Abigail: sensatez e profecia no percurso de Davi: uma análise feminista da narrativa de 1Sm 25,2-42 *

Abigail: sensatez y profecía en el camino de David: un análisis feminista de la narrativa de 1S 25,2-42

Priscila Cirino Teixeira , Jaldemir Vitório

Abigail: sensatez e profecia no percurso de Davi: uma análise feminista da narrativa de 1Sm 25,2-42 *

Theologica Xaveriana, vol. 74, 2024

Pontificia Universidad Javeriana

Priscila Cirino Teixeira

Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, Brasil


Jaldemir Vitório

Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, Brasil


Recepção: 20 Junho 2023

Aprovação: 20 Novembro 2023

Resumo: A análise de 1Sm 25,2-42, perícope estudada neste artigo, revela a rica caracterização da personagem Abigail. Por sua notável sensatez e seu espírito profético, ela surge como figura significativa no ciclo narrativo sobre a ascensão de Davi ao trono de Israel (1Sm 16,1–1Rs 2,11).

A investigação tem como ponto de partida a delimitação da perícope, demonstrando sua unidade literário-narrativa e sua inserção no contexto mais amplo da historiografia deuterono- mista. Passa-se, a seguir, a explicitar as várias características da protagonista, realizando, a partir da abordagem feminista de hermenêutica bíblica, um estudo da construção da personagem pelo narrador. Vê-se, então, emergir a perspicácia, a capacidade de liderança, a profecia e a sabedoria dessa mulher exemplar. Suas qualidades ficam ainda mais evidentes no contraste com seu marido Nabal e com Davi, duas personalidades masculinas, marcadas pela estupidez e pelo espírito de vingança, respectivamente. Atuando com grande astúcia, Abigail encontra a melhor solução para o conflito que se estabeleceu entre os dois homens da trama e pode, então, ser caracterizada como a verdadeira heroína em cena.

Desse modo, Abigail se inscreve no rol das antepassadas bíblicas que assumem um protagonismo fundamental no desenrolar dos fatos, em uma sociedade patriarcal, tendente a marginalizá- las e limitá-las a posições de subalternidade e irrelevância. Agindo com firmeza, diligência e prontidão, Abigail se torna, portanto, paradigma de ação libertadora. Em um mundo onde a insensatez e o ímpeto vingativo ameaçam a convivência hospitaleira e fraterna entre os seres humanos, a heroína da perícope é certamente fonte de inspiração para as mulheres e homens de hoje, motivando-os, nas raras brechas encontradas em meio a uma sociedade ainda marcada pelo patriarcado, para transformar tantas situações injustas e desumanizadoras na atualidade.

Palavras-chave:Abigail, 1Samuel, Davi, Nabal, mulheres da Bíblia, hermenêutica femi- nista, análise narrativa.

Resumen: El análisis de 1S 25,2-42, perícopa estudiada en este artículo, revela la rica carac- terización del personaje Abigail. Por su notable sensatez y espíritu profético, ella se distingue como una figura significativa en el ciclo narrativo sobre la ascensión de David al trono de Israel (1S 16,1; 1R 2,11).

La investigación tiene como punto de partida la delimitación de la perícopa, para demostrar su unidad literario-narrativa y su inserción en el contexto más amplio de la historiografía deuteronomista. A continuación, diversas características de la protagonista son explicitadas, y a partir de la perspectiva feminista de la hermenéutica bíblica se hace un estudio de la construcción del personaje por el narrador. Desde ahí se pone de manifiesto la perspicacia, capacidad de liderazgo, profecía y sabiduría de esta mujer ejemplar. Sus cualidades se hacen aún más evidentes en contraste con su marido Nabal y con David, dos personajes masculinos marcados por la necedad y el espíritu de venganza, respectivamente. Al actuar con mucha astucia, Abigail encuentra la mejor solución al conflicto entre los dos hombres de la trama y puede, por tanto, caracterizarse como la auténtica heroína en la escena.

De esta manera, Abigail se suma a las antepasadas bíblicas que asumen un protagonismo fundamental en el desarrollo de los acontecimientos, en una sociedad patriarcal, que tiende a marginarlas y limitarlas a posiciones de subalternidad e irrelevancia. Al actuar con firmeza, diligencia y prontitud, Abigail se convierte en un paradigma de acción liberadora. En un mundo donde la insensatez y el impulso vengativo amenazan la convivencia hospitalaria y fraterna entre los seres humanos, la heroína de la perícopa es sin duda fuente de inspiración para las mujeres y los hombres de hoy, y los motiva, en las escasas rendijas presentes en una sociedad todavía marcada por el patriarcado, para transformar muchas situaciones injustas y deshumanizantes de nuestros días.

Palabras clave: Abigail, 1Samuel, David, Nabal, mujeres de la Biblia, hermenéutica feminista, análisis narrativo.

Introdução

“Quem encontrará a mulher de valor?” (Pr 31,10 1 ). A pergunta e a resposta que a segue, no conhecido poema da sabedoria bíblica (Pr 31,10-31), dão a entender que é raro deparar-se com uma mulher valiosa. Além disso, esse trecho do livro dos Provérbios sugere que os atributos que tornam uma mulher especial são quase todos associados a dotes maternos e domésticos 2 . Seria esse o único perfil feminino altamente valo- rizado nas Escrituras? Ou poderíamos também elencar outras qualidades que tornam a mulher bíblica digna de ser louvada e recordada por gerações?

Neste artigo, objetivamos realizar um estudo de uma personagem da história de Israel nos inícios da monarquia, procurando encontrar as características que fazem dela a principal protagonista da cena. Trata-se de Abigail, mulher sensata, hábil com as palavras e capaz de agir com prudência para garantir o bem de quem vive em sua casa. A perícope em análise (1Sm 25,2-42) situa-se no quadro mais amplo da ascensão de Davi ao trono de Judá. A narrativa coloca-nos diante de um conflito entre Nabal, marido de Abigail, e o futuro rei. Ambos se mostram propensos ao confronto e à violência, enquanto nossa protagonista se ocupa em reverter a situação para garantir a paz.

A análise da perícope será feita a partir do enfoque feminista de hermenêutica bíblica e considerando a perícope em questão numa abordagem sincrônica, ocupando-se do texto como chegou a nós, sem se ater aos processos de sua composição. Recorremos ainda a uma das dimensões do método de análise narrativa, a saber, o processo de construção de um personagem 3 , por compreender que tal método de estudo bíblico favorece a percepção de detalhes significativos do enredo e sua elaboração em vistas a transmitir a mensagem intencionada, bem como o efeito a ser produzido nos leitores 4 .

Seguimos a proposta de hermenêutica bíblica feminista em sua vertente crítica- libertadora 5 , que objetiva questionar e desmistificar “as estruturas de dominação inscritas nos textos bíblicos, em nossa própria experiência e nos contextos contemporâneos de interpretação” 6 , desmascarando leituras patriarcais das Escrituras e suscitando novos modos de compreensão dos textos. Igualmente, prioriza a reconstrução da história de antepassadas bíblicas, através do resgate e da valorização da memória dessas mulheres 7 .

Com o objetivo de evidenciar a importância de Abigail como uma dessas antepassadas, seis características dela serão detalhadas, demonstrando, assim, como o narrador bíblico fez de Abigail a personagem central da cena. As qualidades elen- cadas –perspicácia, liderança, capacidade de negociação, sabedoria, profecia e heroís- mo –estão associadas entre si e se complementam, construindo uma identidade rica em nuances e inspiradora para a atualidade, como indicaremos ao considerar Abigail como “heroína exemplar”. Além disso, recordaremos outras mulheres das sagradas Escrituras, que, como Abigail, nem sempre são adequadamente valorizadas na inter- pretação e transmissão das narrativas bíblicas. Antes, porém, explicitaremos a unidade de 1Sm 25,2-42 e situaremos a cena no contexto da historiografia deuteronomista 8 . Desse modo, prepararemos o terreno para (re)conhecer Abigail, “mulher de valor”, “que teme a YHWH” e “merece louvor” (Pr 31,10.31).

A unidade literário-narrativa e o contexto de 1Sm 25,2-42

Numa leitura atenta do enredo, percebemos a unidade literário-narrativa de 1Sm 25,2-42. Observamos que, no v. 1a, o narrador anuncia o falecimento de Samuel e informa sobre seu sepultamento “na sua casa, em Ramá” e sobre o luto guardado por “todo o Israel”. Esse versículo cumpre a função de conectar o episódio envolvendo Abigail, Nabal e Davi –que terá início no v. 2– com a cena anterior (1Sm 24,1-23), na qual se narra o encontro desse último com Saul, no deserto de Engadi. Na ocasião, Davi, tendo a possibilidade de eliminar seu perseguidor, poupa-lhe a vida, por ser “o ungido de YHWH” (1Sm 24,7) 9 . Com a morte de Samuel, conclui-se uma etapa da história das tribos e Davi deverá se defrontar com Saul, sem o apoio do profeta que o ungiu. O v. 1b, por sua vez, reintroduz o personagem Davi, ao informar que ele “partiu e desceu ao deserto de Farã”.

