Cidades médias e migrações internacionais contemporâneas em regiões do Rio Grande do Sul, Brasil*
Ciudades medianas y migraciones internacionales contemporáneas en las regiones de Rio Grande do Sul, Brasil
Medium-sized cities and contemporary international migrations in the Rio Grande do Sul region, Brazil
Rosmari T. Cazarotto , Fernanda C. W. Sindelar
, Rogério L. L. da Silveira
, Rafaela Danieli
Cidades médias e migrações internacionais contemporâneas em regiões do Rio Grande do Sul, Brasil*
Universitas Humanística, vol. 92, 2023
Pontificia Universidad Javeriana
Rosmari T. Cazarotto a rt.cazatotto@gmail.com
Universidade do Vale do Taquari, Brasil
Fernanda C. W. Sindelar
Universidade do Vale do Taquari, Brasil
Rogério L. L. da Silveira
Universidade de Santa Cruz do Sul, Brasil
Rafaela Danieli
Universidade do Vale do Taquari, Brasil
Recepção: 26 Abril 2022
Aprovação: 12 Julho 2023
Publicação: 30 Dezembro 2023
Resumo: O presente estudo tem por objetivo compreender o papel das cidades médias na recepção, absorção, e redirecionamento desses fluxos migratórios no contexto do Rio Grande do Sul, a partir de Lajeado e Passo Fundo, e sua relação com a rede regional urbano-rural. O estudo classifica-se como exploratório, de abordagem quantitativa, utilizando dados secundários disponibilizados por órgãos governamentais. Os resultados evidenciam que o estado do Rio Grande do Sul vem atraindo, desde 2010, um número expressivo de imigrantes laborais internacionais, com destaque para os latino-americanos do sexo masculino, os quais tem se inserido em especial na indústria de transformação, serviços e comércio. Quanto à distribuição espacial, embora as cidades das regiões de Porto Alegre e de Caxias do Sul sejam as que mais concentram, cidades médias e pequenas também atraíram estes contingentes, como Lajeado e Passo Fundo, cada uma com suas particularidades.
Palavras-chave:cidade média, migrações contemporâneas, dinâmica regional.
Resumen: El objetivo de este estudio es comprender el papel que tienen las ciudades medias en la recepción, absorción y reorientación de flujos migratorios en el contexto de Rio Grande do Sul, comenzando por Lajeado y Passo Fundo, y su relación con la red urbano-rural regional. El estudio se clasifica como exploratorio, con un enfoque cuantitativo, y utiliza datos secundarios puestos a disposición por los organismos gubernamentales. Los resultados muestran que desde 2010 el estado de Rio Grande do Sul viene atrayendo un número significativo de inmigrantes laborales internacionales, especialmente varones latinoamericanos, que han actuado especialmente en la industria manufacturera, los servicios y el comercio. En términos de distribución espacial, aunque las ciudades de las regiones de Porto Alegre y Caxias do Sul son las más concentradas, ciudades medianas y pequeñas también han atraído a estos contingentes, como Lajeado y Passo Fundo, cada una con sus particularidades.
Palabras clave: ciudad mediana, migración contemporánea, dinámica regional.
Abstract: The aim of this study is to understand the role of medium-sized cities in receiving, absorbing and redirecting migratory flows in the context of Rio Grande do Sul, starting with Lajeado and Passo Fundo, and their relationship with the regional urban-rural network. The study is classified as exploratory, with a quantitative approach, and uses secondary data made available by government agencies. The results show that the state of Rio Grande do Sul has been attracting a significant number of international labor immigrants since 2010, especially Latin American males, who have been particularly active in the manufacturing industry, services and commerce. In terms of spatial distribution, although the cities in the Porto Alegre and Caxias do Sul regions are the most concentrated, medium-sized and small cities have also attracted these contingents, such as Lajeado and Passo Fundo, each with their own particularities.
