A trama construtiva dos conjuntos habitacionais populares no interior do estado de São Paulo: breve histórico das marcas deixadas na malha urbana da cidade de Limeira, SP *

La trama constructiva de las viviendas populares en el interior del estado de São Paulo: breve historia de las huellas dejadas en la red urbana de la ciudad de Limeira, SP

The Construction of Low-Income Housing Developments in the Interior of the State of São Paulo: A Brief History of the Marks Left on the Urban Fabric of the City of Limeira, SP

Vitor Sartori Cordova , Letícia Benetti Gomes , Eduardo Marandola Junior

A trama construtiva dos conjuntos habitacionais populares no interior do estado de São Paulo: breve histórico das marcas deixadas na malha urbana da cidade de Limeira, SP *

Universitas Humanística, vol. 92, 2023

Pontificia Universidad Javeriana

Vitor Sartori Cordova

Universidade Estadual de Campinas, Brasil


Letícia Benetti Gomes

Centro Universitário Adventista de São Paulo, Brasil


Eduardo Marandola Junior

Universidade Estadual de Campinas, Brasil


Recepção: 21 março 2023

Aprovação: 11 Abril 2023

Publicação: 30 Dezembro 2023

Resumo: A cidade é um local de disputas onde a segregação espacial é um dos elementos estruturadores do meio urbano e promotor da desigualdade social, tornando o capital imobiliário e financeiro os protagonistas que mais exploram a sua comercialização. Neste cenário, a produção de conjuntos habitacionais populares possui destaque especial pois, apesar de serem destinados à segmentos de classes mais baixas, são utilizados para a valorização fundiária. Desta forma, o estudo objetiva compreender como estes conjuntos atuam enquanto articuladores da malha urbana e das dinâmicas intra-urbanas nas cidades de porte médio paulistas. Tem-se como enfoque o município brasileiro de Limeira, situado no interior do estado de São Paulo, onde seus conjuntos habitacionais, além de se envolverem com as nuances socioeconômicas nacionais, apresentam uma forte ligação com as dinâmicas socioespaciais regionais. Em suma, o artigo concentra-se em demonstrar como o arcabouço histórico destas ações imobiliárias influenciaram o desenho da malha urbana (e social) do município abordado.

Palavras-chave:conjuntos habitacionais populares, capital imobiliário, dinâmicas socioespaciais regionais, cidade de Limeira, SP.

Resumen: La ciudad es un espacio de controversias donde la segregación espacial es uno de los elementos que estructura el escenario urbano y que promueve la desigualdad social, lo que convierte a los capitales inmobiliario y financiero en los protagonistas que más explotan su comercialización. En este punto, la producción de viviendas populares tiene un lugar destacado, pues, aunque estas están destinadas a segmentos de clases más bajas, son utilizadas para valorizar el suelo. De este modo, el artículo tiene como objetivo comprender cómo estas viviendas actúan como articuladoras del tejido urbano y de las dinámicas intraurbanas en las ciudades de tamaño medio de São Paulo. El estudio se centra en la ciudad brasileña de Limeira, ubicada en el interior del estado de São Paulo, donde sus viviendas populares, además de involucrarse con las complejidades socioeconómicas nacionales, presentan una fuerte conexión con las dinámicas socioespaciales regionales. En síntesis, el artículo se concentra en demostrar cómo el marco histórico de estas acciones inmobiliarias influyó en el diseño de la malla urbana (y social) del municipio abordado.

Palabras clave: viviendas populares, capital inmobiliario, dinámicas socioespaciales regionales, ciudad de Limeira, SP.

Abstract: The city is a place of disputes where spatial segregation is one of the structuring elements of the urban environment and a promoter of social inequality, making real estate and financial capital the protagonists who most exploit its commercialization. In this scenario, the production of low-income housing developments is particularly noteworthy because, despite being aimed at the lower classes, they are used to increase land value. In this way, the study aims to understand how these complexes act as articulators of the urban fabric and intra-urban dynamics in the medium-sized cities of São Paulo. It focuses on the Brazilian municipality of Limeira, located in the interior of the state of São Paulo, where its housing estates, as well as being involved in national socio-economic nuances, have a strong link with regional socio-spatial dynamics. In short, the article focuses on demonstrating how the historical framework of these real estate actions has influenced the design of the urban (and social) fabric of the municipality in question.

Keywords: Low-Income Housing Developments, Real Estate Capital, Regional Socio-Spatial Dynamics, City of Limeira, SP.

Introdução

Este artigo aborda a complexidade histórica e social da construção dos denominados Empreendimentos Habitacionais de Interesse Social (E. H. I. S.) que, neste texto, especificam-se pelos conjuntos habitacionais populares. Anseia apresentá-los em um contexto singular de formação e contradição, o qual seria o do interior do estado de São Paulo, mais precisamente, na cidade de Limeira, distante 147 km da capital paulista. O objetivo é compreender o enredamento destes conjuntos habitacionais populares nesta localidade e como esses influenciam a configuração de seu espaço urbano.

A questão relaciona-se à discussão do impacto exercido pelas inúmeras dívidas históricas relativas à ocupação e à divisão de terras no Brasil (no que diz respeito à habitação de interesse social) sobre o cenário urbano da localidade elencada e suas dinâmicas socioespaciais regionais e locais e, claramente, as ações urbanísticas posteriormente instituídas através das interferências do mercado imobiliário nestas práticas. Como a formação dos conjuntos habitacionais se interliga a essa problemática que envolve dividendos históricos —como a formalização da aquisição de terras no Brasil na metade do século XIX (Presidência da República, Casa Civil, Subchefia para Assuntos Jurídicos, 1850), e fenômenos urbanos contemporâneos (como a expansão exacerbada do perímetro e da malha urbana influenciando a rarefação de equipamentos públicos nestes locais afastados e a gentrificação de locais estratégicos ao mercado imobiliário)— interpreta-se como necessário fazer uma análise mais focada, com um recorte espacial específico para revelar a dialética deste fenômeno urbano.

