítico

Nesta interlocução interdisciplinar, fulcral é o pensamento negro crítico para que a teologia remova as lentes eurocêntricas que a impede de discernir o mundo vivido do negro (afrodiaspóricos) em uma sociedade estruturalmente racista, onde a presença negra e suas potências de experiências são invisibilizadas e suas referências simbólicas e culturais demonizadas.

Por isso, a condição deste diálogo transversal é a afirmação ontológica dos condenados da terra (Fanon, Les damnés de la terre, 1986), que são justamente aqueles e aquelas que foram desontologizados, subalternizados, que habitam a zona do não-ser. Contudo, os condenados são aqueles e aquelas que possuem privilégio epistemológico, pois tem uma visão de mundo mais ampla que aqueles que habitam a zona do ser; portanto, são capazes de engendrar a atitude decolonial. A este respeito comenta Nelson Maldonado-Torres:

Ao contrário da concepção habermasiana de modernidade como um projeto inacabado e da proposta foucaultiana de modernidade como uma atitude histórico-crítica, a decolonialidade é tanto uma atitude como um projeto inacabado que busca “construir o mundo para Ti” [...]. A decolonialidade, portanto, tem a ver com a emergência do condenado como pensador, criador e ativista e com a formação de comunidades que se juntem à luta pela descolonização como um projeto inacabado. 19

Disso deriva a importância das intelectuais negras e dos intelectuais negros, visto que são responsáveis por refletir sobre a práxis de libertação dos condenados da terra. Daí a importância do pensamento negro crítico para acessar o mundo vivido da comunidade negra. Esses intelectuais constituem uma “grande nuvem de testemunhas” (paráfrase da “Galeria da fé” de Hebreus 11), tais como Frantz Fanon, Aimé Cesaire, Robinson Cedrix, Achille Mbembe, bell hooks, Angela Davis, Patrícia H. Collins e muitos outros, do passado e do presente.

Joazer Bernardino-Costa, em seu artigo, Decolonialidade, Atlântico Negro e intelectuais negros brasileiros, defende a necessidade de um diálogo entre as três tradições de pensamento: a decolonialidade, a tradição do Atlântico Negro (referência ao livro de Paul Gilroy, O Atlântico negro) e o pensamento negro brasileiro. Isso porque tanto no pensamento decolonial como na tradição do Atlântico Negro há uma ausência de interlocução com os intelectuais afro-brasileiros 20 .

Bernardino-Costa destaca alguns motivos pelos quais o pensamento afro- brasileiro não figura no âmbito das discussões do projeto decolonial e do Atlântico Negro: (a) a barreira linguística, isto é, a falta de prestígio que a língua portuguesa e espanhola desfruta neste cenário de comunicação globalizada, mas o mais importante é; (b) a dinâmica interna do país marcada pela matriz de poder moderno/colonial, com o racismo consolidado e escamoteado pelo mito da democracia racial, onde as barreiras raciais são institucionalizadas. Isso se reflete no número baixo de negros nas universidades brasileiras e, consequentemente, a ausência de professores pesquisadores negros que pudessem fazer suas ideias navegarem no Atlântico Negro 21 .

Bernardino-Costa ressalta que tanto o pensamento decolonial como a tradição do Atlântico Negro invisibilizam os intelectuais negros brasileiros, do passado e do presente, que acabam por reforçar a desontologização. Por isso é importante tirar da invisibilidade as/os intelectuais negros brasileiros, pois:

Afirmar a contribuição das múltiplas experiências negras ao diálogo transatlântico, bem como ao projeto decolonial constitui-se numa estratégia para a afirmação ontológica destas populações. Mais uma vez, argumentamos em favor da necessidade da afirmação epistemológica e ontológica das populações inferiorizadas pela matriz do poder moderno/colonial. 22

Neste sentido, a Teologia Negra contemporânea se faz com especial atenção ao pensamento decolonial, à tradição do Atlântico negro e, sobretudo, às/aos intelectuais negras/os brasileiras/os. Assim, tão importante como Frantz Fanon, Aimé Césaire, Achille Mbembe, Nelson Maldonado-Torres, Ramón Grosfoguel é, também, Lélia Gonzalez, Abdias do Nascimento, Luiz Gama, Maria Firmina dos Reis, Beatriz Nascimento, Milton Santos e muitas outras intelectuais negras que podem ajudar a adentrarmos no mundo negro.

Estes intelectuais não trataram o registro oral e os fragmentos das enunciações da população negra, a exemplo do folclore, como se fossem peças de museu fossilizadas sem participação na dinâmica histórica. Ao contrário, os intelectuais negros têm considerado os registros orais e as encenações artísticas em geral – músicas, religiosidade afro-brasileira, experiências das populações quilombolas, teatro, dança, pintura, festejos etc. – como enunciações culturais e políticas a partir das quais temos construído novas interpretações da sociedade brasileira. 23

Essa afirmação ontológica como reconhecimento do corpo-geopolítica do conhecimento é um ato de qualificação epistemológica capaz de superar o eurocen- trismo enquanto um universalismo abstrato, permitindo, assim, a assunção e coexistência das particularidades. Essa perspectiva de um universalismo concreto já estava presente na revolução afro-brasileira do quilombo, conforme nos informa as/ os intelectuais negras/os brasileiras/os, como Beatriz Nascimento, Clovis Moura, Kabegele Munanga e muitos outros.