Portanto, os v. 2-3 correspondem, de fato, à nova cena, com a introdução de dois personagens 10 : Nabal, um “calebita”, rico proprietário de ovelhas e cabras, que possuía propriedades em Carmel, nas montanhas da Judeia; e sua esposa, Abigail. O episódio se passa “na ocasião [em que Nabal] estava tosquiando as suas ovelhas em Carmel” (v. 2). Por conseguinte, um contexto de festa e de alegria, referida, no v. 36, como “festa de rei”.

O v. 4 corresponde propriamente ao início da ação, que se concluirá no v. 42 com a informação de que Davi tomou Abigail como esposa.

Os v. 43-44, que trazem uma lista das esposas de Davi, soam como informação marginal, sem qualquer incidência na narração anterior. Na sequência, 1Sm 26 retoma a determinação de Saul de eliminar Davi, enquanto esse faz de tudo para poupar a vida do ungido de YHWH, como se 1Sm 25 tivesse sido inserido (sandwiched) entre os capítulos 24 e 26 11 . Considerando, portanto, o v. 1 como frase de transição entre a situação anterior e a nova cena e compreendendo os vv. 43-44 como informação secundária, reconhece-se, nos v. 2-42, uma estrutura narrativa clara:

  1. Situação inicial: introdução dos personagens Nabal e Abigail

    2Havia em Maon um homem que tinha propriedades em Carmel; era um homem muito rico: possuía mil ovelhas e mil cabras, e na ocasião estava tosquiando as suas ovelhas em Carmel. 3O homem se chamava Nabal e a sua mulher, Abigail; mas, enquanto esta era sensata e muito bela, o homem era grosseiro e mau. Ele era calebita.

  2. Começo da ação: Davi envia seus mensageiros a Nabal, solicitando ajuda

    4Davi, tendo sabido no deserto que Nabal tosquiava as suas ovelhas, 5enviou-lhe dez moços aos quais disse: “Subi a Carmel, ide ver Nabal e saudai-o em meu nome”. 6Direis: “Que seja assim no próximo ano! Paz a ti, paz à tua casa, paz a tudo o que te pertence! 7Soube que tens tosquiadores. Os teus pastores estiveram conosco; não os molestamos e nada do que lhes pertencia desapareceu enquanto estiveram em Carmel. 8Interroga os teus servos e eles te informarão. Possam os meus moços encontrar acolhimento por tua parte, porque viemos em dia festivo. Rogo-te, pois, que ofereças o que tiveres à mão a teus servos e a teu filho Davi.”

  3. Sucessão de eventos complicadores e preparação da tentativa de solução.

    – Nabal trata com desprezo os emissários de Davi e os ignora

    9Ao chegarem, os moços de Davi repetiram a Nabal todas essas palavras da parte de Davi, e esperaram. 10Mas Nabal, dirigindo-se aos enviados de Davi, lhes respondeu: “Quem é Davi e quem é o filho de Jessé? Muitos são hoje os servos que abandonam seus senhores. 11Tomaria eu, portanto, do meu pão e da minha água, da minha carne que abati para os meus tosquiadores, e os daria de presente a indivíduos que ignoro de onde vêm?”

    – Os mensageiros retornam e informam o ocorrido a Davi, que toma a decisão de atacar Nabal e destruir sua casa.

    12Em vista disso, os moços de Davi retomaram o seu caminho e regressaram. Ao chegar, informaram Davi sobre todas essas palavras. 13Então Davi ordenou aos seus homens: “Cada um cinja a sua espada!” Cada um cingiu a sua espada, Davi cingiu também a sua, e cerca de quatrocentos homens partiram com Davi, enquanto duzentos ficaram com a bagagem.

    – Abigail é informada do ocorrido por um servo, que lhe pede tomar providência para evitar a tragédia que se avizinha.

    14Ora, Abigail, a mulher de Nabal, tinha sido informada por um dos seus servos que lhe disse: “Davi mandou do deserto mensageiros para saudar nosso senhor, porém ele os expulsou. 15No entanto, aqueles homens foram sempre cordiais para conosco, nunca nos molestaram e, durante todo o tempo em que estivemos em contato com eles, quando estávamos no deserto, de nada sentimos falta. 16Noite e dia, eles foram como um muro protetor ao nosso redor, enquanto estivemos com eles apascentando o nosso rebanho. 17Agora, pois, considera o que podes fazer, porque a destruição do nosso senhor e de toda a sua casa é questão decidida, e ele é um homem vadio a quem não se pode dizer nada.”

    – Abigail, munida de generosas provisões, vai ao encontro de Davi, sem que seu marido o saiba.

    18Imediatamente, Abigail tomou duzentos pães, dois odres de vinho, cinco ovelhas preparadas, cinco medidas de trigo tostado, cem cachos de passas, duzentos doces de figo, arrumou tudo sobre jumentos 19e disse aos seus servos: “Ide na frente e eu vos seguirei”, mas nada disse a Nabal, seu marido.

  4. Clímax: diálogo entre Abigail e Davi.

    – Abigail encontra Davi e tenta lhe captar a benevolência

    20Enquanto ela, montada num jumento, descia beirando o monte, Davi e os seus homens também desciam em sua direção, e assim se encontraram. 21Ora, Davi dissera: “Foi, pois, em vão que protegi no deserto tudo o que era deste indivíduo e nada do que lhe pertencia se perdeu! E agora ele me retribui mal por bem! 22Que Deus faça a Davi isto e lhe acrescente aquilo se, de agora até amanhã cedo, eu deixar com vida um só homem!” 23Quando Abigail viu Davi, apressou-se a descer do jumento e prostrou-se diante de Davi, com o rosto em terra. 24Lançando-se aos seus pés, ela disse: “Ah! meu senhor, põe a culpa em mim! Deixa, pois, a tua serva falar aos teus ouvidos e escuta as palavras da tua serva! 25Não dê o meu senhor atenção àquele homem grosseiro que é Nabal, nome que lhe vai bem. Ele se chama o Insensato, e realmente é grosseiro. Eu, porém, tua serva, não vi os moços que o meu senhor enviou. 26Agora, pois, meu senhor, pela vida de Iahweh e pela tua própria vida, foi Iahweh que te impediu de derramar sangue e de fazer justiça pelas tuas próprias mãos. Agora, que os teus inimigos e aqueles que buscam fazer mal ao meu senhor sejam como Nabal! 27Quanto ao presente que a tua serva traz ao meu senhor, seja ele dado aos moços que acompanham o meu senhor. 28Perdoa, te peço, a falta da tua serva! lahweh firmará a casa do meu senhor, porque o meu senhor combate as guerras de Iahweh e, ao longo da tua vida, não se achará nenhum mal em ti. 29E se alguém se levantar para te perseguir e para atentar contra a tua vida, a vida do meu senhor estará guardada no bornal da vida com lahweh teu Deus, ao passo que a vida dos teus inimigos, ele a lançará fora como a pedra de uma funda. 30E quando Iahweh cumprir todo o bem que predisse a respeito do meu senhor e te houver firmado como chefe em Israel, 31então não se perturbará o meu senhor nem sofrerá com o remorso por ter derramado sangue leviana- mente e ter feito justiça com as próprias mãos. Quando Iahweh te abençoar, lembra-te da tua-serva.”

    – Davi deixa-se convencer e concede a Abigail tudo quanto ela lhe pedira

    32Então Davi respondeu a Abigail: “Bendito seja Iahweh, Deus de Israel, que hoje te enviou ao meu encontro. 33Bendita seja a tua sabedoria e bendita sejas tu por me teres impedido hoje de derramar sangue e fazer justiça com as minhas próprias mãos! 34Mas, pela vida de Iahweh, Deus de Israel, que me impediu de te fazer o mal, se não tivesses vindo tão depressa à minha presença, eu juro que, de agora até ao amanhecer, não teria sobrado com vida um único dos homens que andam com Nabal.” 35Então Davi recebeu o que ela lhe havia trazido e lhe disse: “Volta em paz para a tua casa. Vê que ouvi a tua súplica e te atendi.”

  5. Desfecho: morte de Nabal

    36Quando Abigail voltou para Nabal, encontrou-o em festa em sua casa. Uma festa de rei: Nabal estava alegre e completamente embriagado e, por isso, até ao romper do dia, ela nada lhe revelou. 37De manhã, quando Nabal acordou da bebedeira, sua mulher lhe contou o que acontecera, e ele sentiu o coração parar no seu peito, e ficou como pedra. 38Dez dias se passaram, e então Iahweh feriu Nabal, e ele morreu.