Por conseguinte, metodologicamente falando, fora deliberado uma análise qualitativa, abordando estes conjuntos habitacionais em Limeira de maneira interpretativa e contextualizando-os dentro do panorama urbano nacional. Incluiu-se uma breve revisão literária sobre as questões das contrariedades envolvendo a posse de terra no Brasil, além de outras como as adversidades em relação à regularização fundiária e o impacto da colonização não somente interpretado em seu contexto histórico, mas no que tange ao consciente coletivo das políticas públicas de urbanização. A análise, feita por meio desta contextualização histórica, concluiu que o processo de urbanização e as dinâmicas do mercado imobiliário não se encerram na simples formação dos conjuntos habitacionais populares, mas se perpetua enquanto construção contínua, enraizada na sociedade brasileira, isto é, moldada por um pensamento colonizado que ainda associa a habitação social a estigmas de marginalização e exclusão, dificultando a percepção da habitação popular como um direito universal —estendendo-se esta crítica até mesmo quando da atuação dos ditos planejadores urbanos—.

O cenário histórico brasileiro sobre a questão fundiária: o surgimento dos conjuntos habitacionais em meio às contradições entre posse e propriedade da terra

Para uma melhor compreensão histórica de Limeira, ou, melhor, do histórico de suas ações urbanísticas quanto aos Empreendimentos de Habitação de Interesse Social (E. H. I. S.) —e seu correlato planejamento urbano—, é imprescindível destacar algumas questões sobre a ocupação e divisão de terras no Brasil. No período colonial, a Coroa Portuguesa implementou um método de “ocupação” no qual não tivesse que investir diretamente na colonização. Portanto, estimulou a vinda de colonos e cedeu capitanias hereditárias aos capitães donatários (Martins, 1979). Vale ressaltar que as capitanias hereditárias eram vastas extensões de terra pertencentes à Coroa. Isto posto, os capitães detinham apenas 20 % da capitania sendo sujeitos a subdividir o restante da gleba ao título de sesmaria e tendo como intuito a exploração dos recursos naturais e o povoamento (Diniz, 2005).

Mesmo com este modelo de propriedade, muitos sesmeiros arrendavam suas glebas em função da dificuldade de cultivá-las e, por consequência, ter-se-ia o surgimento da figura do posseiro (Piccinato, 2017). Em vista disso, diversos colonos pagavam pela terra e desrespeitavam as determinações impostas às sesmarias, pois a Coroa não permitia sua venda ou aluguel mesmo que os colonos as lavrassem (Diniz, 2005). Decorrente a isso, houve adversidades na divisão territorial em meio ao controle da regularização e concentração de terras, pois, a ineficiência das leis que impregnou a estrutura fundiária desde a distribuição das sesmarias, promoveu diversos conflitos étnicos, políticos e sociais (Piccinato, 2017).

Por conseguinte, a fim de regulamentar a questão da terra e conter o acesso a ela por camadas menos abastadas, em 1850 criou-se a Lei n.° 601, mais conhecida como “Lei de Terras”, que proibia não somente as novas concessões sesmariais como também a ocupação por simples posse, com exceção das terras limítrofes do território (Marx, 1991). Sendo assim, estabeleceram medidas para legalizar esta possessão, instituindo o registro de propriedade (Cavalcante, 2005; Piccinato, 2017). Vale ressaltar que isto afetaria as relações sociais de produção então vigentes, vide as leis “regulamentárias” da importação de escravizados que teria a homologação da Lei “Eusébio de Queiroz” ainda no ano de 1850, deliberando medidas proibitivas ao tráfico de seres humanos, principalmente, em relação a importações destes. Tal medida instigaria mudanças nas relações da produção monocultora como a do café, posto que haveria esforços para substituir a mão de obra escravocrata pelo trabalho livre que se caracterizou pela imigrante assalariada (Martins, 1979).

No que tange a economia da rubiácea, marcou-se o estado de São Paulo da segunda metade do século XIX pela expressividade deste complexo produtivo, estimulando uma notória expansão do mercado de trabalho e, logicamente, provocando um inchaço das áreas urbanas consolidadas devido a concentração de trabalhadores que o êxodo rural atingiu (Rolnik, 1997). Além do mais, a partir de 1886, esta mesma localidade presenciaria um surto de crescimento populacional, visto que a chegada em massa de imigrantes transformou a capital paulista em um centro distribuidor de trabalhadores (Bonduki, 1998).

Já a década de 1920 seria um momento profícuo para o desenvolvimento econômico paulista, dado que os excedentes financeiros advindos do café potencializaram o binômio urbanização e industrialização (Manfredini, 2005). Tal binômio, infelizmente, centrou-se nos interesses da elite cafeeira, onde o planejamento urbano estaria subjugado à regulamentação de áreas privilegiadas a esta camada mais rica como, por exemplo, na determinação de vários sítios de recreio (casas de campo, chácaras) nos arredores da cidade, empurrando a camada mais pobre à clandestinidade no quesito localização na malha urbana (Rolnik, 1997).

Desta clandestinidade surgiram os bairros periféricos em São Paulo (diferentemente do Rio de Janeiro com as favelas), revelando as carências habitacionais que as grandes cidades brasileiras sentem atualmente. E, devido à estas carências, e em consequência do êxodo rural desenfreado e da má disposição do crescimento urbano, no final do século XIX até a década de 1930 a iniciativa privada construiria diversas modalidades de habitações em São Paulo, sendo quase todas de aluguel devido a inexistência de financiamento público para casas próprias (Bonduki, 1998). É importante ressaltar que, quando algum trabalhador adquiria uma moradia a qual conseguisse bancar, vivia em meio à extrema precariedade, posto que estas habitações se caracterizavam pela falta de infraestrutura e péssima qualidade construtiva. Atenta-se para este fato que a terra, quando encarada como mercadoria que prescindia de outros fatores para se tornar um potencial lucrativo, não compreendia a importância de qual uso (social) teria, mas sim para qual tipo de empreendimento poderia valorizá-la enquanto localização (Villaça, 1998).