Kabegele Munanga, por exemplo, recupera o quilombo como lugar de uma antecipação histórica (e podemos incluir, escatológica) de um modelo de democracia plurirracial, ainda por se instaurar no Brasil; pois o quilombo era um campo aberto a todos os oprimidos da sociedade (negros, índios e brancos), que buscava transcender os limites das fronteiras étnicas, onde as práticas e as estratégias quilombolas se realizavam dentro de um modelo transcultural visando formar identidades estáveis e abertas para além dos limites da sua cultura. Segundo Munanga, os quilombolas cultivavam uma abertura externa em duplo sentido: tanto para dar como para receber influências culturais de outras comunidades, sem abrir mão de sua existência enquanto cultura distinta e sem desrespeitar o que havia de comum entre os seres humanos. Assim, os quilombolas visavam a “formação de identidades abertas, produzidas pela comunicação incessante com o outro, e não de identidades fechadas, geradas por barricadas culturais que excluem o outro” 24 .

Situado neste lugar de enunciação do quilombo, Abdias Nascimento cunhou o conceito de “quilombismo”, em que a ideia de reexistência é expressa como “afirmação humana, ética e cultural”, por meio do qual a população afro-brasileira integra uma prática de libertação e assume o controle de sua própria história 25 . O projeto político do “quilombismo”, a partir da particularidade da experiência vivida da comunidade negra, defende o advento de uma autêntica democracia plurirracial, de caráter pluriversal e transcultural, caracterizada por uma igualdade econômica, social, cultural que permite a coexistência e o diálogo entre diversos grupos raciais 26 .

Da escuta cordial deste projeto político do quilombismo, defendido por Nascimento, surge o Teoquilombismo como desafio de dizer Deus e o humano a partir das categorias e experiência vivida da comunidade negra 27 . Experiência essa que tem no colonialismo, com tudo o que significou e significa, o seu maior trauma.

Colonialismo como principal fratura intersubjetiva

Fundamental para uma aproximação do real racista é a assunção do colonialismo como a principal fratura intersubjetiva, como bem demonstrou Aimé Césaire; e não o holocausto, como quer fazer crer os pensadores eurocêntricos. A este respeito, o próprio Césaire explicou a razão da indignação do Ocidente diante do horror de Auschwitz:

Sim, valeria a pena estudar clinicamente, no pormenor, os itinerários de Hitler e do hitlerismo e revelar ao burguês muito distinto, muito humanista, muito cristão do século XX que traz em si um Hitler que se ignora, que Hitler vive nele, que Hitler é o seu demónio, que se o vitupera é por falta de lógica, que, no fundo, o que não perdoa a Hitler não é o crime em si, o crime contra o homem, não é a humilhação do homem em si, é o crime contra o homem branco, a humilhação do homem branco e o ter aplicado à Europa processos colonialistas a que até aqui só os árabes da Argélia, os ‘coolies’ da Índia e os negros de África estavam subordinados. 28

Esse ponto de partida tem a ver com a resposta à pergunta: “o que é a colo- nização”? Pergunta essa que Césaire buscou responder em seu livro “Discurso sobre o colonialismo”, dizendo que “ela não é: nem evangelização, nem empresa filantrópica, nem vontade de recuar as fronteiras da ignorância, da doença, da tirania, nem propagação de Deus, nem exaltação do Direito” 29 . E, mesmo reconhecendo que na colonização se tratava de uma forma de civilização que buscava se expandir à escala mundial a concorrência econômica, Césaire afirma que na colonização não há um “só valor humano” e o maior responsável por essa desumanização foi “o pedantismo cristão, por ter anunciado equações desonestas: cristianismo = civilização; paganismo = selvajaria 30 . Nesta mesma esteira, para o filósofo camaronês Achille Mbembe, o colonialismo representa “o espetáculo por excelência da comunidade impossível” 31 .

Na atualidade, o chamado Grupo Modernidade/colonialidade retoma essa questão para evidenciar que o sistema colonial nunca deixou de operar, pelo contrário, ele se revela com uma capacidade ilimitada de se atualizar como colonialidade do poder, no qual o racismo emerge como o eixo principal 32 . É fato que nem todos os membros do Grupo Modernidade/colonialidade falam explicitamente da questão afrodiaspórica, pois se dedicam mais à questão indígena. Contudo, há alguns membros que inclusive denuncia o “racismo epistêmico” de alguns membros do Grupo Modernidade/colonialidade, por não reconhecerem as raízes negras de diversas teorias críticas – tais como a teoria “sistema-mundo”, a “colonialidade do poder” e o “colonialismo interno” –, hoje consideradas como novidade trazidas pelo pensamento decolonial; mas que já haviam sido explicitadas por pensadores negros. A ocultação das origens negras destas teorias críticas acaba reproduzindo o racismo epistêmico, que segue afirmando a inferioridade do pensamento negro e a superioridade do pensamento branco 33

O pensamento decolonial opta pelo conceito de colonialidade e não colonialismo, para enfatizar que não se trata de uma forma decorrente ou antecedente à modernidade. Antes a colonialidade e modernidade constituem duas faces da mesma moeda, ou melhor, a colonialidade é o lado escuro da modernidade, pois não existe modernidade sem colonialidade 34 . Também, com a categoria da colonialidade se constata que a descolonização jurídica das antigas colônias não cessou o domínio europeu sobre os diversos povos classificados como inferior. Isso levou o peruano Aníbal Quijano cunhar a expressão “colonialidade do poder”, para descrever o padrão de dominação constitutivo da modernidade/colonialidade 35 . Ramón Grosfoguel, na esteira de Quijano, reafirma a continuidade da dominação que a colonialidade denota.

A colonialidade permite-nos compreender a continuidade das formas coloniais de dominação após o fim das administrações coloniais, produzidas pelas culturas coloniais e pelas estruturas do sistema-mundo capitalista moderno/colonial. A expressão “colonialidade do poder” designa um processo fundamental de estruturação do sistema-mundo moderno/colonial, que articula os lugares periféricos da divisão internacional do trabalho com a hierarquia étnico-racial global e com a inscrição de migrantes do Terceiro Mundo na hierarquia étnico- racial das cidades metropolitanas globais. 36

Nelson Maldonado-Torres, por outro lado, ajuda-nos a compreender a diferença entre colonialismo e colonialidade.