  6. Situação final: casamento de Davi e Abigail

    – Davi tece um comentário teológico a respeito da morte de Nabal e propõe a Abigail que se case com ele

    39Ouvindo que Nabal morrera, disse Davi: “Seja louvado Iahweh, que usou de justiça comigo pela afronta que recebi de Nabal, e que deteve o seu servo de cometer pecado. Iahweh fez recair sobre a cabeça do próprio Nabal o mal que planejara”. Davi mandou pedir a Abigail que se casasse com ele.

    – Os servos de Davi se dirigem a Carmel em busca de Abigail, que aceita acom- panhá-los para ser desposada por Davi.

    40Os servos de Davi foram, pois, a Carmel para se encontrar com Abigail, lhe disseram: “Davi nos mandou a ti para te levar, para seres sua mulher”. 41Ela se levantou, prostrou-se com o rosto em terra, e disse: “Tua serva é como escrava para lavar os pés dos servos do meu senhor”. 42Apressadamente, Abigail se levantou e montou num jumento; seguida por cinco de suas servas, ela partiu, precedida dos mensageiros de Davi, que a tomou por mulher.

No percurso da trama, percebe-se como o narrador introduziu a personagem Abigail num momento crucial da vida de Davi. O novo rei de Israel encontra-se numa situação dramática, estando a ponto de agir movido pelo ódio e pelo desejo de vingança, posturas condenáveis para um ungido de YHWH. “Que acontecerá, agora, que Samuel não está lá para revelar o querer divino a respeito de Davi?” 12 . Abigail, doravante, se fará presente na vida de Davi, como havia acontecido, outrora, com Samuel. Será ela quem favorecerá que o rei de Israel proceda em conformidade com o querer divino.

Tendo feito um sobrevoo pela perícope em análise que evidenciou sua unidade narrativa no tocante à personagem Abigail, trata-se, agora, de explicitar como essa cena se enquadra em um conjunto mais amplo da tradição bíblica.

Elaborada pelo narrador deuteronomista 13 como um projeto teológico bem estruturado e um encadeamento articulado, a denominada historiografia deuterono- mista inclui Deuteronômio, Josué, Juízes, 1 e 2 Samuel, e 1 e 2 Reis. Uma das partes integrantes desse conjunto bíblico é a história da ascensão de Davi (1Sm 16,1–1Rs 2,11 14 ), na qual se situa a perícope 1Sm 25,2-42. Algumas características perpassam toda a obra deuteronomista, constituindo-a como “uma teologia da história fundada sobre a relação entre ação e consequência, ou seja, entre o agir de Israel em relação à YHWH e a condução da história por parte dele mesmo” 15 .

Desde a peregrinação do povo pelo deserto (Dt) até o exílio na Babilônia (2Rs), passando pela constituição da monarquia em Israel (1Sm), entre outros eventos, alternam-se os personagens e sucedem-se os anos, enquanto se repete sistematicamente um padrão de leitura da história:

O Senhor inicia o bem para o povo, mas este se afasta de Deus e adora ídolos. Este mal provoca a ira do Senhor e a resposta de Deus é castigar o povo, por exemplo, entregando-o nas mãos dos inimigos. A opressão que o povo sofre leva-o a se voltar de novo para seu Deus e pedir perdão e libertação. O Senhor ouve a súplica do povo e o salva, mas logo depois o povo se afasta de Deus outra vez. [...] De maneira consistente, a fidelidade resulta em bem-estar, enquanto a infidelidade leva inevitavelmente à ruína. 16

Na narrativa deuteronomista, encontram-se enredos episódicos centrados em alguns personagens mais relevantes 17 . Entre esses, está Davi, cuja figura –assim como a de seus filhos– foi engrandecida pelo narrador, criando-os como personagens que dificilmente corresponderiam aos reis da monarquia principiante de Israel 18 . A perícope aqui estudada pertence à primeira etapa do ciclo de Davi, quando ele procurava escapar de Saul, que pretendia matá-lo (1Sm 19,8-10; 24,19-28). A fama de Davi se espalhava entre os israelitas –“Saul matou mil, mas Davi matou dez mil” (1Sm 18,7; 21,12)– e o futuro rei, já ungido por Samuel (1Sm 16,12b-13), trabalhava para aumentar seu “exército” incipiente e sua influência. Para alcançar esse objetivo, no entanto, Davi usa métodos pouco adequados ao ungido do Senhor: pilhagem, perseguição, cobrança de benefícios pela proteção oferecida, dissimulação (1Sm 25,4-8; 27,8-12). Nesse con- texto, a personagem Abigail desponta como protagonista de 1Sm 25: “Ela irrompe, no ambiente de violência que caracteriza o surgimento da monarquia, com gestos, palavras e ações que revelam e desnaturalizam a cultura de violência que permeia o texto [deuteronomista]” 19 .

O protagonismo de Abigail numa sociedade patriarcal

Abigail, cujo nome significa “meu pai se alegra” 20 , é a mulher “sensata e bela” (1Sm 25,3) que conduzirá a bom termo uma situação que parecia fadada ao desenlace trágico. Ela “é apresentada como uma personagem complexa” 21 , dotada de uma série de qualidades, tais como a perspicácia, a liderança e a capacidade de negociação, que lhe permitem atuar com surpreendente desenvoltura em meio a um contexto que lhe era extremamente desfavorável. “Nesse relato, seu papel é bastante denso. Ela aparece como senhora de sua casa, tomando decisões que repercutem sobre todo o clã. Abigail é uma mulher onde se misturam a rainha, a profetisa e a sábia” 22 . Tal conjunto de atributos –que analisaremos a seguir– fazem de Abigail a verdadeira heroína de 1Sm 25,2-42.

Abigail, mulher perspicaz

Uma pessoa perspicaz é reconhecida pela capacidade de se dar conta de determinada situação, atenta a indícios que, para outros, passariam desapercebidos. O olhar pene- trante dá-lhe suficiente sagacidade para desvendar o que acontece. Possui também uma boa dose de astúcia, que a impede de ser ludibriada.

A personagem Abigail caracteriza-se por sua perspicácia, condição que se destaca na comparação com seu marido. Já no início da cena, o narrador estabelece o contraste entre os dois personagens: Abigail era “sensata e muito bela 23 ”, enquanto Nabal “era grosseiro e mau” (v. 3). As diferenças entre ambos se evidenciarão no decorrer da narração e serão percebidas em suas falas e ações.

No diálogo com Davi, a própria Abigail descreve seu marido como “insensato”, em um jogo de palavras entre tal característica e o nome do personagem: “Não dê o meu senhor atenção àquele homem grosseiro que é Nabal, nome que lhe vai bem. Ele se chama o Insensato (nabal), pois a insensatez (nebalah) está com ele” (v. 25). O casal traz a marca da desarmonia, tanto nos nomes quanto no modo de agir.

A ação de Abigail tem início no v. 14a, quando um de seus servos faz um relato do que foi narrado nos v. 4-13, resumido no v. 14b: “Davi mandou do deserto mensageiros para saudar nosso senhor [Nabal], porém, ele os expulsou”. Tratou-se mais de um gesto de desprezo de Nabal do que pura indisposição para atender o pedido de Davi (v. 8c). O marido de Abigail mandou-os de volta, com palavras depreciativas dirigidas a quem os enviou:

Quem é Davi e quem é o filho de Jessé? Muitos são hoje os servos que aban- donam seus senhores. Tomaria eu, portanto, do meu pão e da minha água, da minha carne que abati para os meus tosquiadores, e os daria de presente a indivíduos que ignoro de onde vêm?” (v. 10-11).

Assim, Nabal recusou-se a ser hospitaleiro com os homens de Davi e, por consequência, com o senhor deles. O servo, por sua vez, mostra-se sensato ao perceber o equívoco do seu senhor que ignorou a cordialidade e a proteção oferecidas pelos homens de Davi aos pastores de Nabal (v. 16). Abigail foi também informada pelo servo sobre a decisão de Davi que, com quatrocentos homens, partira para dar a Nabal a “devida” punição (v. 13). Por isso, o servo pediu à sua senhora uma intervenção rápida: “agora, pois, considera o que podes fazer, porque a destruição do nosso senhor e de toda a sua casa é questão decidida” (v. 17).

Sendo Nabal um indivíduo agressivo, sem disposição para dialogar, a perspicaz Abigail não perde tempo em convencê-lo a mudar de opinião e acolher o pedido de Davi. Contrapondo-se às atitudes de Nabal, ela “tomou duzentos pães, dois odres de vinho, cinco ovelhas preparadas, cinco medidas de trigo tostado, cem cachos de passas, duzentos doces de figo e arrumou tudo sobre jumentos” (v. 18), enviando seus servos ao encontro de Davi com todos esses víveres como mostra de suas boas intenções. Porém, “nada disse a Nabal, seu marido” (v. 19b).

Como foi possível que Abigail fizesse tudo isso sem que Nabal percebesse? Afinal, a expedição preparada para atender o pedido de Davi e, assim, evitar o pior era de grande porte, de modo a parecer difícil organizá-la e implementá-la às escondidas. Tal feito, porém, foi possível com grande dose de astúcia!