Keywords: Medium-Sized City, Contemporary Migration, Regional Dynamics.
Introdução
No século XXI, as migrações internacionais intensificaram-se em todas as regiões do mundo, tornando-se um fenômeno complexo e desafiador. Na contemporaneidade, os fluxos são influenciados por novas dinâmicas que se estabelecem. Enquanto no passado, o fluxo de pessoas que transpassavam as fronteiras nacionais seguia especialmente o padrão Norte-Sul, em decorrência de movimentos coloniais, migrações do rural para o urbano ou até mesmo motivados por crises e guerras, na atualidade, os movimentos ocorrem em todas as direções, especialmente entre países situados no sul global e são motivados por diversos fatores.
Nesse contexto, o Brasil tem sido rota de destino de migrantes internacionais, sobretudo na última década, período em que o país recebeu um elevado número de migrantes estrangeiros, oriundos de diversos países de origem, especialmente do Hemisfério Sul. Segundo Oliveira (2021), entre 2011 e 2020, chegaram no país cerca de 1,3 milhões de imigrantes, com destaque para os venezuelanos e haitianos.
A justificativa para o crescimento desse fluxo está associada a diversos fatores da conjuntura econômica global e geopolítica, a começar pelos impactos da crise econômico-financeira de 2008 iniciada nos Estados Unidos, e inicialmente, com menores reflexos na economia brasileira, além da reduzida taxa de desemprego no começo da década e da existência de um câmbio valorizado frente ao dólar. Também contribuiu para imagem do país, a realização de eventos mundiais, como a Copa do Mundo e as Olimpíadas, e a sua inserção no grupo de países emergentes com desenvolvimento econômico, denominado BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Além disso, o país tem se consolidado como um país produtor de commodities mundiais (Cavalcanti et al., 2020).
Dentre os estados brasileiros, em termos de absorção de trabalhadores imigrantes com vínculos formais de trabalho, o Rio Grande do Sul (RS) se destaca, aparecendo na quarta posição em 2019, com 10,7 % do total do país. O RS, juntamente com São Paulo, Paraná e Santa Catarina, emprega 72,7 % do total de imigrantes com vínculos formais de trabalho do país (Cavalcanti et al., 2020).
O estado do RS segue as tendências do Brasil, apresentando um aumento na presença de imigrantes, com uma diversificação de grupos migratórios (haitianos, uruguaios, venezuelanos, senegaleses, argentinos), o que não era observado no início da década de 2010, quando predominavam os uruguaios, argentinos, chilenos e paraguaios. Nesta década, registrava-se no estado a presença de 82 nacionalidades de imigrantes, enquanto em 2014, já eram observadas 134 categorias distintas, representando a presença de 67 % das nacionalidades observados no país (Uebel, 2015, p. 12).
Assim, o RS se consolida como rota dos fluxos migratórios oriundos, sobretudo do Sul Global e no interior deste novas rotas são traçadas. Neste contexto, o presente estudo tem por objetivo compreender o papel das cidades médias na recepção, absorção e redirecionamento desses fluxos migratórios no contexto do Rio Grande do Sul, a partir de duas cidades médias e sua relação com a rede regional urbano-rural.
O recorte espacial para a amostra do estudo foi constituído pelas cidades médias de Lajeado, na região do Vale do Taquari, e Passo Fundo, na região de Produção, sendo os dados coletados a partir de fontes secundárias para os anos de 2010, 2014 e 2019.
No conjunto de suas respectivas regiões, as cidades médias selecionadas apresentam alto nível de centralidade, atuando como capitais das regionais B (Passo Fundo) e C (Lajeado), de acordo com a atual classificação da REGIC realizada pelo IBGE (2020).