Colonialismo pode ser compreendido como a formação histórica dos territórios coloniais; o colonialismo moderno pode ser entendido como os modos específicos pelos quais os impérios ocidentais colonizaram a maior parte do mundo desde a “descoberta”; e colonialidade pode ser compreendida como uma lógica global de desumanização que é capaz de existir até mesmo na ausência de colônias formais. 37

O que fica claro, portanto, é que a colonialidade enquanto padrão de poder mundial é uma lógica global de desumanização que remonta o período colonial com a criação do binômio centro-periferia, que não desapareceu com a descolonização jurídica das colônias; antes, ela passou a operar para além da existência de colônias formais. Essa matriz de poder colonial remonta, pelo menos, quatro domínios, a saber: a colonialidade do saber, a colonialidade do ser, colonialidade do poder e a colonialidade da natureza. O conceito de “catástrofe metafísica”, de Nelson Maldonado- Torres, contribui para aprofundar a ideia do colonialismo como a principal fratura na intersubjetividade que perdura enquanto colonialidade, visto que a ‘revolução’ da ‘descoberta’ das Américas envolveu um colapso de todo o edifício da intersubjetividade e da alteridade, bem como, uma distorção do significado de humanidade.

Um ponto de partida para essa modernidade foi [...] o postulado de uma separação que quebrou com [...] a noção de uma cadeia que conectava todos os seres ao Divino. Isso é o que eu nomeio de catástrofe metafísica, uma catástrofe que é ao mesmo tempo ontológica, epistemológica e ética. A catástrofe metafísica inclui o colapso massivo e radical da estrutura Eu-Outro da subjetividade e sociabilidade e o começo da relação Senhor-Escravo. 38

Por todo dito acima, a razão teológica não pode ignorar essa fratura inter- subjetiva como o principal impedimento para o advento do estágio harmonioso da intersubjetividade, o messiânico em linguagem filosófica-teológica 39 .

Teologia negra da inculturação

Em vista de engendrar um cristianismo outro, não podemos reduzir a Teologia Negra à oposição a supremacia branca e ao sistema mundo moderno colonial, a saber uma teologia apologética. Mas, a Teologia Negra contemporânea se tece na inter- locução entre teologia política e teologia da inculturação em vista de uma “teologia da reconstrução” 40 , ou em linguagem afro-brasileira, do Teoquilombismo 41 como um quefazer teológico aberto à interculturalidade e à intersubjetivação 42 .

Em uma perspectiva psicológica afrocentrada Wade W. Nobles afirma que a opressão racial é uma tentativa de “esvaziar de nossa mente [...] o significado de ser africano”, mas ela não destruiu o “africano dentro de nós”. Porém, desafortunadamente, ela “alterou a percepção ou a crença em nosso senso de africanidade intrínseco; e esse senso alterado de consciência é o problema fundamental dos africanos e afro-americanos e diaspóricos” 43 . Acreditamos que essa perspectiva de Nobles faz algum sentido, pois os modos de socialização que os afrodiaspóricos são submetidos tem uma forte incidencia na sua subjetiva. Não se trata de defender uma ideia essencialista de identidade e cultura, como se agora negras e negros tivessem de recuperar um estágio idílico do passado. Antes, trata-se de considerar o impacto da colonialidade na subjetividade e trabalhar para sua descolonização, já que a fé cristã é, sobretudo, uma maneira de ser-no-mundo radicalmente aberta à alteridade e à transcendência. E, como dito acima, o cristianismo em sua versão monocultural foi fundamental para que este processo político e histórico centrado na opressão racial fosse instaurado e, infelizmente, ainda contribui para sua perpetuação. A “descolonização epistemológica do cristianismo”, como anuncia Henrique Dussel 44 , deve conduzi-lo ao encontro com outras culturas e epistemologias. Neste horizonte, a perspectiva da inculturação exige um movimento de retorno ao passado. Retorno que a filosofia africana denomina de Sankofa (voltar ao passado) e em linguagem teológica chamamos de movimento de volta às fontes. Como dito acima, não se trata de cristalização do passado, antes um voltar ao passado como fonte de inspiração para o presente em vista de um futuro melhor.

O encontro entre fé cristã e culturas africanas (afrodiaspóricas) deve resultar em um cristianismo outro, um cristianismo descolonizado e decolonial, portanto, libertador. Para isso é imprescindível uma teologia da inculturação, com a assunção das inúmeras epistemologias invisibilizadas e demonizadas.

Falamos, em um primeiro momento, em “teologia afrocentrada” para defender o projeto político e epistêmico da descolonização do cristianismo de sua roupagem eurocentrada e reabilitação de um cristianismo africano e negro. Cristianismo africano e negro que vem sendo recuperado por vários sujeitos teológicos 45 , nos moldes descrito pelo africano David T. Adamo em seu artigo African biblical studies: Illusions, realities and challenges 46 . É inquestionável a legitimidade desde movimento de recuperar as raízes africanas e negras da Bíblia, como um movimento de volta às fontes típico do quefazer teológico, bem como a história da Igreja primitiva na África. Contudo, é preciso ressaltar que uma “teologia afrocentrada” não pode induzir ou incorrer no mesmo erro que se está combatendo e, assim, cair num universalismo abstrato como o fez o eurocentrismo, ao afirmar uma identidade substancializada e uma esterilização da cultura, e não se abrir à interlocução com o outro e reconhecer a possibilidade de múltiplos cristianismos. Por isso, evocamos o Teoquilombismo neste quefazer teológico de um cristianismo decolonial, intercultural e pluriversal. Teoquilombismo no intuito de fazer jus ao conceito de “quilombismo”, além de conceber a plasticidade e criatividade da experiência negra, pode denotar também um modo de fazer teologia sob o signo da “encruzilhada epistemológica” 47 .