A perspicácia de Abigail evidencia-se, igualmente, no encontro com Davi. Esse, ao avistá-la, expressou seu descontentamento com a postura de Nabal. O bem que lhe fizera foi retribuído com o mal (v. 21). A insensatez de Nabal será invalidada pelo bom senso de sua esposa, que pede a Davi para ser escutada (v. 24). Tendo desqualifi- cado seu marido (v. 25c), põe-se a argumentar. Afirma não ter tido conhecimento da embaixada enviada por Davi a Nabal (v. 25d) e ter sido obra do próprio YHWH tê-la enviado para impedir um derramamento de sangue caso Davi fizesse justiça por suas próprias mãos (v. 26). Oferece, então, os dons que trouxera, para atender às necessi- dades de Davi e de seu grupo (v. 27). “Nabal havia enumerado três coisas que não daria [a Davi]: ‘pão, vinho e carne’; ela começa dando ‘pão, vinho e carne de carneiro’; sendo o vinho melhor, aos olhos das pessoas, que a água” 24 . Com isso, Abigail se posiciona em condições de ser perdoada, já que assumira a falta do marido (v. 28a).

O restante de sua fala (v. 28b-32) assume um caráter teológico, como veremos ao caracterizar Abigail como sábia e profetisa. Trata-se da artimanha de confrontar Davi com YHWH, de forma a lhe acalmar os ânimos e dispô-lo a mudar de opinião. Pensando no futuro, quer poupá-lo do remorso “por ter derramado sangue leviana- mente e ter feito justiça com as próprias mãos” (v. 31a). Na sua esperteza, Abigail declara ainda seu desejo de contar com a benevolência de Davi, quando vir a bênção recair sobre ele: “Quando YHWH te abençoar, lembra-te da tua serva!” (v. 31b).

A iniciativa da perspicaz Abigail surtiu efeito, pois ela “reconduz[iu] o coração de Davi ao bom senso e a uma apreciação correta da realidade” 25 . Ele lhe dá ouvidos, reconhecendo que ela agiu com sensatez (v. 32-33). Finalizado o diálogo, Davi despede Abigail para que volte em paz para casa, garantindo-lhe: “Vê que ouvi a tua súplica e te atendi!” (v. 35). Em sua perspicácia, atuando com diligência e sutileza, Abigail “conseguiu o que queria. Podemos imaginar seu sorriso enquanto ela cavalga detrás de Davi” 26 .

Uma última ação de Abigail revela, ainda, sua astúcia. Tudo quanto realizara fora à revelia do marido. Apenas ao final da trama, ela busca um momento oportuno para falar-lhe do ocorrido. Esse surgiu quando Nabal despertara de uma noite de bebedeira. Ao tomar conhecimento do que sucedera, Nabal “sentiu o coração parar no seu peito, e ficou como pedra”, vindo a falecer após dez dias (v. 38). Qual teria sido a causa da morte: uma intensa raiva da mulher que lhe omitiu fatos de tamanha gravidade? A consciência tardia de sua insensatez e das possíveis consequências de seus atos? Ou um simples infarto fulminante? Pode-se pensar que “a causa disso não foi a sua raiva pela perda sofrida, ou apenas o seu alarme pelo perigo a que tinha sido exposto, e que ainda não acreditava ter acabado, mas também o seu vexame por sua mulher tê-lo feito humilhar-se de tal forma” 27 .

Ao final da cena, cabe ao leitor tirar suas conclusões sobre a morte de Nabal.

Em todo caso, não pode deixar de admirar a perspicácia daquela mulher!

Abigail, líder e negociadora

Outras características de Abigail, que se destacam na leitura de 1Sm 25, são sua condição de líder e seu talento como negociadora. O exercício da liderança define-se pela capacidade de coordenar pessoas pelo poder da persuasão e não da pressão e do medo, pela segurança nas orientações dadas e pela disposição de se colocar à frente dos processos. Um fator importante diz respeito à habilidade para resolver conflitos, sendo também uma pessoa capaz de negociar, de modo a transformar uma situação conflitiva para bem dos que estão nela envolvidos.

“Negociar não é ceder, desenvolvendo comportamentos aplacadores ou evitativos, nem tampouco impor. Negociar é estabelecer um acordo de partes e é, por isso, uma prática de não-violência que implica um profundo respeito pelo outro/a” 28 . Levar a cabo uma negociação bem-sucedida supõe o desenvolvimento de estratégias adequadas para alcançar o fim almejado. Isso é o que Abigail faz, atuando “com eficácia para negociar e neutralizar uma situação perigosa” 29 .

Embora seja Davi a figura visada pelo narrador deuteronomista, a atuação de Abigail supera, em muito, a dos dois principais personagens masculinos da cena. Por um lado, o insensato Nabal atropela a tradição da hospitalidade, indispensável para a sobrevivência na sociedade da época, mormente, de quem levava uma vida nômade. Por outro, Davi, quando tem seu pedido de alimentos recusado por Nabal, torna-se violento e vingativo e decide resolver a pendência, eliminando a casa de Nabal, sem “deixar com vida um só homem!” (v. 22).

Porém, tudo chegará a bom termo sob a liderança de Abigail. “Ela comanda a cena, uma vez que todos os membros do ‘elenco’ (incluídos os servos) interagem apenas com ela, tornando inquestionável seu papel central” 30 . Ao ser procurado pelos servos de Davi, “Nabal toma decisões que põem em risco a vida de toda a sua casa, família, servos, animais [...] de maneira unilateral, sem consulta e motivado pela ostentação de um poder que pretende desconhecer outros poderes e mostrar-se como único” 31 . Ao contrário do que fez seu marido (v. 7-11), Abigail começa por escutar com atenção, diretamente de quem esteve envolvido nos fatos, a situação que deu origem ao problema que lhe é apresentado (v. 14-17). Enquanto Nabal e Davi pensam apenas em si mesmos, Abigail leva em “consideração as vítimas potenciais do conflito [...] Atua com desprendimento e humildade pelo bem comum; não se apega a seu lugar social, não considera sua segurança pessoal nem o risco que suas ações poderão acarretar-lhe” 32 .

Em face da situação de calamidade iminente, o servo procurou Abigail com um “apelo direto e contundente”, o que “sutilmente, sugere que esta poderia não ser a primeira vez em que Nabal foi responsável por tamanha estupidez, nem foi esta a primeira ocasião em que Abigail teve que interceder” 33 . Ao escutar atentamente o que o servo lhe comunica, Abigail reúne os elementos necessários para ponderar, discernir e atuar com prontidão (v. 18-20).

Sem delongas, ela põe-se a tomar providências para reverter as consequências da ação equivocada de seu marido. Num contexto patriarcal, ao contrário do que era esperado e, inclusive, permitido, Abigail toma a decisão de ir, pessoalmente, resolver a questão com Davi. Quando poderia escolher outras formas de lidar com a situação, ela se dispõe a ser interlocutora do inimigo anunciado, servindo-se de todos os seus dons. Percebendo que “deve reverter os erros cometidos por seu marido, os agravos verbais a Davi e a negativa de hospitalidade [...], desenvolverá diversas estra- tégias gestuais e verbais”, que visam um desfecho favorável para a situação 34 .

Podemos reconhecer na cena um processo no qual Abigail segue, com prudência e determinação, um plano previamente traçado. Primeiramente, ela envia presentes à sua frente, procurando abrandar o ímpeto de Davi, já disposto para a guerra (v. 19). Acrescenta a isso uma medida cautelar: “nada disse a Nabal, seu marido” (v. 19b).

Na sequência, vemos como Abigail “não negocia à distância, mas vai ao encontro de quem ameaça sua casa” 35 . Ela não chega com altivez, mas se mostra humilde e se prostra diante de Davi “com rosto em terra” (v. 23), de modo a desarmar o interlocutor furioso. Assim, contrapõe-se, mais uma vez, à atitude arrogante de seu marido. Ela cuida de desmerecer seu esposo que, sendo insensato, colocou em perigo a família e os bens.

Como seguinte passo em sua estratégia, Abigail assume para si a culpa que não é dela e se dispõe a resolver um problema que não criou (v. 24a). Para demover Davi de suas intenções vingativas, usa também a tática de “minimizar a ofensa”, ao argumentar “que a ameaça de massacre feita por Davi não corresponde ao crime de Nabal, porque ele é apenas um homem estúpido”, não merecendo nenhum tipo de atenção da parte do futuro rei de Israel 36 .

Mostrando-se “hábil negociadora comprometida com a continuidade de sua casa” 37 , ela dá ainda a entender que, se tivesse se encontrado com os homens de Davi, quando procuraram por Nabal, a situação teria se desenrolado de modo diferente. Então, Abigail convida Davi a um discernimento, similar ao que antes realizou: pede que a ouça e, ouvindo, aja com sensatez, ao contrário do que fez seu marido (v. 24b-25).