Em vista destes aspectos, é evidente que a questão da terra e da habitação no Brasil se tornaria (e ainda é) um grave problema social, mesmo que o país tenha uma vasta extensão territorial. E, assim como Bonduki (1998) elucida, a consequência da demanda por moradia surgiria com as diversas modalidades de habitação para abrigar as classes sociais de baixa e média renda, tais como: o cortiço corredor, o cortiço casa-de-cômodos, as casas geminadas, as vilas operárias, os loteamentos, os conjuntos habitacionais e as favelas para a porção populacional classificada como miserável (Bonduki, 1998). Porém, a maioria das moradias evidenciam o fato que estas modalidades se concretizariam sem a participação e regularização efetiva do âmbito público, ou seja, do Estado (Rolnik, 1997). Assim sendo, esta ação “neutra” da política (urbana) brasileira abriria brechas às ações individualistas para a retenção de terras aos interesses da alta sociedade. Consequentemente, haveria uma valorização imobiliária e, logicamente, a deturpação do direito à cidade que se estampou na conjectura na qual o ser humano vale pelo local que ocupa, ou melhor, localiza-se (Santos, 1987; Villaça, 1998).

Desta forma, para entender estas questões em Limeira, foi necessário realizar esta breve contextualização histórica a fim de elucidar o surgimento dos conjuntos habitacionais populares e sua influência na configuração da malha urbana desta cidade.

Território e exclusão social: o impacto histórico dos empreendimentos de habitação de interesse social em Limeira, SP

A história da urbanização de Limeira data-se no início do século XVIII como local de parada e repouso de expedições desbravadoras (Busch, 1967). Contudo, seu desenvolvimento político e econômico sucedeu-se por meio de uma iniciativa do Senador Nicolau de Campos Vergueiro 1 que, por volta de 1826, abriu uma estrada que ligava a localidade à cidade de Campinas, facilitando o escoamento da produção cafeeira (Manfredini, 2005). Pouco tempo depois, começariam a surgir núcleos de residências e de comércios ao redor das terras onde a estrada passava, sendo que o núcleo principal se estabeleceu ao redor do Ribeirão Tatuhiby (Queiroz, 2007).

Vale destacar que as vias (por terra ou fluvial) possuem papel importantíssimo na configuração de sua malha urbana. Até meados do século XX, a expansão citadina avançava à região sul, próximo à localidade do Ribeirão Tatuhiby e da ferrovia da Companhia Paulista de Estradas de Ferro. Em 1950, a partir da implantação da Rodovia Anhanguera, esta expansão passou a acompanhar o eixo da rodovia e os de ligação dos municípios de Piracicaba e Campinas (Queiroz, 2007). Assim, devido à sua localização estratégica e por situar-se próximo a estes importantes polos industriais, comerciais e tecnológicos, Limeira tornou-se atrativa desempenhando na rede urbana uma função de intermediação entre as regiões interioranas e a capital paulista (Manfredini, 2005; Queiroz, 2007).

Neste ínterim, entre as décadas de 1940 e 1960, graças ao surgimento de fábricas de citro-sucos (laranja) e de maquinários, a atividade industrial do município intensificou-se, porém, apresentando um tímido crescimento até a década de 1960 (D’antona et al, 2012). Quando da segunda metade do século XX (década de 1970), o município, em virtude da desconcentração industrial metropolitana, apresentaria um crescimento populacional significativo. Uma vez que a concentração propiciou a migração de diversas modalidades às metrópoles – inter-regional, interestadual, intermunicipal, além do êxodo rural – esta desconcentração atrairia agora inúmeras pessoas para as cidades de médio porte (Cano, 1977, 2008; Manfredini, 2005).

O aumento do contingente populacional, que acompanhou uma forte expansão da malha urbana, apresentou em seu tecido certa descontinuidade com o surgimento de vazios periféricos e intersticiais e proporcionou um crescimento aos “saltos” que se promoveu, sobretudo, pela deficiente legislação urbanística em efetivar políticas públicas sobre a localização de moradias populares (D’antona et al., 2012). Além disso, assim como Cano (2008) esclarece, a contínua ocupação do traçado urbano teve como fenômeno a concessão de áreas rurais —leia-se: avanço às áreas de cultivo de pequenos agricultores— para dar espaço a novos loteamentos. Possivelmente, estas terras já haviam se valorizado, submetendo os pequenos proprietários rurais às pressões impostas pelo mercado imobiliário e culminando na repartição e na venda daquelas, transformando-as em áreas passíveis de urbanização (Cano, 2008).

Acentua-se, neste âmago, a regulamentação das políticas federais de manutenção do equilíbrio do Estado em que se implementaram habitações de interesse social por intermédio do governo militar (1964-1985). Teoricamente, esta política objetivava viabilizar o acesso à moradia adequada aos segmentos populacionais de menor poder aquisitivo, aos quais careciam de moradia formal e tinham dificuldades em construir sua casa própria (Bonduki, 1998). Isto posto, faz-se necessário salientar rapidamente a diferenciação entre loteamentos residenciais populares e conjuntos habitacionais populares.

Quando os loteamentos residenciais populares não são fruto de ocupação pretérita que o poder público regularizou, confecciona-se à população de baixa renda estabelecidas em áreas sem valorização e, muitas vezes, apartada da malha urbana consolidada nas quais não há muitos atrativos de investimento (Harvey, 2005). E, mesmo que esta área apresente edificações (prevalentemente casas), não possui regularização do parcelamento do solo e não complementa a urbanização por meio dos equipamentos urbanos. Em vista destes aspectos, o poder público pode demorar a levar melhorias de infraestrutura à região e a reconhecer estes loteamentos enquanto fenômeno urbano (terra urbana) (Corrêa, 2013; Sallati, 2022).

Já os conjuntos habitacionais populares, a fim de suprir rapidamente os déficits habitacionais do município, apresentam um vasto coeficiente de aproveitamento e se estabelecem em áreas periféricas da malha urbana relativamente consolidada. Dessa maneira, estes conjuntos compreendem peremptoriamente o parcelamento do solo e o fator urbanização (infraestrutura e equipamentos urbanos), que pode até localizá-los de forma não tão distante da área central. Portanto, diferentemente dos loteamentos, os conjuntos possuem uma localização mais “estratégica” devido à alta densidade demográfica que os implica (blocos), pois fazem inchar os eixos viários que os interligam às outras áreas da cidade e modificam os usos das áreas que ocupam de forma mais rápida em relação ao loteamento residencial. Urbanisticamente, são mais “cirúrgicos” quando o assunto é a rápida valorização dos terrenos ao entorno.