As encruzilhadas são campos de possibilidades, tempo/espaço de potência, onde todas as opções se atravessam, dialogam, se entroncam e se contaminam. Uma opção fundamentada em seus domínios não versa, meramente, por uma subversão. Dessa forma, não se objetiva, meramente, a substituição de uma perspectiva por outra [por exemplo, eurocentrado por afrocentrado]. A sugestão pelas encruzilhadas é a de transgressão, é a traquinagem própria do signo aqui invocado. São as potências do domínio de Enugbarijó, a boca que tudo engole e cospe o que engoliu de forma transformada. Os caminhos que partem do radical Exu de forma alguma podem se reivindicar como únicos. A encruzilhada invoca a máxima parida nos terreiros: Exu é o que quiser. 48

Evidentemente, esse labor teológico na “encruzilhada epistemológica” dá primazia às epistemologias africanas, sobretudo, para positivar a cartografia do não-ser. Em contexto brasileiro, estas epistemologias foram e são preservadas e cultivadas, principalmente, no interior do Candomblé (religião brasileira de matriz africana). Com a expansão colonial, diversos povos africanos foram trazidos para o Brasil como escravos, inclusive povos que na África eram inimigos, como os jejes e nagôs. Esses diversos povos, do fruto da solidariedade no sofrimento, deram à luz ao Candomblé, que se tornou um lugar de mútuo reconhecimento, uma espécie de antecipação da intersubjetividade.

Aqui no Brasil, jejes, nagôs, bem assim escravos de outras etnias, como os bantos, eram forçados a conviver na mesma senzala, dividindo o espaço exíguo, o mesmo sofrimento e as mesmas perdas. Venceram suas diferenças pela dor. Solidarizaram-se. Passaram a se proteger e a rezar juntos. Essa bela lição de tolerância, resistência e perdão foi tão forte e poderosa que deixou sua marca até hoje. O culto aos Òrìsà no Brasil é assim também, inigualável. Só aqui sirè (cerimônia pública de reverência às divindades) congrega deuses de todos esses povos, sem distinção, sem preconceito e em plena harmonia [...]. Além de vencerem as antigas diferenças, criaram um único espaço de culto, que era capaz de agraciar Òrìsà (nagôs) e Voduns (jejes) e de assimilar elementos das duas culturas como os mesmos temperos, danças, adornos, e rituais. 49

Teoquilombismo, portanto, emerge como uma tentativa de fazer justiça epis- têmica para com essas epistemologias e reparar o débito histórico do cristianismo monocultural para com as culturas africanas e afrodiaspóricas; a fim de fazer emergir um outro cristianismo, do encontro entre a fé cristã e as culturas africanas. Então, além de reabilitar um cristianismo bíblico africano e negro, um processo muito importante para a construção da identidade afro-brasileira, é preciso abraçar as culturas afrodiaspóricas.

Infelizmente, no Brasil, prevalece ainda a crença na incompatibilidade entre a fé cristã e as culturas africanas, mais especificamente no que tange à veneração dos ancestrais, o culto dos Orixás 50 . Essa suposta incompatibilidade entre as cosmologias e cosmovivências africanas e fé a cristã só faz sentido do ponto de vista da cristalização da experiência particular do cristianismo europeu, apesar das raízes da fé cristã estarem fincadas nas culturas semitas e africana, com influências asiáticas bem documentadas 51 .

Na África, por exemplo, há mais de 40 anos, vários teólogos e teólogas estão respondendo a essa questão crucial, do encontro da fé cristã com as cosmologias e cosmovivências africanas, por meio da elaboração de uma “Cristologia dos Ancestrais”. Isso é importante pela posição que ocupa os ancestrais na espiritualidade africana e, sobretudo, o desejo de que Cristo seja reconhecido nas culturas africanas em seu mistério humano-divino. Cabe ressaltar que as religiões africanas são monoteístas, assim como o Candomblé enquanto religião afro-brasileira, pois acredita-se na existência de um Deus Supremo 52 . Em outras palavras, a autoridade dos ancestrais não está em oposição ou conflito com o Criador, antes na cosmovisão e cosmovivências africanas (não em todas) eles são mediadores entre os seres humanos e Deus.

A autoridade dos ancestrais é derivada da visão de mundo religiosa que informa a ontologia africana. Enquanto eles estão acima dos anciãos vivos, os ancestrais não estão acima do Criador. No entanto, os ancestrais estão envolvidos na própria concepção da vida - família, clãs, comunidade e os mundos visível e invisível. Por esta razão, os ancestrais “não ocupam uma única ‘posição” em um sentido estrutural, mas são incorporados de uma série de maneiras diferentes em uma ampla gama de atividades e cultura material. Essas múltiplas manifestações sugerem uma variedade de identidades possíveis para os ancestrais, em vez de um modelo unificado. Enquanto os ancestrais podem ser considerados “biologicamente mortos”, eles são entendidos como vivos. Nesse caso, são os anciãos “mortos-vivos” que são os guardiães da terra, da vida e da moralidade. 53

Os Ancestrais, enquanto mortos-vivos e mediadores por excelência da energia vital, são experimentados em forma de uma “presença outra”. Nisto consiste a diferença entre os ancestrais europeus e o Ancestrais africanos. Os primeiros são lembrados como uma memória no seio familiar. Já os Ancestrais africanos são invocados em todas as ocasiões importantes. Eles estão presentes em toda a vida do africano, partilhando comida e bebida em comunhão com a comunidade. De maneira que a expressão de Jesus “Eis que estou convosco todos os dias” (Mt 28.20b), faz todo sentido para os africanos 54 .