A seguir, Abigail chama Deus em causa, evocando-o como quem a enviou para prevenir Davi de agir na contramão do querer divino (v. 26). Davi se deixa convencer por aquela mulher promotora de concórdia e renuncia a seu plano. Por fim, para coroar sua ação, Abigail oferece os presentes que trouxera (v. 27): “Ao tomar a decisão de pagar [pela proteção oferecida aos pastores, conforme exigido por Davi], ao dispor dos bens dentro da casa e ao assumir a chefia da delegação, Abigail demonstra que quem está chefiando a casa é a mulher!” 38

O terreno estava, então, preparado para o pedido a ser apresentado a Davi: “perdoa, te peço, a falta da tua serva!” (v. 28a). Abigail chama, então, a atenção para um fato, quiçá, desconhecido para Davi: “a vida do meu senhor estará guardada no bornal da vida com YHWH teu Deus” (v. 29). Daí a conveniência de agir de maneira prudente, controlando a ira e o impulso para a vingança, e confiando ao Senhor o destino de sua vida, por ele conservada.

Finalmente, Abigail “deseja vida longa e sucesso a Davi [e] admite a sua justa reinvindicação ao trono de Israel (enquanto o rei Saul é ainda o reinante formalmente ungido)” 39 . Desse modo, cai nas graças de Davi e consegue mudar suas intenções destrutivas.

Ao final da narrativa, percebe-se que o itinerário de negociação, habilmente conduzido por Abigail, distancia nossa estrategista tanto da insensatez de Nabal quanto do ímpeto vingativo de Davi. À contraluz da postura de nossa exímia negociadora, evidencia-se a inabilidade de Davi para governar. Para ser um bom rei, precisará aprender a negociar e Abigail pode ser-lhe um ótimo exemplo.

Davi pensa que, para continuar construindo o poder que vem conseguindo com suas batalhas, é necessário somar triunfos, cadáveres, para que fique bem claro quem pode mais. O que parece desconhecer é que pode existir outras maneiras de resolver as coisas. 40

Desse modo, Abigail é apresentada como quem foi responsável por fazer- lhe descobrir uma nova perspectiva. Ela “devolve o mal com bem e, assim, detém a espada” 41 . Fazendo uso “de argumentos e posturas de concórdia, [...] interpretados como uma diplomacia da paz” 42 , Abigail garante que se estabeleça aquela paz (v. 35) que Davi originalmente havia desejado à casa de Nabal (v. 6), mas que, na prática, não se comprometeu a realizar.

Abigail, sábia e profetisa

O Senhor, que escolheu Davi como rei, é também quem lhe envia Abigail na ocasião oportuna, de modo que, no desenvolvimento da cena, ela se revele como profetisa e sábia. A sabedoria bíblica, dentre variadas conotações, aponta para a “arte de bem viver” 43 . Trata-se de uma sabedoria prática, expressa como capacidade de conduzir os fatos cotidianos da melhor maneira possível. Tal foi o caso de Abigail, cuja sabe- doria se demonstra na querela (rîb 44 ) entre dois homens em litígio. Aí sua sabedoria manifestou-se como “destreza, perícia [e] habilidade” 45 .

O louvor à sabedoria de Abigail flui dos lábios de Davi, ao final das muitas peripécias em torno do conflito com Nabal. Ele “repete três vezes a palavra ‘bendito’, referindo-se a Javé e a Abigail [...] (v. 32-33)” 46 . Conhecedora da decisão de Davi de escolher o caminho da brutalidade e da impossibilidade de fazer Nabal mudar de opinião e atender o pedido que lhe fora feito (v. 14-17), Abigail, interpondo-se entre eles, agiu como “mulher sábia em um mundo tolo e dominado por homens” 47 . Ela soube conduzir o rîb da forma mais conveniente, de modo a evitar o derramamento inútil de sangue e a destruição de um patrimônio, do qual dependiam muitas pessoas. Atuou como “força moderadora” e preveniu o choque entre dois extremos 48 .

No discurso dirigido a Davi (v. 25-32), “que é uma lição de sabedoria” 49 , Abigail se expressa com palavras carregadas de lucidez e bons augúrios para quem estava possuído pelo espírito de ressentimento e de vingança. A resposta de Davi (v. 32-35) revela que Abigail alcançou seu intento de fazê-lo mudar de opinião. “No papel de uma sábia mulher que busca a segurança de seu clã, ela abre caminho para uma aliança entre Davi e os clãs pastoris de Judá. Uma garantia de um futuro promissor para aquele chefe de bando” 50 . Em outras palavras, ela orientou o rîb a um bom termo, de modo que “a controvérsia se conclui pacificamente” 51 . Davi, por sua vez, deu mostras de ter “reconhecido nas palavras de Abigail a sabedoria vinda de Deus, e jamais lamentou ter agido de acordo com o conselho dela” 52 .

Se, por um lado, é nítida a atuação de Abigail como sábia, não é menos notável seu papel de profetisa 53 . O profetismo é um fenômeno típico da história de Israel. Profetas e profetisas são pessoas escolhidas por Deus para escutá-lo e são por ele enviadas para falar ao povo em seu nome. Embora haja certa diversidade no estilo de atuação profética, é possível afirmar que se trata de “intermediários” entre YHWH e a humanidade, “de modo relacionado, porém distinto, ao dos sacerdotes e adivinhos” 54 . Na Bíblia, encontramos algumas referências a profetisas e profetas assim nomeados (como Hulda, Mirian, Jere- mias, Isaías) e outros que, analogamente, podem ser caracterizados como tais por suas palavras e/ou ações proféticas. Nesse segundo grupo, situamos Abigail.

Ela é capaz de ver o que Nabal não podia ver: que Davi seria o rei de Israel e que seu destino estava nas mãos de Yahvé […]. Talvez não seja um acaso o fato de que o capítulo (1Sm 25) comece com a morte de Samuel, que havia ungido Saul e Davi para o trono. Abigail toma seu manto, “ungindo” com suas palavras a Davi. 55

É justamente no diálogo com Davi, no qual “fala como se o fizesse em nome de YHWH” 56 , que os traços proféticos de nossa personagem podem ser melhor iden- tificados. “Na longa seção profética de seu discurso a Davi (vv. 26-31), Abigail faz frequentes referências a Yahweh. O nome divino aparece sete vezes em seu discurso, começando com a fórmula introdutória de juramento ‘pela vida de Yahweh’ (hay yhwh)” 57 .

Numa antecipação do famoso oráculo de Natã (2Sm 7,1-17), o narrador deuteronomista atribui a Abigail uma primeira predição profética a respeito da ação do Senhor em favor de Davi e de sua casa, constituída pelo próprio Deus para reinar em Israel (v. 28b). Ela “está tão certa das ações de Deus que pode revelá-las sob juramento, afirmando implicitamente que ela mesma está atuando como agente de Deus” 58 . Além disso, a narrativa apresenta Abigail como a primeira a anunciar a Davi que o Senhor o fará chefe de Israel (v. 30-31a), o que se realizará mais adiante, quando ele se torne rei (2Sm 5,1-5).

No v. 29, Abigail anuncia que os inimigos de Davi serão arremessados para longe, “como a pedra de uma funda”. Na perspectiva do narrador deuteronomista, isso é o que acontecerá com os derrotados nas batalhas que se sucederão no percurso da ascensão de Davi (1Sm 30,16-20; 31,1-13; 2Sm 5,17-21), bem como com o próprio Nabal (v. 26b.38). Porém, a atuação profética de Abigail não está “somente” em anunciar o futuro de Davi:

Como Samuel, Natã, Elias e Eliseu, [ela] exerce um papel de denúncia diante dos abusos de poder e da desobediência dos reis de Israel. As implicações do que diz e faz Abigail vão além de salvar a vida de seu marido (que [conforme sugere a narrativa] morrerá nas mãos de Yahveh pouco depois), de seus servos e a sua própria. Ela estabelece um horizonte dentro do qual o futuro rei devia atuar, um horizonte que nos remete às palavras de Samuel quando o povo lhe pede um rei (lS 8). 59

O próprio Davi a reconhece como mensageira de Deus e louva o Senhor por isso (v. 32). Agindo como autêntica profetisa, “Abigail persuade Davi que o julgamento é uma prerrogativa divina e que ele deve tomar cuidado para não usurpá-la” 60 . Percebe-se, então, como o narrador deuteronomista vai encadeando a cena de modo a transmitir a compreensão de que o próprio Deus dispõe os acontecimentos para que Davi chegue ao trono. Segundo essa visão, é Abigail quem faz o futuro rei cair na conta daquilo que o Senhor realmente deseja naquela conjuntura (vv. 26.34), impedindo-o de fazer justiça com as próprias mãos. Desse modo, reconhecendo o Senhor como aquele que faz o bem (v. 31), Abigail põe em YHWH sua confiança e age em sintonia com Ele, ao garantir que Davi atue como ungido do Senhor.