Referencial teórico
Os fluxos migratórios internacionais contemporâneos para o Brasil motivaram a observação de transformações nas dinâmicas para cidades médias e pequenas (Baeninger, 2012). Com o processo de globalização, as cidades que entraram na dinâmica do mercado internacional redefiniram sua posição como espaço urbano. Schiller e Çağlar (2011) consideram que em um contexto de intensa reestruturação urbana as cidades de pequena escala, as chamadas “cidades downscaled”, passaram a fazer parte desse processo, abrindo espaços para imigrantes internacionais, os quais têm desempenhado um papel importante nessa reestruturação em todo o mundo. Tais cidades são definidas por seu posicionamento numa hierarquia de poder econômico e político, regional, nacional e global e não pelo tamanho físico e populacional. São cidades nas quais se delineia a convergência das conexões transnacionais num contexto migratório.
O atual contexto geopolítico do processo migratório internacional, de forma lenta e gradativa, teve início nos anos 1980, atrelado às mudanças nas formas de produção oriundas do processo de globalização e ao aprofundamento das desigualdades econômicas entre os países, juntamente com outros fatores específicos como conflitos armados, perseguições étnicas e religiosas ou catástrofes naturais (Ventura, 2016). Tem ocorrido uma verdadeira mundialização do produto, do dinheiro, da informação, do consumo e da circulação das pessoas possibilitados pelo estado das técnicas e o estado da política, que de forma rápida e acelerada, aproxima lugares. Contudo, as ações que asseguram o surgimento de um mercado global, da forma como foi e é conduzida, produz desigualdades (Santos, 2007).
De acordo com Sassen (2010), os fluxos da mobilidade da força de trabalho seguem a mobilidade do capital, de tal modo que as dinâmicas da migração internacional para o trabalho se relacionam com as transformações na divisão territorial do trabalho, tanto na escala global, Sul-Norte, Sul-Sul, quanto na escala nacional e regional, através das migrações internas e pendulares.
O surgimento do mercado global resultante da reestruturação produtiva, da integração de mercados, da ampliação dos meios de transporte e comunicação produziu um aprofundamento do desenvolvimento desigual entre os países, assim como no interior deles e suas regiões. Estas transformações têm sido acompanhadas por um intenso e crescente processo de urbanização, sendo as cidades, entre elas, as cidades médias, importantes polos atratores e difusores de diferentes fluxos, de capital, de produtos, de informações e também de pessoas, dentre outros.
Conforme a classificação da União de Cidades e Governos Locais (UCLG [United Cities and Local Governments], 2017), atualmente, ao redor do mundo quase 60 % da população vive em cidades. Destas, 40 % em cidades médias, 40 % em metrópoles e 20 % em cidades pequenas. Neste âmbito, as cidades médias passam a ter um papel fundamental no processo de atração, mas também de difusão de fluxos migratórios, regionais, nacionais e internacionais.
Na literatura é possível encontrar diferentes conceitos de cidade média, que variam de acordo com a área em que são empregados. Neste contexto, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) leva em consideração o contingente demográfico, sendo que classifica como média, as cidades que apresentam entre 100 e 500 mil habitantes. Outro conjunto de pesquisadores (Bellet & Llop, 2002; Sposito, 2007; Santos & Silveira, 2001) considera que além do porte, é fundamental, principalmente quando considerado o contexto regional, também a centralidade, sua posição na rede urbana, e principalmente sua função de intermediação do ponto de vista da economia, de serviços públicos e de diversos fluxos no território, entre ela e sua região de influência e a metrópole.
Deste modo, as cidades médias são caracterizadas a partir de seu posicionamento dentro do conjunto das cidades e de suas atribuições como intermediárias entre cidades pequenas e grandes. Fundamentalmente, são cidades que articulam diferentes categorias de fluxos, materiais e imateriais, que estruturam e organizam o território da região (Corrêa, 1989). Adicionalmente, verifica-se que todos os espaços estão inseridos em sistemas urbanos. Todas as regiões são classificadas como ambientes socialmente edificados a partir dos vínculos estabelecidos entre cidades médias e pequenas (Sposito, 2009).
