Experimentação em arte: resistências, expansões, dissoluções e transbordamentos nas práticas artísticas latino-americanas
Editora convidada: Ana María Romano Gómez*
CHAMADA PARA ARTIGOS
DATA LIMITE: 12 de julho de 2025
Este dossiê visa provocar e convidar a compartilhar reflexões, experiências e processos em torno das relações complexas e alquímicas que surgem no encontro entre o propósito criativo artístico e a necessidade de experimentar em/desde/com os limites das ideias, das técnicas, ferramentas, recursos, referentes, modos de fazer e dinâmicas relacionais no ambiente e contexto em que as criações artísticas são desenvolvidas.
Quando situarmos na América Latina, interessa-nos a trama que se articula pelas múltiplas perspectivas que alimentam os vínculos com este território, ou seja, não somos limitados apenas pelo que acontece dentro do que conhecemos geograficamente como América Latina, mas temos em mente as complexidades que emergem ao conectar a noção territorial com fatores históricos, culturais, sociais, políticos, simbólicos, económicos, espirituais e, desse jeito, abrir a proposta a partir de uma lente que amplia o olhar em relação à América Latina.
A partir da experimentação artística, desejamos problematizar as configurações coloniais que persistem nas diferentes esferas e que anulam o espírito crítico, ignoram os processos particulares e acabam por homogeneizar a criação, cujas manifestações podemos observar em âmbitos como os processos de formação que ignoram os contextos nos quais desenvolvem-se, a imposição de conceitos, a instalação de regras para a criação ou de práticas que magoam a autonomia criativa, a uniformização nos meios e modos de circulação, ou em formas extrativistas das relações entre as pessoas e todas as formas de vida.
Não procuramos visões totalizantes nem abordagens neutras sobre América Latina; tentamos desencadear cruzamentos de caminhos entre as heranças e suas origens mistas, tradições que se renovam, modos de imaginar, de fazer e compartilhar. objetivamos desestabilizar “as vozes autorizadas” surgidas dentro dessas práticas coloniais sob a defesa da expertise, para, pelo contrário, convidar processos nos quais configurações sejam tentadas a partir de vivências na e com a América Latina. Nesta chamada, invocamos perspectivas dispares das implicações políticas da experimentação. Interessa-nos tecer relatos que alimentem esse grande prisma que é a experimentação nas artes para resistir a narrativas lineares, unidirecionais, unívocas.
Perguntar?
Habitar na pergunta e abrir-nos à curiosidade, entrar ao processo criativo na fruição de sentir e deixar de lado a urgência de verificar, nos adentrar nas possibilidades eróticas da experimentação para nós dispormos, como convida Audre Lorde (1978), a “não se contentar com o que é conveniente, falso, convencional ou meramente seguro”. O desejo, esse impulso vital, e o jogo, esse cúmplice vital, abrem as portas à incerteza, à instabilidade, para abalar com irreverência preconceitos essencialistas como os mandatos canônicos do “saber fazer”, ou a certidão de “estar fazendo-o bem”, ou a imposição de “protocolos infalíveis”, ou a necessidade de atingir uma “expectativa”, ou a obrigação de ter que “produzir” permanentemente.
Priorizar o processo em detrimento do resultado significa examinar as bordas e colocar a lupa nas ações e aconteceres que não são perceptíveis à primeira vista para abrir a possibilidade de habitar simultaneamente diferentes perspectivas. Também é se extraviar diante da diversidade de caminhos possíveis. Ou até mergulhar nas profundezas de um instante e encontrar-se na ineludível transmutação das essências vitais.
O experimental é uma provocação para (re)imaginar, (re)construir, (re)visar. Ajuda-nos a expandir a criação para diferentes margens, mais para além dos limites estabelecidos durante séculos no Ocidente e que permitiram a emergência de postulados cimentados na ideia de “universalidade”. Em resposta, a experimentação nos desafia a nos situar no micro. Não é fascinante imaginar a criação sem pretensões como conceber uma “obra-prima” ou a tolice de “criar escola”? Como ilustrou, em 1920, o compositor Erik Satie (1999) em seu pungente estilo: “não há necessidade de escravidão na arte. Sempre me esforce para confundir meus seguidores, tanto na forma quanto no conteúdo, em cada nova obra. É a única maneira de um artista não se tornar uma escola, isto é, não se tornar um pedante”. Mesmo assim, a experimentação inspira-nos a tecer e lembrar a interdependência entre a individualidade e a coletividade, oferecendo-nos a possibilidade de pensar os papeis na criação fora de relações hierárquicas verticais, a modo de cadeia de comando. Não é fascinante trocar e se deixar permear pelas contribuições de outras pessoas? Da mesma forma, nos estimula a rever formas de fazer que estão em vigor há muito tempo e são transmitidas como verdades inamovíveis que forjaram procedimentos fixos, o que gera resistências à renovação. Não é fascinante se arriscar a tentar e dialogar com os enleios da hesitação?
