Considerações éticas sobre as memórias da violência urbana*

Ethical considerations on urban violence memories

Consideraciones éticas sobre las memorias de la violencia urbana

Aline Gama

Considerações éticas sobre as memórias da violência urbana*

Universitas Humanística, vol. 90, 2021

Pontificia Universidad Javeriana

Aline Gama a

Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil


Recepção: 15 Maio 2020

Aprovação: 15 Dezembro 2021

Publicação: 30 Dezembro 2021

Resumo: O artigo trata das contradições sobre a construção da memória de familiares de vítimas da violência do Rio de Janeiro materializada em objetos, imagens e discursos. Enquanto essas são um argumento para que novas violências não aconteçam e se repare o mal sofrido, também reforçam estigmas sobre identidades individuais e coletivas e permeiam as demais relações familiares. A partir da etnografia com familiares de vítimas, a análise dos aspectos normativos de como os usos das experiências passadas serve para impedir a repetição dos mesmos tipos de violências apresenta situações liminares. A pergunta como e até que ponto as violências devem ser lembradas é discutida a partir de considerações éticas e morais, baseadas nos trabalhos de Avishai Margalit, Tzvetan Todorov, Paul Ricoeur e Maurice Halbwachs, que foram primordiais para pensar as formas de agenciamento das memórias individuais e coletivas.

Palavras-chave:Violência Urbana, memória coletiva, ética da memória, antropologia visual.

Abstract: This article studies contradictions on memory construction of the relatives of victims of violence in Rio de Janeiro materialized in objects, images and speeches. While these are an argument for new violence not arise and the reparation for the suffered evil, these also enhance stigmas over individual and collective identities and permeate other family relationships. From the ethnography with relatives of victims, the analysis of the normative aspects of how the uses of past experiences serve to prevent recurrence of the same kind of violence presents liminal situations. The question how and to what extent should violence be remembered is discussed from ethical and moral concerns, based on the works of Avishai Margalit, Tzvetan Todorov, Paul Ricoeur and Maurice Halbwachs, who were primordial to think the forms of the agency of the individual and collective memories.

Keywords: Urban violence, collective memory, ethics of memory, visual anthropology.

Resumen: El artículo analiza las contradicciones en las formas de construcción de la memoria de víctimas de violencia, materializadas en objetos, imágenes y discursos, en Río de Janeiro. Si bien estas son un argumento para que nuevas violencias no ocurran y se repare el mal sufrido, también refuerzan estigmas sobre identidades individuales y colectivas, y permean las relaciones de los familiares de las víctimas. A partir de una etnografía con familiares de víctimas, se visibilizaron los aspectos normativos y los usos de las experiencias pasadas, para impedir la repetición de los mismos tipos de violencia, presentes en situaciones liminares. Las preguntas sobre cómo y hasta qué punto las violencias deben ser recordadas es discutida, a partir de consideraciones éticas y morales, basadas en los trabajos de Margalit, Todorov, Ricoeur y Halbwachs, fundamentales para pensar las formas de agencia de las memorias individuales y colectivas.

Palabras clave: Violencia Urbana, memoria colectiva, ética de la memoria, antropología visual.

Introdução

A apresentadora do programa de televisão pergunta ao pai algo sobre a saudade da filha que foi assassinada no Rio de Janeiro e ele ao responder começa a chorar. No intervalo, sua mulher o repreende no intuito de demonstrar aos demais familiares que os assistem que é possível, de alguma forma, lidar com a perda sem continuar sofrendo “para o resto da vida”, afirma ele.

As perguntas sobre o sofrimento acessam de imediato o que a teoria da justiça vai definir como “políticas de resolução dos problemas evidentes” que são as atrocidades, a ausência de atenção às necessidades e as injustiças. Essas também circunscrevem uma “política da piedade” que ativa uma urgência em resolver o sofrimento que envolve não só os familiares, mas também a sociedade civil que tem contato com o sofrimento pela mídia (Boltanski, 1993).

O depoimento do pai que é impedido pela mulher de chorar e outros sobre as consequências da violência são analisados no texto através do que as ciências sociais compreendem por uma gramática das emoções que são elaboradas e reelaboradas pelo trabalho do tempo e parecem seguir alguns padrões que se pode observar a cada nova violência. Entretanto, o objetivo desse texto é tratar também das questões liminares dessas expressões de memória que surgiram na etnografia com familiares de vítimas do Rio de Janeiro entre 2010 e 20131, incorporando as reflexões de alguns trabalhos do filosofo Avishai Margalit na análise.

A partir delas, discuto o jogo de visibilidade/invisibilidade do que vou considerar como limites éticos da memória tanto da violência sofrida e da vida que se elabora após a perda, quanto das memórias anteriores constitutivas da vida em família. Nesse sentido, analiso a reconstrução do passado por familiares de vítimas que participam de movimentos e ações contra a violência urbana para redefinir as prioridades do presente. O direito de reparação e justiça e o desejo de que outras pessoas não sofram com novas violências se inscrevem no discurso e na vida desses familiares, mas outros discursos como o cuidado com os demais familiares vivos, as relações de amizade e vizinhança e a vida profissional são igualmente questionados por eles.

Diante de alguns relatos do campo que serão apresentados ao longo do texto, discute-se até que ponto deve-se lembrar e retomar o passado em busca de uma política da justiça para que não se transforme o presente e o futuro em um retorno eterno ao passado. Além disso, a análise se orienta por outras questões, tais como: quais limites são circunscritos pelos familiares de vítimas para as expressões de sofrimento e dor? Quais são as implicações dessas lembranças sobre as identidades individuais e coletivas? O que significa para aqueles que “lutam” se atribuir esse dever de lembrar a violência original (Das, 2007)?

Para respondê-las, retomo alguns pontos da elaboração da memória e reelaboração de suas vidas após a perda violenta de seus entes que apontavam contraditoriamente para um desejo de negação das condições de sofrimento e das marcas da violência. Tais pontos como a produção da memória materializada em objetos e a percepção de se identificar por “familiares de vítimas da violência” são delineados por considerações éticas não só sobre “os usos e os abusos”, discutidos por diversos autores, mas sobre uma condição de aprisionamento ao passado e à memória.