Neste contexto, desde o avanço do processo de industrialização e urbanização, a imigração tem sido um dos fatores estruturantes das cidades. No século XXI, de acordo com Baeninger (2015), no Brasil, o cenário do processo migratório apresenta dois vetores de redistribuição da população nacional. Um é caracterizado pela “dispersão migratória metropolitana” que, em nível nacional é marcado pelos significativos volumes de migrantes de retorno interestaduais, sobretudo na direção Sudeste-Nordeste. O segundo vetor ocorre na escala intraestadual, que vai se expressar no fluxo migratório metrópole interior, através da interiorização migratória com trajetórias de curtas distâncias, envolvendo aglomerações urbanas e espaços não-metropolitanos.
Nesta dinâmica migratória interna inserem-se os fluxos migratórios internacionais, sobretudo nos últimos dez anos, trazendo importantes dinâmicas para cidades médias e pequenas e suas regiões. Com certa intensidade, novas rotas interioranas se estabelecem em paralelo as rotas com destino aos grandes centros. Diversos são os fatores a serem considerados para compreender esta realidade brasileira, como as recentes mudanças nos padrões locacionais da indústria, de relocalização no território saindo das áreas metropolitanas e se dirigindo para as cidades médias, no interior, cidades cuja a estrutura de acessibilidade e logística favorecem a periferização das metrópoles, as ações governamentais e empresariais atrativas na escala local, a expansão da fronteira agrícola, além do desenvolvimento tecnológico e dos meios de comunicação (Brumes & Silva, 2011). Ainda, muitas cidades médias e pequenas vivenciaram as transformações decorrentes do processo de globalização, momento em que parte de seus sistemas produtivos vincularem-se às cadeias globais de produção e consumo (Baeninger et al., 2020).
Assim, buscando contribuir com as discussões sobre a temática e para alcançar o objetivo de compreender o papel das cidades médias na recepção, absorção e redirecionamento dos fluxos migratórios do Rio Grande do Sul proposto neste trabalho, realizou-se um estudo de caráter exploratório, de natureza quantitativa, cujo percurso metodológico utilizado será apresentado na próxima seção.
Procedimentos metodológicos
Considerando as relações estabelecidas entre a cidade e os migrantes, e não somente no processo de migração para as cidades, com destaque para aquelas situadas em cidades fora das regiões metropolitanas, Schiller e Çağlar (2011) assinalam que esta ótica abre novas luzes para pensar as particularidades que diferenciam as migrações em relação às grandes cidades. Nesta perspectiva, Samers (2011) sugere o exame da socioterritorialidade das cidades, isto é, a compreensão das cidades a partir da análise da absorção dos imigrantes nos mercados laborais.
Para o alcance do objetivo estabelecido, foi desenvolvida uma pesquisa exploratória. Segundo Azevedo Roesch (2012), as pesquisas exploratórias são utilizadas quando o propósito do estudo é explorar um assunto que foi pouco estudado, proporcionando maior compreensão do tema em análise.
Em relação à natureza da abordagem, essa pesquisa foi classificada como quantitativa, uma vez que foi desenvolvida com o uso de dados secundários, extraídos do Relatório Anual de Informações Sociais (RAIS), disponibilizado pelo Ministério da Economia (Brasil, 2020), a fim de compreender os vínculos laborais dos imigrantes internacionais durante os anos de 2010, 2014 e 2019, por município, nacionalidade e setores de atuação. E ainda, dados do Sistema de Registro Nacional Migratório (Sismigra), coletados no site Núcleo de Estudos de População “Elza Berquó” (Nepo, 2021), onde constam dados sobre as emissões de carteira de identidade brasileira a não nacionais, por meio do Registro Nacional Migratório (RNM). Importante ressaltar que tais registros administrativos são fundamentais, pois dão a dimensão da realidade, contudo no caso dos imigrantes internacionais, a circularidade tanto de quem chega quanto de quem sai é intensa. Por isso, o contingente de imigrantes que vivem nos lugares em estudo pode ser distinto dos coletados nas bases de dados oficiais supracitados.