Perguntas abrem conversas para a experimentação porque nos dispõem à escuta e escutar é estar presente. Erodimos a linearidade do tempo à medida que vivenciamos a multiplicidade de tempos que se entrelaçam, seja em um encontro de experimentos criativos, seja no acontecer da vida. Abrir-se às perguntas é mesmo quebrar os binarismos, romper a dualidade como percurso de existência: prática/teoria, obra/vida, artista/público, criar/interpretar, barulho/música, expertise/hobby, transformação/identidade, objetivo/incerteza, artista/pensadora, quietude/silencio/som/movimento, estética/política, sensorial/intelectual… Poderíamos estender esta lista com muitos outros exemplos.
Perguntas expandem a escuta. Por meio das perguntas desbordamos o costume.
O que acontece quando confundimos, poroseamos, expandimos, os limites disciplinares?
O que quando rompemos com a necessidade de criar em um gênero único e estático?
O que acontece quando prescindimos de paradigmas?
Reinventar a roda
Este dossiê nos convida a imaginar, refletir, pesquisar na experimentação na arte, mas desde os como do que dos quê. Inspirados em Silvia Rivera Cusicanqui (Salazar Lohman 2015), esses como são móveis, permeáveis, extensíveis, flexíveis, são tecidos de afeitos, afinidades e convivem muito bem com uma escuta permanente, ampliada e curiosa. Esses como estão muito longe de serem modelos que replicam fórmulas “de sucesso”, pelo contrário, constroem-se desde experiências, necessidades, brincaderias e buscas situadas; é cada experiência que traça seus limites, que encontra seu ponto de apoio; é a própria prática que repensa a técnica, o vocabulário, o código, a ação, o dispositivo, a comunicação.
A criação artística não é linear em dimensão nenhuma: aprendizagem, ensino, prática, conceição e desenvolvimento, materialização, etc. Os contextos e circunstancias socioculturais são tanto pessoais enquanto coletivos e, por isso, a aproximação nos encontros criativos requer ouvir o tempo que cada pessoa precisa; esta escuta sustem os processos de aprendizagem e conhecimento não apenas para dar vida a uma obra ou dispositivo qualquer, mas para abrir espaço a algo fundamental, como é o se sentir parte de. Essas particularidades na temporalidade são inerentes aos processos de experimentação.
Se observarmos atentamente expressões como “reinventar a roda” percebemos que através dela pode-se comprometer o canal de criatividade ou se limitar as possibilidades da exploração, uma vez que não consideram os componentes individuais e acabam forçando processos de homologação de histórias pessoais. Alguns dos problemas decorrentes destas aproximações podem acabar na invalidação de experiencias individuais em favor da implementação de “padrões” ou de certas expectativas que ajustam a noção de expertise, ou, ainda, na normalização da preocupação com a busca do novo sob preceitos como “o nunca antes visto”, gesto que invalida experiências e percursos pessoais dentro das práticas artísticas. A compositora Jacqueline Nova manifestou agudamente em um dos seus programas radiais de Asimetrías, em 1969, que “devemos abordar o novo como uma necessidade, não como uma fórmula. O novo será produzido pela necessidade histórica”. Ou seja, a novidade se reconheceria não como slogan, mas como parte das transformações inerentes à passagem do tempo. Igualmente, cada vivência resulta transcendental, mesmo que os resultados sejam conhecidos, pois é indiscutível que cada nova aproximação fornece novas experiências. Daí que a exigência de conhecer “todos os referentes” para inventar algo novo também é controversa, pois não se trata de uma lista de verificação que também ignora a condição situada de cada processo. Por isso, tanto na aprendizagem quanto na prática, a interlocução e a troca são muito valorizadas, como nos ensinam os espaços de brincadeira e aprendizagem que encontramos na infância, onde imperam o prazer, a motivação e a curiosidade, por mencionar apenas algumas particularidades fascinantes.
Ao rever alternativas a estes mandatos, surgem em cena exercícios como o “faça você mesmx” (DIY), que nos convida a desmantelar as imposições uniformizadoras de setores como a indústria ou a massificação da educação, e como extensão desta proposta, surge o “fazê-lo com outrxs” (DWO), que sem dúvida abre possibilidades incríveis de experimentação como um espaço que se constrói a partir do encontro, cultiva a aprendizagem coletiva, abraça a intuição, estimula a empatia e se sustenta na ideia de compartilhar conhecimento. Esses espaços coletivos acolhem a ideia de laboratório, provocando não só a possibilidade de aprofundamento de práticas artísticas a partir de diferentes disposições, mas também o surgimento de diferentes dinâmicas relacionais. Como Nancy Stark nos lembrou: “confiança não é algo que pode ser equiparado à fé cega” (Visioniarborescenti 2013), então, em um espaço de experimentação, nos permitimos passar pelos buracos sabendo que não nos faltará ar.