Foi, portanto, Abigail que, nesta cena, ensinou Davi a contar com Deus e sua justiça, ao movê-lo a não se levar pelo impulso de eliminar quem o destratou. “Foi uma lição importante no treinamento de Davi para o reinado, algo que ele pre- cisaria se lembrar em crises futuras” 61 .

Abigail, verdadeira heroína

O conjunto das caracterizações da personagem Abigail permite atribuir-lhe a condição de heroína. No âmbito da narração, “o ‘herói’ (ou ‘heroína’) [...] é o personagem mais indispensável para o enredo. [...] Suas ações são decisivas ou é o mais afetado pelo que acontece” 62 . Destaca-se pela correção no modo de falar e de proceder e por sua coragem, sendo objeto de admiração. Sua exemplaridade sobressai-se, de modo particular, no contraste com os personagens que se apresentam como vilões, dignos de reprovação. A heroína (ou o herói) tende a ocupar toda a cena. Tais parâmetros aplicam-se a Abigail.

Apesar de ser apenas citada no v. 3 e sua entrada em cena acontecer somente no v. 14, tem-se a impressão de que a função dos v. 4-13 consiste em preparar o espaço narrativo para Abigail, considerando o papel que, doravante, lhe caberá. Sua atuação coloca Davi e Nabal em segundo plano. Prescindido da intervenção sensata de Abigail, o enredo se limitaria ao confronto de dois personagens incapacitados para o diálogo, em um campo fértil para a disseminação da violência e da morte. A intervenção da heroína possibilita um desfecho favorável, em que vidas humanas e bens são poupados e sua presença se torna indispensável para o enredo. Por sua influência, a situação é colocada em sintonia com o querer divino, ignorado e desrespeitado por Nabal e, a princípio, também por Davi. Por tudo isso, Abigail merece ser aclamada como heroína.

A garantia da paz entre os pastores de Nabal e o grupo de Davi resulta de sua atuação precisa e rápida, evitando, assim, as consequências mortais de um possível confronto. Os efeitos da ação passada de Nabal ficam minimizados já em seu nascedouro. “Brilhantemente, ela desvia o irritado Davi do possível derramamento de sangue [...]. Prudentemente, ela fala bem do que o Senhor fará por Davi e sugere um lugar para si própria na felicidade futura” 63 . Assim, a pretendida decisão de Davi não vai além da intenção, porquanto a interferência de Abigail demove-o de implementá-la.

Some-se a isso a postura destemida de quem rompe com os esquemas sociofa- miliares da época para se obter o retrato de uma heroína. Tendo como meta dirimir uma pendência entre dois homens desprovidos de bom-senso, lançou mão dos recursos mais eficazes para atingir seu escopo. Agiu com total independência em relação a Nabal e satisfez o pedido de Davi e sua tropa faminta, dando-lhes os víveres necessários para sobreviverem. Por se tratar de uma mulher naquele contexto histórico, esses fatos são ainda mais surpreendentes.

Abigail avançou além do papel feminino de então. Em um momento de conflito, ela agiu sozinha perante um exército para defender a casa e a família. [...] Sem armas ou posição pública reconhecida, reverteu uma decisão de combate com argumentos de paz e perdão. É lícito concluir, portanto, que ela questionou a estreiteza das relações de gênero para além de seu tempo, desconstruindo-a em certo sentido. 64

Ao final da narrativa, a imagem de Davi, em sua “excitação apaixonada”, apresenta-se ofuscada, enquanto a de Abigail permanece intocada. Ela será para o futuro rei de Israel “uma fonte de prosperidade e salvação”, num contexto em que ele poderia ter maculado sua posterior missão de líder de Israel 65 . Um argumento a mais para considerá-la heroína da cena, não cabendo, portanto, a Davi o título de herói.

Abigail entre as mulheres de Israel

Nossa heroína Abigail faz parte da linhagem de mulheres das sagradas Escrituras, inúmeras vezes silenciadas e invisibilizadas, tanto nos textos bíblicos, quanto em sua transmissão ao longo da história 66 . Para resgatar a importância dessas mulheres, seguiremos a proposta do Sirácida em sua exaltação de grandes personagens de Israel (Eclo 44,1–50,24). Transpondo algumas palavras para o feminino, proclamamos, a modo de paráfrase, o elogio das mulheres ilustres, nossas antepassadas através das gerações (Eclo 44,1). Algumas “exerceram autoridade real, ganharam nome por seus feitos; outras foram ponderadas nos conselhos e exprimiram-se em oráculos profé- ticos. Outras regeram o povo com seus conselhos, inteligência da sabedoria popular e os sábios discursos de seus ensinamentos” (Eclo 44,2-4). Elas mereceriam, portanto, ser “honradas por seus contemporâneos e glorificadas já em seus dias” (Eclo 44,7).

Sendo assim, procurando “recuperar a posição da mulher no povo de Israel [...] em condições de mais igualdade e participação” 67 e reconstruir o “passado esque- cido das mulheres, tanto de suas vitimações como de suas lutas por sobrevivência e bem-estar” 68 , relemos as qualidades da heroína Abigail, unidas à memória de outras personagens bíblicas.

A exemplo da juíza Débora, a quem os israelitas buscavam “para obter justiça” (Jz 4,5), Abigail foi procurada pelo servo que reconheceu nela alguém capaz de discernir e atuar para o bem de todos. Quando faltaram os valentes do povo, Débora se ergueu como mãe em Israel, liderando os israelitas para a vitória (Jz 5,6-12). Assim também Abigail ergueu-se, quando Nabal falhou em proteger sua casa.

Como Jael que foi proclamada “bendita entre as mulheres” (Jz 5,24), Abigail é louvada como bendita e bendito é o seu conselho, que impediu Davi de derramar sangue inocente (1Sm 25,33).

Ana (1Sm 1,1–2,11), por sua vez, foi capaz de se levantar da humilhação social imposta por sua esterilidade e clamar a Deus com confiança. Ela fez um pacto com Deus e tomou “decisões sobre o futuro de seu filho, decisão que está reservada apenas ao pai” 69 . De modo similar, Abigail não hesitou em dispor dos bens da casa sem auto- rização do marido (1Sm 25,18) e se atreveu a falar em nome de Deus (1Sm 25,28-31), fazendo supor que, anteriormente, dirigiu-se ao Senhor em oração, como o fez Ana.

Embora não seja chamada de profetisa –como o são Mirian (Ex 15,20), Débora (Jz 4,4), Hulda (2Rs 22,14) e Noadias (Ne 6,14)–, Abigail certamente merece esse título, porque proclama as palavras que o Senhor lhe dirigiu, dando a conhecer o que ele realizará em favor de Davi (1Sm 25,28-31).

Na história de Israel, a rainha Ester é recordada por arriscar a própria vida para garantir a sobrevivência de seu povo, ameaçado de extermínio pelos persas (Est 5–7). Como ela, Abigail intercede diante do futuro rei e conquista o favor dele para que “os seus” não sejam aniquilados (1Sm 25,24-28). Ambas atuam com dili- gência e perspicácia para alcançar seu propósito.

Sustentada pela confiança em Deus a quem se dirige em oração confiada (Jd 9), Judite é referência de mulher capaz de estratégias audaciosas e astutas, em vista de salvar seu povo dos inimigos (Jd 10–13). De maneira semelhante, Abigail tomou para si a responsabilidade, quando outros não foram aptos para encontrar vias de solução capazes de garantir o bem-estar daqueles que estavam sob seus cuidados.

Outras personagens bíblicas poderiam ainda ser recordadas. A memória de algumas delas, porém, basta para nos motivar a uma práxis inspirada no exemplo de Abigail e de outras mulheres da História Sagrada.

Abigail, heroína exemplar

Compreendemos que a análise bíblica se torna “lugar de transformação social, política e religiosa” e “tem sua meta e seu clímax numa hermenêutica da transformação e ação pela mudança”, capaz de alterar relações de dominação, legitimadas e promovidas, em muitas ocasiões, por leituras bíblicas 70 . Nessa perspectiva, nosso estudo de 1Sm 25,2-42 somente estará concluído se dele tomarmos elementos que animem e suscitem práxis transformadoras de situa- ções injustas e desumanizadoras.

As atitudes e as palavras de Abigail, na defesa dos de sua casa, podem ser inspi- radoras para muitas mulheres de hoje. Na cena bíblica, a heroína não fica indiferente, tampouco se deixa paralisar por um conflito criado por homens e que se esperava fosse resolvido também por homens. Embora o espaço de atuação não lhe fosse garantido pelas regras sociais e, até mesmo, segundo a concepção do povo de Israel, pelas leis divinas, Abigail assume o papel de legítima porta-voz e defensora dos “seus”. Contra toda convenção social, toma para si a proteção e a responsabilidade sobre a casa, incluindo pessoas e bens, prerrogativa exclusiva dos homens.