Essas considerações éticas apresentam-se através de um diálogo com a filosofia2 para responder questões suscitadas pelos dados empíricos da etnografia sobre como lidar com os limites e os significados de uma memória. Essa se difere das memórias do holocausto e dos genocídios causados pelos governos ditatoriais por não possuírem um “desfecho” que encerra o processo de violência (física pelo menos). Isto é, os genocídios se encerraram com o fim da guerra e o surgimento de processos políticos democráticos. Contudo, em algumas cidades, em especial no Rio de Janeiro, a violência urbana é parte de uma província de significados que constitui um tipo permanente de sociabilidade violenta (Silva, 2011).

No caso do Rio de Janeiro, as memórias individuais da violência urbana possuem particularidades como a de partirem de eventos isolados de homicídio e latrocínio em diferentes pontos da cidade e a da permanência de eventos de violência também executados pela ação do estado com apoio de parte da população civil (Farias, 2014).

A dificuldade de delimitar o campo etnográfico desses casos foi contornada pelo engajamento e participação dos familiares em manifestações e encontros contra a violência, nos quais tive a oportunidade de realizar observações-participantes3 e entrevistas abertas. As experiências comuns da violência, do noticiário e do ativismo me permitiu circunscrever uma versão adequada de um “outro mundo” mais ou menos diferenciado, como sugere Clifford (1998, p.21). Nessas manifestações, as memórias individuais se unem em “comunidades emocionais, de moralidade, fundadas numa ética do reconhecimento” (Jimeno, 2010, p. 99; Leite e Birman, 2004) que vão formar uma memória coletiva da violência na cidade.

Em tais circunstâncias foram obtidas as informações que se transformaram em corpus textual da pesquisa, definido por Clifford (1998) como “um conjunto potencialmente significativo e separado de uma situação discursiva ou ‘performativa’ imediata” (p. 39). Nele considerei que os vazios da etnografia formados pelas negativas para entrevistas individuais ou responder determinada pergunta se manifestam nos silêncios ou ainda no medo de revelar o proibido. Tratam-se de informações importantes que revelam as circunstâncias, as limitações do campo e a construção empírica do objeto deste estudo.

O diálogo posterior com a filosofia não se vincula à determinada tradição filosófica, pois a reflexão se definiu sobre que proposições éticas respondem as demandas do campo, além dos teóricos já trabalhados na primeira fase da pesquisa. Dessa forma, apresenta-se no texto aproximações entre a elaboração da memória dos familiares de vítimas e uma revisão sobre o que alguns filósofos e pensadores contemporâneos discutem sobre a memória.

Na primeira parte do texto, analiso os questionamentos dos familiares de vítimas do Rio de Janeiro sobre o processo de elaboração e reelaboração das próprias memórias a partir da violência original em que se vêm confrontados com diferentes atores sociais como outros familiares de vítimas, mídia e pesquisadores que se aproximam após a perda do ente, bem como com vizinhos, amigos e demais familiares. A partir dos trabalhos de Avishai Margalit, Maurice Halbwachs, Paul Ricoeur e Tzevetan Todorov, discuto como esses questionamentos apresentam questões liminares ao longo do tempo e do espaço de produção das memórias.

Na segunda, trato das questões éticas e morais dessa seletividade da memória a partir, principalmente, de dois trabalhos de Avishai Margalit, intitulados The Decent Society e The Ethics of Memory que pensam, respectivamente, as instituições, as relações sociais e as nuances sobre as “obrigações” entre a “memória comum e a memória compartilhada”. Tais “obrigações” da memória passam de um lado por um tipo de aprisionamento seletivo e, de outro, por uma invenção da memória compartilhada a partir de registros que fundamentam o conhecimento sobre os acontecimentos passados.

Por fim, essa memória produzida é analisada também pelas limitações através de uma ética do esquecimento tanto para reelaboração da vida dos familiares quanto para aqueles que produzem conhecimento sobre os diferentes aspectos da violência.

Produção e reprodução da memória da violência urbana

É no momento imediato após a perda violenta de um ente que os familiares e amigos das vítimas de violência no Rio de Janeiro se veem confrontados com uma nova realidade. Eles relatam que enquanto ainda tinham dificuldades em acreditar no que aconteceu, se construía o espetáculo do acontecimento. A aproximação entre profissionais da mídia e familiares de vítimas de violência ocorre, em geral, nos primeiros momentos em que os familiares recebem a notícia e os jornalistas cobrem a pauta de cobertura da violência. Neles, há uma esperança de um engano, de sobrevivência à violência cometida ou de uma explicação plausível para a morte súbita, como relatou a tia de uma vítima em entrevista:

Eu comecei a ouvir barulho e tiro. Muito tiro mesmo de armamento pesado. [...] Parecia que o mundo estava se acabando. [...] deu uns vinte minutos de tiroteio e parou. Parou e deu um último tiro. E aí eu disse: ‘Poxa, esse foi para matar. Até então, eu estava tranquila, sem pensar em nada, em uma tragédia familiar. [...] Na hora que eu saí, minha irmã veio dizendo e já estava em choque: ‘Me abraça, me abraça, mataram o meu filho. Atiraram no meu filho.’ E eu: ‘Por quê? Por quê?’ E ela desmaiou. Desmaiava e voltava. Os colegas dele e todo mundo se perguntando: Por que fizeram isso? (Regiane, 2012)

Esse instante em que os familiares tomam conhecimento da violência e da possível morte de seu ente pode ser traduzido como: “[...] que sentido isso faz? O que é que nos reivindica em tais momentos, de tal forma que não somos os donos de nós mesmos? Ao que estamos amarrados? E pelo que estamos apreendidos?” (Butler, 2004, p. 21).

Muitos relatam não saber ao certo como foi o primeiro contato com os jornalistas e associam o esquecimento à situação traumática. O pai de uma vítima comenta: “via a foto nos jornais e na televisão e pensava: ‘Onde é que eles arrumaram essa foto?’ Dei a foto para alguém, mas não sabia quem. Estava completamente atordoado”.

O acontecimento narrado posteriormente pelos familiares apresenta emoções extremas. Um emaranhado de sentimentos que marcam a morte violenta do familiar morto, mas também a percepção de que não há um controle de sua própria vida e dos seus próximos. No evento traumático, vivido pelo pai são tomadas uma série de decisões que são esquecidas junto com o momento ímpar de reconhecimento da perda como parte do processo de superação do luto. Ao mesmo tempo, os relatos das entrevistas e de conversas no campo mostram que não há uma percepção de que a morte por violência é parte da rotina da sociabilidade violenta do Rio de Janeiro.