Que isso seja, então, uma provocação para reconfigurar e repensar as abordagens inertes que tomam como certos os acionar em qualquer esfera da vida, a fim de agenciar, por meio da experimentação nas artes, contingências que contemplem as complexidades de nos conhecermos individuais, sociais e culturais. Convidamos a expandir o escritural, a experimentar na escrita em si. Textos coletivos são bem-vindos, entendendo-se essa relação não apenas quando há duas ou mais pessoas escrevendo, mas também envolvendo na coautoria às pessoas que são entrevistadas ou cujo trabalho se deseja apresentar por meio da escrita submetida à chamada.
Nós clamamos para transbordar/transbordar-se/transbordar a nós mesmos. Propomos, portanto, aventurar-nos a livrar-nos de categorias (que por natureza são reducionistas e estáticas), bem como a desvendar uma imagem ou noção conclusiva do experimental.
Possíveis eixos de reflexão: as propostas podem considerar um eixo ou cruzamentos entre eles
- A experimentação na criação como declaração de dissensão nas artes na América Latina.
- A experimentação como catalisadora de transbordamentos disciplinares nas artes, bem como a vontade de encontro e intercâmbio com outras áreas fora do âmbito da arte.
- Presença de práticas e saberes ancestrais como recursos substanciais na experimentação artística latino-americana.
- A experimentação artística como fator estressante nos processos de formação dentro e fora da academia.
- Feminismos, ciberfeminismos e transfeminismos: enunciados de práticas experimentais nas artes.
- Experimentações artísticas nas abordagens de mecanismos/processos criativos contra-hegemônicos para acolher insubordinações artísticas, sociais e culturais.
- A experimentação como ato político anticapitalista e antipatriarcal na criação artística: colaboração, ações comunitárias, autogestão, independência, brincadeira, humor, cultura livre, ativismos.
- Prática artística experimental como forma de percepção, para além da pergunta estética e da produção da obra, para a dissolução/ampliação da autoria, do público, dos géneros, da obra, da imposição de tempos, meios e modos de produção criativa ou colocar a noção categórica de qualidade sob tensão.
- Afetos, desejos e subjetividades: em prol da diversidade e da coexistência nos processos de experimentação nas artes. Indo além da noção de nicho e ficando fora do mainstream ou da “indústria”.
- Experimentação artística desenvolvida em contextos não urbanos, ou por grupos e pessoas que não pertencem às populações dominantes dos circuitos, ou por grupos e pessoas que se assumem em dissidências sexo-género, ou em espaços não convencionais, ou quando mesclar elas ou mais bordas.
- Experimentações criativas nas artes com o uso de tecnologias (antigas, atuais, novas e inimagináveis) como gatilhos para colisões políticas e ideológicas.
- Experimentar nas artes não apenas nas provocações sensoriais, intelectuais, estéticas e poéticas, mas também abrir-se a experiências que desmontem a verticalidade dos papéis nos processos criativos.
- A escuta como mecanismo de experimentação para abrir interações artísticas de forma responsável e criativa, desmantelando qualquer posição de superioridade com as formas de vida humanas e não humanas e com os ambientes.
- Convidar os sonhos, a intuição, a espiritualidade e o sobrenatural aos processos criativos na experimentação artística.
Referencias
Lorde, Audre. 1978. “Usos de lo erótico: Lo erótico como poder”. https://sentipensaresfem.wordpress.com/2016/12/03/ueecpal/
Salazar Lohman, Huáscar. 2015. “Sobre la comunidad de afinidad y otras reflexiones para hacernos y pensarnos en un mundo otro”. El Apantle: Revista de Estudios Comunitarios, n.º 1, 141-165. https://clajadep.lahaine.org/?p=28354
Satie, Erik. 1999. Cuadernos de un mamífero. Barcelona: Acantilado.