Assim, fora da compreensão de universo africano fica difícil compreender a mediação dos Ancestrais e sua presentificação. O universo africano é hierarquizado, de maneira especial o Bantu, no qual “todos os seres compartilham na vida do Ser Supremo em diferentes níveis de acordo com sua natureza”. E o ser humano ocupa o centro, compartilhando a vida do Ser Supremo no mais completo nível. Entretanto, “essa participação é indireta”, pois em um universo hierarquizado entre o Ser Supremo, o mundo dos Espíritos e o mundo dos seres humanos, há intermediários 55 .

Foi ao s Ancestrais que Deus comunicou pela primeira vez a “força vital” divina. Assim, eles constituem o elo mais alto, depois de Deus, na cadeia dos seres humanos. Mas eles continuam a ser seres humanos. Na sua passagem de morte tornaram-se mais poderosos que outros seres humanos - na sua capacidade de exercer influência, de aumentar ou de diminuir a força vital dos seres terrestres. No seu estado atual, eles contemplam tanto Deus como os súbditos de Deus. 56

Evidentemente, a proposta de uma Cristologia dos Ancestrais envolve um movimento de des-helenização do cristianismo, isto é, de descolonização da cristologia, visto que des-helenização e descolonização podem ser pensadas como sinônimos 57 . A “descolonização supõe desconstrução a todo nível de esquemas teológicos mono- culturais herdados que têm encerrado o cristianismo impedindo sua criatividade” 58 . Se Cristo é o Messias para os judeus, Logos e Kyrios para os gregos, parece legítimo e indispensável pensar em Cristo a partir do marco distintivo da devoção aos ancestrais das culturas africanas 59 . Para levar a cabo esse aspecto do Teoquilombismo, em contexto brasileiro, faz-se necessário adotar a experiência vivida da comunidade negra como lugar teológico.

Pensar teologicamente a experiência negra

A Teologia Negra da Libertação norte-americana abriu uma fissura do discurso hegemônico sobre Deus e o humano ao afirmar: “Cristo é negro” (CONE, 1985), pois ela estava interpretando os dados da revelação cristã a partir da experiência concreta da comunidade afro-americana. Uma experiência marcada pela diáspora forçada, pela escravidão e segregação racial e a luta pelos direitos civis e afirmação da dignidade humana da pessoa negra em meio aos processos de desumanização.

Assim como no passado, hoje é preciso seguir falando de teologia negra e no quefazer teológico a partir do corpo-geopolítico do conhecimento das experiências negras: a experiência da escravidão, a experiência de desigualdades raciais naturalizadas e as lutas, resistências e reexistências negras. Tarefa primordial da teologia negra é, pois, pensar a experiência negra levando em consideração o que foi dito nos pontos acima. Não uma experiência qualquer, mas a experiência negra sistematicamente refletida, que faz oposição ao projeto de desumanização. O médico psiquiatra e líder revolucionário, Frantz Fanon chamou essa experiência de experiência dos condenados da terra 60 .

Nós, teólogas negras e teólogos negros, precisamos buscar dizer o evento da revelação em categorias concretas e históricas a partir das experiências da comunidade negra. Urge superar as categorias abstratas e metafisicas para falar de Deus e do humano.

Teologia e desontologização do outro

Com o objetivo de superar o pensamento metafísico e buscar falar de Deus em categorias históricas e simbólicas, o teólogo europeu Louis-Marie Chauvet cunhou a categoria “meontologia” 61 [sub-ontologia], para descrever o evento salvífico, mais especificamente a experiência de Jesus de Nazaré que foi reduzido historicamente à um me on, isto é, a uma sub-ontologia 62 .

Chauvet descreve a meontologia do servo subhumanizado que foi reduzido às margens da animalidade, como “uma ovelha muda” (Is 53, 7) ou como o suplicante que se tornou o “opróbio dos homens e desprezados do povo” (Salmo 22.6), que sequer é “um homem”. A meontologia possibilita pensar em Deus em categorias mais históricas e simbólicas e, assim, renunciar a metafísica, pois:

O Deus crucificado não é o ser eliminado. O apagamento kenótico que lhe é imposto pela cruz representa menos o não ente que o não outro. A meon- tologia que aqui se indica não é da ordem da onto(teo)logia negativa, mas da ordem simbólica: ao desfigura-lo ao ponto em que toda a alteridade dele fosse apagada, ao reduzi-lo a um não rosto, a um não sujeito, a um “objeto’ de escárnio” (cf. Is 52, 14), os homens fizeram de Jesus um me on [não ser] (cf. 1Cor 1,28); o que Paulo explica culturalmente por meio da figura do escravo.

Esta é a loucura que o teólogo [a teóloga] tenta expressar em seu discurso: que o não rosto do crucificado é a pegada ‘paradoxal’ do rosto da glória divina, que a face de Deus só é mostrada apagando-se a si mesma, que Deus deve ser pensado menos na ordem metafísica do incognoscível do que na ordem simbólica e histórica do irreconhecível. 63

Embora o teólogo francês, situado geopoliticamente na linha do ser, não tenha feito a correlação entre meontologia divina e a “condição negra”, parece pertinente pensar, situada geopoliticamente na linha do não-ser, na meontologia divina para dar conta de descrever o aspecto simbólico e histórico da experiência vivida da comunidade negra como lugar teológico. A partir da correlação entre meontologia divina e a colonialidade do ser devemos afirmar que a experiência afrodiaspórica representa o prolongamento da paixão do Crucificado, pois retoma-se o processo histórico e teórico do apagamento imposto aos africanos relegando-os à sub-ontologia, reduzindo-os à condição de me on (escravos) ou não-ser como lugar teológico. O pensamento decolonial, mais especificamente com Nelson Maldonado-Torres, classifica essa redução ontológica como “colonialidade do ser”, que diz respeito à dimensão ontológica da colonialidade do poder 64 .