Vale destacar que ambas as habitações de interesse social se beneficiam das melhorias que o Estado proporciona, uma vez que os empreendedores imobiliários somente “contribuem” com a construção da habitação em si, aproveitando-se da infraestrutura bem como do transporte viário fornecido pelo poder público, favorecendo a dilatação do tecido urbano e a valorização das contiguidades (Capel, 1984). É nesse contexto que os vazios urbanos se tornam tão importantes, pois a partir do momento em que há uma valorização das terras ao entorno, estes empreendedores imobiliários utilizam da retenção de glebas, ou melhor, aproveitam as terras vacantes destinadas à especulação imobiliária como uma artimanha para forçar o espraiamento do perímetro urbano da região, visto que a conexão de uma a outra se dá por meio de vias de acesso estratégicas que o sistema viário demarcou. Neste âmago, é possível ver em Limeira do início da década de 1980 uma expansão do perímetro urbano que se provocou, primeiramente, pelo crescimento de loteamentos residenciais populares em direção à área sul da cidade. Por consequência, estes loteamentos valorizaram as adjacências da malha urbana, culminando no surgimento de condomínios fechados em que se caracterizavam por loteamentos residenciais de classes mais abastadas, formando bolsões em toda a cidade.

Entretanto, ao que se refere às moradias para a população de baixa renda, passaram estas a ocupar áreas de fundo de vale, isto é, assentamentos que se formaram na ilegalidade e, quando a iniciativa pública e privada as organizou, mantiveram-nas nas áreas mais afastadas (Queiroz, 2007). Assim, nesta mesma década, acarretou-se um crescimento desordenado e descontínuo ao longo da malha viária, propiciando problemas de atendimento (seja de transporte ou de outros serviços básicos à população) e sendo densamente ocupada por habitações, atividades comerciais e pela produção industrial que se instalou.

Subsequente, na década de 1990 —devido à certa impedância do fenômeno da desconcentração industrial—, haveria ainda patentes atividades industriais nas cidades interioranas de grande importância política e econômica (Campinas e Piracicaba), modificando as dinâmicas intra-urbanas dessas e de outras ao redor (Manfredini, 2005). Todavia, cada vez mais esta desconcentração teria seus custos ao espaço da cidade em si, pois a intensificação destas atividades concentrar-se-iam nos setores secundários e terciários, ou seja, prescindindo-se de mão de obra cada vez mais especializada (ou, mais tarde, precarizada). Para o agravamento do quadro, as políticas neoliberais de gerenciamento (e não mais planejamento) econômico (e político), incidiriam imediatamente nos regimes trabalhistas da maior parte da população, colocando-os no campo da terceirização ou ilegalidade (Cano, 2008).

Tais fatos se conectam, pois, a localização adquiriu um papel primordial para o deslocamento diário de pessoas a uma localidade ou a um conjunto de atividades urbanas (Villaça, 1998). Problemas quanto ao custo da passagem de ônibus, a distância ao trabalho, do valor dos lotes urbanos e do aluguel, faria com que se tornasse recorrente a pressão popular frente ao poder público no que compete a criar mais programas habitacionais de interesse social. Assim, intensificou-se o aumento da procura por habitações que dispunham de melhores localizações no que tange ao binômio casa-trabalho. Contudo, o estratagema da localização atenderia estas demandas pelo espectro que a malha urbana forneceu durante longos anos de exploração, optando por estabelecer moradias que rapidamente valorizassem aqueles vazios especulativos: os conjuntos habitacionais.

Estratagemas urbanísticos da expansão dos conjuntos habitacionais de interesse social: os efeitos em âmbito local e nacional

Criou-se os conjuntos habitacionais em virtude da grande pressão popular por moradias dignas e com intuito de “atender” a demanda habitacional existente. Demanda esta que se intensificou pelas crises habitacionais, sociais e econômicas decorridas desde o século XIX e, intensivamente, na segunda metade do XX (Bonduki, 1998). Pragmaticamente, estes empreendimentos (categorizados como E. H. I. S.) são núcleos habitacionais de vasto coeficiente de aproveitamento, ou seja, geralmente possuem grande potencial construtivo no que concerne à metragem quadrada máxima admissível a ser construída no lote.

Este índice urbanístico implica em sua insistente verticalização, a qual se torna evidente nos conjuntos habitacionais que implantaram em Limeira, visto que a maioria são empreendimentos verticais sem elevador. De acordo com Ferreira (2012), emprega-se esta tipologia em maior quantidade na produção habitacional no território brasileiro, pois, dependendo do número de pavimentos e da legislação municipal vigente, minimizam os gastos que o mercado da construção civil possui. Mais precisamente, os gastos construtivos são abatidos pela ausência do elevador.

Entretanto, é válido acrescentar que estes E. H. I. S. podem ter diversas subcategorias de uso residencial. Porém, a preferência pelos empreendimentos em bloco —a maior parte contando com a tipologia arquitetônica em formato “H”— dá-se pela incisiva capacidade que estes têm de arregimentar uma valorização rápida das áreas contíguas a si que antes não tinham qualquer interesse pelo capital imobiliário. O contingente numeroso de pessoas nestes conjuntos é, resumidamente, muito mais rentável ao especulador urbano em relação às unidades habitacionais em lotes (casas), pois, nesta última, as áreas vazias valorizam-se de maneira cadenciada. Já o empreendimento em torre consegue se valorizar de forma veloz na localidade urbana em que se insere, porém, arquitetonicamente, a disposição de apartamentos por andar geralmente é menor em relação aos blocos. Além de, obviamente, selecionar ainda mais a “clientela” que consegue abarcar os custos de suas taxas condominiais (área de lazer, academia, quadra de esportes, etc.).

Desta forma, os empreendimentos em bloco conseguem englobar duas instâncias de forma muito mais habilidosa: as moradias de subvenção à camada mais pobre (mais numerosa) juntamente à valorização das localidades que os interligam a outros setores da cidade. Em outras palavras, ele oferece uma vertigem de agraciamento de habitação concernente ao índice exponencial de moradias que se construiu —uma vez que a taxa de condomínio é simbólica e condizente ao orçamento do residente no que compete a finalização das parcelas restantes à Caixa Econômica Federal 2 — mas, concomitantemente, o vertiginoso aumento demográfico serve para acelerar a especulação do solo urbano.