Em geral, os indivíduos classificam dois tipos fundamentais de morte: a morte natural por doença e velhice como parte do curso “normal” da vida e a morte repentina causada por fatores externos como acidentes e violências. Essas apesar de instituídas no cotidiano das cidades brasileiras a despeito de todas as tentativas de diminuição da violência urbana ainda é considerada uma anormalidade, uma das antinomias da sociabilidade violenta.

Mais do que informar sobre mais um acontecimento de violência na cidade, a mídia permite o compartilhamento do luto que converte a experiência de algumas mortes individuais e do sofrimento privado em mortes públicas e do sofrimento à distância (Boltanski, 1993). Esse compartilhamento inicia uma busca por justiça e reparação que marcam a vida dos familiares dos casos aqui analisados, que tiveram e tem seus rostos expostos em fotografias e vídeos nos jornais.

O sofrimento da dor ímpar compartilhado cria não só uma rede de solidariedade com outros familiares, mas cada um dos familiares do grupo estudado se viu transformado pela violência original para além do desejo individual de buscar justiça pelo seu caso. Sentiram-se compelidos a transformar o luto e a “luta” individual em uma “luta” coletiva e a transformar-se em “pessoas-símbolo” contra a violência no Rio de Janeiro. Passaram a se atribuir um dever de defender outras pessoas do tipo de violência sofrida, criando ou se filiando à organizações não-governamentais e associações contra violência urbana.

Esse encontro com esse novo eu que passa a fazer parte dessa nova realidade e coletividade é paradoxal. Isto é, as memórias sobre a violência e sobre o ente anterior a morte possuem fronteiras tênues. “Essa submissão ao teste de realidade, constitutivo do verdadeiro trabalho de luto, também é parte integrante do trabalho da lembrança” (Ricoeur, 2007, p. 93).

As fronteiras das memórias individuais transformadas em uma luta coletiva podem ser analisadas a partir de duas perspectivas éticas proposta por Avishai Margalit. A de uma macro-ética direcionada para o coletivo e a de uma micro-ética que é a ética individual. Segundo ele, deve-se considerar que “enquanto existe uma ética da memória, há muito pouca moralidade da memória” (Margalit, 2004, p. 7).

Para defender tal proposição, Margalit relaciona as duas dimensões da ética à duas categorias de relações sociais: as relações densas da micro-ética que são ancoradas em uma memória comum de amigos, família e amores e as relações finas que estabelecem a macro-ética próprias de uma memória compartilhada pela condição de humanidade ou de pertencimento a determinado grupo como negros, mulheres, indígenas, etc.

A diferença entre os tipos de relações norteia a construção de uma obrigatoriedade da memória constitutiva de uma identificação daqueles que lembram com aqueles que são lembrados. Essa não necessariamente aponta para obrigação de engajamento ético e moral. No comprometimento de defesa da memória das relações densas fica em aberto a defesa das demais relações finas para considerações mais éticas que morais, pois a reivindicação de memória é igual para as duas categorias de relação. Para Margalit, não há uma obrigatoriedade, mas uma consideração ética que envolve parcialidade.

Assim, na cidade do Rio de Janeiro, a continuidade de novos casos faz com que as violências cometidas contra as relações densas sejam incorporadas as relações finas. O sofrimento vivido a distância através da mídia serve de orientação para os familiares de novas vítimas como relata uma mãe de vítima:

Hoje em dia, eu consigo entender a dor de uma mãe que perdeu o seu filho. Eu chorei quando a Isabela Nardoni4 faleceu daquela forma, mas eu não podia imaginar a dor da mãe dela. [...] Eu não podia ter noção do que eles estavam passando. A covardia de você criar um filho para vir uma pessoa e destruir a vida do seu filho e a vida dos demais. Você entendeu? Porque destrói. A gente fica sem um horizonte. A gente fica sem o controle da nossa vida [...]. (Ana, 2012)

A partir dessa identificação pela dor, eles procuram os familiares-símbolos para receber apoio, orientação e lutarem por uma causa coletiva que passa a ser deles também. A distância é, então, redimensionada pela experiência da violência original. Essa transforma a memória compartilhada da violência que atinge a cidade em uma memória comum em que se avalia o dever de lembrar e lutar. Entretanto, a memória passa por construções normativas que são elaboradas pelo grupo de familiares pesquisados como uma obrigatoriedade moral que, no entanto, é por princípio opcional e ética.

Ao longo da etnografia, pode-se perceber que a reelaboração da violência é diversa. Há casos que são divulgados no primeiro momento pela mídia e depois os familiares proíbem os jornais de falarem ou não participam dos movimentos contra violência. Há aqueles que transformam “seu luto em luta” e tentam agregar os demais para uma busca coletiva por justiça, reparação e diminuição da violência urbana.

Constrói-se uma política da piedade sobre a violência sofrida com as relações densas, apontando para uma micro-ética da memória e do reconhecimento, que se sobrepõe sobre uma política da justiça das violências sobre as relações finas. Essas se incorporadas envolveriam ponderações que no limite nos levariam a dizer que “a recomposição do tecido social indiretamente esgarçado pela constituição da sociabilidade violenta depende de uma auto-‘refundação’ da sociedade” (Silva, 2011, p. 81).

Nesse sentido, o caso do Massacre na Escola Tasso da Silveira em Realengo apresenta aspectos interessantes. O crime foi cometido pelo ex-aluno Wellington Menezes de Oliveira, de 23 anos, que sofrera bullying durante sua passagem pela escola e retornou para se vingar, atirando em crianças com idades entre 12 e 15 anos. Atinge 24 delas e depois se mata. Foram no total doze crianças mortas e mais doze gravemente feridas. Algumas com sequelas até hoje.

A contabilidade da tragédia não inclui a morte do atirador Wellington. Ninguém questiona o assassinato ou o suicídio do assassino dos alunos da escola, que ficou conhecido como “O monstro de Realengo”. A carta deixada por ele foi publicada nos jornais e se transformou em objeto de análises e interpretações de teólogos, psiquiatras e psicólogos. A ausência de sua morte nos números e falas sobre a tragédia mostram tanto o que Judith Butler (2009, 2004) vai tratar sobre as vidas que ao não serem lamentadas nos indicam uma segunda morte, quanto ao que Avishai Margalit (1996) vai definir como atos de humilhação que são a contraposição à dignidade e à honra de uma “sociedade decente” que não deveria tratar os seus cidadãos como números ou objetos.