Desafortunadamente, a fundamentação desta sub-ontologia tem suas raízes no debate sobre os “Direitos dos povos” – com o frei Francisco de Vitória e o frei Bartolomeu de Las Casas em controvérsia com Gines de Sepúlveda – ao questionar se os indígenas eram seres humanos com plenos direitos teológicos e jurídicos, visto que aos olhos dos europeus os povos autóctones não tinham religião. No imaginário cristão da época, não ter religião era não possuir alma e, portanto, ser expulso do reino do humano para o reino do animal. Engendrava-se assim o “racismo religioso” como o primeiro debate racista da história moderna, que ocupou os primeiros cinquenta anos do século XVI e precedeu a irrupção do racismo de cor 65 .

Sob um tribunal cristão-teológico a serviço do estado imperial, esse debate sobre os ameríndios transitou entre o reconhecimento de sua possível humanidade e a afirmação de sua animalidade. Aos ameríndios se deu, ao final, o reconhecimento de sua humanidade, legitimando assim a agência evangelizadora do Novo Mundo; visto que seres considerados bestas não poderiam ser evangelizados. Foi sob esse reconhecimento da humanidade dos ameríndios que se incrementou a demanda pelos escravos africanos, sob o status de não humanos (desontologizados) e, por isso, passíveis de serem escravizados. Assim, para Maldonado-Torres, esse “ceticismo misantrópico”, que é a suspeita teológica acerca da humanidade do outro, foi crucial para desenvolver a colonialidade do ser e do saber, juntamente com o racismo e a exclusão ontológica 66 .

Em linguagem teológica, essa redução dos africanos à condição de me on (meontologia), tornou-se o eixo principal para a operação do sistema mundo moderno colonial. De maneira que a experiência de apagamento dos africanos aparece, portanto, como correlação histórica e simbólica da kénosis do Verbo divino. Uma experiência que não ficou restrita ao período da colonização, mas, se atualiza e se prolonga na contemporaneidade sob a colonialidade.

E, por isso, uma teologia da cruz não pode deixar de falar da ressurreição em termos de insurreição dos condenados da terra, visto que não se pode reduzir a Ressurreição a um fato do Crucificado. Antes, ela é um processo de resgate da vida justa e nova; um trabalho que deve ser realizado por toda a história. A respeito da atualização da ressurreição, Leonardo Boff afirma que ela acontece “sempre que os últimos avançam, conquistam mais vida e o fazem na justiça e na com-paixão com os outros, eles atualizam os bons frutos da ressurreição do Senhor” 67 .

Neste horizonte, seguimos em diálogo com o teólogo mexicano Carlos Mendoza Álvarez, que defende a assunção da fenomenologia da subjetividade como o lugar por excelência da revelação divina. Mais especificamente, a subjetividade em sua radical abertura à alteridade e à transcendência. Trata-se daquela subjetividade redimida de sua própria violência que habita a sua exclusão com radical gratuidade. A concreção histórica desta experiência de uma subjetividade escatológica, inaugurada na ressurreição de Jesus Cristo, acontece por meio dos processos de subjetivação das vítimas sistêmicas dos diversos sistemas totalitários; quando elas conseguem superar o ódio e a rivalidade e viver o perdon 68 .

Essa reflexão histórica e teológica está no substrato de uma teologia negra contemporânea. Em outras palavras, o Teoquilombismo centra-se na subjetividade para pensar a redenção possível em contexto de colonialidade do poder, colonialidade do saber e colonialidade do ser; visto que é impossível pensar a libertação fora do sujeito corporificado.

Considerações finais

A razão teológica não pode ignorar o “clamor que sobe aos céus” das vítimas do racismo enquanto o eixo estruturante da matriz colonial de poder. Escutar esse grito passa por um diálogo horizontal interdisciplinar e, acima de tudo, fazer justiça epistêmica para com o pensamento negro crítico, de modo especial, o pensamento negro brasileiro; sem o qual é impossível acessar a experiência vivida da comunidade negra. Para essa escuta cordial é preciso retroceder à fundação do sistema mundo moderno colonial, que tem na colonização a principal fratura intersubjetiva que perdura sob a forma de colonialidade.

O projeto político e epistêmico do Teoquilombismo, nos termos supracitados das questões básicas para os estudos críticos da teologia negra, não pode ser confundido com a defesa de um novo universal abstrato. Pelo contrário, a afirmação da experiência vivida da comunidade negra é assumida nos termos de um universalismo concreto, que está permanentemente aberto ao diálogo intercultural e pluriversal. Teoquilombismo, portanto, aparece para dar conta dos estudos críticos da Teologia Negra no contexto brasileiro, que assume e eleva a experiência vivida da comunidade negra como lugar teológico.

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Notas

* Este artigo é o resultado parcial de uma pesquisa pós-doutoral em teologia que a autora realiza na Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, FAJE, sob a supervisão do Dr. Francisco das Chagas de Alburquerque. A pesquisa intitulada “Teoquilombismo. Propostas epistemológicas para a teologia negra em perspectiva decolonial” teve início em setembro de 2019 e deve ser concluída em janeiro de 2023. Esta pesquisa se realiza sob o apoio da Capes.

1 Bernardino-Costa, “Decolonialidade, Atlântico Negro e intelectuais negros brasileiros: em busca de um diálogo horizontal”, 131.