Outra curiosidade é que quando o bloco abrange uma parcela da população mais vulnerável economicamente, ao mesmo tempo em que os exclui dos benefícios que a cidade possa oferecer dado à sua distância, ainda consegue incutir um tipo de status social no qual a moradia é vista pelo prisma da oportunidade (meritocracia), e não pelo direito. Talvez, enquanto definidor da paisagem urbana com a estética dos blocos, os residentes possam identificar-se muito mais com algum grau de ascensão social devido à diferenciação de outros empreendimentos da cidade que são as casas, estigmatizadas no imaginário coletivo como “periferia”. Mesmo assim, crê-se que vale caracterizar um pouco mais a categoria aqui abordada, isto é, os conjuntos habitacionais.

Estes se definem por serem um núcleo habitacional de vasto aproveitamento do coeficiente a ser construído na área do lote quando a terra urbana não constitui grande valor, acoplando a si uma concentração significativa de contingente populacional. O local é, grosso modo, murado, com portaria, regido por normas internas e com administração própria para o abatimento de gastos de infraestrutura e equipamentos que, porventura, tenha. Subentende-se que estes empreendimentos se destinam a atender uma área de grande demanda por habitação em determinada localidade, além de suprir rapidamente os déficits habitacionais do município. Assim, são utilizados frequentemente como fator de rápida valorização das terras ao entorno, pois aproveitam as grandes demandas proporcionais ao número de pessoas que comportam, fazendo inchar as áreas centrais e demais localidades onde se encontram os equipamentos urbanos necessários à população.

Não obstante, estes empreendimentos imobiliários forçam o poder público a aumentar o perímetro urbano, onde as “providências cabíveis” dos especuladores já o “compreendeu” nas negociações de glebas propínquas (banco de terras). Outro ponto importante é que a localização destes conjuntos habitacionais interfere no número de unidades construídas nestes terrenos. Se a terra urbana for pouco valorizada, o número de habitações na área será maior, assim como o coeficiente construtivo em termos de pavimento.

Já ao que concerne à qualidade arquitetônica, embora a tipologia construtiva denominada de “Bloco H” contribua na otimização dos espaços e facilite a distribuição de quatro apartamentos em um espaço mínimo, dificilmente atende as exigências estabelecidas para uma boa convivência entre os residentes, pois apresentam diversos problemas que comprometem o bom desempenho arquitetônico, tais como: problemas de iluminação adequada nas fachadas que localizam-se no eixo norte-sul, lugares de encontro reduzidos para a criação de laços de socialização, além de considerarem a área comum como espaço de passagem ou garagem para carros e motocicletas.

A maior parte destes conjuntos habitacionais abordados situam-se em áreas periféricas e, quando se localizam próximos à área central da cidade —como, por exemplo, o Parque Residencial Independência e o Condomínio Mário Souza Queiroz promovidos pelo BNH 3 —, denotam que, quando criados, instalam-se nas adjacências urbanas (Figura 1). Porém, em decorrência do crescimento da cidade, a malha consolidada os englobou.

Conjuntos habitacionais populares limeirenses promovidos
pelo Banco Nacional da Habitação
Figura 1.
Conjuntos habitacionais populares limeirenses promovidos pelo Banco Nacional da Habitação


Fonte: elaborado por Gomes (2021).

Portanto, por possuírem alta densidade demográfica, modificam rapidamente as dinâmicas socioespaciais de seu entorno, em especial, os eixos viários que os interligam à outras localidades, uma vez que os incham em razão do aumento contingencial gerando diversos impactos que dificultam o cotidiano dos habitantes (próprios ou alheios), tais como: alta densidade demográfica, inchaço nas áreas onde se localizam os equipamentos urbanos, aumento da densidade do fluxo de pessoas em sua área e até no centro urbano —fluxo de pedestres, automóveis particulares e coletivos—, valorização dos terrenos do entorno, impactos na paisagem ao redor, etc.

Os vazios urbanos e o ressurgimento dos arcaísmos sociais brasileiros: os impactos em uma cidade média paulista

As terras vacantes presentes nas paisagens urbanas das cidades de porte médio podem manifestar-se de diversas maneiras: terreno construído, periférico, intersticial ou latente. Entretanto, possuem um objetivo muito claro: retenção de terra com fins especulativos, no intuito de proporcionar renda aos seus proprietários, mantendo-a momentaneamente vazia. Nesse contexto, vale ressaltar algumas diferenciações entre estas tipologias. Os vazios periféricos correspondem às glebas limítrofes desprovidas de infraestrutura. Estes são passíveis de urbanização e aguardam a implantação de núcleos isolados para que as terras com melhores localizações se valorizem. Os vazios intersticiais concernem ao solo não parcelado que se situa entre loteamentos, porém, são terras providas de infraestrutura que se mantém vazias na expectativa de valorização. Enquanto isso, há os vazios de lote, os quais são loteamentos divididos dotados de infraestrutura. Contudo, mesmo já inseridos na malha urbana, ainda permanecem desocupados (Carlos, 2011; Alvarez, 1994).

Dentre estas tipologias, os vazios intersticiais e de lotes são os mais valiosos, pois se estabelecem em áreas da malha urbana suprida de infraestrutura e, por isso, são mais estimados. Contudo, os vazios periféricos são os tipos mais comuns, pois são frutos dos diversos espaçamentos do tecido urbano e das alterações das terras rurais em urbanas, onde a esfera municipal realiza trâmites que flexibiliza a legislação urbanística a fim de atender os interesses privados das corporações imobiliárias. Esta estratégia de valorização fundiária e ampliação do perímetro urbano foi utilizada com mais afinco no final dos anos 1990 e perdura até os dias atuais (Carlos, 2011).