Contraditoriamente a ausência de Wellington na memória material sobre o massacre, Adriana Silveira, coordenadora da Associação de Familiares e Amigos dos Anjos de Realengo, começou a lutar não só por reparação à violência e por escolas mais seguras como inicialmente pensara, mas para que alunos, professores e funcionários tenham conhecimento sobre o problema do bullying que foi sofrido primeiramente por Wellington e depois pelas crianças atingidas e seus familiares.

A obrigatoriedade da memória possui aspectos relacionados às construções sociais que se reelaboram com o tempo. Essas nos remetem tanto ao trabalho de Adriana que acaba em algum sentido reconhecendo a violência sofrida também pelo Wellington, quanto ao choro impedido do pai diante das câmeras de televisão, mencionado no início do texto.

Essas construções dos familiares que passaram há mais tempo pela experiência da morte violenta de um ente demonstram superação e força para os novos familiares de vítimas. Tal demonstração demarca uma hierarquia entre aqueles que controlam e os que ainda não controlam a exposição de seu sofrimento. Cria-se, assim, uma autoridade moral que atende a expectativas do grupo de familiares e está relacionada à reprovação do luto público nas relações sociais brasileiras atuais. É “como se o sofrimento pessoal de uma perda poluísse o social e contaminasse os demais com a presença da morte e do sofrimento alheio” (Koury, 2003, p. 194).

Dessa forma, os familiares que passam a frequentar passeatas e manifestações, vinculando-se ao grupo de familiares de vítimas de violência do Rio de Janeiro, reconhecem essa transformação das expressões públicas das emoções. Tal publicização do sofrimento possui regras que estabelecem quando e como essas emoções são aceitas socialmente. O pertencimento a esse grupo prevê o aprendizado de como lidar com o sofrimento que corrobora as regras sociais externas ao grupo para demarcar uma temporalidade interna.

Nela o tempo individual de aprendizado se inscreve no tempo cronológico e também no tempo de resolução das injustiças cometidas. Como sugerido por Halbwachs, a sociedade é dividida em uma pluralidade de grupos, cada um com sua própria percepção do tempo que não é universal e único. O que distingue os tempos coletivos não é a forma de contagem ou a velocidade entre eles, mas que em cada consciência coletiva a subsistência do tempo e suas formas de materialidade são uma condição para memória. “Os eventos se sucedem dentro do tempo, mas o próprio tempo é um quadro imóvel”. São esses quadros que permitem a memória retornar indo e vindo dentro do que foi acordado de chamar passado (Halbwachs, 2006, p. 23).

Para o grupo estudado, desde o primeiro mês até um ou dois anos depois da morte existe uma aceitação e, até uma obrigação da exposição pública do sofrimento, senão ele é desacreditado, como relata uma mãe em entrevista que foi criticada por não chorar:

[...] vi as reportagens da senhora. Muito bonita, mas fulana de tal falou com o coração, falou de verdade. Tipo assim como se eu não, sabe? Porque eu não chorei, não me desesperei, então, eu não falei de coração [...]. Diziam que eu não tinha sentimento, que eu não chorava e que eu parecia nem gostar do meu filho. (Flávia, 2012)

As emoções relembradas e revividas para o grupo de familiares precisam interferir nos comportamentos e na vida, principalmente, quando a violência é recente. Chorar com facilidade, adoecer, ter crises de medo, depressão, insônia, entre outros fazem parte da experiência pós-traumática ou pós-violência (Soares et al., 2006).

Desse tempo recente, os familiares passam para o momento em que conseguem lidar com a memória da violência sem que o sofrimento afete ou interrompa o curso da vida. O que não impede a manifestação de tristeza e pesar. Contraditoriamente, o tempo cadenciado pela construção de uma distância da expressão obrigatória das emoções intercorre em datas comemorativas.

Nas datas de morte e nascimento do ente, como também nos momentos de celebração e renovação dos laços familiares como os dias das mães, pais e Natal, as emoções e os sentimentos relacionados à perda violenta se manifestam como se “a morte tivesse acontecido ontem”, relatam alguns familiares. Em tais comemorações, os familiares reavivam a memória compartilhada e coletiva da violência, numa atitude política que alimenta a esperança e a luta.

Essas atividades cíclicas se repetem após determinado período e adquirem não só um significado cronológico de que o tempo passou, mas, principalmente, um ritmo de sentido contraditório que indica uma oscilação entre as noções modernas de repetição e não-repetição (Leach, 2010, p. 193). Repete-se emocionalmente pela lembrança, mas não repete-se em termos de experiência da violência original, mas de outras formas de violência e dores causadas, principalmente, pela impunidade e pelo conhecimento de casos semelhantes.

Esses casos relembram e, até, reavivam as dores da perda como aconteceu quando alguns familiares que perderam seus filhos no Massacre de Realengo foram à Escola Tasso da Silveira para celebrar o último dia de aula das crianças que sobreviveram ao massacre e concluíram o ensino fundamental. No evento, uma mãe relatou aos demais familiares presentes na celebração que vira na televisão as notícias sobre o tiroteio na escola americana de Sandy Hook5. O relato interrompeu a comemoração:

Foi um alvoroço. Quando soube, senti meu mundo desabar. Veio tudo de novo. Aquela sensação ruim. Um pânico. Muita gente começou a passar mal. Todo mundo chorando. Uma agonia. Foi uma coisa. Eu queria sair correndo de lá, mas o pessoal me segurou. Lembrei de tudo o que aconteceu e ainda estava na Escola para a festa das crianças. Foi horrível! Eu sei bem o que eles estão passando. Só eu sei! (contou uma mãe). (Dona Eliana, 2012)

A semelhança dos casos de violência entre a escola primária de Sandy Hook e o acontecimento da Escola Tasso da Silveira reaviva uma memória comum dos familiares de Realengo inscrita em seus corpos que sentem o desejo de não mais estar no local do acontecimento. Além disso, não são apenas os casos análogos de uma memória compartilhada que fazem com que eles relembrem e sofram. A “saturação” e a “indiferença” às imagens de violência, que não agridem mais o olhar do espectador da sociedade contemporânea, como sugerido por Hikiji (2012) e Sontag (2003), não ocorre com o grupo de familiares estudados. Os detalhes da violência vivida com a morte do ente agem sobre a sensibilidade dos familiares através de sua memória da violência original.