Após a coleta, os dados foram organizados em planilhas eletrônicas, para que, posteriormente fosse possível a elaboração de ilustrações (tabelas, gráficos e mapas) e análise à luz das terias sobre migrações internacionais e relatos de migrantes, em especial da região do Vale do Taquari.
A cartografia da distribuição espacial dos vínculos laborais formais dos trabalhadores imigrantes estrangeiros nas regiões do Vale do Taquari, da Produção1 e do estado do Rio Grande do Sul, foi construída de acordo com as informações da RAIS existentes para cada município gaúcho. A definição das classes foi realizada a partir da proposição de Jenks (1963), o qual propôs um esquema denominado “quebras naturais”, com o intuito de reduzir a soma da variância no interior de cada classe. Ou seja, os dados foram divididos em classes cujos limites possuíam diferenças relativamente grandes nos valores. O cálculo estatístico para essa classificação foi feito de modo automático através do software de geoprocessamento Qgis, a partir dos dados de 2010, 2014 e 2019 da RAIS. Para análise dos dados, no mapa, consideramos os municípios que apresentam vínculos formais de trabalho para imigrantes internacionais.
Análise de resultados
O Rio Grande do Sul se consolidou como rota migratória internacional, no século XXI (Uebel, 2015) trazendo importantes dinâmicas territoriais e fortalecendo a importância do papel das cidades médias neste contexto. Desde 2010, o estado tem absorvido de forma constante e gradual um elevado contingente de trabalhadores imigrantes internacionais, no mercado formal de trabalho, especialmente homens latino-americanos, que se inseriram na indústria de transformação, serviços e comércio.
De acordo com o Figura 1, nota-se uma curva ascendente. Em 2010, o número de imigrantes internacionais com vínculo formal de trabalho foi de apenas 3571, enquanto em 2019 eram 17 868. Durante esse período, observa-se um crescimento médio anual de 17,5 %. A exceção é 2016, quando ocorre uma pequena redução de trabalhadores internacionais, o que pode ser justificado pela crise econômica no Brasil ligada à desvalorização das commodities, levando os migrantes a retornaram aos fluxos internacionais de migração.
O reconhecimento dos imigrantes internacionais no Rio Grande do Sul oscila entre a sua conveniência, necessidade e manifestações de rechaço, segundo Klafke (2016):
A pertinência da recepção da mão de obra estrangeira foi destaque na edição de 22 de junho de 2015 do Sul21, em que são traçados elogios à capacidade de trabalho, disciplina e condições de ocupação para os imigrantes. Haveria uma abertura do empresariado para essas pessoas, embora ainda persistissem preconceitos em relação às distinções culturais e religiosas de alguns grupos. De fato, algumas manifestações de xenofobia, sobretudo contra imigrantes negros, foram registradas pela imprensa do Estado no decorrer do ano de 2015. Além disso, também se apresenta a visão difusa de competição por postos de trabalho, que os estrangeiros viriam a ocupar em detrimento dos trabalhadores locais. (Klafke, 2016, p. 5)
Quanto à distribuição espacial das cidades, para o conjunto do estado do RS, onde mais de 100 imigrantes internacionais possuíam vínculo formal de trabalho, em 2019, destacam-se 31 (Figura 2). Na cor laranja, observa-se Porto Alegre e as cidades médias que compõem a região metropolitana, nelas sobressaem-se os vínculos de trabalho no setor de serviços. Em amarelo nota-se o conjunto de outras cidades médias, com destaque espacial para Caxias do Sul, Passo Fundo, Lajeado, Santa Rosa, Santo Ângelo e Erechim. Estas cidades têm sido polos atratores fundamentais em função das dinâmicas econômicas regionais sobretudo as atividades ligadas à agroindústria. Também se observa, na cor cinza, que algumas cidades pequenas se destacam na contratação formal de migrantes internacionais, como Garibaldi, Encantado, Marau e Tapejara.