Também em nossos dias, recaem sobre muitas mulheres o cuidado e a respon- sabilidade pelos de sua casa, assumidos por escolha ou porque as circunstâncias obrigam-nas a fazê-lo, sem qualquer participação dos homens. Como herdeiras da intrepidez de Abigail e de outras heroínas bíblicas, com sagacidade e dedicação, são impelidas a tomarem iniciativas e a se empenharem em promover o bem-estar e garantir a vida de quem as rodeia, enfrentando torpezas dos “descendentes” de Nabal e violências similares às que Davi pensava realizar. Com palavras sábias e hábeis ações, podem atuar em situações conflitivas provocadas, muitas vezes, por outros, que põem em risco suas próprias vidas e a de pessoas que lhe são próximas e caras.

Em face da insensatez de Nabal e de Davi, nossa heroína demonstra sabedoria ao identificar uma forma de ação capaz de mudar o rumo dos fatos que, sem sua inter- venção, produziriam muitas mortes. Tendo percebido a melhor forma de lidar com a situação, Abigail não se limita a conjecturas ou palavras –essas também importantes para um adequado desfecho–, mas atua com prontidão e coragem. Sua sabedoria, sua criatividade e sua habilidade em realizar seu propósito foram entretecidas pela escuta a Deus, pelo discernimento perspicaz das circunstâncias e pela capacidade de tomar decisões firmes num contexto pouco favorável.

Esse modo de atuar, sem dúvida, pode inspirar aquelas e aqueles que, na atualidade, se encontram em meio a situações conflitivas ou ameaçadoras. Com as devidas adaptações às especificidades dos contextos atuais, compreender a conjunção de elementos que levam a uma intervenção exitosa, como a de Abigail, pode conduzir a novos desfechos em que a vida continue a vencer ímpetos de insensatez, destruição, vingança e morte.

A fé de Abigail e seu modo de se relacionar com Deus, afinal, podem se tornar exemplares para nossos dias. Como mencionado, Abigail atuou como mensageira de YHWH no diálogo com Davi. Verdadeira profetisa, teve lucidez para compreender as circunstâncias e nelas reconhecer a ação divina e o chamado de YWHW para colaborar na realização de sua vontade. Seu contexto social e religioso tinha tudo para impedi-la de agir em nome de Deus; ainda assim, ela o fez. De onde lhe veio tal compreensão de si mesma e de seu valor? Ao analisar a narrativa bíblica, parece-nos legítimo supor que a recebeu de Deus, quando a ele se dirigiu para discernir como agir.

Em nossos tempos, muitas mulheres, da mesma forma, são limitadas e/ou cerceadas por convenções e normas sociais e, em não poucas ocasiões, por leis civis e eclesiásticas. Encontram-se impossibilitadas ou com grandes dificuldades para viver livremente sua fé e responder, até mesmo, a chamados feitos por Deus. Ainda assim, revestem-se de ousadia para seguir as pegadas de Abigail e de tantas outras antepas- sadas bíblicas, e desbravar caminhos de atuação na sociedade e na Igreja, liderando importantes ações e exercendo verdadeiros ministérios, sejam eles institucionalmente reconhecidos ou não.

Conclusão

O estudo de 1Sm 25,2-42, numa perspectiva de leitura feminista, resultou na desco- berta dos muitos atributos da heroína Abigail, inserida nas tramas da história da ascensão de Davi, que abarca 1Sm 16,1–1Rs 2,11. Tratou-se de fazer a análise da narrativa e verificar como o narrador construiu a personagem Abigail, confrontando-a com dois personagens masculinos, Nabal e Davi, ambos marcados pela incapacidade de agir de maneira sensata. Nabal, esposo de Abigail, traz no próprio nome, que signi- fica “insensato” (v. 25), a característica de sua personalidade. Davi, por sua vez, passa a impressão de ser interesseiro (v. 6-8) e violento (v. 13.22). O confronto anunciado entre tais indivíduos haveria de resultar em morte e destruição. A intervenção opor- tuna de Abigail faz a história tomar um novo rumo, sem violência e derramamento de sangue.

A perspicácia de Abigail permite-lhe descobrir a maneira certa de tomar nas mãos os rumos dos fatos e, agindo às escondidas de Nabal, colocar sob controle o irascível Davi. Sua condição de líder e negociadora permitiu-lhe confrontar-se com o inimigo de seu esposo com palavras convincentes e, até mesmo, irrefutáveis, dissuadindo-o de implementar seu plano macabro. Agiu com sabedoria, como se espera de pessoas sensatas, para quem a paz e o entendimento são valores irrenunciáveis.

De fato, os sábios têm palavras acertadas, quando essas se fazem necessárias, para desarmar os malvados. A extensa fala de Abigail assume um papel importante na narrativa. Os v. 24-31 descrevem-na no esforço de captar a benevolência do irado Davi, assumindo a culpa pela falta de hospitalidade de seu marido. Como se fora uma profetisa, mostra como YHWH livrou Davi de fazer um desatino e, dando mostras de conhecer o futuro de Davi, pede-lhe que se lembre dela e, por suposto, lhe seja favorável.

O modo como o narrador construiu a personagem Abigail permite concluir tratar-se da protagonista da trama, sendo ela a verdadeira heroína. Sua presença ao longo da narração, com palavras e ações certeiras, determinam o desenrolar do enredo. As perguntas que surgem no horizonte de quem acompanha os primeiros passos da trama, podem ser, assim, formuladas: Abigail será bem-sucedida? Evitará que Davi dê vazão à sua cólera? O chefe de um bando de marginais se dobrará aos argumentos de uma mulher? No final das contas, o resultado será admirar a astúcia de Abigail e aprender com ela como se comportar, quando a estultícia masculina tenta se impor com desfechos previsíveis.

Encontramos, portanto, em Abigail, a “mulher de valor” (Pr 31,10), que poderia ter sido honrada e recordada com mais frequência tanto nas próprias Escri- turas quanto em sua transmissão ao longo dos tempos. Percebemos que a tradição patriarcal, que marca os textos sagrados e suas interpretações mais correntes, dificulta a tarefa de evidenciar o protagonismo das heroínas bíblicas. Torna-se, assim, sumamente importante conhecer e tornar (re)conhecidas aquelas mulheres bíblicas que são fontes de inspiração e exemplo para quem aspira um modo de proceder capaz de superar a cultura patriarcal ainda imperante em nossa sociedade.

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Notas

* Artigo de reflexão.

1 Os textos bíblicos são tomados da Escola Bíblica de Jerusalém (ed.), Bíblia de Jerusalém, nova edição, revista e ampliada. Embora não se tratasse de fazer exegese do texto bíblico, com a aplicação dos métodos histórico-críticos, o texto hebraico se fez presente ao se analisar 1Sm 25,2-42, tendo como fonte Elliger e Rudolph, Bíblia Hebraica Stuttgartensia.

2 Excetuam-se os v. 20, 26 e 30b, que valorizam a solicitude para com os pobres, o ensinamento com bondade e sabedoria, e o temor do Senhor.

3 Marguerat e Bourquin, Para ler as narrativas bíblicas. Iniciação à análise narrativa, 75-95; Vitório, Análise narrativa da Bíblia: primeiros passos de um método, 77-104.

4 Vitório, Análise narrativa da Bíblia: primeiros passos de um método, 13.

5 Há diversas modalidades de hermenêutica bíblica feminista, que podem ser diferenciadas segundo o modo como consideram a tradição bíblica e teológica em sua relação com o patriarcado e a opressão das mulheres na sociedade e nas igrejas cristãs. Uma sistematização desses modos compreende cinco possibilidades hermenêuticas: rejeição, lealdade, revisão, sublimação e libertação (Schottroff, Schroer e Wacker, Exegese feminista. Resultados de pesquisas biblicas a partir da perspectiva de mulheres, 39-49; Carr, “The New Vision of Feminist Theology”, 12-13). Situando-se na perspectiva da hermenêutica feminista da libertação, Elisabeth Schüssler Fiorenza acrescenta-lhe ainda o adjetivo “crítica” e formula as linhas principais dessa abordagem em As origens cristãs a partir da mulher. Uma nova hermenêutica, 53-131, e Caminhos da sabedoria. Uma introdução à interpretação bíblica feminista, 187-211.

6 Ibid., 197-198.

7 bid., 205-208.

8 “As narrações bíblicas estão em função da transmissão de uma sabedoria teológica e correspondem a um modo de fazer teologia, chamada teologia narrativa” (Vitório, Análise narrativa da Bíblia: primeiros passos de um método, 41, grifo do autor). Portanto, deve-se ter em mente não se tratar de “fato histórico”, no sentido da moderna historiografia (Ska, A Palavra de Deus nas narrativas dos homens, 15-23).