Obviamente que este tipo de situação é herdeiro do entusiasmo industrial ascendido até 1970. Todavia, crê-se que este tipo de “economia urbana”, ou seja, os vazios, tem sua gênese mais centrada na maneira em que interpretaram os impactos da decadência do setor secundário da economia, mais acentuadamente a partir da década de 1980-1990, e como foram encarados os do terceiro setor nos anos 2000 em diante (Cano, 2008). Claro que a ampliação da demanda e do crescimento da oferta de serviços públicos e privados culminou em um grande impacto na configuração do tecido urbano e nas dinâmicas intra-urbanas de Limeira. Estas modificações de caráter econômico, espacial e social foram acompanhadas por forte estímulo do setor secundário, transformando-a em destino para a massa migratória que procurava emprego e melhores condições de vida (Manfredini, 2010). Entretanto, dado os avanços da economia neoliberal que, em síntese, desestabiliza todos os setores econômicos através da constituição de monopólios, isto incidiu na forma como a renda da terra pôde ser reinterpretada para uma nova função: seu valor agora não se dá pelo que pode diretamente produzir, mas sim do que pode indiretamente gerar (Martins, 1979).

Como exemplo, no início do século XX, o café em São Paulo tinha grande força econômica e política. Isto devido que, sendo a principal economia brasileira, incentivava os demais âmbitos trabalhistas a ofertar-lhes tecnologia, serviços e mão de obra. Tudo o que era imprescindível para este tipo de economia se manter realizava-se, majoritariamente, em território nacional. Desde as sementes até os meios de transporte era o Estado que administrava e, não raro, este tinha ligações com grandes empreendedores da rubiácea (isto se não fossem os próprios). Hoje, este setor, assim como o da soja, milho e minérios, se veem reféns das nuances do mercado internacional visto que estas indústrias, serviços e mão de obra oscilam aos desejos de especuladores, o que as torna extremamente dependentes dos preços do mercado internacional para que haja produção ou não —vide as indústrias de base que, se antes eram nacionais e forneciam desde compostos químicos para enriquecimento do solo como adubos e agrotóxicos, atualmente, muitas estão atreladas (ou foram vendidas) à grandes conglomerados internacionais (Dowbor, 2017)—. E isso incide na forma como é visto o problema da terra no Brasil, pois, uma vez que esta não cumpre sua função social de propriedade (seja para plantar, residir), ela agora é encarada pelo prisma especulativo. Instância esta responsável por gerar estes vazios no intuito de transfigurar esta terra em “bancos de terras”, latifúndios improdutivos para serem parcelados para vendas, etc. (Carlos, 2011).

Além do mais, outro problema que esta instância gera é a desistência histórica do papel diretivo de frações de classe que se consideram elites, pois outrora “progressistas” (burguesia comercial, industrial, agroindustrial), uma vez que estas se tornaram meras arrendatárias e reféns de outra classe dirigente: a financeira (Dowbor, 2017). Como consequência, isto impacta o setor trabalhista, pois a estagnação deste e, claro, do fator urbanização, oferta somente serviços em que ressurgem aquelas velhas estruturas sociais de servidão. Reflexo disso são as atuais ocupações das classes mais baixas no Brasil: serviços domésticos (diarista), segurança privada (para condomínios de alta renda) e de entregadores (aplicativos de comida).

Evidentemente, a desconcentração industrial incidiu na necessidade de elaboração de planos de contingência para tentar oferecer suporte e coordenar o desenvolvimento e crescimento da cidade, como foi o Plano Local de Desenvolvimento Integrado em Limeira institucionalizado já na década de 1970 (Queiroz, 2007). Este plano, consubstanciado por lei ordinária, 4 estabeleceu objetivos para proporcionar mais infraestrutura adequada à cidade, garantir que os eixos viários acompanhassem a expansão das atividades exercidas no município, criar e modificar vias importantes —como o prolongamento da Avenida Campinas ao encontro da Rodovia Anhanguera—. Também decorreu a tentativa de regulamentação do uso do solo no município, contudo, não estabeleceu limites aos incorporadores imobiliários quanto ao crivo da instalação de equipamentos básicos pelo poder público, muito menos um destino para as áreas verdes e nem a proteção dos recursos naturais.

Mesmo com a criação do segundo Plano Diretor 5 e, posteriormente, com a aprovação da Lei Federal n.° 6766 6 que dispunha sobre o “Parcelamento do Solo Urbano” no final da década de 1970, já era possível averiguar no início de 1980 o aumento das aprovações de loteamentos implantados em diversos sentidos da malha urbana até mesmo fora da área urbanizável, originando inúmeros vazios periféricos e intersticiais. Isso significava que, mesmo com a boa intenção do poder público em conter o avanço deste capital financeiro/imobiliário, tais planos somente estavam “correndo atrás do prejuízo”, pois pouco compreendiam sobre a nova conjuntura política e econômica destes vazios na malha urbana e a intencionalidade da disposição dos conjuntos habitacionais (Figura 2).

Posicionamento dos conjuntos habitacionais populares em Limeira
Figura 2.
Posicionamento dos conjuntos habitacionais populares em Limeira


Fonte: elaborado por Gomes (2021).

A partir deste período, os loteamentos ainda surgiam contíguos ao tecido urbano consolidado, preenchendo os vazios urbanos que o decênio passado produziu. Pouco tempo depois, em 1983, surgiu a Lei Ordinária n.° 1885 que fora conveniente aos agentes privados, pois ela aprovava planos e projetos de loteamentos residenciais “econômicos” que diminuíam a área do lote e os requisitos de obras de infraestrutura, ou seja, cenário propício aos conjuntos habitacionais.

Por conseguinte, as mudanças das dinâmicas econômicas advindas pelo decréscimo do setor secundário, caracterizado pelo ramo de autopeças, e fortalecimento do setor terciário (bens e serviços), impulsionaram o aumento do contingente populacional concomitante a oferta de empregos —principalmente no setor terciário (Queiroz, 2007)—. Assim, a cidade que era reconhecida por ser a capital da agricultura pela produção do café no século XIX e da laranja no XX tornou-se a capital da bijuteria no XXI, posicionando grande parte de seus habitantes no ramo terceirizado (ou ilegal) da economia, posto que é “normal” à maioria desses “funcionários” serem expostos a jornadas de trabalho excessivas, sem locais apropriados e com a exploração de crianças e adolescentes (Vilela e Ferreira, 2008).

Como resultado destas modificações, a década de 1990 expressou um incremento de loteamentos residenciais populares no sentido sul de Limeira, além de uma expansão do perímetro urbano na mesma direção. Todavia, estes empreendimentos não foram o bastante para suprir a demanda habitacional que o término do Programa do BNH ocasionou, o que acarretou uma ocupação desordenada e com certa anuência das diretrizes legais do poder público, tornando-o impotente a tomadas de decisões quanto aos locais mais adequados à implantação de habitações populares. Foi a partir deste momento que o poder público-privado começou a promover ainda mais a construção de conjuntos habitacionais nos mais diversos eixos de Limeira (Figura 3).