Estudos orientam que para a cidades de Caxias do Sul, Passo Fundo, Lajeado e cidades do seu entorno regional, as indústrias de transformação, associadas às cadeias agroalimentares, especialmente de abate de animais e processamento de carnes, têm absorvido trabalhadores migrantes devido à falta de mão de obra local, demandada por este setor (Tedesco, 2018; Cazarotto & Sindelar, 2020; Mocellin & Hérida, 2018). Em outras palavras, a região Sul do Brasil desfruta de uma inserção global intensa, sobretudo pela ação dos frigoríficos, com uma avançada transição demográfica.
Em termos de nacionalidade, observam-se mudanças relevantes no mercado de trabalho formal do Rio Grande do Sul. Em 2010, as principais nacionalidades estrangeiras eram representadas por uruguaios, argentinos, chilenos, paraguaios e outros latino-americanos, os quais juntos representavam 67,1 %. Em contrapartida, em 2019, observa-se um predomínio de haitianos, os quais sozinhos representam 47,6 % do total, seguidos por uruguaios, venezuelanos, senegaleses e argentinos. Estas cinco nacionalidades respondem por 80,2 % dos migrantes laborais no Estado (Figura 3).
O maior interesse dos haitianos pelo Brasil, e igualmente pelo Rio Grande do Sul, ocorreu após o terremoto de 2010 e a concessão do visto humanitário por parte do Brasil a esta nacionalidade. Para viabilizar a vinda foi publicada a Resolução Normativa nº 97, de 12 de janeiro de 2012, do Conselho Nacional de Imigração (CNIg), a qual por razões humanitárias, concedeu amparo a estes imigrantes (Tonhati et al., 2016). De posse do visto especial, concedido aos haitianos que não tivessem antecedentes penais, conseguiram a obtenção de carteira de trabalho e do Cadastro de Pessoa Física (CPF).
Este fato aliado à ação de empresários locais que recrutaram trabalhadores haitianos abrigados no estado do Acre contribuiu para que, a partir de 2014, os haitianos fossem a principal nacionalidade a ingressar no RS, superando a nacionalidade uruguaia que liderava até ali. E, embora os fluxos de ingressos de uruguaios no estado tenham aumentado, de 1504 em 2010 para 2049 em 2014 e 2285 em 2019, sua participação relativa diminuiu. Enquanto em 2010 representavam 42,1 % dos vínculos de trabalho internacional no estado, em 2019 representavam apenas 12,8 %.
Outro grupo de migrantes internacionais que têm chegado ao Estado são os venezuelanos (ocupam a 3ª posição). Assim como os haitianos, este grupo de migrantes também recebeu do Brasil um tratamento peculiar frente a crise humanitária que emergiu no país. Para operacionalizar a acolhida do fluxo de migrantes venezuelanos que chegava no Brasil, em 2018 montou uma forma de gestão denominada Operação Acolhida a qual visava deslocar para distintos estados brasileiros, os migrantes e refugiados venezuelanos, tendo como meio de inserção a integração laboral (Souza, 2022).
Regionalmente, as cidades de Porto Alegre e Caxias do Sul (cidades polo das duas regiões metropolitanas do RS) são as que concentram o maior número de migrantes laborais. No entanto, na última década, as cidades mais distantes dos grandes centros também começaram a atrair imigrantes internacionais, conforme já comentado anteriormente. Os dados apontam para a interiorização da mão de obra imigrante, com destaque para a inserção em cidades médias e pequenas com vínculos formais de trabalho na indústria de transformação, entre as quais estão Lajeado e Passo Fundo, localizadas nas regiões do Vale do Taquari e Produção, respectivamente.