9 A expressão tem, aqui, um sentido quase mítico, pois “o ungido de Yahweh, em virtude de ser reves- tido com o espírito divino, era considerado sagrado. Pôr as mãos violentas sobre ele era, portanto, um sacrilégio, ou seja, um pecado capital” (McCarter Jr., I Samuel, 384).

10 “A mudança de personagens indica claramente que entramos em uma nova narrativa” (Ramond, Leçon de non-violence pour David. Une analyse narrative et littéraire de 1 Samuel 24–26, 43).

11 Tsumura, The First Book of Samuel, 575.

12 Ramond, Leçon de non-violence pour David. Une analyse narrative et littéraire de 1 Samuel 24–26, 45.

13 Entende-se por “narrador deuteronomista” quem construiu a teologia narrativa que abarca Dt–2Rs, sejam considerados indivíduos ou grupos/escolas (Römer, A chamada história deuteronomista. Introdução sociológica, histórica e literária ; González Lamadrid, As tradições históricas de Israel, 13-133).

14 Com Vogels consideramos que “o conjunto dos textos sobre Davi começa em Samuel 16,1 e termina em 1 Reis 2,11” (Vogels, Davi e sua história. 1Samuel 16,1–1Reis 2,11, 15).

15 Dalla Vecchia, Livros históricos, 43. O próprio narrador deuteronomista sintetizou seu projeto teológico em Jz 2,11-22.

16 Laffey, “1 e 2 Reis”, 274.

17 Enredos episódicos são micronarrativas inseridas numa macronarrativa. São como peças de um quebra- cabeça que integram um conjunto. (Marguerat e Bourquin, Para ler as narrativas bíblicas. Iniciação à análise narrativa, 71-72).

18 Ska, A Palavra de Deus nas narrativas dos homens, 92-95.

19 Cook, “Abigail: la irrupción de la fraternidad en la historia deuterononomista”, 70.

20 Dietrich, Nakanose e Orofino, Primeiro Livro de Samuel. Pedir um rei foi nosso maior pecado, 269.

21 Bridge, “Desperation to a Desperado: Abigail’s request to David in 1Samuel 25”, 9.

22 Dietrich, Nakanose e Orofino, Primeiro Livro de Samuel. Pedir um rei foi nosso maior pecado, 266.

23 A beleza de Abigail não tem importância na cena, apesar de ser afirmada pelo narrador. “O leitor sabe desde a introdução (v. 3) que Abigail era bonita e inteligente, ainda assim, à medida que o encontro se desenvolve não há indicação de que Davi dê especial atenção à beleza dela” (Nicol, “David, Abigail and Bathsheba, nab al and Uriah: Transformations within a Triangle”, 136). Abigail “não é, como outras mulheres na história de Davi, objeto dos desejos, das rivalidades ou das intrigas políticas” (Cook, “Abigail: la irrupción de la fraternidad en la historia deuterononomista”, 70).

24 Vogels, Davi e sua história. 1Samuel 16,1–1Reis 2,11, 91.

25 Ramond, Leçon de non-violence pour David. Une analyse narrative et littéraire de 1 Samuel 24–26, 53.

26 Bridge, “Desperation to a Desperado: Abigail’s request to David in 1Samuel 25”, 12.

27 Keil e Delitzsch, Commentary on the Old Testament. Joshua, Judges, Ruth, 1 and 2 Samuel, 531.

28 Dibo, “Uma prática não violenta. Negociação de Abigail com Davi (1Samuel 25)”, 32, grifo da autora.

29 Baldwin, I e II Samuel. Introdução e comentário, 169.

30 Mulzac, “The Role of Abigail in 1 Samuel 25”, 45.

31 Dibo, “Uma prática não violenta. Negociação de Abigail com Davi (1Samuel 25)”, 36.

32 Cook, “Abigail: la irrupción de la fraternidad en la historia deuterononomista”, 78.

33 Mulzac, “The Role of Abigail in 1 Samuel 25”, 48.

34 Dibo, “Uma prática não violenta. Negociação de Abigail com Davi (1Samuel 25)”, 38.

35 Cook, “Abigail: la irrupción de la fraternidad en la historia deuterononomista”, 78.

36 Bridge, “Desperation to a Desperado: Abigail’s request to David in 1Samuel 25”, 8.

37 Dibo, “Uma prática não violenta. Negociação de Abigail com Davi (1Samuel 25)”, 31.

38 Dietrich, Nakanose e Orofino, Primeiro livro de Samuel, 272.

39 Brenner, A mulher israelita. Papel social e modelo literário na narratividade bíblica, 52

40 Dibo, “Uma prática não violenta. Negociação de Abigail com Davi (1Samuel 25)”, 38.

41 Cook, “Abigail: la irrupción de la fraternidad en la historia deuterononomista”, 78.

42 Maneschy e Álvares, “Abigail: protagonismo feminino em contexto patriarcal, a partir de uma personagem bíblica”, 26.

43 Barucq e Grelot, “Sabedoria”, 918, grifo nosso.

44 “O rîb ocorre como o modelo de justiça divina nas relações humanas. A pessoa que adota essa maneira de fazer justiça é fiel ao desígnio de Deus, e o Senhor a sustém. Deus se revela na história na medida em que as liberdades humanas optam por realizar uma justiça que não se satisfaz com a morte do inimigo, antes procura curá-lo de sua violência. [...] O melhor que a pessoa pode fazer consiste em tentar restaurar a comunhão numa economia de dom e de perdão” (Ramond, Leçon de non-violence pour David. Une analyse narrative et littéraire de 1 Samuel 24–26, 181 e 183).

45 Calduch-Benages, “Livros Sapienciais”, 1365.

46 Cook, “Abigail: la irrupción de la fraternidad en la historia deuterononomista”, 77.

47 Mulzac, “The Role of Abigail in 1 Samuel 25”, 53.

48 Ibid.

49 Ramond, Leçon de non-violence pour David. Une analyse narrative et littéraire de 1 Samuel 24–26, 52.

50 Dietrich, Nakanose e Orofino, Primeiro Livro de Samuel, 267.

51 Bovati, Ristabilire la giustizia, 117.

52 Baldwin, I e II Samuel. Introdução e comentário, 173.

53 “Mulheres profetas aparecem nas três partes das Escrituras Judaicas (Torá, Profetas e Escritos) e em toda a história bíblica. O Antigo Testamento nomeia cinco mulheres como profetisas: Miriam (Ex 15,20), Débora (Jz 4,4), a mulher que teve um filho com Isaías (Is 8,3), Hulda (2Re 22,14; 2Cr 34,22), e Noadias (Ne 6,14). Pesquisadores não chegaram a um consenso sobre a aplicação do título a cada uma dessas mulheres. Apesar disso, a presença de mulheres profetas no texto bíblico é evidência de que mulheres desempenharam essa função no Israel antigo” (Cook, “Prophetess”, 648).

54 Petersen, “Prophet, prophecy”, 625.

55 Cook, “Abigail: la irrupción de la fraternidad en la historia deuterononomista”, 75.

56 Bridge, “Desperation to a Desperado: Abigail’s request to David in 1Samuel 25”, 9

57 Nicol, “David, Abigail and Bathsheba, nab al and Uriah: Transformations within a Triangle”, 133.

58 Frymer-Kensky, Reading the Women of the Bible, 319-320.

59 Cook, “Abigail: la irrupción de la fraternidad en la historia deuterononomista”, 75-76.

60 Mulzac, “The Role of Abigail in 1 Samuel 25”, 50.

61 Baldwin, I e II Samuel. Introdução e comentário, 171.

62 Ska, A Palavra de Deus nas narrativas dos homens, 86.

63 Campbell e Flanagan, “1–2 Samuel”, 152.

64 Maneschy e Álvares, “Abigail: protagonismo feminino em contexto patriarcal, a partir de uma perso- nagem bíblica”. 27.

65 Keil e Delitzsch, Commentary on the Old Testament. Joshua, Judges, Ruth, 1 and 2 Samuel, 526.

66 A respeito das “traduções e intepretações bíblicas androcêntricas”, bem como da “seleção androcên- trica de tradições históricas”, conferir Schüssler Fiorenza, As origens cristãs a partir da mulher. Uma nova hermenêutica, 67-79.

67 Vélez Caro, “Biblia y feminismo: caminos trazados por la hermenéutica bíblica feminista”, 119.

68 Schüssler Fiorenza, Caminhos da sabedoria. Uma introdução à interpretação bíblica feminista, 206.

69 Vélez Caro, “Biblia y feminismo: caminos trazados por la hermenéutica bíblica feminta”, 114.

70 Schüssler Fiorenza, Caminhos da sabedoria. Uma introdução à interpretação bíblica feminista, 209.

Informação adicional

Cómo citar: Teixeira, Priscila C.; y Jaldemir Vitório. “Abigail: sensatez e profecia no percurso de Davi: uma análise feminista da narrativa de 1Sm 25,2-42”. Theologica Xaveriana vol. 74 (2024): 1-27. https://doi.org/10.11144/javeriana.tx74.asppd

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