Conjuntos habitacionais populares de âmbito estadual e
municipal
Figura 3.
Conjuntos habitacionais populares de âmbito estadual e municipal


Fonte: elaborado por Gomes (2021).

Ao mesmo tempo que surgiram os conjuntos habitacionais nas áreas limítrofes, a ocupação de fundos de vale e a ocupação irregular em áreas de risco tornaram-se assíduas, sendo que esta era uma das poucas alternativas que a população pobre possuía. Para aproveitar-se da situação, já na década de 1990, a esfera pública e a iniciativa privada promoveram um “boom” de empreendimentos que se destinava à população de baixa renda. Em consequência, o município apresentou um inchaço da densidade urbana na virada do século XXI, o que pressionou as autoridades públicas a ampliarem reservas de novas áreas para o perímetro urbano, ocasionando a diminuição do indicador urbano na década seguinte. Todavia, esta ampliação efetuou-se sob fortes interesses particulares, que tinham como finalidade adquirir estas áreas visando uma futura rentabilidade (Manfredini, 2010).

Para a anexação de grandes extensões de terras, o espraiamento do perímetro urbano fora empreendido, mormente, nas alterações dos Planos Diretores e nas Leis de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo. Já quando foi necessário acrescentar áreas pontuais, realizaram-nas por intermédio de decretos e leis ordinárias. Entretanto, ambas as ampliações são realizadas quase sempre sem necessidade ou justificativa, sendo que há inúmeros vazios periféricos e intersticiais na zona urbana que poderiam utilizá-los. E, mesmo que haja uma demarcação legal do perímetro urbano, ele dificilmente conterá —em sua totalidade— a expansão territorial, podendo haver até a criação de núcleos isolados representados por chácaras de recreio. Isto, pois quando as terras rurais perdem a capacidade produtiva, seja pela agricultura, pecuária ou agroindústria, passam a ser o destino de lazer e repouso nos finais de semana, tornando-se um local de recreação. Uma vez desfigurado o caráter rural do local, as chácaras de recreio qualificam-se como loteamentos urbanos instalados em macrozonas rurais e, quando estas são constituídas na ilegalidade, aguardam a regularização fundiária por parte do poder público. Mas, no fim, tanto os núcleos isolados legais ou ilegais contribuem para o espraiamento.

Como exemplo, na virada do século XXI, a área sul de Limeira começaria a apresentar oferta para a urbanização, compreendendo no meio urbano o que antes eram propriedades agrícolas nas décadas de 1960 e 1970. Dado que o fator da transformação seletiva de lugares tem como base as suas “exigências funcionais”, outro fenômeno que contribuiu para o espraiamento urbano (inclusive para a dispersão urbana) é a disputa por melhores localizações no que tange o binômio casa-trabalho. Comumente, este fenômeno acabava favorecendo a procura por habitações nas periferias afastadas da cidade. O problema é que as glebas rurais e os vazios urbanos já adquiridos e reservados à especulação acabavam, de certo modo, se valorizando (Figura 4).

Vazios urbanos e conjuntos habitacionais populares
dispostos na malha urbana de Limeira em 2009
Figura 4.
Vazios urbanos e conjuntos habitacionais populares dispostos na malha urbana de Limeira em 2009


Fonte: elaborado por Gomes (2021).

Observa-se no mapa acima que, atualmente, há glebas vacantes e vazios urbanos em todos os sentidos da cidade, porém, com mais ênfase no eixo sul e sudoeste —uns dos principais vetores de expansão a partir de 1990—. Nota-se também que a maior parte destes elementos se localizam nas franjas da malha urbana e, quando próximos da área central, quiçá são frutos de edificações demolidas. Já ao comparar os conjuntos habitacionais, percebe-se que os primeiros estão relativamente próximos do centro de Limeira, enquanto que os empreendimentos promovidos na primeira década do século XXI começariam a se posicionar nas bordas do tecido urbano, além de terem ao seu redor um incremento maior de vazios. Isto evidencia a expansão urbana que, raramente, é acompanhada por um desenvolvimento de qualidade.

Apesar dos dados coletados na Secretaria de Urbanismo de Limeira possuírem certa defasagem —posto que o mapa relata os vazios urbanos e conjuntos habitacionais até o ano de 2009—, há evidências que muitas destas terras vacantes se tornaram lucrativas e foram loteadas para serem conjuntos habitacionais populares vide, por exemplo, a localização do “Conjunto Habitacional Rubi” (Figura 5).

Localização do Conjunto Habitacional Popular Rubi
Figura 5.
Localização do Conjunto Habitacional Popular Rubi


Fonte: elaborado por Gomes (2021).

Mesmo que o mais recente Plano Diretor de Limeira 7 tenha estabelecido a devida utilização dos vazios urbanos para a produção habitacional ou promoção de equipamentos de interesse social, no intuito de conter a descontinuidade territorial e preencher os vazios existentes, é recorrente a implantação de empreendimentos habitacionais populares nas áreas longínquas da malha urbana, pois esta é uma das estratégias mais utilizadas para garantir a valorização fundiária. E, ainda que tenha todo um arcabouço legal, pouco se faz para conter o espraiamento do perímetro, muito menos para que os vazios urbanos e as glebas rurais não sejam especuladas. Na realidade, esta é a verdadeira intenção, pois o poder público e a iniciativa privada mesclam-se em um único agente, o qual faz prevalecer os interesses de uma minoria privilegiada.

Conclusão

Buscou-se analisar os conjuntos habitacionais no contexto do município de Limeira. Assim, tendo como foco uma cidade de porte médio paulista, foi imprescindível compreender o que levou a inserção destes empreendimentos nos determinados locais e períodos, visto que eles influenciam tanto a morfologia urbana quanto modificam as dinâmicas socioespaciais e intraurbanas da cidade. Pode-se perceber que a questão da terra, e sua respectiva apropriação, sempre se associou às condições de conservação de domínio político, econômico (e cognitivo) dos segmentos abastados. O que antes a economia agroexportadora dominava, após décadas a elite industrial administrava e, a partir de 1990, o capital financeiro passaria a gerenciar. Nesse ínterim, a retenção de terras destinada à especulação é uma das táticas mais distintas que os atuais segmentos das classes ricas utilizam para proporcioná-los novas fontes de renda. Tática esta que não só contribui para a configuração de um território descontínuo, como também resulta na criação de vazios urbanos em sua escala intraurbana.