Os novos casos ou o contato posterior com a violência causa uma sensação de impotência como se os casos dos seus entes e os trabalhos de luta nos movimentos não tivessem servido de aprendizado social que é o fundamento de várias formas de memória (Yates, 1999). No caso aqui, o ensinamento para que novas violências não ocorram contradiz e surge em meio a sociabilidade violenta. Contudo, esses novos casos reinstalam os sofrimentos vividos como se o “trabalho do tempo” (Das, 1999, p. 42) fosse suprimido.

A materialidade da memória

Nessa supressão do trabalho do tempo, a elaboração de uma memória do ente que se foi violentamente coloca em perspectiva não só as relações finas com outros familiares de vítimas (sejam as violências semelhantes ou não), e com os outros atores da sociabilidade violenta (que no limite questionam as condições humanas dos algozes), mas as demais relações densas com os outros familiares e amigos que sofrem com a morte e se perdem um do outro. Isto é, a perda violenta do ente tem como consequência a perda simbólica de outros familiares, como por exemplo, quando ouvi de um filho que disse ter perdido não só a irmã que morreu, mas, de certa forma, também a mãe que deixou de ser alegre, cuidar da casa e dele. Além dos casos, em que os familiares adoecem e morrem após o trauma.

A explicação para essas perdas somadas as perdas violentas foi tratada por um dos coordenadores de movimento como uma ruptura muito comum das relações entre os familiares de vítimas da violência no Rio de Janeiro. Nas palavras dele:

essa semana mesmo falei para um camarada fazer terapia de casal. Um olha para o outro e lembra do filho que não está mais ali. O filho é uma aliança entre os dois e isso acontece em todas as relações. Você lembra daquele que não está ali, mas deveria estar.6

Assim, a família definida por esse conjunto de indivíduos reunidos por laços contratuais e de sangue se percebe um ao outro por uma mutualidade (Carsten, 2004; Sahlins, 2013) e vivencia as perdas violentas por contiguidade. Isto é, aqueles que permanecem possuem as marcas ou a lembrança dos laços daquele que se foi. No caso do menino, intrínseco a perda da irmã está a perda de irmandade diante da mãe assim como de filhos, no coletivo, para mãe diante de seu filho que passa a ser “filho único”. A mutualidade faz com que os familiares vivam a perda não como indivíduos isolados, mas como se os laços familiares que os complementam formassem uma espécie de reciprocidade também em suas perdas.

Essas colocam questões para as relações densas, entre elas estão: como criar fronteiras para a memória da perda original? Ao ver os familiares que sobreviveram à violência como se deve trabalhar a lembrança daquele que se foi? Que considerações éticas é preciso colocar para memória da violência? Será que é dada aos familiares de vítimas essa escolha? Que formas de esquecimento são possíveis e permitidas para retomada do presente e dos laços com os sobreviventes?

Os familiares de vítimas, além de carregarem as marcas do familiar que se foi, estão na condição não só de relações densas, mas de alguma forma marcam as relações finas. Lutam coletivamente como atores de uma sociedade que de um lado não os protegeu da violência de perder seu ente ou que não protegeu seu ente da morte e, de outro, a partir de uma compreensão contraditória de que a violência não é parte constitutiva da sociedade mas está no cotidiano da mesma.

É preciso demarcar que um dos aspectos fundamentais da memória individual e do ato de lembrar é a sua condição involuntária. É o ato involuntário de lembrar que orienta as novas formas dos familiares de lidar com o mundo. Para isso, a fenomenologia da memória considera relevante a noção de rastro. Essa memória ou registro que persiste é um ponto inflexão ou um enigma do par presença/ausência. De acordo com Ricoeur (2007):

Todos os rastros estão no presente. Nenhum deles exprime ausência, muito menos anterioridade. Então, é preciso dotar o rastro de uma dimensão semiótica [...]. Em resumo, para pensar o rastro é preciso pensá-lo, simultaneamente, como efeito presente e signo de sua causa ausente. Ora, no rastro material não há alteridade, não há ausência. Nele, tudo é positividade e presença. (p. 434)

Ricoeur sugere, então, dois pressupostos retrospectivos. Primeiro argumenta ser necessário que algo permaneça da primeira impressão para que se lembre dela agora. Esse retorno da lembrança é inerente a uma perda ou a um esquecimento anterior e requer um reconhecimento de persistência ou sobrevivência da memória ou da imagem/imaginário a respeito dela. O segundo pressuposto é o enraizamento da lembrança no passado. “Se, uma vez realizada, ela não sofresse os efeitos de sua virtualidade original, se não fosse, ao mesmo tempo apenas um estado presente, algo que contrasta com o presente, nunca a reconheceríamos como uma lembrança” (p. 441).

Dessa forma, o ato involuntário é primordial para qualquer tipo de consideração normativa sobre a memória. “A relevância de tudo isso para ética ou moral parece direta: não podemos ser louvados moral ou eticamente pela lembrança, ou culpado por não lembrar, se a memória não estiver sob nosso controle” (Margalit, 2004, p. 56).

Para que os familiares conquistem algum controle sobre a lembrança e os efeitos da violência original, a rede de apoio entre eles e a busca por explicações religiosas e por processos psicoterapêuticos ajudam a reestabelecer os vínculos sociais. O convívio com os outros membros da família especialmente em datas comemorativas é reaprendido a partir dessas formas de superação para ganhar um novo sentido apesar da ausência e da lembrança.

De acordo com Leite e Birman (2004), nos movimentos de familiares de vítimas a religião e a política convergem, criando uma “religião civil”. Essa norteia a inversão do desejo de uma “vingança” que acompanharia o tom de violência, por uma busca pela “justiça”, aliada também pelo desvendamento da “solidariedade” como investimento individual em prol da “paz” coletiva.

A ausência causada pela morte é afastada pelas diferentes formas de ações e discursos produzidos pelos familiares. Os sorrisos, olhares e rostos das fotos dos entes mostram uma convenção estabelecida pelo grupo de como apresentar a imagem da vítima. “Manipular a ausência é alongar esse momento, retardar tanto quanto possível o instante em que o outro poderia oscilar secamente da ausência à morte” (Barthes, 1985, p. 29). A vítima permanece viva na memória e no cotidiano dos familiares, que não permitem que seus entes oscilem “da ausência à morte”. Essa segunda morte seria causada pelo esquecimento. Um esquecimento que não seria só do outro, mas também de uma identidade relacionada ao ente morto (Almeida e Peixoto, 2017).