2 Na década de 1990, o biblista afro-americano Peter T. Nash fundou na Faculdade EST (São Leopoldo) o Grupo Identidade para promover as reflexões críticas e contribuir com a promoção da cultura africana e afro-brasileira, onde também lecionava a disciplina de Teologia Negra. Mais tarde a afro-colombiana Maricel Mena López também atuou nesta perspectiva na mesma faculdade. A partir de julho de 2021, serei docente no Programa de Mestrado Profissional em Teologia da Faculdade Sul Americana, para atuar na disciplina de “Questões de gênero e raça” e podendo orientar dissertações em Teologia Negra.

3 Mazama, “Afrocentricidade como novo paradigma”, 112.

4 Allen, Rabble-Rouses for Peace. The Authorized Biography of Desmond Tutu, 71. Pensando o futuro da Igreja, diante do regime do apartheid na África do Sul, o hoje prêmio Nobel da Paz e arcebispo da Igreja Anglicana, Desmond Tutu no início dos anos 1960 declarou: “Prevaleça ou não a política do apartheid, o povo africano vai, nos próximos 20 anos, ter que começar a criar seus próprios líderes tanto na esfera eclesiástica como noutras. Eu tenho esperança de que haverá um dia em que estudantes africanos de teologia vão sentar em frente de docentes africanos de teologia, respondendo perante um diretor africano. Se esse dia chegar […] será o prelúdio para coisas maravilhosas”. Assim como Desmond Tuto, estamos certos de que a revolução social implica uma transformação na estrutura de ensino teológico, no qual o negro possa construir referencias positivos acerca de sua identidade e suas culturas.

5 Cone, O Deus dos Oprimidos, 1985.

6 Bernardino-Costa & Grosfoguel, “Decolonialidade, Atlântico Negro e intelectuais negros brasileiros: em busca de um diálogo horizontal”, 119-137. Bernardino-Costa denomina de pensamento negro crítico a tradição de estudos diaspóricos do Atlântico Negro, impulsionado a partir da publicação da obra de Paul Gilroy, “O Atlântico Negro. Modernidade e dupla consciência” (Rio de Janeiro: Editora 34, 2019). De um modo geral, a tradição do pensamento negro crítico se refere à diversos intelectuais que denunciaram o racismo como a principal fratura do mundo moderno, tais como Aimé Césaire, W.E. R. Du Bois, Cedric J. Robinson, Frantz Fanon e outros.

7 Costa-Bernardino & Grosfoguel, “Decolonialidade e perspectiva negra”, 15-24.

8 Quijano, “Colonialidad del poder y clasificacion social”, 93-126.

9 Grosfoguel, “El concepto de ‘racismo’ en Michel Foucautl y Frantz Fanon. ¿Teorizar desde la zona del ser o desde la zona del no-ser?”, 90.

10 Maldonado-Torres, “Sobre la colonialidad del ser: contribuiciones al desarrollo de un conpecto”, 145.

11 Grosfoguel, “El concepto de ‘racismo’ en Michel Foucautl y Frantz Fanon. ¿Teorizar desde la zona del ser o desde la zona del no-ser?”, 90.

12 Quijano, “Colonialidad del poder y clasificacion social”, 119.

13 Fanon, Pele negra, máscaras brancas, citado por Grosfoguel, “El concepto de ‘racismo’ en Michel Foucautl y Frantz Fanon”¿Teorizar desde la zona del ser o desde la zona del no-ser?”, 93.

14 Buraschi & Aguilar-Idáñez, “Herramientas conceptuales para um antirracismo crítico-transformador”, 171.

15 Grosfoguel, “Para descolonizar os estudos de economia política e os estudos pós-coloniais: Transmodernidade, pensamento de fronteira e colonialidade global”, 139.

16 Dussel, “Transmodernidade e interculturalidade: interpretação a partir da filosofia da libertação”, 63.

17 Dussel, “Un diálogo con Gianni Vattimo. De la Postmodernidad a la Transmodernidad”, 51-73.

18 Dussel, “Descolonização epistemológica da teologia”, 29-30.

19 Maldonado-Torres, “Analítica da colonialidade e da decoloniliadade: algumas dimensões básicas”, 45-46.

20 Bernardino-Costa, “Decolonialidade, Atlântico Negro e intelectuais negros brasileiros: em busca de um diálogo horizontal”, 128.

21 Ibíd., 130-132.

22 Ibíd., 130.

23 Ibíd., 132.

24 Munanga, “Origem e histórico do quilombo na África”, 63.

25 Do Nascimento, O Quilombismo. Documentos de uma militância Pan-Africana, 286-291.

26 Ibíd.

27 Caldeira, “Theoquilombism: Black Theology between Political Theology and Theology of Inculturation”, 137-159.

28 Césaire, Discurso sobre o colonialismo, 18.

29 Ibíd., 14.

30 Ibíd., 15-16.

31 Mbembe, Sair da grande noite. Ensaios sobre a África descolonizada, 9.

32 Quijano, “Colonialidad del poder y clasificacion social”, 93-126

33 Grosfoguel, “Negros marxistas o marxismos negros?”, 11.

34 Mignolo, “O lado mais escuro da Modernidade”, 1-18.

35 Quijano, “Colonialidad del poder y clasificacion social”, 93-126.

36 Grosfoguel, “Para descolonizar os estudos de economia política e os estudos pós-coloniais: Transmodernidade, pensamento de fronteira e colonialidade global”, 126.

37 Maldonado-Torres, “Analítica da colonialidade e da decolonialidade: algumas dimensões básicas”, 35 (grifo nosso)

38 Ibíd., 37.

39 Caldeira, “Fundamento teológicos da política. Reabilitação da fonte política da subjetividade em tempos pós-modernos”, 141-159.