Estas regiões ocupavam, em 2019, o quarto e o quinto lugar no ranking das regiões que mais contratam formalmente imigrantes internacionais na indústria de transformação, atrás apenas das regiões Metropolitana, Serra e Vale do Sinos (próxima a metropolitana), conforme pode ser observado na Figura 4.
As duas regiões selecionadas na Figura 4 são, no sentido sul-norte Vale do Taquari e Produção, recorte empírico do presente estudo, com as respectivas cidades médias de Lajeado e Passo Fundo e mais algumas cidades pequenas que se destacam na inserção de imigrantes como Encantado, Arroio do Meio e Estrela no Vale do Taquari e Marau na região da Produção.
Segundo a RAIS (Ministério da Economia, 2020), o aumento considerável da mão de obra imigrante internacional, nas referidas cidades e regiões está sendo absorvida pela indústria de carnes – frigoríficos, especialmente nos setores de aves e suínos (Tedesco, 2016; Cazarotto & Sindelar, 2020).
Estes dados corroboram com as informações relativas ao total de emissões de carteira de identidade brasileira a não nacionais, segundo registros do Sistema de Registro Nacional Migratório (Nepo, 2021). Entre 2010 e 2019, na cidade média de Passo Fundo ingressaram com algum tipo de visto 1327 imigrantes internacionais (em especial de senegaleses, bengalis, argentinos, haitianos). Já na região da Produção, onde se localiza a cidade de Passo Fundo, o total foi de 2040 (Figura 5).
Na cidade média de Lajeado e na Região do Vale do Taquari, da qual a cidade faz parte, ingressaram 1382 e 3004 imigrantes, respectivamente, notadamente de haitianos, colombianos,2 argentinos (Figura 6). Também nas pequenas cidades que compõem a rede urbana regional comandado por cada uma dessas cidades médias, observa-se uma concentração significativa de imigrantes internacionais devido à presença de indústrias do complexo agroindustrial da carne.
Se observada a particularidade dos registros formais de emprego para os imigrantes internacionais, na cidade média de Passo Fundo, de 2010 a 2019, foram registrados no Sismigra, 1327 (Nepo, 2021) imigrantes internacionais com algum tipo de visto. Já segundo dados da RAIS (Ministério da Economia, 2020), em 2019 foram registrados formalmente 703 vínculos empregatícios. Na cidade média de Lajeado, no mesmo período, foram registrados 1382 migrantes, sendo que em 2019 havia 670 vínculos empregatícitos de imigrantes internacionais. Também em cidades pequenas que compõem a rede urbana regional comandada por cada uma destas cidades médias, apresentam uma importante concentração de imigrantes internacionais devido a presença de indústrias do complexo agroindustrial de carnes.
Imigrantes internacionais nas cidades médias de Passo Fundo e Lajeado: semelhanças e peculiaridades
De um modo geral, pode-se observar que as características e perfil dos migrantes internacionais nos espaços urbanos de Passo Fundo e Lajeado e no âmbito de suas regiões de influência apresentam uma dinâmica similar, com algumas particularidades reservadas. Por exemplo, no Vale do Taquari, região de influência da cidade de Lajeado, predomina a nacionalidade haitiana, com 82 %, o que representa 14 % dos haitianos com vínculo empregatício formal no RS. Em 2019, dentre as cidades do Rio Grande do Sul, Lajeado ocupava o quinto lugar que mais empregaram imigrantes internacionais. No entanto, em termos regionais, o Vale do Taquari ocupa a quarta posição, com 8,4 % dos vínculos formais no estado do RS, totalizando 1502 vínculos empregatícios formais para imigrantes internacionais.
A nacionalidade haitiana também predomina na região da Produção, no entanto com uma concentração menor, já que representavam 45,8 % dos imigrantes de trabalho formal (6 % do RS). Além disso, outras nacionalidades também apresentam um destaque, como os senegaleses (15,5 %) e os bengaleses (11,1 %). Ainda, vale ressaltar que 77 % dos bengaleses e 16 % dos senegaleses estão formalmente empregados no RS em 2019 nessa região, o que mostra que nessa região há uma maior diversificação de grupos de imigrantes internacionais, a qual pode estar associada às exigências do mercado halal (Silva, 2013).