Visioniarborescenti. 2013. “The poetics of touch: Nancy Stark Smith, a pathway into contact improvisation”. https://www.youtube.com/watch?v=v6Pt0OXK7es
*
Ana María Romano G. es compositora, artista sonora, improvisadora, docente e investigadora colombiana. Sus intereses creativos se sitúan en la intersección entre el sonido y la tecnología, atravesados por preguntas desde la escucha, el espacio, el cuerpo, género y sexualidad, la improvisación y la experimentación. Sus indagaciones exploran paisajes sonoros, las relaciones interespecies y el ruido. Sus búsquedas le han permitido trabajar los medios acústicos, electroacústicos y la creación en ámbitos como instalaciones, video, artes escénicas, radio. Sus más recientes creaciones plantean la posibilidad de expandirlas para que puedan tomar nuevos rumbos, así una obra puede ser instalación, repositorio, concierto, archivo, o desplegarse a las artes escénicas. En su vida son de gran estima los espacios colectivos y colaborativos y el diálogo interdisciplinar. Considera inseparables las dimensiones políticas en la creación.
Sus obras han sido publicadas, comisionadas, premiadas y presentadas en diferentes eventos en Colombia, Alemania, Argentina, Australia, Austria, Bélgica, Bolivia, Brasil, Canadá, Cuba, Chile, China, Ecuador, España, Estados Unidos, Francia, Grecia, Inglaterra, Italia, México, Perú, Rusia, Suecia, Suiza y Uruguay. Ha sido artista en residencia en el Centro Mexicano para la Música y las Artes Sonoras (CMMAS) y en diferentes espacios en Colombia y América Latina. Ha publicado artículos, investigaciones, ensayos, con el Banco de la República, IDARTES, Universidad Javeriana, Ministerio de Cultura, Revistas Arcadia y Diners, Buh Records, Contingent Sounds, entre otros. Ha sido editora de revistas, discos, plataformas digitales.
Feminista comprometida con la visibilización de las mujeres y las disidencias sexo genéricas en los ámbitos de la creación sonora experimental con tecnologías en América Latina, desde la Plataforma En Tiempo Real promueve la presentación de sus trabajos, labor que es reconocida por el medio musical y artístico dentro y fuera de Latinoamérica y que en 2019 la hizo merecedora a la nominación al Classical Next Award Innovation (Holanda).
Ha desarrollado una profunda investigación sobre la compositora Jacqueline Nova, artista fundamental en la música electroacústica en Colombia, abriendo múltiples actividades para la difusión de su obra, entre las que se resaltan: Editora Revista A Contratiempo número monográfico (2002). Curadora de la exposición “Jacqueline Nova. El mundo maravilloso de las máquinas”, Museo de Arte Moderno de Medellín (2017). Asesora en la exposición “Jacqueline Nova: Creación de la Tierra”, Blaffer Art Museum, Houston (2020). Co-curadora y creadora de la versión multicanal de la obra “Creación de la tierra” para la 34 Bienal de São Paulo (2021). Investigadora y curadora del vinilo doble “Creación de la tierra: Ecos palpitantes de Jacqueline Nova (1964-1974)” Buh Records (Perú, 2022).
Actualmente investiga sobre las protagonistas-referentes de la música electrónica latinoamericana y produce desde En Tiempo Real el proyecto “El lado B que también es el lado A”, que consiste en diálogos intergeneracionales entre compositoras latinoamericanas para reconocer el trabajo de quienes han estado presentes desde los inicios de la música electroacústica y fortalecer vínculos entre las artistas.
Ha participado como organizadora, colaboradora y expositora en múltiples proyectos en torno al paisaje sonoro con diferentes aproximaciones: medio ambiente y cambio climático, ecosistemas, perspectivas sociopolíticas.
Es docente en la Universidad El Bosque. Coordina la Plataforma Feminista En Tiempo Real. Co-fundadora de PAISAJISTAS SONORAS – AMÉRICA LATINA, junto a la investigadora peruana Vanessa Valencia Ramos, plataforma que ha publicado la colección “Latinoamérica se escucha”. Co-creadora de Microcircuitos Plataforma Digital Regional, uno de los repositorios digitales públicos más grandes de música contemporánea y experimental de Argentina, Colombia, Costa Rica, Ecuador, México, Uruguay y Venezuela. Ha participado en la gestión del espacio digital GexLat Género – Experimentación – Latinoamérica. Integra la Red de Compositoras Latinoamericanas redcLa.
Presenta regularmente conciertos, así como actividades académicas, dentro y fuera de Colombia.
Para submeter o seu artigo à atual convocatória 21-1 "Experimentação em arte: resistências, expansões, dissoluções e transbordamentos nas práticas artísticas latino-americanas", deve enviá-lo registando-se na plataforma OJS*. A revista só aceita artigos no âmbito das chamadas de dossiers temáticos.
*Caso tenha problemas para enviar seu artigo pela plataforma OJS, envie sua inscrição por e-mail para cuadernosmavae@javeriana.edu.co, anexando os documentos solicitados.