A imagem do familiar morto deve ser descartada, dando lugar à imagem dele em vida. Uma tentativa de restabelecer a dignidade humana daqueles que foram mortos pela violência e “não merecem ser lembrados” dessa forma, afirmam muitos familiares. A vida sucumbiu diante da morte, mas, como argumenta Todorov (2000), a memória sai vitoriosa ao restituir através das imagens, as biografias anteriores à violência original.

Vale lembrar que o hábito de fotografar os familiares mortos era comum nas camadas médias e superiores brasileiras até a primeira metade do século XX. A fotografia mortuária era realizada por um fotógrafo profissional a pedido da família que retocava as distinções de classe, cor e sofrimento, pois essa imagem viria a ser a única recordação do ente retratado como se estivesse vivo (Koury, 2001). Antes mesmo da inserção da fotografia mortuária ou dos usos atuais da fotografia de acervos pessoais e familiares para manutenção da imagem da pessoa viva e saudável, o processo de embalsamento químico já transformava a imagem da morte em algo aceitável (Troyer, 2007).

No caso dos familiares de vítimas pesquisados, trata-se de aversão e de proteção contra o sofrimento gerado pelo par lembrança/esquecimento da violência original. O sangue e as vísceras expostos nos ferimentos; o corpo perfurado e retorcido e a face expressando a dor; a temperatura fria e as cores arroxeadas e os corpos em decomposição, são imagens da violência que não se quer reter na memória, mas esquecer.

Esse distanciamento da imagem da pessoa morta é percebido por outros autores (Ariès, 1977; Elias, 2001; Rodrigues, 2006) como expressão de uma construção cultural e histórica que demonstra um tipo de sensibilidade relacionada a tudo o que lembra a morte. A produção das fotografias das vítimas – tanto pela mídia quanto por familiares – demonstra que o distanciamento constitui também uma convenção da imagem pública da violência seguida de morte. Talvez, uma contradição, pois ao trazer a dignidade do morto em imagens escondem-se as atrocidades de uma sociabilidade violenta.

Além das fotografias, alguns familiares mantêm intactos os objetos de seus entes como outra forma de reter sua presença e manter viva a memória. Durante a missa de um ano da morte das crianças em Realengo, o padre solicitou que os familiares oferecessem os objetos que seus entes mais gostavam nas oferendas à Santa Igreja. Antes de depositarem os objetos no altar, os familiares fizeram reverências, apertando-os ao peito, cheirando e beijando. Os gestos de afeto e devoção se repetiram a cada doação de objeto, indicando outra forma de despedida.

Para o público, também constituído de familiares das vítimas e amigos, foi um momento de muita comoção, no qual três pessoas desmaiaram e outras sete passaram mal. O padre diz:

os objetos são pedaços de lembranças que os familiares estão oferecendo a Deus e à Santa Igreja, que zelarão pelas crianças assassinadas no dia 7 de abril de 2011. Agora, essas crianças estão ao lado de Nosso Senhor porque não fazem mais parte desse mundo material.

As emoções manifestadas, assim como os gestos de carinho e afeto demonstraram o poder simbólico de tais objetos. Não eram só lembranças, como observou o padre, eram artefatos que reificavam a presença dessas crianças na vida de seus familiares, pois tinham as marcas de suas brincadeiras.

Os objetos dos entes e as casas não são apenas versões de uma vida familiar que se perdeu com a violência. São remodelados tanto no ato de contar sobre o passado quanto nos rearranjos criativos, restaurações e redecorações que fazem parte da vida cotidiana da casa (Carsten, 2004). Outro exemplo marcante de agenciamento dos objetos do ente morto foi o de uma avó que durante um ano e meio se reunia com os familiares, participava dos eventos, mas se recusava a dar entrevistas para mídia e para pesquisa. Em uma reunião, ela quebrou o silêncio e relatou para o grupo:

Era só eu e minha neta. Só eu e ela. Quando ela morreu, as crianças lá da vizinhança ficaram todas atenciosas comigo, pedindo ‘dá licença’ e ‘por favor’, perguntado tudo o que eu queria. [...] Outro dia, eu resolvi fazer uma festa para as crianças. [...] Arrumei o quarto da minha neta porque eu tenho tudo dela ainda: roupa, foto, tudo, tudo. [...] e chamei as crianças para conhecerem o quarto dela. Elas foram. [...] Foi uma forma de eu agradecer o carinho que eles me deram quando eu tanto precisava. (Dona Elena, 2012)

Dessa forma, ela demonstra como elaborou a perda violenta e percebe sua retribuição àqueles que aceitaram e respeitaram seu luto. Os objetos de sua neta lhe permitem reativar a lembrança da vida anterior ao acontecimento sem mencioná-lo diretamente e compartilhar com a comunidade vizinha sua vontade de manter viva a memória da neta. Como sugere Jelin (2002), ela construiu um sentido do passado em um relato comunicável através dos objetos. O quarto de sua neta se transformou em um memorial público no dia da festa para as crianças.

A exposição da memória pessoal e familiar e a fala de si, que relata a importância da vida ao lado da neta, delimitam fronteiras temporais entre o presente da apresentação dos objetos e o passado relembrado. Entretanto, essa construção não trata necessariamente apenas de acontecimentos marcantes, mas de uma carga afetiva de um sentido especial para aquele que rememora.

Esse tipo de construção dos acontecimentos passados possui dois aspectos centrais: “Primero, el pasado cobra sentido en su enlace con el presente en el acto de rememorar/olvidar. Segundo, esta interrogación sobre el pasado es un proceso subjetivo; es siempre activo y construido socialmente, en diálogo e interacción” (Jelin, 2002, p. 9).

O ato de rememorar o acontecimento, como feito com a festa e a exibição do quarto da neta, está imbuído de uma busca de sentido entre o passado, quando sua neta estava viva, o presente das lembranças através dos objetos e fotografias e, principalmente, o futuro como uma reelaboração indelével da lembrança. A memória da relação densa e afetiva da avó com a neta se mantém com a preservação do lugar, do sentido e do valor dos objetos.

A partir da análise de Das (1997), percebe-se que o silêncio da avó constitui-se em uma “transação entre linguagem e corpo”, na qual reside o trabalho do luto e a recriação de seu mundo após a perda trágica. Nesse movimento, com a festa e, posteriormente, com o relato, ela revela seu processo de luto, no qual inclui e reforça a participação da comunidade. Nela, a avó busca aproximar a memória compartilhada, com aqueles perceberam a dor da perda e a respeitaram, da memória comum (Margalit, 2004) da vida familiar.