Vale destacar que, muito mais que comunidades étnicas, os imigrantes são residentes de cidades e regiões, são atores dentro e através do espaço (Schiller & Çağlar, 2011). Buscam oportunidades que os lugares lhes possibilitem, ainda que limitadas, como arrumar emprego, moradia, investir em educação e estabelecer vínculo com a vida cultural local.
Em 2019, a cidade Passo Fundo aparece em quarto lugar como uma das cidades com maiores relações formais de trabalho, porém, em termos regionais, a Região Produção está em quinto lugar no estado do RS, registrando 5,9 % de empregos formais para imigrantes, totalizando 1063 empregos formais para imigrantes internacionais.
Considerações finais
No século XXI, o Rio Grande do Sul, assim como as regiões Vale do Taquari e Produção, emergiu como uma região alternativa que traiu imigrantes do Sul Global, especialmente haitianos, uruguaios, argentinos, senegaleses e bengalis. No contexto internacional, o Brasil configura-se como um país possível de migração por conta da documentação e de trânsito.
A distribuição dessas migrações está atrelada à instalação de agroindústrias nestas regiões, as quais participam do mercado global de commodities. Conforme argumenta Sassen (2010), pode-se observar que o lugar estabelece ligações e mediações significativas com a produção globalizada. Assim, as cidades médias localizadas no interior do RS, através de suas economias e redes urbanas, têm verificado o afluxo de migrantes internacionais. Os novos espaços, interioranos, da migração internacional se dão sobretudo pela inserção no mundo do trabalho agroindustrial, em especial na indústria de transformação vinculada ao setor industrial de carnes de aves e suínos.
Os imigrantes têm facilidade de ingressarem em espaços de trabalho a eles reservados, como nos frigoríficos, sendo recorrente a manifestação de dificuldades para adentrarem em outros espaços, mesmo para os que possuem formação superior. São postos de trabalho em condições difíceis e com baixa remuneração. Muitos alegam que com o aumento do custo de vida nos últimos anos, dentre os maiores desafios está se manterem com o que recebem.
Contudo, a presença e atuação, observada a partir de vínculos formais de trabalho, de imigrantes internacionais demonstra a relevância social e econômica dessas pessoas para o processo de crescimento das cidades no conjunto do Estado do RS e, particularmente, das cidades médias de Lajeado e Passo Fundo e cidades do seu entorno regional. Os migrantes trabalham, produzem riquezas, mas também criam família e reproduzem instituições, recriam espaços de identidade cultural contribuindo para a reconstituição cotidiana das cidades no mundo, em termos de economia e política.
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Notas
*
Artigo de reflexão (Artículo de reflexión).
1
Em 1994 foram criados no Rio Grande do Sul os Conselhos Regionais de Desenvolvimento (COREDEs), inicialmente composta por 21 regiões e atualmente 28 regiões dividem o estado com o objetivo principal de promover o desenvolvimento regional harmônico e sustentável. Neste conjunto de Coredes estão a região do Vale do Taquari e a região da Produção, áreas em estudo neste trabalho.
2
No caso do fluxo migratório dos colombianos, particularmente, é para complemento de estudos em uma universidade da região (Cazarotto et al., 2022).
Autor notes
a Autora de correspondência. E-mail: rt.cazatotto@gmail.com
Informação adicional
Cómo citar: Cazarotto, R. T., W. Sindelar, F. C., Silveira, R. L. L. Da. y Danieli, R. (2023). Cidades médias e migrações internacionais contemporâneas em regiões do Rio Grande do Sul, Brasil. Universitas Humanística, 92. https://doi.org/10.11144/Javeriana.uh92.cmmi