Diante disso, a análise dos conjuntos habitacionais no município de Limeira demonstra claramente o papel que o espaço urbano e a morfologia da cidade desempenham na construção das dinâmicas socioeconômicas, evidenciando, no mínimo, a revisão das políticas públicas voltadas à habitação popular. É imprescindível que as decisões relacionadas à localização e ao planejamento dessas habitações considerem não apenas a necessidade de acomodação, mas o impacto que essas construções têm sobre a coesão social, a acessibilidade e a mobilidade urbana. Além disso, o estudo aponta que a eminente privatização do espaço urbano e a especulação imobiliária estão entre os maiores desafios para garantir que os segmentos mais pobres da população possam ter acesso a uma cidade integrada e funcional. A presença do capital financeiro, que cada vez mais se arvora nas dinâmicas de urbanização, faz com que os conjuntos habitacionais populares, longe de representar um projeto de inclusão social, acabem por se tornar instrumentos de valorização imobiliária que intensificam as desigualdades historicamente existentes.

Sendo assim, estes fatos se conectam, pois, devido os conjuntos habitacionais populares com tipologia “bloco”, como apresentado no artigo, possuírem alto contingente populacional e capacidade de modificar rapidamente as dinâmicas socioespaciais da área em que estão alocados (especialmente os eixos viários e os vazios urbanos contidos no entorno), situam-se, normalmente, em áreas distantes do tecido urbano consolidado, mas com alto potencial de valorização. É este fenômeno que induz o crescimento urbano nas adjacências de Limeira, mormente, na abertura de outros tipos de empreendimentos que, não raro, são loteamentos fechados de alta renda que os agentes privados promovem, aproveitando-se de toda infraestrutura que o poder público fornece, tais como vias de circulação, redes de esgoto, hidráulica e elétrica.

Portanto, conclui-se que os conjuntos habitacionais que o poder público promove possuem forte influência da iniciativa privada, já que os utilizam como instrumento para a valorização fundiária no intuito do espraiamento do perímetro urbano, fazendo com que a maioria destes empreendimentos se situem em áreas periféricas da cidade em razão da dificuldade do poder público em demarcar Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS). E isto, devido à rapidez das ações dos agentes privados em invalidar tais legislações, mesmo antes de promulgá-las.

Em consequência deste quadro de (in)acessibilidade econômica, viária e social destes conjuntos habitacionais, estes últimos fazem com que os seus moradores percam seus antigos laços sociais com os bairros onde residiam junto a amigos e familiares, tonificando a segregação socioespacial e, ademais, excluindo os mais pobres da possibilidade de desenvolvimento humano, tendo em vista que o distanciamento prejudica o devido acesso à cidade e aos seus equipamentos tanto urbanos quanto educacionais e salutares (além dos afetivos) (Sallati, 2022). É por este motivo que a localização interfere diretamente na mobilidade urbana, visto que —dependendo do local que o indivíduo resida— facilitará ou dificultará o acesso deste a uma localidade ou a um conjunto de atividades da e na cidade (Pereira, 2023).

Nesse sentido, a deficiência legislativa em “escolher” melhores localizações tornam as pessoas mais vulneráveis às perversidades do mercado imobiliário, pois, sem a proteção legal e efetiva do poder público, dificilmente terão moradias em locais de fácil acesso aos equipamentos urbanos do município, ficando condenadas a não gozar de serviços públicos ou usufruí-los de forma precária. Logo, é fundamental que o poder público desenvolva políticas mais robustas para combater a especulação imobiliária e garanta a criação de Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) que atendam às necessidades das populações mais vulneráveis. E, em se tratando de legislação, é vital que estas auxiliem no fortalecimento da fiscalização sobre o mercado imobiliário no intuito de reverter este processo de segregação. Do contrário, a promoção de habitação social nunca estará alinhada a um planejamento urbano que leve em consideração a inclusão, a acessibilidade e a mobilidade para que os indivíduos não sejam apenas deslocados para áreas periféricas, mas sim integrados a uma rede urbana que favoreça seu desenvolvimento enquanto humanos.

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Notas

* Artículo de investigación

1 20 de dezembro de 1778 a 18 de setembro de 1859. Fazendeiro de café, político luso-brasileiro e pioneiro na implementação de mão de obra livre no país ao trazer os primeiros imigrantes europeus para trabalharem na Fazenda Ibicaba. Esta fazenda localizava-se em terras municipais de Limeira até a emancipação da cidade de Cordeirópolis, um antigo distrito de paz limeirense, em 1948.

2 Infelizmente, os problemas mais recorrentes atualmente no Brasil com este tipo de empreendimento é justamente que, devido à alta inflação, os preços destas taxas estão aumentando ao ponto dos residentes não mais conseguirem arcar com outras contas (alimentação, água, luz, transporte, a quitação do valor do subsídio financiado do programa habitacional), fazendo-os abandonar seus apartamentos e optarem novamente pelo aluguel.

3 Banco Nacional de Habitação: empresa pública brasileira voltada ao financiamento de empreendimentos imobiliários da era ditatorial brasileira que atuou entre os anos de 1964 a 1986.

4 Lei Ordinária n.º 1213, de 29 de setembro de 1970.

5 Lei Ordinária n.º 1642, de 28 de dezembro de 1978

6 Lei n.° 6766, de 19 de dezembro de 1979.

7 Lei Complementar nº 442, de 12 de janeiro de 2009.

Informação adicional

Cómo citar: Sartori Cordova, V., Benetti Gomes, L. y Marandola Junior, E. (2023). A trama construtiva dos conjuntos habitacionais populares no interior do estado de São Paulo: breve histórico das marcas deixadas na malha urbana da cidade de Limeira, SP. Universitas Humanística, 92. https://doi.org/10.11144/Javeriana.uh92.tcch

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