Entre a recusa em conceder inicialmente uma entrevista para pesquisa e os depoimentos posteriormente concedidos, permeados por silêncios e expressões das emoções, há o desenrolar de negociações bastante complexas. Havia uma forma de controle das emoções na qual os atos violentos que levaram à morte da neta e de sua condição de avó, eram, e são, assuntos difíceis de abordar.

Considerações finais

A dificuldade em tratar da perda do ente se apresenta não só nos vários momentos em que os familiares estão em manifestações ou encontros que marcam a luta contra a violência, mas também nos relatos individuais sobre o cotidiano no qual se expressa o desejo de que a perda pare de doer ou de que essa condição de familiar de vítima seja de certa forma suspensa para que eles voltem a ter uma “vida normal”.

O desejo é que a memória sobre o passado deixe de se tornar presente no sentido de uma afecção individual do familiar que se transformou em pessoa-símbolo sobre si mesmo e, fundamentalmente, coletiva para que ele não seja lembrado somente por sua identificação de familiar de vítima. Essa identificação, além da perda irreparável de um ente, significa a mudança de sociabilidade, a perda de saúde, os transtornos no trabalho dentre muitas já relatadas em outras pesquisas (Almeida, 2013; Araújo, 2015; Farias, 2014; Ferreira, 2011; Soares et al., 2006).

O luto que não foi vivido em um momento privado passa a interferir nas relações sociais independente de continuar a ser expresso publicamente, formando outras formas de distanciamento social. Assim, no desejo de que a memória compartilhada da perda do ente permaneça para resoluções de justiça e reparação e para que a violência não atinja outras famílias também existe o desejo de que a mesma memória não transforme o presente como se reavivasse as atrocidades da violência original.

Essa memória reavivada aflora o sentimento de vulnerabilidade pela percepção de que se aconteceu uma vez pode vir a acontecer de novo. Isso se associa de um lado a permanência dos mesmos tipos de violência na cidade e no mundo, noticiados pela mídia e, de outro, a lenta via-crúcis pelos corredores das instituições brasileiras.

Uma via-crúcis que começa com a espera para o corpo ser liberado pelo hospital até a resolução nos tribunais brasileiros que nem sempre é a desejada ou compreendida. É nesse lento caminhar pela via-crúcis em prol do sentimento de amor pelo ente que os familiares elaboram diferentes competências para lidar com a burocracia e as emoções da perda (Boltanski, 1990). De um lado, eles percebem que o ente assassinado possui direitos de reconhecimento e de uma morte digna e, de outro, que eles (familiares próximos, principalmente, os pais e os amigos) se atribuem deveres de honrar a vida honesta longe da criminalidade em busca de justiça e reparação.

Além disso, uma das competências desenvolvidas em consequência da violência é a compreensão de uma linguagem que o familiar de vítima precisa apreender para transitar entre os números e os termos jurídicos desse universo. A morte contabilizada nas estatísticas da administração pública exerce novas formas de humilhação por demonstrarem um tratamento não-humano da memória compartilhada. Esse tratamento também é percebido pelas ações das instâncias de poder (hospitais, delegacias e tribunais) e de uma justiça lenta e ineficaz. As inúmeras idas aos advogados, o encontro com suspeitos/culpados, as reconstruções, as perícias, as audiências e os julgamentos para o grupo estudado significam mais uma fonte de sofrimento. Nelas, eles revivem as lembranças da violência original e a angústia da situação liminar de injustiça-reparação.

Apesar disso e dos familiares se sentirem ameaçados com os suspeitos fora da prisão à espera de julgamento e, em alguns casos, sofrerem retaliações e ameaças, os resultados de uma pesquisa sobre perigo e criminalidade no Rio de Janeiro mostra que o medo de se transformar em uma nova vítima muitas vezes não reflete objetivamente a probabilidade de vitimização (Borges, 2012). A intervenção do estado como resposta imediata ao local do crime com policiamento e pericias também são mecanismos que afastam a possibilidade de reincidência.

Ainda assim, o sentimento de vulnerabilidade e o medo constituem a rotina dos familiares de vítimas na reelaboração de suas vidas nesse processo de memória, resistência e luta. “Designá-los ‘com necessidade de proteção’ não só nega a capacidade de agir politicamente daqueles declarados vulneráveis, mas também expande as formas biopolíticas de regulação e controle” (Butler et al., 2016, p. 5). No entanto, o grupo estudado desafia essas formas de controle, pois “o medo de sair de casa desacompanhado” ou de “reencontrar os suspeitos” nem sempre os impede de seguir a longa via-crúcis. Para isso, eles passam a refletir sobre suas condutas, agenciando formas de proteção que deveriam ser fornecidas pelo estado, mas não são. É a rede de apoio dos movimentos e os demais familiares que acumulam conhecimento sobre como lidar com cada caso para se proteger.

É nesse sentido que ao pensar as considerações sobre uma ética da memória deve-se ponderar também sobre uma ética do esquecimento por serem intercambiáveis. Não se trata aqui de relacioná-las ao ato de perdoar, mas sim de delimitar fronteiras. A forma de lembrar a perda de alguém passa em certo sentido por escolhas orientadadas pela nova identidade de familiar de vítima e não por uma definição normativa ou de obrigatoriedade. Tais escolhas implicam para os familiares de vítimas do Rio de Janeiro que se transformaram em pessoas-símbolos da luta contra a violência urbana uma série de obrigações que foram vistas ao longo do texto. As lutas na longa via-crúcis, as homenagens, as manifestações, as missas, as fotografias e a manutenção de arquivos e objetos dos entes mortos pela violência urbana nos mostram que esses espaços e tempos de memória não são nem espontâneos nem naturais (Nora, 1993) e diferem das lembranças involuntárias que ocorrem individualmente.

Se o grupo estudado foi delimitado por aqueles que transformaram a perda violenta de um ente em uma luta coletiva na construção de uma memória compartilhada, os números de mortes violentas na cidade do Rio de Janeiro mostram que há um número muito maior de perdas que não são noticiadas e publicizadas em manifestações contra a violência e tampouco viraram objeto de pesquisas qualitativas.

Essa invisibilidade de tais violências não quer dizer esquecimento ou perdão, mas a impossibilidade desses atores, como indivíduos autônomos, escolherem uma forma diferente de elaboração de suas vidas dentro do campo de possibilidades do fenômeno da violência urbana. O que corrobora afirmação de Margalit (2004) de que há muito mais parcialidade e ética que moralidade e obrigatoriedade no processo de memória.