40 Mana, Foi chrétienne, crise africaine et reconstruction de l’Afrique. Sens et enjeux des théologies africaines contemporaines. A teologia da reconstrução é mais uma tentativa de síntese do que uma nova tendência teológica na África. Trata-se da busca de superar a aparente oposição entre teologia política e teologia da inculturação, com o objetivo de fazer teologia levando em conta todas as necessidades e expectativas dos africanos a nível social, cultural, econômico e político. Coube ao teólogo congolês, Kä Mana sistematizar o conceito de teologia da reconstrução. Em sua teologia da reconstrução Mana pede que deixemos para trás uma reivindicação estéril de identidade para pensarmos no ser humano como uma tarefa e dom, tendo Cristo como medida do nosso amor e modelo. Este Cristo-em-casa, o mistério de Deus, não é dado pelas nossas culturas e pelas nossas igrejas. Antes, continua a ser uma questão permanente para cada cultura e cada Igreja, um convite constante a avançar em direção a uma maior humanidade. Este aspecto de uma teologia da reconstrução iremos aprofundar em outro texto.

41 Caldeira, “Theoquilombism: Black Theology between Political Theology and Theology of Inculturation”, 137-159.

42 Castiano, Referenciais da filosofia africana: em busca da intersubjetivação, 190. “O processo da inter- subjectivação da filosofia africana passa necessariamente pela criação de valores e atitudes que levem ao reconhecimento do outro como um interlocutor válido, como um sujeito com dignidade e conhecimento. Há intersubjectivação quando o Eu reconhece o Outro e está disposto a escutar, a argumentar com este Outro”.

43 Nobles, “Sakhu Sheti: retomando e reapropriando un foco psicológico afrocentrado”, 277.

44 Dussel, “Descolonização epistemológica da teologia”, 19-30.

45 Caldeira y Artuso, “African Priestesses in the Biblical World. Decolonial Reading of Exodus 4:24-26”, 1-27.

46 Adamo, “African Biblical Studies: Illusions, Realities and Challenges”, 1-10.

47 Junior, “Pedagogias das encruzilhadas”, 78. “A encruzilhada esculhamba a linearidade e a pureza dos cursos únicos, uma vez que suas esquinas e entroncamentos ressaltam as fronteiras como zonas pluriversais, onde múltiplos saberes se atravessam, coexistem e pluralizam as experiências e suas respectivas práticas de saber”.

48 Ibíd., 75-76.

49 Jargun, Ori: a cabeça como divindade, 131.

50 Verger, “Noção de pessoa e linhagem familiar entre os iorubás”, 1-14. Pierre Verger, falando a respeito da etnia Iorubá, uma das etnias que povoaram o Brasil, mas que também corresponde a inúmeras outras etnias africanas, faz a distinção entre “culto aos ancestrais” e “culto aos Orixas”. Os primeiros se referem aos “ancestrais diretos da família”. E os segundos, os Orixás (Voduns para os fon), são os seus “ancestrais longínquos cuja lembrança se perdeu mais ou menos na noite dos tempos e cujo caráter divino é mantido sobretudo por seus descendentes atuais”.

51 Nyamiti, “African Christologies Today”, 3-22.

52 De Jagun, Ori: a cabeça como divindade, 97.

53 Kaoma, “From Missio Dei to Missio Creatoris Dei”, 165 (tradução nossa).

54 Kabasélé, “Christ as Ancestor and Elder Brother”, 120.

55 Ibíd., 123.

56 Ibíd., 117-118 (tradução nossa).

57 Vasconcelos & Hurtado, “Descolonizar a cristologia”, 480.

58 Tomichá Charupá, “Apuntes para una misiologia latino-americana: exploraciones desde el Instituto Latino-americano”, citado por Vasconcelos & Hurtado, “Descolonizar a cristologia”, 477.

59 É fato que questão da ancestralidade não se restringe as culturas africanas, ela sinaliza uma dimensão universal. Entretanto, é preciso perscrutar o modo como a ancestralidade é percebida e vivida nas culturas africanas em suas particularidades.

60 Fanon, Os condenados da terra.

61 Chauvet, Símbolo y sacramento. Dimensión constitutiva de la existencia cristiana, 505-506. “A mentologia simbólica evocada anteriormente é assim exigida por um duplo motivo: porque a redução de Jesus à condição infra-humana de me on (1Cor 1,28; Is 52,14; Sl 22, 7) não é o simples fruto conceitual de uma lógica de purificação das representações de Deus, mas o efeito histórico das forças ‘demoníacas’ da boa consciência dos homens...”.

62 Ibíd., 81-82; 503-506.

63 Ibíd., 81 (grifo e tradução nossa).

64 Maldonado-Torres, “Sobre la colonialidad del ser: contribuiciones al desarrollo de un conpecto”, 145.

65 Grosfoguel, “El concepto de ‘racismo’ en Michel Foucautl y Frantz Fanon ¿Teorizar desde la zona del ser o desde la zona del no-ser?”, 90.

66 Maldonado-Torres, “Sobre la colonialidad del ser: contribuciones al desarrollo de un concepto”, 145.

67 Boff, “Prefácio”, 9.

68 Mendoza Ávarez, Deus ineffabilis. Una teología posmoderna de la revelación del fin de los tempos.

Autor notes

a Autora de correspondência. cleucaldeira@gmail.com

Informação adicional

Como citar: Caldeira, Cleusa e Alburquerque, Francisco das Chagas de. “Questões Críticas nos Estudos da Teologia Negra em perspectiva decolonial”. Theologica Xaveriana vol. 72 (2022): 1-27. https://doi.org/10.11144/javeriana.tx72.qcetn

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