Entretanto, essa decisão de lembrar se transforma ao longo do tempo. Ela possibilita o surgimento de um “esquecimento” também pautado em uma ética reconhecida pelo grupo estudado como uma forma de hierarquia e de aprendizado de como lidar tanto com a saudade do ente quanto com as instâncias da justiça. Um “esquecimento” que permite uma retomada de uma vida “normal” mesmo que essa vida difira da vida anterior à violência original.

Nessa retomada, os momentos felizes de celebrações – e do “churrasco com amigos e vizinhos” enfaticamente falado por diferentes familiares do grupo – sem a lembrança ou a tristeza da perda são permitidos e requeridos. Não se trata de um apagamento completo do ente que se foi e tampouco da violência original, mas da dimensão de não-repetição e superação (Leach, 2010).

As lembranças que ficam estabelecem invariavelmente vítimas e algozes. Essas duas categorias do fenômeno da violência produzidas pela memória compartilhada deixam marcas que recaem sobre as identidades individuais e coletivas em longo prazo. Tanto o ser “familiar de vítima de violência” como as identificações das demais pessoas envolvidas na violência, por exemplo, a dos culpados que moram em favela ou dos policiais, precisam ser elaboradas em uma forma transitória em sentido amplo nessa produção e percepção das memórias.

Esse reconhecimento da condição de transitoriedade, especificidade ou de identificações e não de identidades fixas e imutáveis dos atores e agentes da sociabilidade violenta talvez nos permita reconhecer a permanência de outros tipos de violência para além de seu acontecimento “original”. Como sugere Todorov (2004), ao recordar as páginas do passado, os grupos não são puros heróis e nem puras vítimas.

Não há benefício possível em mantermos tais dualidades dessa memória compartilhada que jaz sobre as representações das identidades coletivas e as vidas atuais de pessoas reais. O crime sofrido por um indivíduo atinge grupos que sofrem com novas formas de discriminação pelos sentimentos ativados pela memória. Algo semelhante acontece com a tipificação dos criminosos que recai sobre identidades profissionais ou locais de moradia como de comunidades e favelas.

Definir as fronteiras da memória da violência urbana talvez seja a única forma de não reforçar a sociabilidade violenta em uma luta de todos contra todos. Nomear e identificar seus matizes podem possibilitar ações mais efetivas. Somente um exame crítico e minucioso sobre a produção dessa memória compartilhada da violência que fixa as categorias de vítimas e algozes nas atuais identidades coletivas das cidades brasileiras pode esclarecer os interesses que estão em disputa.

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Notas

1 Apesar do projeto de pesquisa para o doutorado ter terminado em 2013, continuo pesquisando e desenvolvendo tópicos específicos da pesquisa não aprofundados na tese e acompanhando algumas ações dos familiares. Os encontros esporádicos e as trocas pelas redes sociais contribuem para rever alguns pontos. Durante o ano de 1019 realizei uma assessoria técnica para Associação de Familiares e Amigos dos Anjos de Realengo. O campo da pesquisa do doutorado foi delimitado por casos publicados nos jornais e participação do familiar em algum movimento contra violência. São eles: a morte de Gabriela Prado publicada a partir do dia 26 de março de 2003 no jornal O Globo; a morte de Daniel Duque Pittman (18 anos) na saída da boate Baronetti, na praça Nossa Senhora da Paz, em Ipanema, publicada nos jornais O Dia e O Globo a partir do dia 29 de junho de 2008; a morte de Júlio Baptista Almeida da Silva (29 anos) por traficantes do Complexo do Alemão, publicada no jornal O Dia a partir do dia 16 de julho de 2009; a morte de Júlio Cesar Menezes, publicada pelo jornal Extra a pedido da família a partir de 20 de setembro de 2010; o ataque de policiais ao carro da família do juiz Marcelo Alexandrino da Costa Santos (39 anos), no qual ele, seu filho (11 anos) e sua enteada (8 anos) foram baleados e sobreviveram, publicado a partir do dia 3 de outubro de 2010 nos jornais O Dia e O Globo; e o assassinato de doze adolescentes na Escola Tasso da Silveira, em Realengo, publicado nos jornais a partir do dia 8 de abril de 2011 nos jornais O Dia e O Globo.

2 Refiro-me aos questionamentos sobre quais filósofos ou tradição filosófica pode contribuir para análise antropológica contemporânea (Das et al., 2014, p. 3).

3 As manifestações da pesquisa de doutorado ocorreram em vários bairros da cidade do Rio de Janeiro: na Cinelândia e em frente à igreja da Candelária, no Centro do Rio de Janeiro; na praia de Copacabana; na praça São Francisco Xavier e no largo da Segunda-Feira (Tijuca), na Cidade Alta (Cordovil) e em Realengo. Já os encontros caracterizados por um grupo restrito de familiares e amigos foram organizados tanto para as exibições dos documentários “Luto como mãe”, de Luiz Carlos Nascimento; “Estrada”, de Aude Chevalier-Beaumel; e “Lembrar para não esquecer – Vigário Geral”, de Milton Alencar Júnior, quanto para as diferentes comemorações como o Dia do Amigo, o Dia das Crianças etc. (realizadas nas casas de mães das vítimas da Chacina de Realengo).

4 Refere-se ao homicídio de Isabella de Oliveira Nardoni, de 5 anos de idade, cometido pelo seu pai, Alexandre Nardoni, e sua madrasta, Anna Carolina Jatobá, na noite do dia 29 de março de 2008, em que a menina foi jogada pela janela do prédio onde moravam.

5 No dia 14 de dezembro de 2012, Adam Lanza invadiu o colégio e matou 26 pessoas, dentre elas vinte crianças de 6 e 7 anos. As três armas utilizadas no massacre faziam parte da coleção de sua mãe: “Lei sobre controle de armas domina conversas em cidade do massacre nos Estados Unidos” (Godoy, 2012, dezembro).

6 Em onze de agosto de 2017, encontrei o coordenador no ônibus e acabamos conversando sobre o que eu estava trabalhando que eram as leituras e análise para esse artigo. Esse comentário foi feito nessa conversa.

Autor notes

aAutora de correspondência. Correo electrónico: agamarj@gmail.com

Informação adicional

Cómo citar: Gama, A. (2021). Considerações éticas sobre as memórias da violência urbana. Universitas Humanística, 90. https://doi.org/10.11144/Javeriana.uh90.cemv

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